quarta-feira, 30 de novembro de 2022

28 de dezembro: Os Santos Inocentes, mártires

1ª Leitura (1Jo 1,5—2,2):
Caríssimos: Esta é a mensagem que ouvimos de Jesus Cristo e vos anunciamos: Deus é luz e n’Ele não há trevas. Se dissermos que estamos em comunhão com Ele e andarmos nas trevas, mentimos e não praticamos a verdade. Mas se caminharmos na luz, como Ele vive na luz, estamos em comunhão uns com os outros e o sangue de Jesus, seu Filho, purifica-nos de todo o pecado. Se dissermos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos e a verdade não está em nós. Se confessarmos os nossos pecados, Ele é fiel e justo, para nos perdoar os nossos pecados e nos purificar de toda a maldade. Se dissermos que não pecamos, fazemos d’Ele um mentiroso e a sua palavra não está em nós. Meus filhos, escrevo-vos isto, para que não pequeis. Mas se alguém pecar, nós temos Jesus Cristo, o Justo, como advogado junto do Pai. Ele é a vítima de propiciação pelos nossos pecados, e não só pelos nossos, mas também pelos do mundo inteiro.

Salmo Responsorial: 123
R. Como pássaro liberto do laço dos caçadores, a nossa vida foi salva pelo Senhor.

Se o Senhor não estivesse connosco, os homens que se levantaram contra nós ter-nos-iam devorado vivos, no furor da sua ira.

As águas ter-nos-iam afogado, a torrente teria passado sobre nós: sobre nós teriam passado as águas impetuosas.

Quebrou-se a armadilha e nós ficámos livres. A nossa proteção está no nome do Senhor, que fez o céu e a terra.

Aleluia. Nós Vos louvamos, ó Deus; nós Vos bendizemos, Senhor. O exército resplandecente dos Mártires canta os vossos louvores. Aleluia.

Evangelho (Mt 2,13-18): Depois que os magos se retiraram, o anjo do Senhor apareceu em sonho a José e lhe disse: «Levanta-te, toma o menino e sua mãe e foge para o Egito! Fica lá até que eu te avise, porque Herodes vai procurar o menino para matá-lo». José levantou-se, de noite, com o menino e a mãe, e retirou-se para o Egito; e lá ficou até à morte de Herodes. Assim se cumpriu o que o Senhor tinha dito pelo profeta: «Do Egito chamei o meu filho». Quando Herodes percebeu que os magos o tinham enganado, ficou furioso. Mandou matar todos os meninos de Belém e de todo o território vizinho, de dois anos para baixo, de acordo com o tempo indicado pelos magos. Assim se cumpriu o que foi dito pelo profeta Jeremias: «Ouviu-se um grito em Ramá, choro e grande lamento: é Raquel que chora seus filhos e não quer ser consolada, pois não existem mais».

«José levantou-se, de noite, com o menino e a mãe, e retirou-se para o Egito »

Rev. D. Joan Pere PULIDO i Gutiérrez (Sant Feliu de Llobregat, Espanha)

Hoje celebramos a festa dos Santos Inocentes, mártires. Introduzidos nas celebrações de Natal, não podemos ignorar a mensagem que a liturgia quer nos transmitir para definir, ainda mais, a Boa Nova do nascimento de Jesus, com dois acentos bem claros. Em primeiro lugar, a predisposição de São José no desígnio salvador de Deus, aceitando sua vontade. E, por sua vez, o mal, a injustiça que frequentemente encontramos em nossa vida, concretizada na morte martirial das crianças Inocentes. Tudo isso pede-nos uma atitude e uma resposta pessoal e social.

São José nos oferece um testemunho bem claro de resposta decidida perante o chamado de Deus. Nele nos sentimos identificados quando devemos tomar decisões nos momentos difíceis de nossa vida e de nossa fé: «Levantou-se de noite, com o menino e a mãe, e retirou-se para Egito» (Mt 2,14).

Nossa fé em Deus implica a nossa vida. Faz que nos levantemos, quer dizer faz nos estar atentos às coisas que acontecem em nosso redor, porque — frequentemente — é o lugar onde Deus fala. Faz nos tomar ao Menino com sua mãe, quer dizer, Deus faz se nos próximo, companheiro de caminho, reforçando a nossa fé, esperança e caridade. E faz nos sair de noite para Egito, isto é, convida-nos a não ter medo perante nossa própria vida, que com frequência enche-se de noites difíceis de iluminar.

Estas crianças mártires, também hoje, têm nomes concretos em crianças, jovens, casais, pessoas idosas, imigrantes, doentes...que pedem a resposta de nossa caridade. Assim nos o diz João Paulo II: «Em efeito, são muitas, em nosso tempo, as necessidades que interpelam à sensibilidade cristã. É hora de uma nova imaginação da caridade, que se desdobre não só na eficácia da ajuda emprestada, mas também na capacidade de nos fazer próximos e solidários com o que sofre».

Que a nova luz, clara e forte de Deus feito Menino encha nossas vidas e consolide nossa fé, nossa esperança e nossa caridade.

Pensamentos para o Evangelho de hoje
«O que temes, Herodes, quando ouves que nasceu um Rei? (…). Você mata o corpo das crianças, porque o medo matou o seu coração» (São Quodvultdeus)

«O Filho de Deus - Verbo eterno - tornou-se filho para que Deus esteja ao nosso alcance. Ele nos ensina assim a amar os pequenos; amar os fracos; respeitar as crianças» (Bento XVI)

«A fuga para o Egipto e a matança dos inocentes manifestam a oposição das trevas à luz: 'Ele veio para a sua casa, e a sua gente não o recebeu» (Jo 1,11). Toda a vida de Cristo estará sob o signo da perseguição» (Catecismo da Igreja Católica, n. 530)

Reflexões de Frei Carlos Mesters, O.Carm

O Evangelho de Mateus, redigido em torno dos anos 80 e 90, tem a preocupação de mostrar que em Jesus se realizam as profecias. Muitas vezes se diz: “Isto aconteceu para que se realizasse o que diz a escritura....” (cf. Mt 1,22; 2,17.23; 4,14; 5,17; etc). É porque os destinatários do Evangelho de Mateus são as comunidades de judeus convertidos que viviam uma crise profunda de fé e de identidade. Depois da destruição de Jerusalém no ano 70, os fariseus eram o único grupo sobrevivente do judaísmo. Nos anos 80, quando eles começaram a se reorganizar, crescia a oposição entre judeus fariseus e judeus cristãos. Estes últimos acabaram sendo excomungados da sinagoga e separados do povo das promessas. A excomunhão tornou agudo o problema da identidade. Já não podiam mais frequentar suas sinagogas. E vinha a dúvida: Será que erramos? Quem é o verdadeiro povo de Deus? Jesus é realmente o Messias?

* É para este grupo sofrido que Mateus escreve o seu evangelho como Evangelho da consolação para ajudá-los a superar o trauma da ruptura; como Evangelho da revelação para mostrar que Jesus é o verdadeiro Messias, o novo Moisés, no qual se realizam as promessas; como Evangelho da nova prática para ensinar o caminho de como alcançar a nova justiça, maior do que a justiça dos fariseus (Mt 5,20).

* No evangelho de hoje transparece esta preocupação de Mateus. Ele consola as comunidades perseguidas mostrando que Jesus também foi perseguido. Ele revela que Jesus é o Messias, pois por duas vezes insiste em dizer que as profecias nele se realizaram; e sugere ainda que Jesus seja o novo Moisés, pois como Moisés foi perseguido e teve que fugir. Ele aponta um novo caminho, sugerindo que devem fazer como os magos que souberam driblar a vigilância da Herodes e voltaram por um ouro caminho para casa.

Para um confronto pessoal
1. Herodes mandou matar as crianças de Belém. O Herodes de hoje continua matando milhões de crianças. Elas morrem de fome, de doença, de desnutrição, de aborto. Quem é hoje Herodes?
2. Mateus ajuda a superar a crise de fé e de identidade. Hoje, muitos vivem uma crise profunda de fé e de identidade. Como o Evangelho pode ajudar a superar esta crise?

