Parte 2 - Culpa, Pena e Sabedoria de Deus
5. CULPA: Deus mostra Sua bondade até mesmo com os condenados.
A pena dos condenados não é infinita na
quantidade, porque a doce bondade de Deus derrama os raios de sua misericórdia
até no Inferno. O homem, morto em pecado mortal, merece uma pena infinita num tempo
infinito; porém, a misericórdia de Deus fez infinita somente o tempo da pena, e
fez a pena limitada em quantidade, embora justamente pudesse ter lhe dado maior
pena que lhe deu. Oh! Quão perigoso é o pecado cometido com malícia! Porque
dificilmente o homem se arrepende dele e, não se arrependendo, permanece com a
culpa; ela persevera durante o tempo em que o homem permanece na vontade do
pecado cometido ou na vontade de cometê-lo.
6.PENA: Purificadas do pecado, as almas sofrem alegremente as penas.
As almas do Purgatório têm a sua vontade
totalmente de acordo com a de Deus, por isso, Deus lhe corresponde com Sua
bondade; assim, elas ficam contentes no que se refere à vontade e se encontram
purificadas do pecado original e atual, no que concerne à culpa. Estas almas
ficam purificadas como no momento em que Deus as criou. Por terem se
arrependido, por terem confessado todos os pecados cometidos e com a vontade
não mais cometê-los, Deus perdoa imediatamente a sua culpa e então, não lhes
resta senão a escória do pecado, da qual vão se purificando no fogo com a pena.
E assim, purificadas de toda a culpa e unidas a Deus pela vontade, veem a Deus
claramente, segundo grau de conhecimento que Ele lhes concede. Veem também quanto
importa a posse de Deus e veem que as almas foram criadas para este fim.
7. ÂNSIAS DE UNIÃO - exemplo do pão e do faminto
As almas do Purgatório encontram-se numa
conformidade tão unitiva com o seu Deus - uniformidade que as atrai até Ele
pelo instinto natural da alma para Deus - que não podem conceber motivos,
comparações ou exemplos que sejam suficientes para esclarecer essa coisa tal
como a mente a sente e só compreende por sentimento interior. Contudo, darei um
exemplo que tenho em mente. Suponhamos que em todo o mundo não houvesse mais
que um só pão, o qual servisse para matar a fome de todos os homens, bastando
apenas vê-lo. Tendo o homem, por natureza, quando está sadio, instinto de
comer, se não comesse e não pudesse ficar doente, nem morrer, aquela fome
sempre cresceria, porque o instinto de comer nunca lhe faltaria. Sabendo então,
o homem que só este pão poderia saciá-lo, se o tivesse, não poderia satisfazer
a sua fome, e, por isso, sofreria uma pena intolerável. Quanto mais se
aproximasse daquele pão, sem poder vê-lo, tanto mais se acenderia nele o desejo
que, instintivamente, se dirigiria para este pão, já que encontraria nele toda
a sua satisfação. Se o homem estivesse certo de que nunca mais tornaria a ver o
pão, naquele momento, teria o seu inferno realizado, à semelhança das almas,
que estão privadas de toda a esperança de ver o pão - Deus - seu Salvador verdadeiro.
Porém, as almas do Purgatório têm a esperança de ver esse pão e de saciar-se
plenamente dele. Por isso, padecerão e estarão em sofrimento até o momento em
que possam saciar-se daquele pão, Jesus Cristo, verdadeiro Deus e Salvador,
amor nosso.
8. SABEDORIA DE DEUS: O Inferno e o Purgatório revelam-nos a admirável
sabedoria de Deus
Assim como o espírito limpo e purificado não
encontra lugar senão em Deus para seu descanso, por ter sido criado para este
fim, assim a alma em pecado não encontra lugar adequado senão no inferno,
tendo-lhe Deus preparado aquele lugar para o seu fim. Por isso, no mesmo
instante em que se separa do corpo, a alma vai sozinha ao lugar que lhe foi
determinado, sem que ninguém a guie, enquanto que a alma, que conserva a
natureza do pecado mortal, vai para o Inferno.
Se a alma condenada não encontrasse, naquele
momento, aquela determinação procedente da justiça de Deus, ficaria num inferno
muito pior do que o outro, porque se encontraria fora daquela determinação a
qual participa da misericórdia que não dá à alma condenada tanta pena quanto
merece.
Por isso, não encontrando lugar mais
conveniente, com menor sofrimento, empurrada pela divina determinação, lança-se
dentro, encontrando nele seu lugar próprio.
Assim, também a respeito do Purgatório,
diremos que a alma, separada do corpo, não encontrando em si aquela pureza na
qual foi criada e vendo-se no impedimento que pode ser tirado no purgatório, de
bom grado, imediatamente nele se lança.
Se não encontrasse aquela determinação capaz
de tirar-lhe o impedimento, naquele instante surgiria nela um inferno pior que
o purgatório, ao ver que não pode alcançar seu fim divino por causa do
impedimento. Este tem tanta importância que em comparação a ele o Purgatório
não é nada, ainda que, como disse, seja semelhante ao Inferno. Esta comparação,
porém, é quase nada
9. Necessidade do Purgatório
Quero dizer ainda mais: Vejo que, no que diz
respeito a Deus, o paraíso não tem portas, de sorte que quem quiser entrar,
entra, porque Deus é todo misericórdia e tem os braços abertos para nós, a fim
de receber-nos em sua glória. Contudo, vejo também que aquela Divina Essência é
de tanta pureza e nitidez (e muito mais do que se possa imaginar) que se a alma
encontrar em si uma imperfeição, por insignificante que seja, imediatamente se
lançaria em mil infernos a se colocar na presença da Divina Majestade com
aquela mancha.
Por isso, ao ver que o purgatório está preparado
para tirar-lhe essas manchas, a alma lança-se dentro dele e parece-lhe
encontrar grande misericórdia, para poder livrar-se daquele impedimento.
10. Natureza terrível do Purgatório
A importância do Purgatório não pode ser
expressa por palavras nem ser concebida pela mente. Ao mesmo tempo que se
observa nele tanto sofrimento como no Inferno, nota-se também que a alma, se
percebe em si uma mínima mancha de imperfeição, recebe o purgatório como
misericórdia, como já se disse e, em comparação com aquela mancha impeditiva do
amor, de certo modo não dá importância ao sofrimento.
Parece-me que a pena das almas do Purgatório
é maior, por verem em si mesmas alguma coisa desagradável a Deus e por a
terem-na cometido, voluntariamente, contra tanta bondade, que por qualquer
outro tormento experimentado no purgatório. O motivo é este: estando em graça,
aquelas almas vêm a verdade e a importância do impedimento que não as deixa
aproximar-se de Deus.
Todas essas realidades que tentei descrever e
se comparadas com o que está gravado em minha mente - enquanto pude compreender
nesta vida - são de tão grande elevação que toda a visão, toda palavra, todo o
sentimento, toda a imaginação, toda a justiça, toda a verdade... parecem-me
mentiras e bagatelas e sinto-me confusa por não encontrar palavras mais
profundas.