REGRA DA ORDEM TERCEIRA DO CARMO
(ORDEM SECULAR CARMELITANA DA BEM-AVENTURADA VIRGEM MARIA DO MONTE CARMELO)
PREÂMBULO
“Muitas vezes e de diversos modos” o Senhor inspirou, por meio da experiência de vida dos religiosos formas de espiritualidade laicais, ricas e atraentes. O Carmelo é, há séculos, uma via privilegiada e segura para o caminho de santidade de grande número de leigos. A Regra de Santo Alberto é como uma fonte da qual jorra a torrente do carisma. Os valores que exprime foram sempre traduzidos em novas formas e adaptados aos leigos a através dos tempos e lugares, a fim de que fossem capazes de encarnar concretamente o carisma do Carmelo e viver a sua espiritualidade segundo a própria condição de vida.
PARTE I
ESPIRITUALIDADE E CARISMA
Vocação à santidade
1 - Deus quis fazer-se conhecer e revelou-se, envolvendo a humanidade em um diálogo feito de amor e de misericórdia. Fez-nos conhecer o seu desejo de comunhão, chamando homens e mulheres a participarem de sua vida. Este projeto se realiza, por meio do Espírito Santo, em Cristo, Palavra definitiva e suprema do Pai, além da qual Deus nada mais tem a revelar. Em Jesus Cristo , Filho de Maria, Deus invisível fala aos homens como seus amigos e conversa com eles para os admitir à comunhão consigo e tomá-los irmãos uns dos outros, em vista da unidade de todo o gênero humano no seu Reino. Pelo sacramento do Batismo os seres humanos são introduzidos na vida divina, tomando-se no Espírito Santo, filhos adotivos do Pai e irmãos de Cristo, aptos a fazerem parte da imensa assembléia fraterna da Igreja, povo de Deus, “sacramento, sinal e instrumento de íntima união com Deus e unidade de todo o gênero humano” .
2 - Assim sendo, todos os fiéis, sem distinção de estado ou grau são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade: esta santidade promove também na sociedade um teor de vida mais humano. Os conselhos que Jesus propõe no Evangelho aos seus discípulos, favorecem de forma especial um caminho de santidade e a transformação do mundo segundo o espírito das Bem-aventuranças. São vividos de diversos modos em formas estáveis de vida, suscitadas pelo Espírito Santo e reguladas pela Igreja.
3 - No corpo místico de Cristo, que é a Igreja, o único mesmo Espírito suscitou em muitas ocasiões uma imensa variedade de dons e carismas, como os das várias famílias religiosas, que oferecem aos seus membros as vantagens de maior estabilidade no modo de viver uma doutrina consolidada pela experiência e vivência de pessoas santas; para atingirem a perfeição evangélica, em comunhão fraterna, no serviço de Cristo e numa liberdade fortalecida pela obediência.
4 - Alguns leigos, por um chamamento e vocação especial, participam do carisma das família religiosas, patrimônio comum do Povo de Deus que se torna também para eles uma fonte de energia e uma escola de vida. Essa adesão dos leigos a um carisma específico é encorajada e aprovada pela própria Igreja, que os convida a esforçarem-se para assimilar fielmente as características particu-lares da espiritualidade de tais famílias.
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A Ordem Terceira do Carmo Secular
5 - A Ordem dos Irmãos da Bem-Aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo surgiu nos fins do século XII e início do século XIII, a partir de um grupo de homens que, atraídos pelo fascínio evangélico dos Lugares Santos “lá se consagraram Aquele que ali havia derramado o seu sangue em uma vida de penitência e de oração. Estabeleceram-se no Monte Carmelo, junto á Fonte de Elias e receberam, a seu pedido, uma Norma de Vida, de Alberto, Patriarca de Jerusalém (1206-1214) que os constituiu em uma única comunidade de eremitas, reunidos ao redor de um oratório dedicado a Maria. Após as aprovações de Honório III (1226) e Gregório IX (1229), Inocêncio IV (1247) completou seu caminho de fundação e, com algumas alterações dessa Norma de Vida, inseriu-os entre as nascentes Ordens de Fraternidade Apostólica (mendicantes) chamando-os a unir à vida contemplativa a solicitude pela salvação do próximo.
