domingo, 31 de julho de 2022

Terça-feira da 18ª semana do Tempo Comum

 Nossa Senhora Rainha dos Anjos
Santo Eusébio de Vercelli, bispo
São Pedro Julião Eymard, presbítero
São Pedro Fabro, presbítero

1ª Leitura (Jer 30,1-2.12-15.18-22): Palavra que o Senhor dirigiu ao profeta Jeremias: Eis o que diz o Senhor, Deus de Israel: «Escreve num livro todas as palavras que Eu te disse. Assim fala o Senhor: É incurável a tua ferida, a tua chaga não tem remédio. Ninguém se interessa por ti, para defender a tua causa; para uma úlcera há remédios, mas para ti não existe cura. Todos os teus amigos te esqueceram e nem perguntam por ti. Porque Eu te feri como fere um inimigo e o castigo foi severo, por causa das tuas grandes culpas, dos teus inúmeros pecados. Porque te queixas da tua ferida, do teu mal que não tem cura? Foi pelas tuas grandes culpas, pelos teus inúmeros pecados, que Eu te tratei assim». Assim fala o Senhor: «Restaurarei as tendas de Jacob e terei compaixão das suas moradas. A cidade será reconstruída sobre as suas ruínas e a fortaleza reedificada no seu verdadeiro lugar. Deles sairão hinos de louvor e brados de alegria. Multiplicá-los-ei e não mais serão reduzidos; exaltá-los-ei e não mais serão humilhados. Os seus filhos serão como outrora, a sua assembleia será estável diante de Mim e castigarei todos os seus opressores. De entre eles surgirá um chefe, do meio deles sairá um soberano. Chamá-lo-ei e ele virá à minha presença. Aliás, quem arriscaria a vida aproximando-se de Mim? – diz o Senhor – Mas vós sereis o meu povo e Eu serei o vosso Deus».

Salmo Responsorial: 101
R. Quando o Senhor restaurar Sião, manifestará a sua glória.

Os povos temerão, Senhor, o vosso nome, todos os reis da terra a vossa glória. Quando o Senhor reconstruir Sião e manifestar a sua glória, atenderá a súplica do infeliz e não desprezará a sua oração.

Escreva-se tudo isto para as gerações futuras e o povo que se há de formar louvará o Senhor. Debruçou-Se do alto da sua morada, lá do Céu o Senhor olhou para a terra, para ouvir os gemidos dos cativos, para libertar os condenados à morte.

Os filhos dos vossos servos hão de permanecer e a sua descendência se perpetuará na vossa presença, para ser proclamado em Sião o nome do Senhor e em Jerusalém o seu louvor, quando se reunirem todos os reinos para servirem o Senhor.

Aleluia. Mestre, Vós sois o Filho de Deus, Vós sois o Rei de Israel. Aleluia.

Evangelho (Mt 14,22-36): Logo em seguida, Jesus mandou que os discípulos entrassem no barco e fossem adiante dele para o outro lado do mar, enquanto ele despediria as multidões. Depois de despedi-las, subiu à montanha, a sós, para orar. Anoiteceu, e Jesus continuava lá, sozinho. O barco, entretanto, já longe da terra, era atormentado pelas ondas, pois o vento era contrário. Nas últimas horas da noite, Jesus veio até os discípulos, andando sobre o mar. Quando os discípulos o viram andando sobre o mar, ficaram apavorados e disseram: «É um fantasma». E gritaram de medo. Mas Jesus logo lhes falou: «Coragem! Sou eu. Não tenhais medo!». Então Pedro lhe disse: «Senhor, se és tu, manda-me ir ao teu encontro, caminhando sobre a água». Ele respondeu: «Vem!». Pedro desceu do barco e começou a andar sobre a água, em direção a Jesus. Mas, sentindo o vento, ficou com medo e, começando a afundar, gritou: «Senhor, salva-me!». Jesus logo estendeu a mão, segurou-o e lhe disse: «Homem de pouca fé, por que duvidaste?». Assim que subiram no barco, o vento cessou. Os que estavam no barco ajoelharam-se diante dele, dizendo: «Verdadeiramente, tu és o Filho de Deus!». Após a travessia, aportaram em Genesaré. Os habitantes daquele lugar reconheceram Jesus e espalharam a notícia por toda a região. Então levaram a ele todos os doentes; suplicavam que pudessem ao menos tocar a franja de seu manto. E todos os que tocaram ficaram curados.

«Senhor, se és tu, manda-me ir ao teu encontro, caminhando sobre a água»

Frei Lluc TORCAL Monje do Monastério de Sta. Mª de Poblet (Santa Maria de Poblet, Tarragona, Espanha)

Hoje, não veremos Jesus a dormir na barca enquanto esta se afunda, nem acalmando a tempestade com uma só palavra de interpelação, suscitando assim a admiração dos discípulos (cf. Mt 8, 22-23). Mas a ação de hoje não é menos desconcertante: tanto para os primeiros discípulos como para nós.

Jesus tinha mandado os discípulos subir para a barca e ir para a outra margem; tinha despedido todos depois de saciar a multidão faminta e Ele tinha permanecido sozinho na montanha, profundamente concentrado em oração (cf. Mt 14,22-23). Os discípulos, sem o Mestre, avançam com dificuldade. Foi então que Jesus se aproximou da barca, caminhando sobre as águas.

Como acontece com pessoas normais e sensatas, os discípulos assustaram-se ao vê-Lo: os homens não costumam caminhar sobre a água e, portanto, deviam estar a ver um fantasma. Mas estavam enganados, não era um fantasma, mas tinham diante deles o próprio Senhor, que os convidava - como em tantas outras ocasiões - a não ter medo e a confiar n’Ele para descobrirem a fé. Esta fé exige-se, em primeiro lugar, a Pedro, que disse: «Senhor, se és tu, manda-me ir ao teu encontro, caminhando sobre a água» (Mt 14,28). Com esta resposta, Pedro mostrou que a fé consiste na obediência à palavra de Cristo: não disse «faça com que eu caminhe sobre as águas», mas queria fazer o que o próprio e único Senhor lhe mandasse, para poder crer na veracidade das palavras do Mestre.

As dúvidas fizeram-no cambalear na sua fé incipiente, mas levaram-no à confissão dos outros discípulos, agora com o Mestre presente: «Verdadeiramente, tu és o Filho de Deus!» (Mt 14,33). «O grupo daqueles que já eram apóstolos, mas que ainda não acreditavam, depois de verem que as águas se moviam sob os pés do Senhor e que, mesmo no movimento agitado das ondas, os passos do Senhor eram seguros, (...) acreditaram que Jesus era o verdadeiro Filho de Deus, confessando-O como tal» (Santo Ambrósio).

Pensamentos para o Evangelho de hoje

«A oração é uma conversa e um diálogo com Deus: garantia das coisas esperadas, igualdade de condição e honra com os anjos, emenda dos pecados, remédio para os males, garantia dos bens futuros» (São Gregório de Nisa)

«O que é a oração? Normalmente considera-se uma conversa. Numa conversa há sempre um "eu" e um "tu". Neste caso, um "Tu" com "T" maiúsculo. O mais importante é o Tu, porque a nossa oração parte por iniciativa de Deus» (S. João Paulo II)

«Não há outro caminho para a oração cristã senão Cristo. Seja comunitária ou pessoal, seja vocal ou interior, a nossa oração só tem acesso ao Pai se rezarmos «em nome» de Jesus. A santa humanidade de Jesus é, pois, o caminho pelo qual o Espírito Santo nos ensina a orar a Deus nosso Pai» (Catecismo da Igreja Católica, nº 2.664)

Reflexões de Frei Carlos Mesters, O.Carm.

* O Evangelho de hoje descreve a difícil e cansativa travessia do mar da Galileia num barco frágil, balançado pelo vento contrário. Entre o Sermão das Parábolas (Mt 13) e o da Comunidade (Mt 18), está, novamente, a parte narrativa (Mt 14 até 17). O Sermão das Parábolas chamava nossa atenção para a presença do Reino. Agora, a parte narrativa mostra como esta presença acontece provocando reações a favor e contra Jesus. Em Nazaré ele não foi aceito (Mt 13,53-58) e o rei Herodes pensava que Jesus fosse uma espécie de reencarnarão de João Batista, por ele assassinado (Mt 14,1-12). O povo pobre, porém, reconhecia em Jesus o enviado de Deus e o seguia no deserto, onde aconteceu a multiplicação dos pães (Mt 14,13-21). Depois da multiplicação dos pães, Jesus despede a multidão e manda os discípulos fazer a travessia, descrita no evangelho de hoje (Mt 14,22-36).

