«Não separe o homem o que Deus uniu.»
Ir. Anabela Silva fma
O Evangelho coloca-nos diante de
um tema bastante problemático mesmo para os dias de hoje: o matrimónio e o
divórcio. Tema de discussão entre Jesus, os fariseus e os seus discípulos. Mais
uma vez encontramos visões diferentes: uma visão agarrada aos preceitos e
normas estabelecidas e outra visão que segue a via do amor.
O amor entre um homem e uma mulher é tudo na
vida. Vê-se o fascínio da relação, quando se dedicam com todas as forças a construir
juntos a felicidade. É uma responsabilidade mútua e não compete apenas a uma
das partes. De outra forma, isolados na relação, encontra-se desilusão e temor.
É bonito perceber e colher do
texto evangélico o fundamento do amor entre o casal, assinalando o mal que
muitas vezes corrói a relação, e como se deve abrir à graça de Deus que salva.
Jesus declara a validade do carácter indissolúvel do matrimónio, que desde
sempre Deus estabeleceu com a humanidade. A fidelidade entre os esposos é sinal
e reflexo do amor sem reservas de Cristo por cada um de nós.
Os fariseus limitam-se ao código de Moisés,
Jesus valoriza o projecto de Deus. É caso para nos interrogarmos: quantos
fariseus existem na nossa sociedade? Quantos acolhem e vivem o seu matrimónio
como projecto de Deus?
Evangelho segundo S. Marcos (10,
2-16)
«Naquele tempo,
aproximaram-se de Jesus uns fariseus para o porem à prova e perguntaram-lhe:
“Pode um homem repudiar a sua mulher?” Jesus disse-lhes: “Que vos ordenou
Moisés?” Eles responderam: “Moisés permitiu que se passasse um certificado de
divórcio, para se repudiar a mulher.” Jesus disse-lhes: “Foi por causa da
dureza do vosso coração que ele vos deixou essa lei.” Mas no princípio da
criação, «Deus fê-los homem e mulher. Por isso, o homem deixará pai e mãe para
se unir à sua esposa, e os dois serão uma só carne». Deste modo, já não são
dois, mas uma só carne. Portanto, não separe o homem o que Deus uniu.” Em casa,
os discípulos interrogaram-no de novo sobre este assunto. Jesus disse-lhes
então: “Quem repudiar a sua mulher e casar com outra, comete adultério contra a
primeira. E se a mulher repudiar o seu marido e casar com outro, comete
adultério.”Apresentaram a Jesus umas crianças para que Ele lhes tocasse, mas os
discípulos afastavam-nas. Jesus ao ver isto, indignou-se e disse-lhes: “Deixai
vir a mim as criancinhas, não as estorveis: dos que são como elas é o Reino de
Deus. Em verdade vos digo: quem não acolher o reino de Deus como uma criança,
não entrará nele.” E abraçando-as, começou a abençoá-las, impondo as mãos sobre
elas.»
MEDITAÇÃO
- Naquele tempo,
aproximaram-se de Jesus uns fariseus para o porem à prova e perguntaram-lhe:
“Pode um homem repudiar a sua mulher?”
Mais uma vez os fariseus colocam Jesus à prova com um tema que sabem ser
delicado: o repúdio da mulher. Segundo a lei dos judeus, o divórcio é um
privilégio masculino. Mas a questão não se coloca tanto na licitude do
divórcio, pois o Antigo Testamento contemplava a possibilidade de um segundo
matrimónio, mas nos motivos que o podiam justificar. Daí a provocação dos
fariseus.
A atitude dos fariseus é muito típica nos nossos dias. Colocar as
pessoas à prova para ver as suas reacções e a partir dali justificar todos os
pensamentos e ideias. E de facto o ponto central das questões, e neste caso em
relação ao divórcio, não é tanto o divórcio em si, mas os motivos que levam a
esta decisão. A fidelidade conjugal em alguns casais parece ser algo assustador
ou desconcertante, ou até mesmo desnecessário (basta pensar em algumas decisões
entre casais), mas se a relação não se pauta por esse fio, nunca se entenderá a
lógica do amor e do dom da vida. É que por vezes os motivos não são tão
profundos e válidos, mas são puras decisões de egoísmo e individualismo.