27 de dezembro: São João, apóstolo e evangelista


1ª Leitura (1Jo 1,1-4): Caríssimos: O que era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que contemplámos, o que tocámos com as nossas mãos acerca do Verbo da Vida, é o que nós vos anunciamos. Porque a Vida manifestou-Se e nós vimos e damos testemunho dela. Nós vos anunciamos a Vida eterna, que estava junto do Pai e nos foi manifestada. Nós vos anunciamos o que vimos e ouvimos, para que estejais também em comunhão conosco. E a nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho, Jesus Cristo. E vos escrevemos tudo isto, para que a vossa alegria seja completa.

Salmo Responsorial: 96
R. Alegrai-vos, justos, no Senhor.

O Senhor é Rei: exulte a terra, rejubile a multidão das ilhas. Ao seu redor, nuvens e trevas; a justiça e o direito são a base do seu trono.

Derretem-se os montes como cera, diante do Senhor de toda a terra. Os céus proclamam a sua justiça e todos os povos contemplam a sua glória.

A luz resplandece para o justo e a alegria para os corações retos. Alegrai-vos, ó justos, no Senhor, e louvai o seu nome santo.

Aleluia. Nós Vos louvamos, ó Deus; nós Vos bendizemos, Senhor. O coro glorioso dos Apóstolos canta os vossos louvores. Aleluia.

Evangelho (Jo 20,2-8): Maria Madalena saiu correndo e foi se encontrar com Simão Pedro e com o outro discípulo, aquele que Jesus mais amava. Disse-lhes: «Tiraram o Senhor do túmulo e não sabemos onde o colocaram». Pedro e o outro discípulo saíram e foram ao túmulo. Os dois corriam juntos, e o outro discípulo correu mais depressa, chegando primeiro ao túmulo. Inclinando-se, viu as faixas de linho no chão, mas não entrou. Simão Pedro, que vinha seguindo, chegou também e entrou no túmulo. Ele observou as faixas de linho no chão, e o pano que tinha coberto a cabeça de Jesus: este pano não estava com as faixas, mas enrolado num lugar à parte. O outro discípulo, que tinha chegado primeiro ao túmulo, entrou também, viu e creu.

«Viu e creu»

Rev. D. Manel VALLS i Serra (Barcelona, Espanha)

Hoje, a liturgia celebra a solenidade de são João, apóstolo e evangelista. Ao dia seguinte de Natal, a Igreja celebra a festa do primeiro mártir da fé cristã: são Estevão. E ao dia seguinte, a festa de são João, aquele que melhor e mais profundamente penetra no mistério do Verbo encarnado, o primeiro "teólogo" e modelo de tudo verdadeiro “teólogo”. A passagem do seu Evangelho que hoje se propõe ajuda-nos a contemplar o Natal desde a perspectiva da Ressurreição do Senhor. Por isso, João, ao chegar até o túmulo vazio, «viu e creu» (Jo 20,8). Confiados na testemunha dos Apóstolos, nos vemos movidos em cada Natal a "ver" e "crer".

Cada um pode reviver esses "ver" e "crer" a propósito do nascimento de Jesus, o Verbo encarnado. João movido pela intuição do seu coração —e, deveríamos acrescentar pela "graça"— "vê mais além do que seus olhos naquele momento podem contemplar. Na realidade, se ele crê, vê sem "ter visto" ainda a Cristo, com o qual já tem implícita a louvação para aqueles que «não viram, e creram!» (Jo 20,29), com o qual acaba o capítulo do seu Evangelho.

Pedro e João "correm" juntos até o túmulo, mais o texto nos diz que João «o outro discípulo correu mais depressa, chegando primeiro ao túmulo» (Jo 20,4). Parece como se João desejasse mais estar ao lado de Aquele que amava —Cristo— do que estar fisicamente ao lado de Pedro, ante o qual, porém —com um gesto de esperá-lo e que seja ele quem entre primeiro ao túmulo— demonstra que é Pedro quem tem a primazia no Colégio Apostólico. Com tudo, o coração ardente, cheio de zelo, fervoroso de amor por João, é o que o leva a "correr" e "avançar", convidando-nos a viver igualmente a nossa fé com este desejo ardente de encontrar ao Ressuscitado.

Pensamentos para o Evangelho de hoje
«João, junto da manjedoura, diz-nos: vede o que se concede a quem se entrega a Deus de coração puro. Eles participarão da total e inesgotável plenitude da vida humano-divina de Cristo como recompensa real» (Santa Teresa Benedita da Cruz)

«Que melhor comentário sobre o `mandamento novo´, do que aquele de que nos fala São João? Peçamos ao Pai que o vivamos, mesmo que seja sempre de forma imperfeita, de modo tão intenso que contagie aqueles que encontramos no nosso caminho» (Benedito XVI)

«Retomando a expressão de São João («o Verbo fez-Se carne»: Jo 1, 14), a Igreja chama “Encarnação” ao facto de o Filho de Deus ter assumido uma natureza humana, para nela levar a efeito a nossa salvação (...)» (Catecismo da Igreja Católica, nº461)

Reflexões de Frei Carlos Mesters, O.Carm

* O evangelho de hoje traz o trecho do Evangelho de João, que fala do Discípulo Amado. Provavelmente, escolheram este texto para ser lido e meditado no dia de hoje, festa de São João Evangelista, por causa da identificação espontânea que todos fazemos do discípulo amado com o apóstolo João. O curioso é que, em canto algum do evangelho de João, se diz que o discípulo amado é João. Mas desde o mais remoto início da Igreja sempre se insistiu na identificação dos dois. Porém, insistindo demais na semelhança entre os dois corremos o risco de perder um aspecto muito importante da mensagem do Evangelho a respeito do discípulo amado.

* No evangelho de João o discípulo amado representa a nova comunidade que nasce ao redor de Jesus. O Discípulo Amado está ao pé da Cruz junto com Maria, a mãe de Jesus (Jo 19,26). Maria representa o Povo da antiga aliança. No fim do primeiro século, época em que foi feita a redação final do Evangelho de João, havia o conflito crescente entre a sinagoga e a igreja. Alguns cristãos queriam abandonar o Antigo Testamento e ficar só com o Novo Testamento. Ao pé da Cruz Jesus diz: “Mulher, eis aí teu filho!” e ao discípulo amado: “Filho, eis aí tua mãe!” Os dois devem permanecer unidos, como mãe e filho. Separar o Antigo Testamento do Novo Testamento era naquele tempo o mesmo que hoje chamamos de separação entre fé (NT) e vida (AT).

* No evangelho de hoje, Pedro e o Discípulo Amado, alertados pelo testemunho de Maria Madalena, correm juntos para o Santo Sepulcro. O jovem é mais veloz que o velho e chega primeiro. Ele olha para dentro do sepulcro, observa tudo, mas não entra. Ele deixa Pedro entrar primeiro. Pedro entrou. É sugestiva a maneira como o evangelho descreve a reação dos dois homens diante do que ambos viram: “Então Pedro, que vinha correndo atrás, chegou também e entrou no túmulo. Viu os panos de linho estendidos no chão e o sudário que tinha sido usado para cobrir a cabeça de Jesus. Mas o sudário não estava com os panos de linho no chão; estava enrolado num lugar à parte. Então o outro discípulo, que tinha chegado primeiro ao túmulo, entrou também. Ele viu e acreditou”. Ambos viram a mesma coisa, mas só se diz do Discípulo Amado que ele acreditou: “Depois entrou o discípulo: olhou e acreditou!” Por quê? Será que Pedro não acreditou?

* O discípulo amado tem um olhar diferente que percebe mais que os outros. Tem um olhar amoroso que percebe a presença da novidade de Deus. Na madrugada depois daquela noite de pescaria e depois da pesca milagrosa, é ele, o discípulo amado, que percebe a presença de Jesus e diz: “É o Senhor!” (Jo 21,7). Naquela ocasião, Pedro, alertado pela afirmação do discípulo amado também reconheceu e começou a enxergar. Pedro aprendeu do discípulo amado. Em seguida, Jesus perguntou três vezes; “Pedro, você me ama?” (Jo 21,15.16.17). Por três vezes, Pedro respondeu: “Tu sabes que eu te amo!” Depois da terceira vez, Jesus confiou as ovelhas aos cuidados de Pedro, pois neste momento também Pedro se tornou “Discípulo Amado”.