*  Mateus 14,22-24: Iniciar a travessia a pedido de Jesus.
Jesus forçou os discípulos a entrar no barco e ir para o outro lado do mar, onde ficava a terra dos pagãos. Ele mesmo sobe a montanha para rezar. O barco simboliza a comunidade. Ela tem a missão de dirigir-se aos pagãos e de anunciar também entre eles a Boa Nova do Reino que gera um novo jeito de conviver em comunidade. Mas a travessia é cansativa e demorada. A barca é agitada pelas ondas, pois o vento era contrário. Apesar de terem remado a noite toda, falta muito para chegar à terra. Faltava muito para as comunidades fazerem a travessia para os pagãos. Jesus não foi com os discípulos. Eles devem aprender a enfrentar juntos as dificuldades, unidos e fortalecidos pela fé em Jesus que os enviou. O contraste é grande: Jesus em paz junto de Deus rezando no alto da montanha, e os discípulos meio perdidos lá embaixo, no mar revolto.

* A travessia para o outro lado do lago simboliza também a difícil travessia das comunidades do fim do primeiro século. Elas deviam sair do mundo fechado da antiga observância da lei para o novo jeito de observar a Lei do amor, ensinado por Jesus; sair da consciência de pertencer ao povo eleito, privilegiado por Deus entre todos os povos, para a certeza de que em Cristo todos os povos estavam sendo fundidos num único Povo diante de Deus; sair do isolamento da intolerância para o mundo aberto do acolhimento e da gratuidade. Também nós hoje estamos numa travessia difícil para um novo tempo e uma nova maneira de ser igreja. Travessia difícil, mas necessária. Há momentos na vida em que o medo nos assalta. Boa vontade não falta, mas não basta. Somos como um barco que enfrenta o vento contrário.

* Mateus 14,25-27: Jesus se aproxima e eles não o reconhecem. Na quarta vigília, isto é, entre as horas três e seis da madrugada, Jesus foi ao encontro dos discípulos. Andando sobre as águas, chegou perto deles, mas eles não o reconheceram. Gritavam de medo, pensando que fosse um fantasma. Jesus os acalma dizendo: “Coragem! Sou eu! Não tenham medo!” A expressão "Sou Eu!" é a mesma com que Deus tentou superar o medo de Moisés quando o enviou para libertar o povo do Egito (Ex 3,14). Para as comunidades, tanto as de ontem como as de hoje, era, e é, muito importante ouvir sempre de novo: "Coragem! Sou eu! Não tenham medo!"

* Mateus 14,28-31: Entusiasmo e fraqueza de Pedro. Sabendo que é Jesus, Pedro pede para poder andar sobre as águas. Quer experimentar o poder que domina a fúria do mar. Um poder que, na Bíblia, é exclusivo de Deus (Gn 1,6; Sl 104,6-9). Jesus permite que ele participe desse poder. Mas Pedro tem medo. Pensa que vai afundar e grita: "Senhor! Salva-me!" Jesus o segura e repreende: "Homem fraco na fé! Por que duvidou?" Pedro tem mais força do que ele imagina, mas tem medo diante das ondas contrárias e não acredita no poder de Deus que existe nele. As comunidades não acreditam na força do Espírito que existe dentro delas e que atua através da fé. É a força da ressurreição (Ef 1,19-20).

* Mateus 14,32-33: Jesus é o Filho de Deus. Diante da onda que avança sobre ele, Pedro afunda no mar por falta de fé. Depois que foi salvo, ele e Jesus, os dois, entram na barca e a ventania para. Os outros discípulos, que estavam na barca, ficam maravilhados e se ajoelham diante de Jesus, reconhecendo nele o Filho de Deus: "De fato, tu és o Filho de Deus". Mais tarde, Pedro também vai professar a mesma fé em Jesus: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo” (Mt 16,16). Assim, Mateus sugere que não é só Pedro que sustenta a fé dos discípulos, mas também é a fé dos discípulos, que sustenta a fé de Pedro.

* Mateus 14,34-36: Levaram a Jesus todos os doentes. O episódio da travessia termina com este final bonito: “Acabando de atravessar, desembarcaram em Genesaré. Os homens desse lugar, reconhecendo-os, espalharam a notícia por toda a região. Então levaram a Jesus todos os doentes, e pediram que pudessem ao menos tocar a barra da roupa dele. E todos os que tocaram, ficaram curados”.

Para um confronto pessoal
1. Um vento contrário assim já aconteceu na sua vida? Como fez para vencer? Já aconteceu alguma vez na comunidade? Como superaram?

2. Qual a travessia que hoje as comunidades estão fazendo? De onde para onde? Como tudo isto nos ajuda a reconhecer hoje a presença de Jesus nas ondas contrárias da vida?

sexta-feira, 29 de julho de 2022

Segunda-feira da 18ª semana do Tempo Comum

Santo Afonso Mª de Ligório, bispo e doutor da Igreja

1ª Leitura (Jer 28,1-17): No quarto ano do reinado de Sedecias, rei de Judá, no quinto mês, Ananias, filho de Asur, profeta natural de Gabaon, falou deste modo a Jeremias no templo do Senhor, na presença dos sacerdotes e de todo o povo: «Assim fala o Senhor do Universo, Deus de Israel: ‘Vou quebrar o jugo do rei de Babilónia. Dentro de dois anos, farei voltar para este lugar todos os objetos do templo do Senhor, que o rei de Babilónia, Nabucodosor, tirou deste lugar e levou para Babilónia. Também farei regressar Jeconias, filho de Joaquim, rei de Judá, e todos os cativos de Judá que foram para Babilónia, – diz o Senhor – porque vou quebrar o jugo do rei de Babilónia’». Então o profeta Jeremias respondeu ao profeta Ananias, na presença dos sacerdotes e de todo o povo, que estavam no templo do Senhor: «Amém! O Senhor assim o faça. O Senhor realize as palavras que profetizaste, fazendo voltar de Babilónia para este lugar os objetos do templo do Senhor e todos os cativos. No entanto, escuta as palavras que vou dizer aos teus ouvidos e aos ouvidos de todo o povo: Os profetas de outrora, que existiram antes de mim e antes de ti, anunciaram para muitos países e reinos poderosos a guerra, a desgraça e a peste. Mas o profeta que anuncia a prosperidade só é reconhecido como verdadeiro enviado do Senhor quando se realiza o que ele profetizou». Então o profeta Ananias tirou o jugo do pescoço do profeta Jeremias e quebrou-o e disse na presença de todo o povo: «Assim fala o Senhor: ‘Deste modo, dentro de dois anos, Eu quebrarei o jugo de Nabuconosor, rei de Babilónia, tirando-o do pescoço de todas as nações’». E o profeta Jeremias foi-se embora. Depois de Ananias ter quebrado o jugo que estava no pescoço do profeta Jeremias, foi dirigida ao profeta Jeremias a palavra do Senhor: «Vai dizer a Ananias: Assim fala o Senhor: Tu quebraste um jugo de madeira, mas Eu farei em seu lugar um jugo de ferro. Porque assim fala o Senhor do Universo, Deus de Israel: Vou pôr um jugo de ferro no pescoço de todas as nações, para que sirvam Nabucodonosor, rei de Babilónia. Elas ficar-lhe-ão submissas e Eu vou entregar-lhe até os animais do campo». O profeta Jeremias disse ainda ao profeta Ananias: «Escuta, Ananias. O Senhor não te enviou e tu levas este povo a confiar em mentiras. Por isso, assim fala o Senhor: Vou expulsar-te da face da terra e morrerás ainda este ano, porque pregaste a revolta contra o Senhor». E o profeta Ananias morreu no sétimo mês desse ano.

Salmo Responsorial: 118
R. Ensinai-me, Senhor, os caminhos da vossa lei.

Afastai-me do caminho da mentira e dai-me a graça de cumprir a vossa lei. Não me tireis da boca a palavra da verdade, porque eu espero nos vossos juízos.

Voltem-se para mim os que Vos temem e conhecem as vossas ordens. Seja perfeito o meu coração em cumprir os vossos decretos, de modo que eu não seja confundido.