- Jesus disse-lhes: “Que vos
ordenou Moisés?” Eles responderam: “Moisés permitiu que se passasse um
certificado de divórcio, para se repudiar a mulher.” Jesus disse-lhes: “Foi por
causa da dureza do vosso coração que ele vos deixou essa lei.”
À
pergunta dos fariseus Jesus responde com uma pergunta: Moisés o que diz de tudo
isso? E como bons seguidores da lei, referem o certificado de divórcio que
Moisés permitiu que se passasse à mulher para a repudiar. Jesus esclarece que a
questão levantada desde sempre existiu e não pretende abolir mas levá-la à
plena realização e Moisés apenas quis disciplinar as coisas. E se Moisés assim
o fez foi devido à dureza dos seus corações porque a mulher tem de ser
respeitada e ter os mesmos direitos.
O amor é a realidade mais elevada e madura da existência humana e também
a mais árdua e difícil, a mais complexa e plena, porque é a própria vida que
está em jogo. Este é o nosso destino na terra e na eternidade. Como alguém
reflectia um dia «É com certeza o sentimento e a emoção espontânea no início,
mas depois torna-se acto plenamente humano, isto é, exercício da inteligência e
da vontade, acto livre, consciente e responsável». Se o amor falha vive-se a
“esclorose do coração”. Nesta dureza do coração devemos procurar as causas:
imaturidade, irresponsabilidade, condicionamentos sociais, falta de gratuidade,
um jogo de emoções… mas por detrás destas causas está essencialemnte a falta de
fé e a rejeição de Deus e dos seus mandamentos. O amor não é um jogo de
crianças! É preciso mudar o coração de pedra para coração de carne e curar as
feridas do pecado.
- Mas no princípio da
criação, «Deus fê-los homem e mulher. Por isso, o homem deixará pai e mãe para
se unir à sua esposa, e os dois serão uma só carne». Deste modo, já não são
dois, mas uma só carne. Portanto, não separe o homem o que Deus uniu.
Jesus prossegue o seu diálogo com os fariseus realçando as palavras do
livro do Génesis. Reconhece o valor da norma mas a tolerância demonstrada por
Moisés não é expressão do projecto originário de Deus. O convite é ir mais além
da norma e considerar a relação humana e a sexualidade à luz do projecto de
Deus e não segundo os comportamentos introduzidos pelo homem. O repúdio foi
introduzido pelo homem e «é um atentado destruidor à obra do Senhor que uniu o
homem e a mulher numa só carne».
A raiz do amor entre homem e mulher está no acto criativo de Deus: «Não
é bom que o homem esteja só. Vou fazer uma auxiliar que lhe corresponda.»(Gn 2,
18). Cria a mulher para dizer o quanto ela é igual na dignidade, ela é da mesma
carne. Por isso a relação exige a união, a complementariedade, a comunhão, a
serem «uma só carne». Deste modo vive-se tudo em sintonia, encontrando
reciprocidade física e espiritual. Se o amor é a estrutura do homem e da
mulher, então constitui o projecto, o chamamento ao amor. A falha no amor é
falha do projecto de Deus, de algo que é confiado ao Homem para que funcione,
para que leve a bom termo todos os recursos para ser feliz. A nossa vida é uma
chama do fogo do amor de Deus, porque «Deus é Amor» (1 Jo 4, 8).
- Em casa, os discípulos
interrogaram-no de novo sobre este assunto. Jesus disse-lhes então: “Quem
repudiar a sua mulher e casar com outra, comete adultério contra a primeira. E
se a mulher repudiar o seu marido e casar com outro, comete adultério.”
Jesus
não tem medo de dizer qual a sua posição. E diante de tais palavras também os
discípulos ficam perplexos, pois fazem parte da sociedade de então e porque
viviam segundo as normas. Pensar numa paridade de direitos e deveres do homem e
da mulher era uma grande mudança de mentalidade e sobretudo de vivência do
amor.