Para um confronto pessoal
1. Todos que acreditamos em Jesus somos hoje o Discípulo Amado. Será que tenho o mesmo olhar amoroso para perceber a presença de Deus e crer na sua ressurreição?
2. Separar o Antigo do Novo Testamento é o mesmo que separar Vida e Fé. Como faço e vivo isto?

26 de dezembro: São Estevão, protomártir

1ª Leitura (At 6,8-10; 7,54-60): Naqueles dias, Estêvão, cheio de graça e fortaleza, fazia grandes prodígios e milagres entre o povo. Entretanto, alguns membros da sinagoga chamada dos Libertos, oriundos de Cirene, de Alexandria, da Cilícia e da Ásia, vieram discutir com Estêvão, mas não eram capazes de resistir à sabedoria e ao Espírito Santo com que ele falava. Ao ouvirem as suas palavras, estremeciam de raiva em seu coração e rangiam os dentes contra Estêvão. Mas Estêvão, cheio do Espírito Santo, de olhos fitos no Céu, viu a glória de Deus e Jesus de pé à sua direita e exclamou: «Vejo o Céu aberto e o Filho do homem de pé à direita de Deus». Então levantaram um grande clamor e taparam os ouvidos; depois atiraram-se todos contra ele, empurraram-no para fora da cidade e começaram a apedrejá-lo. As testemunhas colocaram os mantos aos pés de um jovem chamado Saulo. Enquanto o apedrejavam, Estêvão orava, dizendo: «Senhor Jesus, recebe o meu espírito».

Salmo Responsorial: 30
R. Em vossas mãos, Senhor, entrego o meu espírito.

Sede a rocha do meu refúgio e a fortaleza da minha salvação. Porque Vós sois a minha força e o meu refúgio, por amor do Vosso nome guiai-me e conduzi-me.

Em vossas mãos entrego o meu espírito, Senhor, Deus fiel, salvai-me. Hei de exultar e alegrar-me com a vossa misericórdia, porque conhecestes as angústias da minha alma.

Livrai-me das mãos dos meus inimigos e de quantos me perseguem. Fazei brilhar sobre mim a vossa face, salvai-me pela vossa bondade.

Aleluia. Bendito O que vem em nome do Senhor; o Senhor é Deus e fez brilhar sobre nós a sua luz. Aleluia.

Evangelho (Mt 10,17-22): Naquele tempo, Jesus disse aos Apóstolos: «Cuidado com as pessoas, pois vos entregarão aos tribunais e vos açoitarão nas suas sinagogas. Por minha causa, sereis levados diante de governadores e reis, de modo que dareis testemunho diante deles e diante dos pagãos. Quando vos entregarem, não vos preocupeis em como ou o que falar. Naquele momento vos será dado o que falar, pois não sereis vós que falareis, mas o Espírito do vosso Pai falará em vós. O irmão entregará à morte o próprio irmão; o pai entregará o filho; os filhos se levantarão contra seus pais e os matarão. Sereis odiados por todos, por causa do meu nome. Mas quem perseverar até o fim, esse será salvo».

«Eles vos levarão aos seus tribunais e açoitar-vos-ão»

+ Fray Josep Mª MASSANA i Mola OFM (Barcelona, Espanha)

Hoje, mal acabámos de saborear a profunda experiência do Nascimento do Menino Jesus, muda o panorama litúrgico. Podíamos pensar que celebrar um mártir não combina com o encanto do Natal… O martírio de Sto. Estevão, que veneramos como protomártir do cristianismo, entra plenamente na teologia da Encarnação do Filho de Deus. Jesus veio ao mundo para derramar o seu Sangue por nós. Estevão foi o primeiro a derramar o seu sangue por Jesus. Lemos neste Evangelho como o próprio Jesus o anuncia: «Eles vos levarão aos seus tribunais e (…) sereis levados diante dos governadores e dos reis: servireis de testemunha» (Mt 10,17.18). Precisamente, “mártir” significa exatamente isto: testemunha.

Este testemunho de palavras e de obras dá-se graças à força do Espírito Santo: «O Espírito do vosso Pai (…) falará em vós» (Mt 10,19). Tal como lemos nos “Atos dos Apóstolos”, capítulo 7, Estevão, levado aos tribunais, deu uma lição magistral, percorrendo o Antigo Testamento, demonstrando que todo ele converge no Novo, na Pessoa de Jesus. N’Ele se cumpre tudo o que tinha sido anunciado pelos profetas e ensinado pelos patriarcas.

Na narrativa do seu martírio encontramos uma belíssima alusão trinitária: «Estevão, cheio do Espírito Santo, fitou o céu e viu a glória de Deus e Jesus de pé à direita de Deus» (At 7,55). A sua experiência foi como uma antecipação da Glória do Céu. E Estevão morreu como Jesus, perdoando aos que o imolavam: «Senhor, não lhes leves em conta este pecado» (At 7,60); rezou as palavras do Mestre: «Pai, perdoa-lhes; porque não sabem o que fazem» (Lc 23, 34).
 
Peçamos a este mártir que saibamos viver como ele, cheios do Espírito Santo, a fim de que, fixando o olhar no céu, vejamos Jesus à direita de Deus. Esta experiência fará que gozemos já do céu, enquanto estamos na terra.

«Vos entregarão aos tribunais e vos açoitarão »

+ Pe. Joan BUSQUETS i Masana (Sabadell, Barcelona, Espanha)

Hoje, a Igreja celebra a festa do seu primeiro mártir, o diácono São Estevão. O Evangelho, às vezes, parece desconcertante. Ontem transmitia-nos sentimentos de gozo e de alegria pelo Nascimento do Menino Jesus: «Os pastores retiraram-se, louvando e glorificando a Deus por tudo o que tinham visto e ouvido, de acordo com o que lhes tinha sido dito»(Lc 2,20). Hoje parece como se quisera-nos pôr sob aviso perante os perigos: «Cuidado com as pessoas, pois vos entregarão aos tribunais e vos açoitarão nas suas sinagogas» (Mt 10, 17). É que aqueles que queiram ser testemunhos, como os pastores na alegria do Nascimento, devem ser valentes como Estevão no momento de proclamar a Morte e Ressurreição de aquele Menino que tinha nele a Vida.

O mesmo Espírito que cobriu com sua sombra a Maria, a Mãe virgem, para que fosse possível a realização do plano de Deus de salvar aos homens; o mesmo Espírito que posou sob os Apóstolos para que saíssem do seu esconderijo e difundiram a Boa Nova —o Evangelho— pelo mundo todo, é o que dá forças àquele menino que discutia com os da sinagoga e perante o que «não podiam resistir à sabedoria e ao Espírito com que falava» (At 6,10).

Era um mártir na vida. Mártir significa “testemunho”. E foi também mártir por sua morte. Em vida teve em consideração as palavras do Mestre: «Quando vos entregarem, não vos preocupeis em como ou o que falar. Naquele momento vos será dado o que falar» (Mt 10,19). «Cheio do Espírito Santo, Estêvão olhou para o céu e viu a glória de Deus; e viu também Jesus, de pé, à direita de Deus».(Ats.7,55). Estevão o viu e disse. Se o cristão hoje é um testemunho de Jesus Cristo, o que viu com os olhos da fé o vai dizer sem medo com as palavras mais compreensíveis, quer dizer, com fatos, com obras.

Reflexões de Frei Carlos Mesters, O.Carm

* O contraste é grande. Ontem, dia de Natal, foi o presépio do recém-nascido com o canto dos anjos e a visita dos pastores. Hoje é o sangue derramado de Estevão, apedrejado até a morte, porque teve a coragem de crer na promessa expressa na simplicidade do presépio. Estevão criticou a interpretação fundamentalista da Lei de Deus e o monopólio do Templo. Por isso foi morto por eles (At 6,13-14).