6 - Uma vez estabelecidos na Europa, os frades acolheram leigos, junto aos próprios conventos, os quais, de certo modo, foram considerados Carmelitas. Eram chamados “oblatos” ou “donatos”, visto que doavam os próprios bens aos conventos, passando a depender dos mesmos para o seu sustento. Como na sua maioria eram mulheres, havia necessidade de casas próprias. Também eram chamadas “manteladas” pois traziam um hábito semelhante ao dos frades.
7 - Com o tempo estes leigos organizaram-se em grupos homogêneos, com obrigações análogas às dos frades. A primeira aprovação jurídico-eclesiástica foi por meio da bula pontifícia “Cum Nulla“, de autoria do Papa Nicolau V, de 7 de outubro de 1452. Esta bula lançou as bases da Ordem Segunda e Terceira, com várias etapas de desenvolvimento. A bula autoriza os superiores da Ordem a dirigir vários grupos de mulheres e a explicitar o seu gênero de vida. A concessão contida na bula “Cum Nulla”, foi posteriormente explicitada por outra bula, a “Dum atenta” de Sisto IV, de 28 de novembro de 1476. Estes dois documentos pontifícios são a base da hodierna estrutura da Família Carmelitana.
8 - A bula “Cum Nulla” reconheceu a existência de grupos distintos, com votos solenes ou simples. Paulatinamente algumas dessas mulheres, que podiam também viver sozinhas e fora do convento, identificaram-se como o terceiro grupo da Família Carmelita, razão pela qual começaram a ser chamadas “terceiras” Em 1476, o Papa Sisto IV autorizou a Ordem do Carmo a organizar os seus vários grupos de leigos, como as Ordens Terceiras das demais Ordens Mendicantes.
9 - Simultaneamente surgiam confrarias que solicitavam o gozo dos privilégios do Escapulário. O Prior Geral Teodoro Straccio (1636-1642) desejando resolver a situação, criou uma Ordem Terceira de “continentes” na qual os confrades e irmãs emitiam votos de obediência e de castidade segundo o próprio estado, enquanto os demais seculares ingressavam nas confrarias do Escapulário.
10 - Já nos séculos XIX e XX procurou-se favorecer o aspecto “secular” dos terceiros. Esta dimensão atingiu o ápice na Regra aprovada após o Concílio Vaticano II. Hoje, portanto, os seculares são chamados, na especificidade de sua vocação, a iluminar e a dar o justo valor a todas as realidades temporais, de forma que sejam vividas segundo os valores proclamados por Cristo e em louvor do Criador, do Redentor e Santificador num mundo que parece viver e agir como se Deus não existisse. Espera-se que os leigos Carmelitas sejam colaboradores da nova evangelização que permeia toda a Igreja; por isso procurem superar em si mesmos a separação entre Evangelho e vida. Em sua rica atividade quotidiana, na família, no trabalho e na sociedade, procurem restaurar a unidade de uma vida que encontre no Evangelho inspiração e força para ser vivida em plenitude.
Vínculos com o Carmelo
11- Os membros da Ordem Terceira reconhecem o Prior Geral como pai espiritual, chefe e vínculo de unidade; recebem da Ordem, orientação e estímulo, destinados a promover, fomentar a concretização dos fins da própria Ordem Terceira do Carmo. Contudo se concede aos próprios leigos uma ampla autonomia de iniciativa e de condução da vida das respectivas fraternidades, segundo os próprios estatutos. São eles mesmos que elegem os seus dirigentes, assistidos espiritualmente e ajudados pela disponibilidade paternal de um sacerdote, Carmelita ou não, ou ainda de um frade ou de uma religiosa Carmelita.
12 - O vínculo fundamental do terceiro com o Carmelo é a profissão. Este empenho traduz-se em uma forma de promessa ou, em alguns casos, conforme um antigo costume, com a emissão dos votos de obediência e de castidade, segundo as obrigações do próprio estado. Deste modo, o terceiro consagra-se mais profundamente a Deus, de modo que possa oferecer-lhe um culto mais intenso. Mediante a profissão o terceiro, na verdade visa intensificar as promessas batismais de amar a Deus sobre todas as coisas e de renunciar a Satanás e às suas seduções. A originalidade desta profissão está nos meios escolhidos para atingir a plena conformidade com Cristo. O Carmelita sabe que comparece diante do Senhor de mãos vazias, mas põe todo seu amor esperançoso em Cristo Jesus , que se toma pessoalmente a sua santidade, a sua justiça, o seu amor, a sua coroa. O cerne da mensagem de Jesus - amar Deus com todo o coração e ao próximo como a si mesmo - exige do terceiro uma afirmação constante do primado de Deus, a recusa categórica de servir a dois senhores e a opção prioritária de amar o próximo,combatendo toda a forma de egoísmo de fechamento em si mesmo.