Mas Jesus não introduziu nem fez uma nova lei, apenas lembrou que o
projecto inicial de Deus não contempla o repúdio. Em todas as relações existem
dificuldades, conflitos, momentos difíceis mas é importante todos os dias,
confluir para a capacidade de amar, que é própria de Deus para se poder viver o
amor em penitude, uma vez que somos feitos à Sua imagem e semelhança. O amor é
o sector em que sentimos ciúmes e autónomos, por isso, o remédio é mergulhar no
amor de Deus, superar todas as tentações de autosuficiência e acolher com
humildade a presença salvifica de Deus em nós.
- Apresentaram a Jesus umas
crianças para que Ele lhes tocasse, mas os discípulos afastavam-nas. Jesus ao
ver isto, indignou-se e disse-lhes: “Deixai vir a mim as criancinhas, não as
estorveis: dos que são como elas é o Reino de Deus.
Mais uma vez Jesus apresenta as crianças como exemplo de humildade, de
confiança e sinceridade. Parece que a sua presença incomoda, talvez porque não
se gosta de ser comparado com elas.
A criança é alguém frágil e dependente. Quando se é adulto pensa-se que
não se precisa de ninguém nem de nada, já se é suficientemente grande para
escolher e decidir, mas quantos erros não se fazem e quanta infelicidade. A
vida, como o amor que a conduz, são coisas superiores a nós. Têm uma fonte que
ultrapassa todos os caprichos humanos. Negar-se à vida e ao amor é fazê-los
morrer em nós. Então, casamentos bonitos na Igreja são puro folclore e o amor
conjugal pura ilusão. Se deixo Deus entrar na minha vida, esta ganha sentido,
ignorá-lo é arriscar a pele; confiar só em si mesmo, na sua sabedoria,
endurecer-se nas própria convicções e não aceitar que sejam postas em discussão
é estar fora do reino de Deus. A criança não nega o amor, por isso confia.
- Em verdade vos digo: quem
não acolher o reino de Deus como uma criança, não entrará nele.” E abraçando-as, começou a abençoá-las,
impondo as mãos sobre elas.
A questão de fundo é o acolhimento do Reino. Se acolhermos como as
crianças, entraremos no abraço de Deus e receberemos a Sua benção.
Para se viver a indissolubilidade do matrimónio é preciso voltar a ser
criança, é preciso voltar ao projecto originário de Deus e confiar. O amor é
construído e fecundado todos os dias. Na relação deve-se evitar que o amor se
torne possesso, que a comunicação seja banal e superficial; deve-se apostar na
sinceridade, na partilha, no diálogo, na confiança, na ternura e na a coragem
de perdoar. O perdão é a primeira virtude que une uma família. A conversão
constante do coração é a atitude que permite amar cada vez mais e torna fecunda
a relação.
CHAVE DE LEITURA
No texto
que a liturgia coloca diante de nós, Jesus dá conselhos acerca da relação entre
homem e mulher e sobre as mães e as crianças. Naquele tempo muitas pessoas eram
excluídas e marginalizadas. Por exemplo, na relação entre homem e mulher
existia o machismo. A mulher não podia participar, não havia igualdade de
direito entre os dois. Na relação com as crianças, “os pequeninos”, havia um
“escândalo” que era a causa da perda de fé de muitos deles (Mc 9, 42). Na
relação entre homem e mulher, Jesus pede o máximo de igualdade. Na relação
entre as mães e as crianças, pede o máximo de acolhimento e de ternura.
Algumas
perguntas para ajudar na meditação e na oração
- Qual o ponto do texto que mais gostaste e mais te chamou a atenção?
- Qual a situação da mulher que aparece no texto?
- Como é que Jesus quer que seja a relação entre o homem e a mulher?
- Qual a preocupação das mães que trazem as crianças a Jesus?
- Qual a reação de Jesus?
- Que ensinamentos se tiram para a vida acerca das crianças?