* Hoje, na festa de Estevão, primeiro mártir, a liturgia traz um trecho do evangelho de Mateus (Mt 10,17-22), tirado do assim chamado Sermão da Missão (Mt 10,5-42). Nele Jesus adverte os seus discípulos dizendo que a fidelidade ao evangelho traz dificuldades e perseguição: “eles entregarão vocês aos tribunais e açoitarão vocês nas sinagogas deles”. Mas para Jesus o que importa na perseguição não é o lado doloroso do sofrimento, mas sim o lado positivo do testemunho: “Vocês vão ser levados diante de governadores e reis, por minha causa, a fim de serem testemunhas para eles e para as nações”. A perseguição é uma oportunidade para dar testemunho da Boa Nova de Deus que Jesus nos trouxe.

* Foi o que aconteceu com Estevão. Ele deu testemunho da sua fé em Jesus até o último momento da sua vida. Na hora de morrer ele disse: “Vejo os céus abertos, e o Filho do Homem em pé à direita de Deus” (At 7,56). E ao cair morto debaixo das pedradas imitou Jesus gritando: “Senhor, não lhes leve em conta este pecado!” (At 7,60; Lc 23,34).

* Jesus tinha dito: “Quando entregarem vocês, não fiquem preocupados como ou com aquilo que vocês vão falar, porque, nessa hora, será sugerido a vocês o que vocês devem dizer. Com efeito, não serão vocês que irão falar, e sim o Espírito do Pai de vocês é quem falará através de vocês”. Esta profecia de Jesus também se realizou em Estevão. Os seus adversários “não podiam resistir à sabedoria e ao Espírito com o qual ele falava” (At 6,10). “Os membros do sinédrio tiveram a impressão de ver em seu rosto o rosto de um anjo” (At 6,15). Estevão falava “repleto do Espírito Santo” (At 7,55). Por isso, a raiva dos outros era maior e o lincharam na hora.

* Até hoje acontece o mesmo. Em muitos lugares muita gente é arrastada diante dos tribunais e sabe dar respostas que superam em sabedoria aos sábios e entendidos (Lc 10,21).

Para um confronto pessoal
1. Colocando-se na posição de Estevão: você já sofreu alguma vez por causa da sua fidelidade ao Evangelho?
2. A simplicidade do presépio e a dureza do martírio vão de par em par na vida dos Santos e Santas e na vida de tantas pessoas que hoje são perseguidas até a morte por causa da sua fidelidade ao evangelho. Você conheceu de perto pessoas assim?

segunda-feira, 28 de novembro de 2022

Natal

1ª Leitura (Is 9,1-6): O povo que andava nas trevas viu uma grande luz; para aqueles que habitavam nas sombras da morte uma luz começou a brilhar. Multiplicastes a sua alegria, aumentastes o seu contentamento. Rejubilam na vossa presença, como os que se alegram no tempo da colheita, como exultam os que repartem despojos. Vós quebrastes, como no dia de Madiã, o jugo que pesava sobre o povo, o madeiro que ele tinha sobre os ombros e o bastão do opressor. Todo o calçado ruidoso da guerra e toda a veste manchada de sangue serão lançados ao fogo e tornar-se-ão pasto das chamas. Porque um menino nasceu para nós, um filho nos foi dado. Tem o poder sobre os ombros e será chamado «Conselheiro admirável, Deus forte, Pai eterno, Príncipe da paz». O seu poder será engrandecido numa paz sem fim, sobre o trono de David e sobre o seu reino, para o estabelecer e consolidar por meio do direito e da justiça, agora e para sempre. Assim o fará o Senhor do Universo.

Salmo Responsorial: 95
R. Hoje nasceu o nosso salvador, Jesus Cristo, Senhor.

Cantai ao Senhor um cântico novo, cantai ao Senhor, terra inteira, cantai ao Senhor, bendizei o seu nome.

Anunciai dia a dia a sua salvação, publicai entre as nações a sua glória, em todos os povos as suas maravilhas.

Alegrem-se os céus, exulte a terra, ressoe o mar e tudo o que ele contém, exultem os campos e quanto neles existe, alegrem-se as árvores das florestas.

Diante do Senhor que vem, que vem para julgar a terra: julgará o mundo com justiça e os povos com fidelidade.

2ª Leitura (Tit 2,11-14): Caríssimo: Manifestou-se a graça de Deus, fonte de salvação para todos os homens. Ela nos ensina a renunciar à impiedade e aos desejos mundanos, para vivermos, no tempo presente, com temperança, justiça e piedade, aguardando a ditosa esperança e a manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador, Jesus Cristo, que se entregou por nós, para nos resgatar de toda a iniquidade e preparar para Si mesmo um povo purificado, zeloso das boas obras.

Aleluia. Anuncio-vos uma grande alegria: Hoje nasceu o nosso salvador, Jesus Cristo, Senhor. Aleluia.

Evangelho (Lc 2,1-14): Naqueles dias, saiu um decreto do imperador Augusto mandando fazer o recenseamento de toda a terra — o primeiro recenseamento, feito quando Quirino era governador da Síria. Todos iam registrar-se, cada um na sua cidade. Também José, que era da família e da descendência de Davi, subiu da cidade de Nazaré, na Galileia, à cidade de Davi, chamada Belém, na Judéia, para registrar-se com Maria, sua esposa, que estava grávida. Quando estavam ali, chegou o tempo do parto. Ela deu à luz o seu filho primogênito, envolveu-o em faixas e deitou-o numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria. Havia naquela região pastores que passavam a noite nos campos, tomando conta do rebanho. Um anjo do Senhor lhes apareceu, e a glória do Senhor os envolveu de luz. Os pastores ficaram com muito medo. O anjo então lhes disse: «Não tenhais medo! Eu vos anuncio uma grande alegria, que será também a de todo o povo: hoje, na cidade de Davi, nasceu para vós o Salvador, que é o Cristo Senhor! E isto vos servirá de sinal: encontrareis um recém-nascido, envolto em faixas e deitado numa manjedoura» De repente, juntou-se ao anjo uma multidão do exército celeste cantando a Deus: «Glória a Deus no mais alto dos céus, e na terra, paz aos que são do seu agrado!».

«Hoje, na cidade de Davi, nasceu para vós o Salvador, que é o Cristo Senhor»

Rev. D. Ramon Octavi SÁNCHEZ i Valero (Viladecans, Barcelona, Espanha)

Hoje, nasceu-nos o Salvador. Esta é a boa nova desta noite de Natal. Como em cada Natal, Jesus volta a nascer no mundo, em cada casa, no nosso coração.

Porém, contrariamente ao que a nossa sociedade consumista celebra, Jesus não nasce num ambiente de abastança, de compras, de conforto, de caprichos e de grandes refeições. Jesus nasce com a humildade de um portal e de um presépio.

E fá-lo deste modo porque é rejeitado pelos homens: ninguém quis dar-lhes guarida, nem nas casas nem nas estalagens. Maria e José, e o próprio Jesus recém-nascido, sentiram o que significa a rejeição, a falta de generosidade e de solidariedade.

Depois, as coisas mudaram, e com o anúncio do Anjo — «Não tenhais medo! Eu vos anuncio uma grande alegria, que será também a de todo o povo» (Lc 2,10) —todos correram para o presépio para adorar o Filho de Deus. Foi um pouco como a nossa sociedade, que marginaliza e rejeita muitas pessoas porque são pobres, estrangeiras ou simplesmente diferentes, e depois celebra o Natal falando de paz, solidariedade e amor.

Hoje, nós os cristãos estamos cheios de alegria, e com razão. Como afirma São Leão Magno: «Hoje não está certo que haja lugar para a tristeza, no momento em que nasceu a vida». Mas não podemos esquecer que este nascimento nos exige um compromisso: viver o Natal do modo mais parecido possível com o que viveu a Sagrada Família. Quer dizer, sem ostentações, sem gastos desnecessários, sem pôr a casa de pernas para o ar. Celebrar e fazer festa são compatíveis com austeridade e até com a pobreza.

Por outro lado, se durante estes dias não temos verdadeiros sentimentos de solidariedade para com os rejeitados, forasteiros, sem teto, é porque no fundo somos como os habitantes de Belém: não acolhemos o nosso Menino Jesus.