Os pecadores esforçam-se por me perder, mas eu medito nas vossas ordens. Não me tenho afastado dos vossos juízos, porque sois Vós quem me ensina.

Aleluia. Mestre, tu és o Filho de Deus, tu és o Rei de Israel. Aleluia.

Evangelho (Mt 14,13-21): Naquele tempo, ao ser informado da morte de João, Jesus partiu dali e foi, de barco, para um lugar deserto, a sós. Quando as multidões o souberam, saíram das cidades e o seguiram a pé. Ao sair do barco, Jesus viu uma grande multidão. Encheu-se de compaixão por eles e curou os que estavam doentes. Ao entardecer, os discípulos aproximaram-se dele e disseram: «Este lugar é deserto e a hora já está adiantada. Despede as multidões, para que possam ir aos povoados comprar comida!». Jesus, porém, lhes disse: «Eles não precisam ir embora. Vós mesmos dai-lhes de comer!». Os discípulos responderam: «Só temos aqui cinco pães e dois peixes». Ele disse: «Trazei-os aqui». E mandou que as multidões se sentassem na relva. Então, tomou os cinco pães e os dois peixes, ergueu os olhos para o céu e pronunciou a bênção, partiu os pães e os deu aos discípulos; e os discípulos os distribuíram às multidões. Todos comeram e ficaram saciados, e dos pedaços que sobraram recolheram ainda doze cestos cheios. Os que comeram foram mais ou menos cinco mil homens, sem contar mulheres e crianças.

«Ergueu os olhos para o céu...»

Rev. D. Xavier ROMERO i Galdeano (Cervera, Lleida, Espanha)

Hoje, o Evangelho toca nossos "esquemas mentais"... Por isso, hoje, como nos tempos de Jesus, podem surgir as vozes dos prudentes para sopesar se vale a pena determinado assunto. Os discípulos, ao ver que se fazia tarde e, como não sabiam como atender àquelas pessoas reunidas em torno de Jesus, encontraram uma saída honrosa: «Que possam ir aos povoados comprar comida!» (Mt 14,15). Não podiam esperar que seu Mestre e Senhor contrariasse esse raciocínio, aparentemente tão prudente, dizendo-lhes: «Vós mesmos dai-lhes de comer!» (Mt 14,16).

Um ditado popular diz: «Aquele que deixa Deus fora de suas contas, não sabe contar». E é verdade, os discípulos —e nós também— não sabemos contar, porque nos esquecemos frequentemente, de acrescentar o elemento de maior importância na soma: Deus mesmo entre nós.

Os discípulos fizeram bem as contas; contaram com exatidão o número de pães e peixes, mas ao dividi-los mentalmente entre tanta gente, eles obtinham sempre um zero periódico; por isso optaram pelo realismo prudente: «Só temos aqui cinco pães e dois peixes» (Mt 14,17). Não percebem que eles têm a Jesus —verdadeiro Deus e verdadeiro homem— entre eles!

Parafraseando a São Josemaria, não nos seria mal recordar aqui que: «os empreendimentos de apostolado, está certo —é um dever— que consideres os teus meios terrenos (2 + 2 = 4). Mas não esqueças nunca! Que tens de contar, felizmente, com outra parcela: Deus + 2 + 2...». O otimismo cristão não é baseado na ausência de dificuldades, de resistências e de erros pessoais, mas em Deus que nos diz: «Eis que estou convosco todos os dias, até o fim dos tempos» (Mt 28,20).

Seria bom se você e eu, quando confrontados com as dificuldades, antes de darmos uma sentença de morte à ousadia e ao otimismo do espírito cristão, contássemos com Deus. Tomara que possamos dizer como São Francisco, naquela oração genial: «Onde houver ódio que eu leve o amor», isto é, onde as contas não baterem, que contemos com Deus.

Pensamentos para o Evangelho de hoje

«A oração é uma conversa e um diálogo com Deus: garantia das coisas esperadas, igualdade de condição e honra com os anjos, emenda dos pecados, remédio para os males, garantia dos bens futuros» (São Gregório de Nisa)

«O que é a oração? Normalmente considera-se uma conversa. Numa conversa há sempre um "eu" e um "tu". Neste caso, um "Tu" com "T" maiúsculo. O mais importante é o Tu, porque a nossa oração parte por iniciativa de Deus» (S. João Paulo II)

«Não há outro caminho para a oração cristã senão Cristo. Seja comunitária ou pessoal, seja vocal ou interior, a nossa oração só tem acesso ao Pai se rezarmos «em nome» de Jesus. A santa humanidade de Jesus é, pois, o caminho pelo qual o Espírito Santo nos ensina a orar a Deus nosso Pai» (Catecismo da Igreja Católica, nº 2.664)

1° sermão sobre o 4º Domingo da Quaresma

Jacques Bossuet, bispo

Quisera demonstrar-vos em meu sermão que longe estamos da recomendação de São Paulo: Tendo com que alimentar-nos e com que cobrir-nos, estejamos satisfeitos. Para conseguir meu desejo, vos ensinarei os três de bens temporais assinalados perfeitamente em nosso Evangelho, a saber: primeiro, o necessário para viver; segundo, a abundância que chega ao agradável e supérfluo; terceiro, a grandeza e poder das fortunas extraordinárias.

O primeiro o encontramos nos pães que o Senhor distribuiu; o segundo, nos que sobram e se recolhem com cuidado; o terceiro, em que quiseram coroá-lo rei.

Mas não nos basta considerar estas três classes de bens, pois devemos estudar os três vícios que nos inclinam a usá-los mal, ou seja: com relação ao necessário, a avidez e inquietude; com relação ao supérfluo, a dissipação e o luxo; com relação à grandeza, a ambição desordenada. Contra estes três vícios o Evangelho de hoje nos apresenta três remédios, porque a necessidade diminui a confiança na providência de Cristo, que nos impede de viver inquietos; já o supérfluo nos manda que se recolha com cuidado, para impedir o esbanjamento; e quando quiseram coroá-lo rei, foge.

Portanto, o Evangelho nos ensina a não buscar ávidos o necessário, a não dissipar inutilmente o supérfluo e a não desejar com ambição os altos cargos.

Reflexão

• O capítulo 14 de Mateus, que inclui a história da multiplicação dos pães, propõe um itinerário que leva o leitor à descoberta progressiva da fé em Jesus: desde a falta de fé dos conterrâneos de Jesus até o reconhecimento do Filho de Deus passando pelo dom do pão. Os concidadãos de Jesus estão surpreendidos com a sua sabedoria, mas não compreendem que ela age através de suas obras. Tendo até mesmo um conhecimento direto da família de Jesus, de sua mãe, irmãos e irmãs, não conseguem aceitar a Jesus, a não ser apenas sua condição humana: é o filho do carpinteiro. Incompreendido em sua terra natal, a partir de agora Jesus viverá entre o povo ao qual dedicará toda a sua atenção e solidariedade, curando e alimentando as multidões.

Dinâmica da narrativa. Mateus narra acuradamente o episódio da multiplicação dos pães. O episódio está narrado entre duas expressões de transição nas quais se diz que Jesus se retira "à parte" das multidões, dos discípulos e da barca (vv.13-14; vv.22-23). O versículo 13 não só serve como uma transição, mas também fornece o motivo pelo qual Jesus está em um lugar deserto. Esta estratégia serve para especificar o ambiente em que ocorre o milagre. O evangelista enfoca a história na multidão e na atitude de Jesus a respeito dela.

Jesus se comove em seu interior. No momento em que chega, Jesus encontra uma multidão que o espera; ao ver as multidões se comove e cura os seus doentes. É uma multidão "cansada e abatida como ovelhas sem pastor" (9,36; 20,34) O verbo que expressa a compaixão de Jesus é verdadeiramente expressivo: a Jesus "se lhe despedaça o coração", corresponde ao verbo hebraico que expressa amor visceral da mãe. É o mesmo sentimento que tinha Jesus diante do túmulo de Lázaro (Jo 11,38). Compaixão é o aspecto subjetivo da experiência de Jesus, que se faz efetiva com o dom do pão.