13 – Os valores dos conselhos evangélicos, comuns a todos os cristãos, tomam-se para o terceiro um programa de vida que atinge as esferas do poder, da sexualidade e dos bens materiais. São um auxílio mais forte para não servir falsos ídolos; e conseguir a liberdade de amar Deus e o próximo acima de todo egoísmo. A santidade consiste exatamente neste duplo preceito.
14 - Pela profissão o terceiro assume o compromisso de viver o Evangelho radicalmente, segundo o próprio estado de vida. Ao terceiro é dada a liberdade de emitir a profissão sem os votos, apenas com o propósito de professar a presente Regra, ou também com os votos. Os terceiros que fazem os votos são chamados à obediência aos superiores da Ordem e ao seu assistente espiritual em tudo aquilo que lhes é determinado pela Regra para sua própria vida espiritual. Com o voto de castidade comprometem-se a viver esta virtude de acordo com as obrigações do próprio estado.
15- Os terceiros reconhecem nos Carmelitas consagrados na vida religiosa uma válida direção espiritual. São acompanhados pelos religiosos em seu caminho rumo a uma vida contemplativa e ativa num mundo sempre mais complexo e exigente, mas que ao mesmo tempo procura avidamente os valores espirituais. Por essa razão os leigos devem ser acompanhados para viverem o carisma do Carmelo em espírito e verdade,abertos à ação do Espírito Santo, e tendendo a uma plena participação e comunhão no carisma e na espiritualidade do Carmelo, tendo em vista uma nova leitura carismática da sua laicidade e uma plena corresponsabilidade no dever de evangelizar e no exercício dos ministérios específicos da vida Carmelita. Deste modo, os Terceiros Carmelitas Seculares tornam-se efetivamente e de pleno direito membros da Família Carmelita.
16 - Os Carmelitas consagrados na vida religiosa reconhecem as vantagens espirituais e o enriquecimento que para a Família Carmelita trazem os fiéis leigos, que, inspirados pelo Espírito Santo, e respondendo a um especial chamado de Deus, livre e espontaneamente se comprometem a viver o Evangelho segundo o espírito do Carmelo. Na verdade, a sua participação pode contribuir, como nos ensinam experiências do passado, com fecundos aprofundamentos de alguns aspectos do carisma, reinterpretando-os e impulsionando a novos dinamismos apostólicos também por meio da “preciosa contribuição da sua secularidade e do seu serviço específico.
Chamado específico do Carmelita Secular
17- A vida espiritual - ou vida segundo o Espírito - começa com a iniciativa do Pai, que, mediante o Filho e no Espírito Santo dá a cada homem e a cada mulher sua vida e santidade, chamando cada um a viver uma misteriosa relação de comunhão com as pessoas da Santíssima Trindade. Deus vem a procura de cada pessoa, atraindo-a para si através do seu Filho o Espírito faz com que dirija sua atenção para Ele, escute a sua voz, acolha a sua Palavra, se abra à sua ação transformadora. A procura de Deus por parte de um Carmelita Secular e sua obediência ao senhorio de Nosso Senhor Jesus Cristo é uma resposta, impulsionada pelo Espírito, à sua voz no diálogo fraterno que ele estabelece com cada um pelo Verbo que se fez carne. O caminho de um terceiro começa com o ato de fé que o faz acolher Jesus e o evento pascal, como o sentido da sua vida e o faz deixar-se conduzir por Ele, colocando-o no centro de sua própria vida. Assim enraizados no amor misericordioso de Deus, os Leigos Carmelitas se propõem a subir o Monte Carmelo, cujo cume é Cristo Jesus.