Pensamentos para o Evangelho de hoje
«Demos graças a Deus Pai através do seu Filho, no Espírito Santo, porque se compadeceu de nós pela imensa misericórdia com que nos amou. Estando nós mortos pelos pecados, ele nos fez viver com Cristo, para que graças a ele sejamos uma nova criatura» (São Leão Magno)

«Neste dia nasceu, da Virgem Maria, Jesus o Salvador. Vamos a adorar a Bondade de Deus feito carne e deixemos que as lágrimas de arrependimento encham os nossos olhos e lavem o nosso coração. Todos nós precisamos» (Francisco)

«Jesus nasceu na humildade dum estábulo, no seio duma família pobre. As primeiras testemunhas deste acontecimento são simples pastores. E é nesta pobreza que se manifesta a glória do céu. A Igreja não se cansa de cantar a glória desta noite: ‘Hoje a Virgem dá à luz o Eterno e a terra oferece uma gruta ao Inacessível. Cantam-no os anjos e os pastores, e com a estrela os magos põem-se a caminho, porque Tu nasceste para nós, pequeno Infante. Deus eterno!’» (Catecismo da Igreja Católica, nº 525)

Eles não encontraram lugar na hospedaria.

Escrito por P. Américo – DOMUS IESU

* O Salvador do mundo nasce numa manjedoura. Embora os critérios históricos utilizados pelo evangelista Lucas (e pelos outros também) não sejam os que caracterizam a historiografia moderna, é, no entanto, um facto histórico que a data do nascimento de Jesus está «situada» no tempo do imperador Augusto. Sabe-se que César Augusto foi proclamado imperador no ano 27 a. C. e faleceu no ano 14 d.C. e, por isso, é perfeitamente admissível que o nascimento de Jesus se tenha dado nessa altura, embora não se possa deduzir do texto em que ano nasceu. Mas, seguramente, não é isso o que mais interessa. A verdade é que o seu nascimento se dá em circunstâncias todas particulares - importante realçar que nasce na pobreza e, por isso, não se pode tomar como um salvador ou libertador ao estilo dos reis e imperadores mundanos. Mais: é-lhe dado o título de Cristo Senhor, daí se podendo deduzir que esta página evangélica foi escrita depois da ressurreição e depois de os discípulos terem feito essa experiência. É um Messias que é reconhecido por aqueles que têm o coração aberto e disponível às originalidades de Deus.

* Príncipe da Paz. Em termos históricos, não sabemos exatamente quem era o «Príncipe da Paz», a quem o profeta Isaías alude na primeira leitura escolhida para a noite de hoje. Possivelmente, não se referia a ninguém em particular, porque não se pode dizer que a algum dos príncipes do seu tempo se pudesse aplicar essa qualificação, mesmo ao mais pacífico. Resta então a hipótese de que a intenção do profeta tenha sido sobretudo despertar a atenção dos seus leitores para uma figura ideal que resumisse em si as melhores qualidades de todos os governantes do povo.

Sendo assim, nessa perspectiva, Isaías fez o que fazemos nós hoje quando decidimos «descrever» as qualidades ou atributos de Deus. Na impossibilidade de o fazer em termos rigorosos, por Ele nos ser completamente inacessível, ao imaginar o seu poder ilimitado, dizemos que é todo-poderoso. Ao imaginar a sua misericórdia sem limites, dizemos que é infinitamente misericordioso. Ou seja, a nossa linguagem limitada não tem a capacidade de exprimir a realidade de Deus senão por aproximação e indícios.

Qual a opção que restava a Isaías para descrever alguém que devia exercer um poder de harmonia e bem-estar para todos? Descrevendo a futura felicidade com imagens de vitória, mas «limpando-as» dos aspectos negativos que eram do conhecimento de todos. Por isso, o futuro rei que trará a paz e a harmonia será o «Conselheiro Admirável, o Deus-herói, o Pai Eterno, o Príncipe da Paz» (Is 9,6). De resto, os próprios termos utilizados sugerem que se trata dum Príncipe que não tem nada a ver com os príncipes deste mundo.

* A lógica de Deus. A lógica humana sugeriria que este «príncipe da paz» havia de ser o mais poderoso que jamais existiu. E, para dizer a verdade, foi precisamente essa lógica a vingar e a prevalecer na mentalidade do povo que, no fundo, concebia o messianismo como uma forma de governo ideal que submeteria ao domínio de Israel todas as potências mundiais. Confundiam assim o messianismo com um estreito nacionalismo. Em suma, segundo essa mentalidade, no fundo, o messianismo seria a instauração dum reino ou império onde todos os desejos de vingança e desforra reprimidos durante séculos seriam finalmente libertados e satisfeitos. Por outras palavras, o que fundamentalmente estava em   causa, embora sob formas e fórmulas religiosas, era o orgulho e o patriotismo nacionais.

Mas a ideia de Deus não era essa. E Isaías, desconhecendo talvez o alcance das suas próprias «previsões», di-lo claramente nos chamados «Cânticos do Servo de Javé» (cf. Is 42,1-4; 49,1-7; 50,  4-11; 52,13-53,12), que não temos agora ocasião de comentar. Mas as pessoas não quiseram ou não foram capazes de entender a missão desse Servo de Javé.

Só o Novo Testamento descobre o véu que escondia a verdadeira natureza deste Messias, que será alguém nascido na humildade e destinado ao sacrifício supremo pelo seu povo. Talvez seja essa a razão por que a liturgia da palavra nos propõe como segunda leitura para a noite de Natal um texto de Paulo a Tito, que faz referência não ao nascimento, mas à morte do Messias: «Ele entregou-se por nós, a fim de nos resgatar de toda a iniquidade» (Tit 2,14), acrescentando logo a seguir: «e para purificar e constituir um povo da sua exclusiva posse e zeloso na prática do bem» (cf. ibidem).

* A lógica dos homens. Segundo a estreita lógica dos homens, essa maneira de o Messias se manifestar (quer no ato do nascimento, quer no decurso da sua vida privada e pública, quer ainda e sobretudo na altura da sua morte) não tem qualquer cabimento. Como diz Paulo, isso é loucura para os gregos e escândalo para os judeus (cf. 1Cor 1,23). Também o trecho evangélico nos dá conta dessa diferença de critérios entre Deus e os homens no que se refere ao nascimento do Messias.

Um Deus que nasce numa manjedoura, por não haver lugar na hospedaria (cf. Lc 2,7), é, de facto, um Deus estranho, é escândalo para os judeus e um absurdo para os gregos. Se fosse conosco - damos conosco a imaginar - teríamos nascido num palácio dourado, impondo-nos ao respeito e à admiração das autoridades e de todo o povo!

Pois é! Mas, pelos vistos, Deus não é da mesma opinião. O local do nascimento, Belém, parece ir ao encontro das antigas aspirações e expectativas documentadas no Antigo Testamento, mas o facto é que o Menino nasce só e abandonado, longe das luzes da ribalta e afastado dos caminhos do sucesso que tecem a história humana. Não tem à disposição nenhum dos recursos humanos que são apanágio dos grandes deste mundo. O nascimento do Filho de Deus dá-se em circunstâncias absolutamente normais; melhor dizendo, em circunstâncias próprias dos mais pobres dos pobres. É caso para dizer que realmente a lógica de Deus não tem nada a ver com a lógica dos homens... Os homens põem a sua esperança na força de reis supostamente invencíveis e Deus o que faz? Envia um Menino pobre, indefeso e totalmente dependente dos seus pais, Maria e José, para sobreviver.

* Ele é Salvador total em toda a linha. A lógica humana, neste capítulo, teria sentido se o plano de Deus fosse simplesmente salvar as pessoas, e em particular Israel, do domínio e da opressão inimiga, nessa altura consubstanciada na força e no poderio do império romano. Mas, como é evidente, não era esse tipo de salvação que interessava a Deus. Ele queria, e quer sempre, a salvação de todos os homens, sem domínio duns sobre os outros, e do homem todo: dos dominadores e dos dominados, dos judeus e dos gregos, dos homens e das mulheres, dos conhecidos e dos anónimos, dos homens daquele tempo e dos homens de todos os tempos.

