Frei
Jose Cláudio de Alencar Batista, O. Carm.adsense
Falou
Elias a seu servo: sobe a montanha, olha pra o mar!
E
a terra deu o mais novo fruto: nasce duma virgem quem vem salvar!
A
Igreja abre as portas do novo ano litúrgico celebrando o advento, tempo de
espera ativa e vigilante d’Aquele “que era, que é e que há de vir”
(cf. Ap 1,8). Enquanto Carmelitas,
depois da celebração do Capítulo Geral, em Roma, e com o advento do nosso
Capítulo Provincial, que realizar-se-á em janeiro próximo, somos convidados a
viver este tempo de espera, renovando a nossa vocação, diante de uma Igreja
que, nas vicissitudes do tempo presente, animada pelo sopro do Espírito, busca
ser fiel ao seu Mestre e Senhor; e diante de um mundo que continua sedento e
faminto de felicidade, de renovação, de Deus…
No
contexto do advento, uma figura bíblica e carmelitana me vem à memória como
fonte de motivação para vivenciarmos este tempo oportuno para nossa salvação: o
“servo de Elias”. Numa situação de seca
e fome, que assolava o povo de Deus, na época do reinado de Acab, este homem é
um sinal de esperança.
Leiamos
o texto (1Rs 18,43-45)[1]: 43. Depois disse ao seu servo:
“Suba e olhe para o lado do mar”. O servo subiu, olhou e disse: “Não se vê
nada”. Elias disse: “Volte até sete vezes”. 44. Na sétima vez, o
servo disse: “Uma nuvenzinha, do tamanho da mão de uma pessoa, vem subindo do
mar”. Então Elias mandou: “Vá dizer a Acab que atrele os cavalos no carro e
desça, para que a chuva não o detenha”. 45. Num instante o céu ficou
escuro, com nuvens trazidas pelo vento, e caiu uma chuva pesada. Acab subiu no
seu carro e foi para Jezrael.
Quem
é este homem? O texto bíblico não nos apresenta o seu nome. A única informação
que temos é que ele é servo (v. 43), servo de Elias. Talvez pudesse ser um dos
seus discípulos, iniciado na escola dos profetas (cf. 1Rs 20,35; 2Rs 2,3-5).
Não importa sabermos quem ele era. Certamente, a preocupação do autor não era
tanto reconhecer a pessoa quanto a missão por ele desempenhada. De fato,
aqueles que mais o bem fazem à humanidade vivem no anonimato; porém, seus nomes
estão inscritos no livro da vida (cf. Fl 4,3). É-nos suficiente o qualificativo
de “servo”: não qualquer servo, mas um servo que fez o que devia ser feito (cf.
Lc 17,10).
O
servo de Elias porta algumas características esperadas de um servidor. Aqui
cito quatro: a prontidão, a obediência, a vigilância, a perseverança.
Ele
tem o traço da prontidão: está desperto, atento ao seu senhor, ao que ele dizia
e fazia; de modo que soube escutar atentamente a ordem do profeta (“Suba
e olhe para o lado do mar ” (v.43); “Volte até sete vezes”
(v.43), “Vá dizer a Acab… ”(v. 44)).
A
prontidão à escuta é seguida da obediência, expressa pela disponibilidade e
adesão ao mandado, ao profeta, a Deus: ele responde prontamente (“o
servo subiu, olhou…” (v.43)). À
prontidão e obediência soma-se a vigilância: graças a ela, o servo soube
observar atentamente o mar e perceber algum sinal do advento da chuva que fora
predita (cf. v.44). Contudo, de nada adiantaria estas atitudes se ele não
carregasse consigo a perseverança: ele só pôde conservar e praticar a
prontidão, a obediência e a vigilância por “sete vezes”, porque conservou-se
firme e constante no seu propósito, no seu obséquio.
Tomando
a imagem deste servo (e que servo!), somos chamados a nos reconhecer nele. Eu,
você, nós, somos esse servo. Somos carmelitas, leigos ou religiosos; e como
tais, chamados por Cristo, o Servo dos Servos, a tornarmos servos seus. Como
nossa Regra nos diz: somos vocacionados a “viver em obséquio de Jesus Cristo” [2].