O dom do pão. O relato da multiplicação dos pães se abre com uma expressão: "Caía a tarde" (v.15), que também introduz o relato da Última Ceia (Mt 26,20) e do sepultamento de Jesus (Mt 27,57 ). À tarde, então, Jesus convida os apóstolos para alimentar a multidão, em meio ao deserto longe de vilas e cidades. Jesus e os discípulos estão diante de um problema humano muito forte: alimentar a grande multidão que segue Jesus. Mas eles não conseguem suprir as necessidades materiais da multidão, sem o poder de Jesus. A resposta imediata dos discípulos é mandá-los para casa. Diante dos limites humanos, Jesus intervém e realiza o milagre saciando a todos os que o seguem. Dar de comer é aqui a resposta de Jesus, de seu coração que se faz em pedaços diante de uma necessidade humana muito específica. O dom do pão não é apenas suficiente para satisfazer a multidão, mas é tão abundante que se deve recolher as sobras. No v. 19b parece que Mateus deu um significado eucarístico ao episódio da multiplicação dos pães: "elevando os olhos ao céu, abençoou-os. Partindo em seguida os pães, deu-os aos seus discípulos," o papel da discípulos também fica muito evidente na função de mediação entre Jesus e a multidão: "os discípulos distribuíram ao povo" (v. 19c). Os gestos que acompanham o milagre são idênticos aos que Jesus adotará mais tarde na "noite em que foi entregue": levanta os olhos, abençoa o pão e o parte. Disto se deduz o valor simbólico do milagre: pode se considerar uma antecipação da Eucaristia. Além disso, alimentar a multidão por parte de Jesus é um "sinal" de que ele é o Messias e de que prepara um banquete de festa para toda a humanidade. De Jesus, que distribuiu os pães, os discípulos aprendem o valor da partilha. É um gesto simbólico que contém um fato real que vai além do episódio mesmo e se projeta para o futuro: o dom da nossa Eucaristia diária, em que revivemos aquele gesto do pão partido, é necessário que seja reiterado ao longo do jornada.

Para um confronto pessoal
1. Você se esforça para fazer gestos de solidariedade com aqueles que estão perto de você partilhando o caminho da vida? Diante dos problemas concretos de seus amigos ou parentes, você sabe oferecer sua ajuda e tua disponibilidade de colaborar para encontrar maneiras de resolver?

2. Jesus, antes de partir o pão, levanta os olhos para o céu, você sabe agradecer ao Senhor pelo dom pão diário? Você sabe compartilhar seus bens com os outros, especialmente com os pobres?

quinta-feira, 28 de julho de 2022

XVIII Domingo do Tempo Comum

Sto. Inácio de Loyola, presbítero

1ª Leitura (Co 1,2; 2,21-23): Vaidade das vaidades – diz Coelet – vaidade das vaidades: tudo é vaidade. Quem trabalhou com sabedoria, ciência e êxito, tem de deixar tudo a outro que nada fez. Também isto é vaidade e grande desgraça. Mas então, que aproveita ao homem todo o seu trabalho e a ânsia com que se afadigou debaixo do sol? Na verdade, todos os seus dias são cheios de dores e os seus trabalhos cheios de cuidados e preocupações; e nem de noite o seu coração descansa. Também isto é vaidade.

Salmo Responsorial: 89
R. Senhor, tendes sido o nosso refúgio através das gerações.

Vós reduzis o homem ao pó da terra e dizeis: «Voltai, filhos de Adão». Mil anos a vossos olhos são como o dia de ontem que passou e como uma vigília da noite.

Vós os arrebatais como um sonho, como a erva que de manhã reverdece; de manhã floresce e viceja, de tarde ela murcha e seca.

Ensinai-nos a contar os nossos dias, para chegarmos à sabedoria do coração. Voltai, Senhor! Até quando... Tende piedade dos vossos servos.

Saciai-nos desde a manhã com a vossa bondade, para nos alegrarmos e exultarmos todos os dias. Desça sobre nós a graça do Senhor nosso Deus. Confirmai, Senhor, a obra das nossas mãos.

2ª Leitura (Col 3,1-5.9-11): Irmãos: Se ressuscitastes com Cristo, aspirai às coisas do alto, onde Cristo está sentado à direita de Deus. Afeiçoai-vos às coisas do alto e não às da terra. Porque vós morrestes e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus. Quando Cristo, que é a vossa vida, Se manifestar, também vós vos manifestareis com Ele na glória. Portanto, fazei morrer o que em vós é terreno: imoralidade, impureza, paixões, maus desejos e avareza, que é uma idolatria. Não mintais uns aos outros, vós que vos despojastes do homem velho com as suas ações e vos revestistes do homem novo, que, para alcançar a verdadeira ciência, se vai renovando à imagem do seu Criador. Aí não há grego ou judeu, circunciso ou incircunciso, bárbaro ou cita, escravo ou livre; o que há é Cristo, que é tudo e está em todos.

Aleluia. Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o reino dos Céus. Aleluia.

Evangelho (Lc 12,13-21): Alguém do meio da multidão disse a Jesus: «Mestre, dize ao meu irmão que reparta a herança comigo». Ele respondeu: “Homem, quem me encarregou de ser juiz ou árbitro entre vós?». E disse-lhes: «Atenção! Guardai-vos de todo tipo de ganância, pois mesmo que se tenham muitas coisas, a vida não consiste na abundância de bens». E contou-lhes uma parábola: «A terra de um homem rico deu uma grande colheita. Ele pensava consigo mesmo: ‘Que vou fazer? Não tenho onde guardar minha colheita’. Então resolveu: ‘Já sei o que fazer! Vou derrubar meus celeiros e construir maiores; neles vou guardar todo o meu trigo, junto com os meus bens. Então poderei dizer a mim mesmo: Meu caro, tens uma boa reserva para muitos anos. Descansa, come, bebe, goza a vida!’ Mas Deus lhe diz: «Tolo! Ainda nesta noite, tua vida te será retirada. E para quem ficará o que acumulaste? Assim acontece com quem ajunta tesouros para si mesmo, mas não se torna rico diante de Deus».

«A vida não consiste na abundância de bens»

Rev. D. Jordi PASCUAL i Bancells (Salt, Girona, Espanha)

Hoje, Jesus situa-nos face a face com aquilo que é fundamental para a nossa vida cristã, nossa vida de relação com Deus: fazer-se rico diante Dele. Ou seja, encher nossas mãos e nosso coração com os bens sobrenaturais, espirituais, de graça e não de coisas materiais.

Por isso, à luz do Evangelho de hoje, podemos nos perguntar: De que enchemos nosso coração? O homem da parábola sabia bem: «Descansa, come, bebe, goza a vida» (Lc 12,19. Mas isso não é o que Deus espera de um bom filho seu. O Senhor não colocou nossa felicidade nas heranças, boas comidas, carros último modelo, férias em lugares exóticos, casas de campo, o sofá, a cerveja ou o dinheiro. Todas essas coisas podem ser boas, mas em si mesmas não podem saciar o desejo de plenitude da nossa alma e, portanto, devemos usá-las bem, como meios que são.

É a experiência de São Inácio de Loyola, cuja celebração temos próxima. Assim, o reconhecia em sua autobiografia: «Quando se voltava para as coisas mundanas, sentia grandíssimo prazer; mas, ao deixá-las por cansaço, via-se descontente e árido. Ao contrário, quando pensava na vida rigorosa que notava nos santos, não só no momento em que as resolvia no pensamento, se enchia de gozo, mas quando o abandonava, encontrava-se alegre». Também pode ser a experiência de cada um de nós.

E acontece que as coisas materiais, terreais, caducam e passam; por contraste, as coisas espirituais são eternas, imortais, duram para sempre e, são as únicas que podem encher nosso coração e dar sentido pleno à nossa vida humana e cristã.

Jesus o diz bem claro: «Tolo!» (Lc 12,20), assim qualifica quem tem apenas objetivos materiais, terreais, egoístas. Que em qualquer momento da nossa existência podamo-nos apresentar diante Deus com as mãos e o coração cheios de esforço por ter buscado ao Senhor e, aquilo que a Ele gosta, que é o único que nos levará ao céu.