Comentário
do texto
Marcos 10, 1: Uma
indicação geográfica. O autor do evangelho de Marcos tem o costume de
situar o acontecimento com estas e outras breves informações geográficas,
dentro do conjunto da narração. Depois, para o que escuta uma longa narração
sem ter o livro nas mãos, tais informações geográficas ajudam na compreensão da
leitura. São como postes ou marcos que sustentam o fio da narração. É muito
comum Marcos dar informação: “Jesus ensinava” (Mc 1, 22.39; 2, 2.13; 4, 1; 6,
2; 6, 34).
Marcos 10, 1-2: A
pergunta dos fariseus sobre o divórcio. A pergunta é maliciosa pois
procura pôr Jesus à prova: “É lícito ao marido repudiar a sua mulher?”. Sinal
de que Jesus tinha uma opinião diferente, pois de contrário os fariseus não a
teriam feito. Não perguntam se é lícito à esposa repudiar o marido. Isto não
lhes passava pelas suas cabeças. Sinal claro de uma forte dominação masculina e
da marginalização da mulher na convivência social daquela época.
Marcos 10, 3-9: A
resposta de Jesus: o homem não pode repudiar a mulher. Em vez de
responder, Jesus pergunta: “Que diz a Lei de Moisés?”. A Lei permitia ao homem
escrever uma carta de divórcio e repudiar a sua mulher (Dt 24, 1). Esta
permissão revela um machismo. O homem podia repudiar a sua mulher mas a mulher
não tinha o mesmo direito. Jesus explica que Moisés atuou assim por causa da
dureza do coração do povo, mas a intenção de Deus era outra quando criou o ser
humano. Jesus retorna ao projeto do Criador (Gn 1, 27 e Gn 2, 24). e nega ao
homem o direito de repudiar a sua mulher. Deita por terra o direito do homem
frente à mulher e pede o máximo de igualdade.
Marcos 10, 10-12: Igualdade
entre homem e mulher. Em casa, os discípulos fazem-lhe perguntas acerca
do mesmo tema do divórcio. Jesus tira conclusões e reafirma a igualdade de
direitos e deveres entre o homem e a mulher. O evangelho de Mateus (cf. Mt 19,
10-12) aclara uma pergunta dos discípulos sobre este tema. Dizem: “Se tal é a
condição do homem relativamente à sua mulher, não é conveniente casar-se”.
Preferem não casar-se, antes que casar-se sem o privilégio de continuar a
mandar sobre a mulher. Jesus vai ao fundo da questão. Coloca três casos em que a
pessoa não se pode casar:
1) – impotência;
2) – castração;
3) – por causa do Reino.
Não casar-se porque alguém não quer perder o
domínio sobre a mulher é inadmissível na Nova Lei do Amor. Tanto o matrimonio
como o celibato devem estar ao serviço do Reino e não ao serviço de interesses
egoístas. Nenhum dos dois pode ser motivo para manter o domínio machista do
homem sobre a mulher. Jesus propõe um novo tipo de relação entre os dois. Não
permite o matrimonio em que o homem possa mandar sobre a mulher e vice-versa.
Marcos 10, 13: Os
discípulos impedem as mães de se aproximar de Jesus com as suas crianças.
Algumas pessoas trouxeram as suas crianças para que Jesus as tocasse. Os
discípulos procuram impedir. Por quê? O texto não esclarece. Segundo os
costumes rituais da época, as crianças pequenas e as suas mães viviam num
estado quase permanente de impureza legal. Jesus ficaria impuro se as tocasse.
Provavelmente os discípulos querem impedir que Jesus as toque para não ficar
impuro.
Marcos 10, 14-16: Jesus
repreende os discípulos e acolhe as crianças. A reação de Jesus ensina
o contrário: “Deixai vir a mim os pequeninos e não os afasteis!”. Abraça as
crianças, aproxima-as dele e impõe-lhes as mãos. Quando se trata de acolher
pessoas e de promover a fraternidade, a Jesus não lhe importam as leis da
pureza legal e não tem medo de transgredi-las. O seu gesto traz-nos um
ensinamento: “Quem não receber o Reino de Deus como uma criança não pode entrar
nele”. Que significa esta frase?