É a ele que servimos, contemplando-o no próximo, no necessitado, nas inúmeras
realidades de “sede e fome” (de justiça, dignidade, de espiritualidade, de
vida…). A visibilidade de tantos contextos vitais no mundo em que vivemos, e os
apelos que deles emergem, nos direcionam a realizar dois movimentos: primeiro, o de “subir a montanha e olhar para o mar”, para contemplar e avistar os sinais de
esperança; e segundo, o de descer da
montanha, para anunciar, em obras e palavras, a chuva, que é Jesus, a Boa-nova
que vem irrigar a terra inteira, restaurando todas as coisas n’Ele (cf. Ef
1,9). Deste modo, podemos entender que a nossa vocação é “sermos servos da
esperança”. Jesus é a Esperança!
Isso
só será possível se, de fato, reafirmarmos nossa identidade de “servos
carmelitas”, assumindo consciente, afetiva e efetivamente, a nossa missão de
servir a Deus e ao próximo de acordo com o carisma com o qual Ele nos presenteou:
sermos homens e mulheres de Deus no meio do povo. Lembremos que todo carisma é
dom, dádiva, não para si, mas para os outros, para Deus. Se não nos dispusermos a ser servos,
negaremos a Cristo, que mesmo sendo Senhor fez-se servo. Que o Senhor nos livre
de querermos inverter os papéis, tornando-nos senhores e querendo que os outros
nos sirvam, pois, como diz Jesus: “entre vocês não deve ser assim; quem quiser
ser o primeiro seja aquele que serve” (Mc 10,42). Cabe bem aqui aquele
cântico das ofertas que diz: “Quem vive para si, empobrece o seu viver. Quem
doar a própria vida, vida nova há de colher”.
Necessitamos,
urgentemente, resgatar o sentido de nossa vocação/missão, entendida enquanto
serviço, que nasce, cresce, mantêm-se, e renova-se no serviço de Cristo.
Precisamos recuperar a mística do servo. Só a partir daí poderemos, em Cristo,
cultivar as quatro características presentes no servo de Elias: a prontidão, a
obediência, a vigilância, a perseverança. Não olvidemos que o Senhor pedirá
contas de nossa administração. Oxalá que cada um de nós escute dele estas
palavras: “Como foi fiel na administração de tão pouco, eu lhe confiarei muito
mais. Venha participar da minha alegria” (Mt 25,21.23).
Aproveitemos
o advento para repensar nossa caminha pessoal e comunitária, buscando a
renovação de nossos pensamentos, sentimentos e atitudes. Olhemos para o futuro
e aguardemos pressurosos Aquele que vem nascer em nossa vida. Busquemos
cultivar estas quatro atitudes do servo de Elias: estando prontos para ouvir os
apelos de Deus; disponíveis a obedecê-lo; vigilantes aos sinais de sua presença
e perseverantes em nossas escolhas e convicções, portanto, no seu obséquio.
Para refletir:
1) O que o texto me diz? Quais os questionamentos e
apelos suscitados?
2) Em que “o servo de Elias” ajuda-me, enquanto
carmelita, cristão, a viver a minha vocação?
3) Percebo estas quatro características: prontidão,
obediência, vigilância e perseverança em minha vida? Como reforçá-las ou
desenvolvê-las ?
4) Como viver, pessoal ou comunitariamente, o advento a
partir destas quatro palavrinhas? Criando uma sigla para memorizar estas
palavras, podemos utilizar cada uma das iniciais: prontidão, obediência, vigilância
e perseverança.
[1]
Na tradição carmelitana, este texto é interpretado à luz do Novo
Testamento: Elias (ou o servo) avistam
ao longe “uma nuvenzinha, do tamanho da mão de uma pessoa, (que) vem subindo do
mar”. A nuvenzinha é Maria, e a chuva é
o próprio Jesus que vem irrigar a terra, trazendo a vida. É o que cantamos no
Ofício de N.Sra. do Carmo: “Foi lá no Carmelo que a Virgem Surgiu. Do mar, numa
nuvem, Elias a viu. Em chuva de graças a Mãe se mostrou, e todo o Carmelo feliz
exultou.” É um texto que evoca todo o sentido do advento e que está em paralelo, por exemplo, com o salmo 85 (84),
de onde vem este tão belo canto: “Das alturas orvalhem os céus, e as nuvens,
que chovam justiça. Que a terra se abra ao amor e germine o Deus
Salvador”.
[2] Obsequiar significa
servir. Podemos traduzir essa expressão da regra como “viver no seguimento e no
serviço de Jesus Cristo”.