Pensamentos para o Evangelho de hoje
«O homem tem um dever honroso e uma obrigação: orar e amar. Quem ora e ama, tem encontrado a felicidade neste mundo» (S. João Mª Vianney)

«Tu és importante! E Deus conta contigo pelo que és, não pelo que tens: perante ele, nada vale a roupa que vestes nem o celular que utilizas; não lhe importa se estás na moda, importas-lhe, tal qual és. Aos olhos de Deus, vales, e aquilo que vales não tem preço» (Francisco)

«O décimo mandamento condena a avidez e o desejo duma apropriação desmesurada dos bens terrenos; e proíbe a cupidez desregrada, nascida da paixão imoderada das riquezas e do seu poder (…)» (Catecismo da Igreja Católica, nº 2.536)

Atenção a toda a espécie de ganância

Escrito por P. Américo – o site Domus Iesu

* Mais que as riquezas terrenas, o que é preciso é ser rico aos olhos de Deus. Acho importante a última frase do trecho evangélico, que diz que Jesus, depois de ter contado uma história/parábola, tira uma conclusão. A conclusão que Jesus tira não se refere necessariamente à condenação daqueles que acumulam bens, mas sim daqueles que não acumulam aos olhos de Deus. Esta passagem de S. Lucas faz parte duma seção que recolhe vários ensinamentos de Jesus sobre os bens deste mundo, após um pedido que Lhe é feito de que seja o juiz entre dois irmãos. Ora bem, a insensatez do rico da parábola consiste essencialmente em duas coisas: por um lado, atribui uma confiança absoluta aos bens destes mundo que são efémeros; por outro, descura servir-se dos bens terrenos para adquirir os bens eternos. Por outras palavras, a solução por ele encontrada não é senão o falhanço total de toda a sua existência. E a conclusão para todos nós é esta: a suma insensatez é julgar que as coisas deste mundo possam garantir uma felicidade plena e duradoura.

* Vaidade! Tudo é vaidade! Uma das necessidades fundamentais do homem é a segurança e a certeza de que pode satisfazer as suas perspectivas de realização pessoal. Por outras palavras, o homem procura apaixonadamente uma base estável para apoiar a própria existência. E não será preciso ser um grande perito em história da humanidade para chegar à conclusão que essa base tem sido o dinheiro ou, se quisermos, a possessão de bens e riquezas. Ora bem, não obstante se trate de um texto antigo, já o autor do livro do Qohélet ou Eclesiastes (século II a.C.) faz essa descoberta. Ele descobre, por exemplo, que a ideia de que a riqueza seja um meio para atingir o objetivo duma vida tranquila e feliz é uma constante de todos os tempos. Só que a sua perspectiva é, se assim se pode dizer, desconcertante, na medida em que a confiança nos bens põe em questão a lista de valores que torna o homem feliz. E, de facto, para o autor, a prioridade de valores é diferente e, por isso, naturalmente não está de acordo com essa constatação, porque lhe parece que pôr a segurança pessoal nos bens e no dinheiro é uma ilusão perigosa e, além disso, contrária à vontade de Deus.

O trabalho e a fadiga do homem, embora com todos os seus frutos e todos os sinais de progresso, ao fim e ao cabo, demonstram-se inconsistentes como o fumo (parece que é este um dos significados do texto original da palavra que vemos traduzida por «vaidade», mas que hoje já vai sendo substituída por outra: «ilusão»). Pelos vistos, já no tempo desse autor, guardadas as devidas proporções, havia uma espécie de «sociedade de consumo» que privilegiava o ter sobre o ser. Então - e bem a propósito - o mesmo autor acerta completamente no alvo quando diz que «não há nada de novo debaixo do sol» (cf. Ecl 1,9b; expressão que será repetida ao longo do texto).

* Quando o dinheiro se torna deus.  Sempre houve - continua e continuará a haver - pessoas para quem o dinheiro (ou o seu equivalente) é tudo na vida. Talvez seja mesmo a maioria, quem sabe! Assim é convicção generalizada de que o dinheiro é poder, ou melhor dizendo, é o poder. É um dado de facto a convicção de que sem dinheiro não se pode fazer nada. O dinheiro parece dar às pessoas a sensação de segurança, a esperança e a certeza de poder fazer tudo. Mas, nesta matéria, dispara logo um mecanismo que deita tudo a perder; o mecanismo que dá pelo nome de política da acumulação. Ou seja, o dinheiro nunca é demais (antes pelo contrário, é sempre pouco) e não se descansa enquanto não se tem cada vez mais. Por outras palavras, faz-se do dinheiro um fim e não um meio. Dito de outra maneira, vive-se para o dinheiro e assim este torna-se um objeto de idolatria, um deus a quem se presta culto. É por estas e por outras que Jesus Cristo, nos Evangelhos, nos diz claramente que não se pode servir ao mesmo tempo a Deus e ao dinheiro.

Ora, quando o dinheiro se torna um deus, as pessoas estão dispostas a sacrificar-lhe tudo, até o que de mais sagrado há, como a vida humana e todos os valores que estão relacionados com a vida. Esta é uma constatação válida em todos os tempos. O culto do dinheiro coloca homens contra homens, porque todos querem ter acesso mais rápido e direto ao trono desse deus; mesmo que para isso seja preciso eliminar os outros (aliás, até dá a impressão de que a vida humana tem cada vez menos valor e, por isso, não se dúvida sacrificá-la por ninharias). Não é por nada que a divisão da herança ou as partilhas por morte dos pais foi sempre um momento difícil para os seus familiares; e também não é por nada que, tantas vezes, é a partir desse momento que têm início inimizades que nunca mais têm fim. Ou seja, nesses casos, a partilha dos bens - que deveria ser oportunidade de encontro - é o momento que assinala a divisão da família.

* O culto da superficialidade e do consumo. Posso parecer antiquado e «retrógrado», mas a verdade é que os textos litúrgicos de hoje me levam a pensar um pouco no assunto. A sociedade de hoje, talvez ainda de forma mais acentuada que as de ontem e dos tempos primitivos, é uma sociedade em que se é como que bombardeado constantemente pela propaganda do bem-estar, do bem-parecer, do ter mais do que o ser, é uma sociedade em que a felicidade é identificada com a opulência, a produção, a fama e com a vida que o dinheiro proporciona, enfim, com a economia e com a produção.

Não sou tão ingénuo que me sinta na obrigação de defender que as preocupações de ordem material e económica não são importantes. Claro que têm importância, mas, na ótica cristã e religiosa em geral, não podem estar no topo da lista. De resto, acho que é isso que, no fundo, nos dizem as leituras da liturgia de hoje. Agora, o que se pode afirmar é que a sociedade de consumo continua a ser apresentada como uma fábrica de sonhos para «ricos insensatos» (texto evangélico) que acham que, por terem acumulado uma série de bens, ficam com todos os seus problemas resolvidos. Se não serviço para mais nada, a parábola evangélica diz-nos que a riqueza como a solução de todos os problemas não é verdade; nem sequer a nível simplesmente humano. Por mais bens que acumulemos, nunca achamos que são suficientes e por mais que tenhamos para cobrir as despesas do consumismo, haverá sempre alguém que, por motivos de ganância, inventará outras necessidades mais ou menos fictícias, sem as quais julgamos que não atingimos os mínimos patamares de felicidade. Satisfazer necessidades fictícias é, no fundo, a finalidade da publicidade; e talvez seja por isso que alguém - desconheço o nome do autor - terá dito que a publicidade é a mentira institucionalizada...

Ora, é precisamente esta lógica que a liturgia de hoje pretende combater. E a verdade é que, mesmo só no plano do raciocínio humano, o dinheiro é a maior fonte de todas as divisões sociais, de todas as discriminações: quem tem mais, julga-se mais em cima, mais importante, Enfim, nessa lógica, os homens já não são iguais, pois a sua importância é medida não tanto pelo que são quanto pelo que possuem. Contestar estes princípios poderá parecer, nos dias de hoje, uma utopia, mas é isso mesmo que somos convidados a fazer pela liturgia de hoje. Ao menos, demos a mão à palmatória, admitindo que, quando estamos obcecados pelo dinheiro, não estamos certamente a construir a humanidade.

* Cristo não escolhe a via do poder. «O problema da divisão da riqueza é um dos mais graves a todos os níveis. Como intervém Jesus nesta situação? Por que é que Ele recusa o papel de juiz entre dois irmãos? Porque a sua missão não é fazer justiça mediante a via do poder. O poder só se justifica moralmente quando se põe ao serviço da justiça. Jesus não a condena enquanto poder; só que o poder não é a via que Ele escolheu para fazer justiça» (Missal da Assembleia Cristã).