1) Uma criança recebe tudo dos pais. Ela não
merece o que recebe, mas vive do amor gratuito.
2) Os
pais recebem os filhos como um dom de Deus e cuidam deles com carinho.
A preocupação dos pais não é dominar os
filhos, mas amá-los e educá-los para que se realizem!
AMPLIANDO INFORMAÇÕES PARA PODER ENTENDER O TEXTO
Jesus acolhe e defende a vida dos pequenos
Jesus insiste várias vezes no acolhimento que se deve dar aos
pequeninos, às crianças. “Quem acolhe a um destes pequeninos em meu nome
acolhe-me a mim” (Mc 9, 37). “Quem der um copo de água a um destes pequeninos
não ficará sem recompensa” (Mc 10, 42). Jesus pede para não desprezar os
pequenos (Mt 18, 10). No juízo final os justos serão recebidos porque deram de
comer “a um destes mais pequeninos” (Mt 25, 40).
Nos evangelhos a expressão “pequenos” (em
grego diz-se elachistoi, mikroi ou nepioi), algumas vezes
indica “criança”, outras, os sectores excluídos da sociedade. Não é fácil
discernir. Algumas vezes o que é “pequeno” num evangelho é a “criança” no
outro. A criança pertence à categoria dos “pequenos”, dos excluídos.
Dito isto, nem sempre é fácil discernir o que vem do tempo de Jesus e o que vem
do tempo das comunidades para que tivesse sido escrito nos evangelhos. Apesar
disto, resulta claro o contexto de exclusão que existia na época e a imagem que
as primeiras comunidades tinham de Jesus. Jesus coloca-se ao lado dos pequenos,
dos excluídos e assume a sua defesa. Impressiona quando se vê tudo o que Jesus
fez em defesa da vida das crianças, dos pequenos:
Acolher
e não escandalizar. É uma
das palavras mais duras de Jesus contra os que causam escândalo aos pequenos,
ou seja, que sejam motivo para que os pequenos deixem de acreditar em Deus.
Para estes melhor seria ter uma pedra de moinho atada ao pescoço e serem
lançados ao fundo do mar (Mc 9, 42; Lc 17, 2; Mt 18, 6).
Acolher e tocar. As mães
com as suas crianças nos braços aproximam-se de Jesus para lhe pedir uma
bênção. Os apóstolos procuram afastá-las. Tocar significava contrair impureza!
Jesus não se incomoda como eles. Corrige os discípulos e acolhe as mães e os
seus filhos. Toca-os e abraça-os. “Deixai que as criancinhas venham a
mim, não as impeçais!” (Mc 10, 13-16; Mt 19, 13-15).
Identificar-se com os pequenos. Jesus identifica-se com as crianças. Quem recebe
uma criança “recebe-me a mim” (Mc 9, 37). “Sempre que fizestes isto a um destes
meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes” (Mt 25, 40).
Tornar-se
como uma criança. Jesus
pede que os discípulos se tornem como crianças e aceitem o Reino como uma
criança. Sem isto, é impossível entrar no Reino de Deus (Mc 10, 15; Mt 18, 3)
Lc 9, 46-48). Faz com que uma criança seja o professor do adulto, o que não é
normal pois estamos acostumados ao contrário.
Defender
o direito do que grita. Quando
Jesus entrou no Templo e derrubou as mesas dos cambistas, eram as crianças que
mais gritavam. “Hossana ao Filho de David!” (Mt 21, 15). Criticado pelos chefes
dos sacerdotes e pelos escribas, Jesus defende-as e em sua defesa cita a
Sagrada Escritura (Mt 21, 16).
Agradecer
pelo Reino presente nos pequenos. A alegria de Jesus é grande quando percebe que as
crianças, os pequenos, compreenderam as coisas do Reino que ele anunciava ao
povo: “Dou-te graças, Pai!” (Mt 11, 25-26). Jesus reconhece que os pequenos
entendem melhor as coisas do Reino do que os doutores.