Nós temos uma certa dificuldade em entender estas coisas, porque, como regra, pensamos na salvação em termos simplesmente humanos, na medida em que circunscrevemos essa salvação à nossa libertação de todas as situações que causam incómodo e sofrimento. Todavia, a salvação de Deus ultrapassa essas fronteiras, porque vai para além da realidade que podemos apalpar. E, por outro lado, a primeira condição para admitir este tipo de salvação é sermos capazes de admitir que Deus, a quem nada é impossível, faz parte da nossa história (da minha história) da maneira mais incrivelmente  humana possível. Para isso, é preciso deixar-se guiar pela grande luz de que fala Isaías (1a leitura). Só que essa luz não é uma luz qualquer que se possa abarcar com a visão física. Essa luz esconde-se na figura dum Menino.

Por mais voltas que dê à cabeça, tenho que chegar sempre à conclusão de que o tipo de salvação, proposta por um Deus que se faz menino indefeso, não se exaure naquilo a que se dá o nome de vitória sobre os inimigos ou equilíbrio de forças. Essa salvação é uma força (a força do próprio Deus) a atuar no interior de cada um para lhe dar uma paz que o mundo não pode dar e um sentido que só tem sentido na medida em que ultrapassa os umbrais deste tempo para dar entrada nos umbrais da eternidade.

Féria Privilegiada do Advento: 24 de dezembro


1ª Leitura (2Sam 7,1-5.8b-12.14a.16): Quando David já morava em sua casa e o Senhor lhe deu tréguas de todos os inimigos que o rodeavam, o rei disse ao profeta Natã: «Como vês, eu moro numa casa de cedro e a arca de Deus está debaixo de uma tenda». Natã respondeu ao rei: «Faz o que te pede o coração, porque o Senhor está contigo». Nessa mesma noite, o Senhor falou a Natã, dizendo: «Vai dizer ao meu servo David: Assim fala o Senhor: Pensas edificar um palácio para Eu habitar? Tirei-te das pastagens onde guardavas os rebanhos, para seres o chefe do meu povo de Israel. Estive contigo em toda a parte por onde andaste e exterminei diante de ti todos os teus inimigos. Dar-te-ei um nome tão ilustre como o nome dos grandes da terra. Prepararei um lugar para o meu povo de Israel e nele o instalarei para que habite nesse lugar, sem que jamais tenha receio de andar errante, nem os perversos tornem a oprimi-lo como outrora, quando Eu constituía juízes no meu povo de Israel. Farei que vivas seguro de todos os teus inimigos; e o Senhor anuncia que te vai fazer uma casa. Quando chegares ao termo dos teus dias e fores repousar com teus pais, estabelecerei em teu lugar um descendente que há de nascer de ti e consolidarei a tua realeza. Serei para ele um Pai e ele será para Mim um filho. A tua casa e o teu reino permanecerão diante de Mim eternamente e o teu trono será firme para sempre».

Salmo Responsorial: 88
R. Senhor, cantarei eternamente a vossa bondade.

Cantarei eternamente as misericórdias do Senhor e para sempre proclamarei a sua fidelidade. Vós dissestes: «A bondade está estabelecida para sempre», no céu permanece firme a vossa fidelidade.

«Concluí uma aliança com o meu eleito, fiz um juramento a David, meu servo: ‘Conservarei a tua descendência para sempre, estabelecerei o teu trono por todas as gerações’».

Ele Me invocará: ‘Vós sois meu pai, meu Deus, meu Salvador’. Assegurar-lhe-ei para sempre o meu favor, a minha aliança com ele será irrevogável.

Aleluia. Ó Sol nascente, esplendor da luz eterna e sol de justiça: vinde iluminar os que vivem nas trevas e na sombra da morte. Aleluia.

Evangelho (Lc 1,67-79): Naquele tempo, Zacarias, seu pai, cheio do Espírito Santo, profetizou dizendo: «Bendito seja o Senhor, Deus de Israel, porque visitou e libertou o seu povo. Ele fez surgir para nós um poderoso salvador na casa de Davi, seu servo, assim como tinha prometido desde os tempos antigos, pela boca dos seus santos profetas: de salvar-nos dos nossos inimigos e da mão de quantos nos odeiam. Ele foi misericordioso com nossos pais: recordou-se de sua santa aliança, e do juramento que fez a nosso pai Abraão, de nos conceder que, sem medo e livres dos inimigos, nós o sirvamos, com santidade e justiça, em sua presença, todos os dias de nossa vida. E tu, menino, serás chamado profeta do Altíssimo, porque irás à frente do Senhor, preparando os seus caminhos, dando a conhecer a seu povo a salvação, com o perdão dos pecados, graças ao coração misericordioso de nosso Deus, que envia o sol nascente do alto para nos visitar, para iluminar os que estão nas trevas, na sombra da morte, e dirigir nossos passos no caminho da paz».

«Que envia o sol nascente do alto para nos visitar, para iluminar os que estão nas trevas»

Rev. D. Ignasi FABREGAT i Torrents (Terrassa, Barcelona, Espanha)

Hoje, o Evangelho recolhe o cântico de louvor de Zacarias após o nascimento do seu filho. Na primeira parte, o pai de João dá graças a Deus, na segunda parte os seus olhos voltam-se para o futuro. Todo ele propaga alegria e esperança ao reconhecer a ação salvadora de Deus para com Israel, que culmina na vinda do próprio Deus encarnado, preparada pelo filho de Zacarias.

Já sabemos que Zacarias tinha sido castigado por Deus devido à sua incredulidade. Porém, agora quando a ação divina se manifesta totalmente na sua própria carne – pois recupera a fala — exclama aquilo que até então não podia dizer senão com o coração; e certamente que o dizia: «Bendito seja o Senhor, Deus de Israel … (Lc 1,68). Quantas vezes vemos as coisas de forma obscura, negativa, pessimista! Se tivéssemos a visão sobrenatural que Zacarias demonstra no Canto do Benedictus, viveríamos permanentemente com alegria e esperança.

«O Senhor está próximo; o Senhor já está aqui!» O pai do Percursor está consciente de que a vinda do Messias é, acima de tudo, luz. Uma luz que ilumina os que vivem na obscuridade, nas sombras da morte, ou seja, nós próprios! Oxalá nos demos conta, com plena consciência, de que o Menino Jesus vem iluminar as nossas vidas, vem guiar-nos, assinalar-nos por onde devemos andar…! Oxalá nos deixemos guiar pelas suas inspirações, por aquela esperança que nos transmite!

Jesus é o «Senhor» (cf. Lc 1,68.76), mas também é o «Salvador» (cf. Lc 1,69). Estas duas confissões (atribuições) que Zacarias faz a Deus, tão próximas da Noite de Natal, sempre me surpreenderam, porque são exatamente as mesmas que o Anjo do Senhor atribuirá a Jesus no anúncio aos pastores e que podemos escutar com emoção logo à noite na Missa da Meia Noite. É que quem nasce é Deus!

Pensamentos para o Evangelho de hoje
«Nós somos a tua imagem e Tu és a nossa, graças à união que realizaste no homem. É através deste imenso amor que suplico humildemente a Vossa Majestade, com todas as forças da minha alma, que tenhais piedade, com toda a vossa generosidade, destas vossas miseráveis criaturas» (Santa Catarina de Sena)

«Misericórdia: é a lei fundamental que habita no coração de cada pessoa quando observa, com olhos sinceros, o irmão que encontra no caminho da sua vida. Misericórdia: é a via que une Deus e o homem» (Francisco)

« São João Batista é o precursor imediato do Senhor, enviado para Lhe preparar o caminho (cf. Mt 3,3); e inaugura o Evangelho» (Catecismo da Igreja Católica, nº 523)

Reflexões de Frei Carlos Mesters, O.Carm

* O Cântico de Zacarias é um dos muitos cânticos e refrões das comunidades dos primeiros cristãos, que até hoje estão espalhados pelos escritos do Novo Testamento: nos evangelhos (Lc 1,46-55; Lc 2,14; 2,29-32), nas cartas paulinas (1Cor 13,1-13; Ef 1,3-14; 2,14-18; Fil 2,6-11; Col 1,15-20) e no Apocalipse (1,7; 4,8; 11,17-18; 12,10-12; 15,3-4; 18,1 até 19,8). Estes cânticos nos dão uma ideia de como eram a vivência da fé e a liturgia semanal naqueles primeiros tempos. Eles deixam entrever uma liturgia que era, ao mesmo tempo, celebração do mistério, profissão de fé, animação da esperança e catequese.