Jesus não quer ser como um intérprete qualquer da Lei, como os escribas, que, pelos vistos e ainda por cima, cobravam por esse parecer. Não é isso que Lhe interessa. É esse o motivo por que Ele, neste caso - e não só - procura ir sempre mais além. Então reconduz, passe a palavra, a questão ao interior da pessoa, recorrendo para isso, mais do que à «esperteza» dos legisladores, à «sabedoria» dos homens que compreendem o sentido da vida. No caso presente, Jesus nem sequer deve recorrer à autoridade que Lhe vem de ser o enviado de Deus. Limita-se a recorrer à sabedoria humana, contida de resto no Antigo Testamento, e que Ele traduz na Parábola do «rico insensato»: «E o que preparaste de quem será?».

Nessa perspectiva, de facto, as coisas e a sua pura acumulação representam uma falsa segurança. A possessão, afinal de contas, como diz o autor do Qohélet, não é senão uma ilusão. Mais do que possuir uma série de coisas, no caso da parábola evangélica, o rico não é propriamente aquele que possui muitas coisas, mas sim aquele que é possuído por muitas coisas. É que, na realidade, a incerteza da morte vem embaralhar-lhe as coisas por completo. É a conclusão prática - e não diretamente moralista - a que chega também o autor da primeira leitura quando diz que é uma ilusão depositar a confiança em coisas que acabam por ir parar às mãos de quem nada fez para as obter.

* A vida não é nenhuma brincadeira. O questionamento que encontramos na Parábola do Rico Insensato - «o que acumulaste de quem será?» - não tem por finalidade atemorizar os ouvintes com a perspectiva da morte. Mas, o objetivo é fazer refletir sobre qual é o autêntico valor das coisas. Também no caso de Jesus, Ele não quer fazer passar uma visão de tipo moralístico. Longe dele inculcar o temor duma morte imprevista que deitaria por água abaixo» as esperanças - de resto, legítimas - duma vida melhor...

Não é isso que está em causa. Nem se pode inferir da história evangélica que as pessoas não devem fazer o possível para não dependerem totalmente dos outros. Na mente de Jesus, a morte nunca é apenas um episódio que acontece e que não tem repercussões para além do episódio em si mesmo. Não, quando Jesus fala do assunto, tem sempre em mente uma visão escatológica, relativa às coisas definitivas, que têm a ver com Deus. Por outras palavras, para Jesus, a vida não se pode reduzir apenas à possessão e eventualmente ao usufruto de bens. Isso, embora sem o classificar e sem o declarar mau moralmente, seria muito pouco e é essa a mensagem que Ele nos quer transmitir.

* Pobreza e riqueza o que são? Utilizando outros termos, a falta de bens ou a abundância deles não podem qualificar a existência humana, embora habitualmente se associe a «qualidade de vida» à quantidade de bens. E isso até não me custa nada a admitir. O problema - é isso que eu tenho vindo a tentar dizer - é que, na perspectiva cristã, nada disso se pode propor como fundamento da existência humana. Ou seja, nessa perspectiva, só Deus, o Absoluto, pode ser fundamento dessa existência. É nele que adquire significado o uso das coisas, que em si são boas (doutra forma, não lhes chamaríamos «bens»). Quando os bens forem vistos com os olhos de Deus, então já não serão instrumento de divisão, mas de comunhão.

Terminemos as reflexões de hoje com uma citação do documento do II Concílio do Vaticano sobre as realidades terrenas: «Deus destinou a terra com tudo o que ela contém para uso de todos os homens e povos; de modo que os bens criados devem chegar equitativamente às mãos de todos, segundo a justiça, secundada pela caridade. Sejam quais forem as formas de propriedade, conforme as legítimas instituições dos povos e segundo as diferentes e mutáveis circunstâncias, deve-se sempre atender a este destino universal dos bens. Por esta razão, quem usa desses bens, não deve considerar as coisas exteriores que legitimamente possui só como próprias, mas também como comuns, no sentido de que possam beneficiar não só a si, mas também aos outros» (GS = Gaudium et Spes, 69).

quarta-feira, 27 de julho de 2022

Sábado XVII do Tempo Comum

S. Pedro Crisólogo, Bispo e Doutor da Igreja

1ª Leitura (Jer 26,11-16.24): Naqueles dias, os sacerdotes e os profetas disseram aos chefes e a todo o povo: «Este homem merece a morte, por ter profetizado contra esta cidade, como acabais de ouvir com os vossos ouvidos». Então Jeremias disse aos chefes e a todo o povo: «Foi o Senhor que me enviou a profetizar, contra este templo e contra esta cidade, tudo o que ouvistes. Portanto, emendai os vossos caminhos e as vossas ações, ouvi a voz do Senhor, vosso Deus, e o Senhor afastará de vós os males com que vos ameaçou. Quanto a mim, estou nas vossas mãos: tratai-me como vos parecer melhor e mais justo. Mas ficai sabendo que, se me condenardes à morte, sereis responsáveis pelo sangue de um inocente, vós, esta cidade e os seus habitantes. Na verdade, foi o Senhor que me enviou a vós, para anunciar aos vossos ouvidos todas estas palavras». Então os chefes e todo o povo disseram aos sacerdotes e aos profetas: «Este homem não merece a morte, porque nos falou em nome do Senhor, nosso Deus». Jeremias ficou sob a proteção de Aican, filho de Safan, e assim não caiu nas mãos do povo para ser morto.

Salmo Responsorial: 68
R. Pela vossa bondade, ouvi-me, Senhor.

Tirai-me do lamaçal, para que não me afunde, livrai-me dos que me odeiam e do abismo das águas. Não me cubram as ondas nem me arraste a voragem, não se feche sobre mim a boca do abismo.

Eu sou pobre e miserável: defendei-me com a vossa proteção. Louvarei com cânticos o nome de Deus e em ação de graças O glorificarei.

Vós, humildes, olhai e alegrai-vos, buscai o Senhor e o vosso coração se reanimará. O Senhor ouve os pobres e não despreza os cativos.

Aleluia. Bem-aventurados os que sofrem perseguição por amor da justiça, porque deles é o reino dos Céus. Aleluia.

Evangelho (Mt 14,1-12): Naquele tempo, a fama de Jesus chegou aos ouvidos do rei Herodes. Ele disse aos seus cortesãos: «É João Batista! ele ressuscitou dos mortos; por isso, as forças milagrosas atuam nele». De fato, Herodes tinha mandado prender João, acorrentá-lo e colocá-lo na prisão, por causa de Herodíades, a mulher de seu irmão Filipe. Pois João vivia dizendo a Herodes: «Não te é permitido viver com ela». Herodes queria matá-lo, mas ficava com medo do povo, que o tinha em conta de profeta. Por ocasião do aniversário de Herodes, a filha de Herodíades dançou diante de todos, e agradou tanto a Herodes que ele prometeu, com juramento, dar a ela tudo o que pedisse. Instigada pela mãe, ela pediu: «Dá-me aqui, num prato, a cabeça de João Batista». O rei ficou triste, mas, por causa do juramento e dos convidados, ordenou que atendessem o pedido dela. E mandou cortar a cabeça de João, na prisão. A cabeça foi trazida num prato, entregue à moça, e esta a levou para a sua mãe. Os discípulos de João foram buscar o corpo e o enterraram. Depois vieram contar tudo a Jesus.

«A fama de Jesus chegou aos ouvidos do rei Herodes»

Rev. D. Joan Pere PULIDO i Gutiérrez (Sant Feliu de Llobregat, Espanha)

Hoje, a liturgia convida-nos a contemplar uma injustiça: A morte de João Batista; e, também, descobrir na Palavra de Deus a necessidade de um testemunho claro e concreto de nossa fé para encher o mundo de esperança.

Convido-os a focalizar nossa reflexão na personagem do tetrarca Herodes. Realmente, para nós, não é um verdadeiro testemunho, mas nos ajudará a destacar alguns aspectos importantes para a nossa declaração de fé em meio do mundo. «Naquele tempo, a fama de Jesus chegou aos ouvidos do rei Herodes» (Mt 14,1). Esta afirmação distingue uma atitude aparentemente correta, mas pouco sincera. É a realidade que hoje podemos achar em muitas pessoas e, talvez também em nós mesmos. Muitas pessoas têm ouvido falar de Jesus, mas, quem é Ele realmente? que implicância pessoal nos une a Ele?