Acolher
e curar. São muitas as crianças e jovens que Jesus acolhe,
cura e ressuscita: a filha de Jairo de 12 anos (Mc 5, 41-42), a filha da mulher
cananeia (Mc 7, 29-30), o filho da viúva de Naim (Lc 7, 14-15), o pequeno
epiléptico (Mc 9, 25-26), o filho do Centurião (Lc 7, 9-10), o filho do
funcionário público (Jo 4, 50), o pequeno dos cinco pães e dois peixes (Jo 6,
9).
O contexto
em que se encontra o nosso texto dentro do Evangelho de Marcos
O nosso texto (Mc 10, 1-16) faz parte de uma
longa instrução de Jesus aos seus discípulos (Mc 8, 27 a 10, 45). No início
desta instrução, Marcos situa a cura do cego anônimo de Betsaida na Galileia
(Mc 8, 22-26); no fim, a cura do cego Bartimeu de Jericó na Judeia (Mc 10,
46-52). As duas curas são símbolo do que ocorria entre Jesus e os discípulos.
Os discípulos também estavam cegos e apesar de terem olhos não viam (Mc 8, 18).
Necessitavam de recuperar a vista: deviam abandonar a ideologia que lhes impedia
de ver de forma clara; deviam aceitar Jesus tal como era e não como eles
queriam que fosse. Esta longa instrução tem como objetivo curar a cegueira dos
discípulos. É como uma pequena cartilha, uma espécie de catecismo, com frases
do próprio Jesus. Eis o esquema da instrução:
- Cura de um cego (8, 22-26).
- 1º anúncio da Paixão (8, 27-38).
- Instrução aos discípulos sobre o Messias Servo.
- 2º anúncio da Paixão (9, 30-37).
- Instrução aos discípulos sobre a conversão (9, 38-10, 31).
- 3º anúncio da Paixão (10, 32-45).
- Cura do cego Bartimeu (10, 46-52).
Como se pode ver, a instrução consta de três
anúncios da Paixão: Mc 8, 27-26; 9, 30-37; 10, 32-45. Entre o primeiro e o
segundo há uma série de instruções para ajudar a compreender que Jesus é o
Messias Servo (Mc 9, 1-29). Entre o segundo e o terceiro, uma série de
instruções que aclaram a conversão que deve dar-se nos diferentes níveis da
vida dos que aceitam Jesus como Messias Servo (Mc 9, 38-10, 31). O
conjunto da instrução tem como pano de fundo a caminhada desde a
Galileia até Jerusalém. Desde o começo até ao final desta longa instrução,
Marcos diz que Jesus está a caminho de Jerusalém (Mc 8, 27; 9, 30.33;
10.1.17.32) onde encontrará a cruz.
Cada um dos três anúncios da paixão é
acompanhado de gestos e palavras de incompreensão por parte dos discípulos (Mc
8, 32; 9, 32-34; 10, 32-37) e de palavras de orientação por parte de Jesus, que
comentam a falta de compreensão dos discípulos e ensinam como devem
comportar-se (Mc 8, 34-38; 9, 35-37; 10, 35-45). A compreensão plena do
seguimento de Jesus não se obtém através da instrução teórica, mas através de
um compromisso prático, caminhando com Ele pelo caminho do serviço,
desde a Galileia até Jerusalém. Aquele que deseja manter a ideia de Pedro, isto
é, de um Messias glorioso sem cruz (Mc 8, 32-33), nunca entenderá, jamais
chegará a ter a autêntica atitude do verdadeiro discípulo. Continuará cego,
vendo as pessoas como árvores (Mc 8, 24). Sem a cruz é impossível compreender
quem é Jesus e o que significa seguir Jesus. O caminho do seguimento é
um caminho de entrega, de abandono, de serviço, de disponibilidade, de
aceitação do conflito, sabendo que haverá a ressurreição. A cruz não é um
acidente casual mas uma parte deste caminho. Num mundo organizado a partir do egoísmo,
o amor e o serviço só podem existir crucificados! Quem faz da sua vida um
serviço aos outros incomoda os que vivem agarrados aos privilégios, e sofre.
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