* Aqui no Cântico de Zacarias, os membros daquelas primeiras comunidades, quase todos judeus, cantam a alegria de terem sido visitados pela bondade de Deus que, em Jesus, veio realizar as promessas. O Cântico tem uma estrutura bonita, bem elaborada. Parece uma lenta subida que leva os fiéis até o alto da montanha, de onde observam o caminho percorrido desde Abraão (Lc 1,68-73), experimentam o começo da realização das promessas (Lc 1,74-75) e de onde olham para frente prevendo o caminho a ser percorrido pelo menino João até o nascimento de Jesus, o Sol da justiça, que virá preparar para todos o caminho da Paz (Lc 76-79).

* Zacarias começa louvando a Deus por Ele ter visitado e redimido o seu povo (Lc 1,68) e ter realizado uma salvação poderosa na casa de Davi seu servo (Lc 1,69) conforme havia prometido pelos profetas (Lc 1,70). E ele descreve em que consiste esta salvação poderosa: na “libertação dos nossos inimigos e de todos que nos têm ódio” (Lc 1,71). Esta salvação é o resultado, não do esforço nosso, mas sim da bondade misericordiosa do pró­prio Deus que se lembrou da sua aliança sagrada e do juramento que tinha feito a Abraão, nosso pai (Lc 1,72). Deus é fiel. Este é o fundamento da nossa segurança.

* Em seguida, Zacarias descreve em que consiste o juramento de Deus a Abraão: é a esperança de “que, libertos dos inimigos, possamos viver sem medo, em santidade e justiça na presença de Deus, todos os dias da nossa vida”. Este era o grande desejo do povo daquele tempo e continua sendo o grande desejo de todos os povos de todos os tempos: viver em paz, sem medo, servindo a Deus e ao próximo, em santidade e justiça, todos os dias da nossa vida. Este é o alto da montanha, o ponto de chegada, que apareceu no horizonte com o nascimento de João (Lc 1,73-75).

* Agora, a atenção do cântico se dirige para João, o menino que acabou de nascer. Ele será o profeta do Altíssimo, pois irá à frente do Senhor para preparar-lhe o caminho e anunciar ao povo o conhecimento da salvação pelo perdão dos pecados (Lc 1,76-77). Aqui temos uma alusão clara à profecia messiânica de Jeremias que dizia: “Ninguém mais precisará ensinar seu próximo ou seu irmão, dizendo: "Procure conhecer a Javé". Porque todos, grandes e pequenos, me conhecerão, oráculo de Javé, pois vou perdoar suas culpas e não me lembrarei mais de seus pecados” (Jer 31,34). Na Bíblia, “conhecer” é sinônimo de “experimentar”. É o perdão e a reconciliação que nos fazem experimentar a presença de Deus.

* Tudo isso será fruto da ação misericordiosa do coração do nosso Deus e se realizará plenamente com a vinda de Jesus, o sol que virá do alto para iluminar todos que estão nas trevas e na sombra da morte e guiar nossos passos no caminho da Paz (Lc 1,78-79).

Para um confronto pessoal
1. Às vezes é bom ler o cântico como se fosse pela primeira vez para poder descobrir nele toda a novidade da Boa Nova de Deus.
2. Você já experimentou alguma vez a bondade de Deus? Você já experimentou alguma vez o perdão de Deus?

Féria Privilegiada do Advento: 23 de dezembro


1ª Leitura (Mal 3,1-4.23-24): Assim fala o Senhor Deus: «Vou enviar o meu mensageiro, para preparar o caminho diante de Mim. Imediatamente entrará no seu templo o Senhor a quem buscais, o Anjo da Aliança por quem suspirais. Ele aí vem – diz o Senhor do Universo –. Mas quem poderá suportar o dia da sua vinda, quem resistirá quando Ele aparecer? Ele é como o fogo do fundidor e como a lixívia dos lavandeiros. Sentar-Se-á para fundir e purificar: purificará os filhos de Levi, como se purifica o ouro e a prata, e eles serão para o Senhor os que apresentam a oblação segundo a justiça. Então a oblação de Judá e de Jerusalém será agradável ao Senhor, como nos dias antigos, como nos anos de outrora. Eu vos enviarei o profeta Elias, antes de chegar o dia grande e terrível do Senhor. Ele reconduzirá o coração dos pais a seus filhos e o coração dos filhos a seus pais, para que Eu não venha ferir de maldição a terra».

Salmo Responsorial: 24
R. Erguei-vos e levantai a cabeça: está perto a vossa redenção.

Mostrai-me, Senhor, os vossos caminhos, ensinai-me as vossas veredas. Guiai-me na vossa verdade e ensinai-me, porque Vós sois Deus, meu Salvador.

O Senhor é bom e reto, ensina o caminho aos pecadores. Orienta os humildes na justiça e dá-lhes a conhecer os seus caminhos.

Os caminhos do Senhor são misericórdia e fidelidade para os que guardam a sua aliança e os seus preceitos. O Senhor trata com familiaridade os que O temem e dá-lhes a conhecer a sua aliança.

Aleluia. Ó Emanuel: Deus conosco, nosso Rei Legislador, Esperança das nações e dos povos Salvador; Vinde, enfim, para salvar-nos, ó Senhor e nosso Deus!  Aleluia.

Evangelho (Lc 1,57-66): Quando se completou o tempo da gravidez, Isabel deu à luz um filho. Os vizinhos e os parentes ouviram quanta misericórdia o Senhor lhe tinha demonstrado, e alegravam-se com ela. No oitavo dia, foram circuncidar o menino e queriam dar-lhe o nome de seu pai, Zacarias. A mãe, porém, disse: «Não. Ele vai se chamar João». Disseram-lhe: «Ninguém entre os teus parentes é chamado com este nome!» Por meio de sinais, então, perguntaram ao pai como ele queria que o menino se chamasse. Zacarias pediu uma tabuinha e escreveu: «João é o seu nome!» E todos ficaram admirados. No mesmo instante, sua boca se abriu, a língua se soltou, e ele começou a louvar a Deus. Todos os vizinhos se encheram de temor, e a notícia se espalhou por toda a região montanhosa da Judéia. Todos os que ouviram a notícia ficavam pensando: «Que vai ser este menino?» De fato, a mão do Senhor estava com ele.

«Que vai ser este menino? De fato, a mão do Senhor estava com ele»

Rev. D. Miquel MASATS i Roca (Girona, Espanha)

Hoje, na primeira leitura lemos: «Isto diz o Senhor: ‘Eis que estou enviando o meu mensageiro para preparar o caminho à minha frente’» (Mal 3,1). A profecia de Malaquias cumpre-se em João Batista. É um dos principais personagens da liturgia do Advento, que nos convida a prepararmo-nos com oração e penitência para a vinda do Senhor. Tal como reza a oração da coleta da missa de hoje: «Concede aos teus servos, que reconhecemos a proximidade do Nascimento de teu Filho, experimentar a misericórdia do Verbo que se dignou encarnar da Virgem Maria e habitar entre nós».

O nascimento de Precursor fala-nos da proximidade do Natal. O Senhor está próximo; preparemo-nos! Questionado pelos sacerdotes vindos de Jerusalém sobre quem era, ele respondeu: «“Eu sou a voz de quem grita no deserto: ‘Endireitai o caminho para o Senhor!”» (Jo 1,23).

«Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir minha voz e abrir a porta, eu entrarei na sua casa e tomaremos a refeição, eu com ele e ele comigo» (Ap 3,20), lê-se na antífona da comunhão. Devemos fazer exame e analisar como nos estamos preparando para receber a Jesus no dia de Natal: Deus quer nascer principalmente nos nossos corações.