Em primeiro lugar, é necessário dar uma resposta correta; a do tetrarca Herodes não passa de ser uma vaga informação: «É João Batista! Ele ressuscitou dos mortos» (Mt 14,2). Com certeza sentimos falta da afirmação de Pedro diante da pergunta de Jesus: «E vós, quem dizeis que eu sou? Simão Pedro respondeu: ‘Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo’» (Mt 16,15-16). E esta afirmação não dá lugar para o medo ou para a indiferença, e sim abre a porta a um testemunho fundamentado no Evangelho da esperança. Assim o definia São João Paulo II na sua Exortação apostólica A Igreja na Europa: «Junto à Igreja toda, convido aos meus irmãos e irmãs na fé a se abrirem constante e confiadamente a Cristo e, a se deixar renovar por Ele, anunciando com o vigor da paz e o amor a todas as pessoas de boa vontade que, quem encontra ao Senhor conhece a Verdade, descobre a Vida e, reconhece o Caminho que conduz a ela».

Que, hoje sábado, a Virgem Maria, a Mãe da esperança, nos ajude de verdade a encontrar Jesus e, a dar um bom testemunho Dele aos nossos irmãos.

Pensamentos para o Evangelho de hoje
«São João Baptista deu a sua vida por Cristo, embora não lhe fosse ordenado negar Jesus Cristo; só lhe foi ordenado que calasse a verdade» (São Beda, o Venerável)

«São João Baptista recorda-nos também, cristãos do nosso tempo, que o amor a Cristo, à sua Palavra, à Verdade, não admite arranjos. Verdade é verdade, não há discussão» (Bento XVI)

«O dever dos cristãos de participar na vida da Igreja os impele a ser testemunhas do Evangelho e das obrigações que dele derivam. Este testemunho é transmissão de fé em palavras e obras. O testemunho é um ato de justiça que estabelece ou dá a conhecer a verdade” (Catecismo da Igreja Católica, n. 2.472)

Reflexões de Frei Carlos Mesters, O.Carm.

* O evangelho de hoje descreve como João Batista foi vítima da corrupção e da prepotência do governo de Herodes. Foi morto sem processo, durante um banquete do rei com os grandes do reino. O texto traz muitas informações sobre o tempo em que Jesus vivia e sobre a maneira como era exercido o poder pelos poderosos da época.

* Mateus 14,1-2. Quem é Jesus para Herodes. O texto começa informando a opinião de Herodes a respeito de Jesus: "Ele é João Batista, que ressuscitou dos mortos. É por isso que os poderes agem nesse homem". Herodes procurava compreender Jesus a partir dos medos que o assaltavam após o assassinato de João. Herodes era um grande supersticioso que escondia o medo atrás da ostentação da sua riqueza e do seu poder.

* Mateus 14,3-5: A causa escondida do assassinato de João. Galileia, terra de Jesus, era a governada por Herodes Antipas, filho do rei Herodes, o Grande, desde 4 antes de Cristo até 39 depois de Cristo. Ao todo, 43 anos! Durante todo o tempo que Jesus viveu, não houve mudança de governo na Galileia! Herodes era dono absoluto de tudo, não prestava conta a ninguém, fazia o que bem entendia. Prepotência, falta de ética, poder absoluto, sem controle por parte do povo! Mas quem mandava mesmo na Palestina, desde 63 antes de Cristo, era o Império Romano. Herodes, lá na Galileia, para não ser deposto, procurava agradar a Roma em tudo. Insistia sobretudo numa administração eficiente que desse lucro ao Império. A preocupação dele era a sua própria promoção e segurança. Por isso, reprimia qualquer tipo de subversão. Mateus informa que o motivo do assassinato de João foi a denúncia que o Batista fez a Herodes por ele ter casado com Herodíades, mulher do seu irmão Filipe. Flávio José, escritor judeu daquela época, informa que o motivo real da prisão de João Batista era o medo que Herodes tinha de um levante popular. Herodes gostava de ser chamado de benfeitor do povo, mas na realidade era um tirano (Lc 22,25). A denúncia de João contra Herodes foi a gota que fez transbordar o copo: "Não te é permitido casar com ela”.  E João foi preso.

* Mateus 14,6-12: A trama do assassinato. Aniversário e banquete de festa, com danças e orgias! Marcos informa que a festa contava com a presença “dos grandes da corte, dos oficiais e das pessoas importantes da Galileia” (Mc 6,21). É nesse ambiente que se trama o assassinato de João Batista. João, o profeta, era uma denúncia viva desse sistema corrupto. Por isso foi eliminado sob pretexto de um problema de vingança pessoal. Tudo isto revela a fraqueza moral de Herodes. Tanto poder acumulado na mão de um homem sem controle de si! No entusiasmo da festa e do vinho, Herodes fez um juramento leviano a Salomé, a jovem dançarina, filha de Herodíades. Supersticioso como era, pensava que devia manter esse juramento, atendeu ao capricho da menina e mandou o soldado trazer a cabeça de João num prato e dar à dançarina, que o entregou à sua mãe. Para Herodes, a vida dos súditos não valia nada. Dispunha deles como dispunha da posição das cadeiras na sala.

As três marcas do governo de Herodes: a nova Capital, o latifúndio e a classe dos funcionários:
1. A Nova Capital.  Tiberíades foi inaugurada quando Jesus tinha seus 20 anos. Era chamada assim para agradar a Tibério, o imperador de Roma. Lá moravam os donos das terras, os soldados, a polícia, os juízes muitas vezes insensíveis (Lc 18,1-4). Para lá eram levados os impostos e o produto do povo. Era lá que Herodes fazia suas orgias de morte (Mc 6,21-29). Tiberíades era a cidade dos palácios do Rei, onde vivia o pessoal de roupa fina (cf Mt 11,8). Não consta nos evangelhos que Jesus tenha entrado nessa cidade.

2. O Latifúndio.  Os estudiosos informam que, durante o longo governo de Herodes, cresceu o latifúndio em prejuízo das propriedades comunitárias. O Livro de Henoque denuncia os donos das terras e expressa a esperança dos pequenos: “Então, os poderosos e os grandes já não serão mais os donos da terra!” (Hen 38,4). O ideal dos tempos antigos era este: “Cada um debaixo da sua vinha e da sua figueira, sem que haja quem lhes cause medo” (1 Mac 14,12; Miq 4,4; Zac 3,10). Mas a política do governo de Herodes tornava impossível a realização deste ideal.

3. A Classe dos funcionários. Herodes criou toda uma classe de funcionários fiéis ao projeto do rei: escribas, comerciantes, donos de terras, fiscais do mercado, coletores de impostos, militares, policiais, juízes, promotores, chefes locais. Em cada aldeia ou cidade havia um grupo de pessoas que apoiavam o governo. Nos evangelhos, alguns fariseus aparecem junto com os herodianos (Mc 3,6; 8,15; 12,13), o que reflete a aliança entre o poder religioso e poder civil. A vida do povo nas aldeias era muito controlada, tanto pelo governo como pela religião. Era necessária muita coragem para começar algo novo, como fizeram João e Jesus! Era o mesmo que atrair sobre si a raiva dos privilegiados, tanto do poder religioso como do poder civil.

Para um confronto pessoal
1. Conhece casos de pessoas que morreram vítimas da corrupção e da dominação dos poderosos? E aqui entre nós, na nossa comunidade e na igreja, há vítimas de desmando e de autoritarismo?

2. Herodes, o poderoso, que pensava ser o dono da vida e da morte do povo, era um covarde diante dos grandes e um bajulador corrupto diante da moça. Covardia e corrupção marcavam o exercício do poder de Herodes. Compare com o exercício do poder religioso e civil hoje nos vários níveis da sociedade e da Igreja.

terça-feira, 26 de julho de 2022

29 de julho: Santos Lázaro, Marta e Maria, amigos do Senhor

1ª Leitura - 1Jo 4,7-16 - Caríssimos, amemo-nos uns aos outros, porque o amor vem de   e todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece Deus. Quem não ama, não chegou a conhecer Deus, pois Deus é amor. Foi assim que o amor de Deus se manifestou entre nós: Deus enviou o seu Filho único ao mundo, para que tenhamos vida por meio dele. Nisto consiste o amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele que nos amou e enviou o seu Filho como vítima de reparação pelos nossos pecados. Caríssimos, se Deus nos amou assim, nós também devemos amar-nos uns aos outros. Ninguém jamais viu a Deus. Se nos amamos uns aos outros, Deus permanece conosco e seu amor é plenamente realizado entre nós. A prova de que permanecemos com ele, e ele conosco, é que ele nos deu o seu Espírito. E nós vimos, e damos testemunho, que o Pai enviou o seu Filho como Salvador do mundo. Todo aquele que proclama que Jesus é o Filho de Deus, Deus permanece com ele, e ele com Deus. E nós conhecemos o amor que Deus tem para conosco, e acreditamos nele. Deus é amor: quem permanece no amor, permanece com Deus, e Deus permanece com ele.