18 - A subida do Monte por parte de um leigo, em primeiro lugar, implica em seguir a Cristo com todo o seu ser e servi- Lo “fielmente com coração puro e total dedicação” . O espírito de Cristo deveria entranhar sua pessoa a ponto de poder repetir com São Paulo, “não sou mais eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim”, de forma que todo seu agir ocorra “sob sua palavra”
19 - Jesus deve tomar-se progressivamente a Pessoa mais importante da sua existência. Isto significa uma relação pessoal, calorosa, afetuosa, constante com Jesus. Tal relação é nutrida pela Eucaristia, vida litúrgica, Sagrada Escritura e pelas várias formas de oração, induzindo o terceiro a reconhecer Jesus no próximo e nos eventos quotidianos, levando-o a testemunhal pelas estradas do mundo a marca indelével de sua presença.
20-O chamamento do Pai para o seguimento de Cristo por obra vivificante do Espírito Santo, se realiza na plena pertença à Igreja. O terceiro recebe o chamado à santidade pelo sacramento do Batismo que incorpora os seres humanos no Corpo Místico de Cristo. A sua maior dignidade consiste exatamente no gozo da própria vida divina e do amor de Deus derramado em seu coração pelo Espírito. Deste modo em companhia dos demais, segundo a vocação e os dons de cada um, pode contribuir para a grandiosa obra de edificação do único Corpo de Cristo.
21 - A natureza humana, débil e limitada, por causa de suas misérias, deixa-se conduzir pela vontade divina e abraça uma vida de conversão sempre mais profunda envolvendo o ser humano por toda a vida e em todas as dimensões, a conversão implica um radical e novo direcionamento a uma progressiva transformação. Guiados pelo Espírito os terceiros buscam a superação dos obstáculos que encontram nos seus caminhos e evitam tudo aquilo que possa desviá-los da estrada rumo ao cume. Além disso, reconhecendo possíveis limitações e resistências, empenham-se em seguir, sem vacilar e sem desvios, por um caminho gradual rumo aos ideais escolhidos.
22 - A “Subida do Monte” implica a experiência do deserto, no qual “a chama viva do amor” de Deus realiza uma transformação que faz com que o Carmelita Secular se desapegue de tudo, até mesmo da imagem que fez de Deu, purificando-a. Revestindo-se de Cristo, começa a resplandecer como imagem viva de Cristo, nele transformado em nova criatura.
23 - Esta transformação gradual toma o terceiro mais capaz de discernir os sinais dos tempos e a presença de Deus na história, reforçando em si mesmo o sentido de fraternidade e conduzindo a um empenho sério e decisivo em favor da transformação do mundo.
Participação na missão de Jesus
24 - Pelo Batismo os leigos Carmelitas tornam-se participantes da missão de Jesus Cristo, dando-lhe continuidade na Igreja, tomando-se assim como que “uma humanidade de acréscimo”, que se transforma em “louvor da sua glória”. Aos seculares é reconhecida “uma participação própria e absolutamente necessária nesta missão.
25 - Em virtude do sacerdócio batismal e dos carismas recebidos, os Seculares Carmelitas são chamados à edificação da comunidade eclesial participando “consciente, ativa e fecundamente”, na vida litúrgica da comunidade e empenhando-se para que a celebração se prolongue na vida concreta. Significa dizer que os frutos de seu encontro com Deus se manifestam em todas as suas atividades, orações e iniciativas apostólicas, no repouso espiritual e corporal e até mesmo nas próprias privações da vida, quando suportadas com paciência e - como nos ensinam os santos Carmelitas - acolhidas de coração aberto.
26 - Com a participação no múnus profético de Cristo e da Igreja o terceiro empenha-se, nas diversas profissões e atividades seculares, por assimilar o Evangelho na fé, anunciando-o por meio de suas obra. O seu empenho chega ao ponto de denunciar o mal com coragem é sem vacilar. Além disso, é chamado a participar seja no sentido da fé sobrenatural da Igreja, que não pode errar em matéria de fé, seja na graça da Palavra.