A vida do Precursor ensina-nos as virtudes que necessitamos para receber com proveito a Jesus; fundamentalmente, a humildade de coração. Ele reconhece-se instrumento de Deus para cumprir a sua vocação, a sua missão. Como diz Santo Ambrósio: «Não te glories por te chamarem filho de Deus —reconheçamos a graça sem esquecer a nossa natureza—; não te envaideças se serviste bem, porque apenas cumpriste aquilo que tinhas a fazer. O sol faz o seu trabalho a lua obedece; os anjos cumprem a sua missão. O instrumento escolhido pelo Senhor para os gentios diz: ‘Eu não mereço o nome de apóstolo, pois eu persegui a Igreja de Deus’ (1Cor 15,9)».

Busquemos tão só a glória de Deus. A virtude da humildade nos disporá a preparar-nos devidamente para as festas que se aproximam.

Pensamentos para o Evangelho de hoje
«Isabel sentiu a proximidade de Maria, João a proximidade do Senhor; a mulher ouviu a saudação da mulher, o filho sentiu a presença do Filho, elas proclamam a graça, eles logram que suas madres se aproveitem de este dom» (Santo Ambrósio)

« João anunciará a alguém Maior que ia de vir depois de ele. Tem sido enviado para preparar o caminho a esse misterioso Outro; toda sua missão está orientada a Ele: se anunciava algo realmente grande» (Bento XVI)

«João é “mais do que um profeta” (Lc,26). Nele, o Espírito Santo conclui a tarefa de “falar pelos profetas”. João encerra um ciclo dos profetas inaugurado por Elias. Anuncia a iminência da consolação de Israel, é a “voz” do Consolador que vem (Jo 1,23). Como fará o Espírito de verdade, “ele veio como testemunha, a fim de dar testemunho da luz” (Jo 1,7). Aos olhos de João Espírito realiza, assim, as “pesquisas dos profetas” e o desejo dos anjos» (Catecismo da Igreja Católica, n° 719)

Reflexões de Frei Carlos Mesters, O.Carm

* Nos capítulos 1 e 2 do seu evangelho, Lucas descreve o anúncio e o nascimento de dois meninos, João e Jesus, que vão ocupar um papel importante na realização do projeto de Deus. O que Deus iniciou no AT começa a ser realizado por meio deles. Por isso, nestes dois capítulos, Lucas evoca muitos fatos e pessoas do AT e ele chega a imitar o estilo do AT. É para sugerir que com o nascimento destes dois meninos a história faz a grande curva e inicia a realização das promessas de Deus por meio de João e de Jesus e com a colaboração dos pais Isabel e Zacarias e Maria e José.

* Existe certo paralelismo entre o anúncio e o nascimento dos dois meninos:
1. O anúncio do nascimento de João (Lc 1,5-25) e de Jesus (Lc 1,26-38)
2. As duas mães grávidas se encontram e experimentam a presença de Deus (Lc 1,27-56)
3. O nascimento de João (Lc 1,57-58) e de Jesus (Lc 2,1-20)
4. A circuncisão na comunidade de João (Lc 1,59-66) e de Jesus (Lc 2,21-28)
5. O canto de Zacarias (Lc 1,67-79) e o canto de Simeão com a profecia de Ana (Lc 2,29-32)
6. A vida oculta de João (Lc 1,80) e de Jesus (Lc 2,39-52)

* Lucas 1,57-58: Nascimento de João Batista. “Completou-se para Isabel o tempo do parto e ela deu à luz um filho. Os vizinhos e parentes ouviram dizer como o Senhor tinha sido bom para Isabel, e se alegraram com ela”. Como tantas mulheres do AT, Isabel era estéril: Como Deus teve piedade de Sara (Gn 16,1; 17,17; 18,12), de Raquel (Gn 29,31) e de Ana (1Sam 1,2.6.11) transformando a esterilidade em fecundidade, assim Ele teve piedade de Isabel, e ela concebeu um filho. Grávida, Isabel escondeu-se durante cinco meses. Quando, depois de cinco meses, o povo pôde verificar no corpo dela como Deus tinha sido bom para Isabel, todos se alegraram com ela. Este ambiente comunitário em que todos se envolvem com a vida dos outros, tanto na alegria como na dor, é o ambiente em que João e Jesus nasceram, cresceram e receberam a sua formação. Um ambiente assim marca a personalidade das pessoas pelo resto da sua vida. É este ambiente comunitário que mais nos falta hoje.

* Lucas 1,59: Dar o nome no oitavo. “No oitavo dia, foram circuncidar o menino, e queriam dar-lhe o nome de seu pai, Zacarias”. O envolvimento da comunidade na vida da família de Zacarias, Isabel e João é tanto que os parentes e vizinhos chegam a interferir até na escolha do nome do menino. Querem dar ao menino o nome do pai: Zacarias!” Zacarias quer dizer: Deus se lembrou. Talvez quisessem expressar a gratidão a Deus por Ele ter se lembrado de Isabel e de Zacarias e por ter-lhes dado um filho na velhice.

* Lucas 1,60-63: O nome dele será João! Mas Isabel intervém e não permite os parentes tomarem a dianteira na questão do nome. Lembrando o anúncio do nome pelo anjo a Zacarias (Lc 1,13), ela diz: "Não! Ele vai se chamar João". Num lugar pequeno como Ain Karem na serra da Judéia, o controle social é muito forte. E quando uma pessoa sai fora dos costumes normais do lugar, ela é criticada. Isabel não seguiu os costumes do lugar e escolheu um nome fora dos padrões normais. Por isso, os parentes e vizinhos reclamam: "Você não tem nenhum parente com esse nome!" Os parentes não cedem com facilidade e fazem sinais ao pai para saber dele como quer que o menino seja chamado. Zacarias pediu uma tabuinha, e escreveu: "O nome dele é João." Todos ficaram admirados, pois deviam ter percebido algo do mistério que Deus que envolvia o nascimento do menino.

É esta percepção que o povo teve do mistério de Deus presente nos fatos tão comuns da vida, que Lucas quer comunicar a nós, seus leitores e leitoras. Na sua maneira de descrever os acontecimentos, Lucas não é como o fotógrafo que só registra o que os olhos podem ver. Ele é como quem usa o Raio-X que registra aquilo que os olhos não podem ver. Lucas lê os fatos com o Raio-X da fé que revela o que o olhar comum não percebe.

* Lucas 1,64-66: A notícia do menino se espalha. “No mesmo instante, a boca de Zacarias se abriu, sua língua se soltou, e ele começou a louvar a Deus. Todos os vizinhos ficaram com medo, e a notícia se espalhou por toda a região montanhosa da Judéia. E todos os que ouviam a notícia, ficavam pensando: "O que será que esse menino vai ser?" De fato, a mão do Senhor estava com ele”. A maneira de Lucas descrever os fatos evoca as circunstâncias do nascimento de pessoas que no AT tiveram um papel importante na realização do projeto de Deus e cuja infância já parecia marcada pelo destino privilegiado que iam ter: Moisés (Ex 2,1-10), Sansão (Jz 13,1-4 e 13,24-25), Samuel (1Sam 1,13-28 e 2,11).

* Quanto mais conhecimento você conseguir acumular do Antigo Testamento, mais evocações vai descobrir nos escritos de Lucas. Os dois primeiros capítulos do seu Evangelho não são histórias no sentido em que nós hoje entendemos a história. Funcionam mais como espelho para ajudar os leitores e leitoras a descobrir que João e Jesus tinham vindo realizar as profecias do Antigo Testamento. Lucas quer mostrar como Deus, através dos dois meninos, veio atender às mais profundas aspirações do coração humano. De um lado, Lucas mostra que o Novo realiza o que o Antigo prefigurava. De outro lado, ele mostra que o novo ultrapassa o antigo e não corresponde em tudo ao que o povo do Antigo Testamento imaginava e esperava. Na atitude de Isabel e Zacarias, de Maria e José, Lucas apresenta um modelo de como se converter e acreditar no Novo que está chegando.

Para um confronto pessoal
1. O que mais me cativou na maneira de Lucas descrever os fatos da vida?
2. Como leio os fatos da minha vida? Como fotografia ou como raio-X?