Salmo - Sl 33(34),2-3.4-5.6-7.8-9.10-11 (R. 2a ou 9a)
R. Bendirei o Senhor Deus em todo o tempo!

Bendirei o Senhor Deus em todo o tempo, * seu louvor estará sempre em minha boca. Minha alma se gloria no Senhor; * que ouçam os humildes e se alegrem! R.

Comigo engrandecei ao Senhor Deus, * exaltemos todos juntos o seu nome! Todas as vezes que o busquei, ele me ouviu, * e de todos os temores me livrou. R.

Contemplai a sua face e alegrai-vos, * e vosso rosto não se cubra de vergonha! Este infeliz gritou a Deus, e foi ouvido, * e o Senhor o libertou de toda angústia. R.

O anjo do Senhor vem acampar * ao redor dos que o temem, e os salva. Provai e vede quão suave é o Senhor! * Feliz o homem que tem nele o seu refúgio! R.

Respeitai o Senhor Deus, seus santos todos, * porque nada faltará aos que o temem. Os ricos empobrecem, passam fome, * mas aos que buscam o Senhor não falta nada. R.

Aleluia. Marta recebeu-o em sua casa. Maria escolheu a melhor parte. Aleluia.

Evangelho (Lc 10,38-42): Naquele tempo, Jesus entrou num povoado, e uma mulher, de nome Marta, o recebeu em sua casa. Ela tinha uma irmã, Maria, a qual se sentou aos pés do Senhor e escutava a sua palavra. Marta, porém, estava ocupada com os muitos afazeres da casa. Ela aproximou-se e disse: «Senhor, não te importas que minha irmã me deixe sozinha com todo o serviço? Manda, pois, que ela venha me ajudar!». O Senhor, porém, lhe respondeu: «Marta, Marta! Tu te preocupas e andas agitada com muitas coisas. No entanto, uma só é necessária. Maria escolheu a melhor parte e esta não lhe será tirada».

«Tu te preocupas e andas agitada com muitas coisas. No entanto, uma só é necessária»

Rev. D. Antoni CAROL i Hostench (Sant Cugat del Vallès, Barcelona, Espanha)

Hoje, também nós que estamos ocupados com muitas coisas devemos ouvir o que o Senhor nos recorda: «No entanto, uma só é necessária» (Lc 10,42): o amor, a santidade. Este é o objetivo, o horizonte que não podemos perder nunca de vista no meio de nossas ocupações cotidianas.

Porque ocupados estaremos sempre se obedecermos à indicação do Criador: «Sede fecundos e multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a!» (Gn 1,28). A Terra! O mundo: é aqui o nosso lugar de encontro com o Senhor. «Eu não rogo que os tires do mundo, mas que os guardes do maligno» (Jo 17,15). Sim, o mundo é o altar para nós e para nossa entrega a Deus e aos outros.

Somos do mundo, mas não podemos ser mundanos. Muito pelo contrário, somos chamados a ser como a bela expressão de João Paulo II sacerdotes da criação, sacerdotes do nosso mundo, de um mundo que amamos apaixonadamente.

Eis aqui a questão: o mundo e a santidade, o trabalho diário e a única coisa necessária. Não são duas realidades opostas: temos que procurar a confluência de ambas. E essa confluência se produz em primeiro lugar e sobretudo em nosso coração, que é onde se pode unir o céu e a terra. Porque no coração humano é onde pode nascer o diálogo entre o Criador e a criatura.

É necessário, portanto, a oração. «O nosso tempo é um tempo em constante movimento, que frequentemente desemboca no ativismo, com o risco fácil de acabar fazendo por fazer. Temos que resistir a essa tentação, procurando ser antes de fazer. Recordamos a este respeito a reprovação de Jesus a Marta: «Tu te preocupas e andas agitada com muitas coisas. No entanto, uma só é necessária (Lc 10,41-42)» (João Paulo II).

Não há oposição entre o ser e o fazer, mas sim há uma ordem de prioridade, de precedência: «Maria escolheu a melhor parte e esta não lhe será tirada» (Lc 10,42).

Pensamentos para o Evangelho de hoje
«A vida de Marta, é nosso mundo; a vida de Maria é o mundo que esperamos. Vivamos a de aqui com retitude para obter plenamente a outra» (Santo Agostinho)

«A palavra de Cristo é muito clara: não desprecia a vida ativa, e muito menos a generosa hospitalidade; mas lembra o fato de que a única coisa verdadeiramente necessária é outra: escutar a Palavra do Senhor» (Bento XVI)

«É tão grande a força e a virtude de Palavra de Deus, que ela se torna para a Igreja apoio e vigor e, para os filhos da Igreja, solidez da fé, alimento da alma, fonte pura e perene de vida espiritual» (Catecismo da Igreja Católica, n° 131)

«Marta, Marta, andas inquieta e preocupada com muitas coisas, quando uma só é necessária. Maria escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada».

Do site da Diocese de Leiria-Fátima.

Marta e Maria são duas irmãs; têm também um irmão, Lázaro, que, contudo, neste caso não aparece. Jesus passa pela sua aldeia e – diz o texto – Marta recebeu-o em sua casa. Este pormenor dá a entender que, das duas, Marta seria a mais idosa, a que governava a casa. De fato, depois de Jesus ter entrado, Maria senta-se aos seus pés e ouve-o, enquanto Marta andava atarefada com muitos serviços, certamente devidos ao Hóspede extraordinário. Parece que vemos a cena: uma irmã que anda toda atarefada, e a outra como que raptada pela presença do Mestre e das suas palavras. Um pouco depois Marta, evidentemente ressentida, não resiste mais e protesta, sentindo-se porventura no direito de criticar Jesus: ”Senhor, não Te importas que minha irmã me deixe sozinha a servir? Diz-lhe que venha ajudar-me.”. Marta pretenderia até ensinar o Mestre! Mas Jesus, com grande calma, responde: “Marta, Marta – e este nome repetido exprime afeto – andas inquieta e perturbada com muitas coisas; mas uma só é necessária. Maria escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada” (10, 41-42). A palavra de Cristo é claríssima: nenhum desprezo pela vida ativa, nem muito menos pela generosa hospitalidade; mas uma chamada clara ao fato de que a única coisa deveras necessária é outra: ouvir a Palavra do Senhor; e o Senhor naquele momento está ali, presente na Pessoa de Jesus! Tudo o resto passará e ser-nos-á tirado, mas a Palavra de Deus é eterna e dá sentido ao nosso agir quotidiano.

“Uma mulher chamada Marta recebeu-O em sua casa” Também eu posso receber Jesus em minha casa, na minha vida. Esta página do Evangelho adapta-se como nunca ao tempo das férias, porque recorda o facto de que a pessoa humana deve trabalhar, comprometer-se nas ocupações domésticas e profissionais, mas antes de tudo precisa de Deus, que é a luz interior de Amor e de Verdade.  Aproveito as férias para estar mais com Jesus e cultivar a espiritualidade, em casa ou em contacto com a natureza?

“Maria, sentada aos pés de Jesus, ouvia a sua palavra.” Enquanto Marta se ocupa dos meios para bem receber Jesus, para que não lhe faltasse alimento e algumas comodidades, Maria dá atenção a Jesus e escuta-o como discípula.  Procuro escutar Jesus na minha vida de cada dia e presto a devida atenção às pessoas que encontro e às que vivem ou trabalham comigo?

“Marta, Marta, andas inquieta e preocupada com muitas coisas, quando uma só é necessária.” Sem amor, até as atividades mais importantes perdem valor, e não dão alegria. Sem um significado profundo, todo o nosso fazer reduz-se a um ativismo estéril e desorganizado. E quem nos dá o Amor e a Verdade, a não ser Jesus Cristo? Na Eucaristia acolhemos Jesus em nossa casa, e fazemos a escolha pelo “único necessário”.  Busco Jesus e o seu amor e escuto o seu Evangelho, também nos nossos tempos mais tranquilos?