27 - Pela sua pertença a Cristo, Senhor e Rei do universo, o terceiro participa de seu múnus real pelo qual é chamado ao serviço do Reino de Deus e a sua expansão na história. A realeza de Cristo implica, antes de tudo, um combate espiritual a vencer em nós mesmos a tirania do pecado. Mediante a doação de nós mesmos, empenhamo-nos em servir, na justiça e na caridade, ao próprio Jesus presente em todos os irmãos e irmãs, e sobretudo nos pequeninos e marginalizados. Isto significa dar à criação todo o seu valor originário. Ao conduzir as criaturas ao verdadeiro bem da humanidade com uma atividade fruto da vida de graça, o terceiro participa no exercício do poder com o qual Jesus Ressuscitado atrai a si todas as coisas.
Caráter de secularidade
28 - “Todos os Carmelitas estão no mundo, em certo sentido, mas a vocação dos leigos é a de transformar o mundo secular. Portanto, os terceiros como leigos comprometidos, se caracterizam pela secularidade, sendo chamados a tratar corretamente das coisas do mundo e a ordena-las segundo á vontade de Deus. Vivem no século em meio ao povo, dedicados à ocupações e ofícios do mundo, nas condições ordinárias e peculiaridades da família e da sociedade. São, portanto, convidados por Deus a contribuir para a santificação do mundo, empenhando-se no seu trabalho com o espírito do Evangelho; e animados pela espiritualidade Carmelita como guia. Sua vocação é iluminar e ordenar as atividades do mundo, de modo que se realizem segundo Cristo e assim sejam o louvor da glória do Criador.
29 - Não deve haver conflito entre o bem temporal e a realização do Reino de Deus, visto que tanto a ordem natural quanto a ordem espiritual derivam de Deus. Todavia existe o risco de se fazer um mau uso dos bens temporais. Por essa razão devem perseguir o ideal de endereçar as descobertas da ciência e da tecnologia para o aperfeiçoamento material e espiritual da vida humana.
Participação no carisma da Ordem
30- A Ordem do Carmo está presente na Igreja com os frades e com as monjas de vida claustral, as de vida ativa e os seculares, que participam de forma diversa e gradual do carisma e da espiritualidade próprios da Ordem Também os leigos, de fato, podem fazer parte do mesmo chamado à santidade e da idêntica missão do Carmelo A Ordem, reconhecendo a sua vocação, acolhe-os, e organiza-os nas formas e modalidades próprias do seu estado de vida, comunica-lhes as riquezas da própria espiritualidade e tradição, tornando-os ainda participantes dos benefícios espirituais e boas obras realizadas por todos os membros da Família Carmelitana. Para os leigos a forma mais completa e orgânica de incorporação na Ordem do Carmo é a profissão na Ordem Terceira do Carmo, pela qual participam do carisma Carmelita, segundo o seu modo específico e próprio de leigos. O Carmelo favorece o ingresso de casais, famílias e jovens que desejam conhecer e viver a espiritualidade Carmelita, ainda que sob novas formas, erigindo a Ordem Terceira do Carmo como forma estável e aprovada de agregação, que pode receber um novo influxo vital do confronto com estas novas formas de iniciativa. O carisma Carmelita vivido desde há séculos em diversas culturas e tradições, oferece um caminho seguro para se chegar à santidade compreendida como padrão da vida cristã ordinária.
31 - Seguindo pelo caminho aberto pelo Concilio Vaticano II, o Carmelo explicitou o próprio carisma de forma sintética, expressa nos documentos recentes nos seguintes termos: “viver no obséquio de Jesus Cristo com postura contemplativa que plasma a nossa vida de oração, de fraternidade e de serviço. Reconhecemos na Virgem Maria e no Profeta Elias os modelos inspiradores e paradigmáticos desta experiência de fé, guias seguros na travessia dos árduos caminhos, que levam “ao cume do monte, Nosso Senhor Jesus Cristo”.
A dimensão contemplativa da existência
32 - Também os leigos Carmelitas são chamados a viver na presença do Deus vivo e verdadeiro, que em Cristo habitou no meio de nós, e a procurar toda a possibilidade e ocasião de alcançar a intimidade divina, deixando-se guiar pela ação do Espírito Santo, os leigos Carmelitas aceitam ser transformados na mente e no coração, no olhar e nos gestos. Todo o seu ser e sua existência se abrem ao reconhecimento da ação imediata e plena de misericórdia de Deus na vida de cada um. Descobrem-se irmãos e irmãs, chamados a repartir o caminho comum em direção à plena santidade e a levar a todos o anúncio de que somos filhos do único Pai, irmãos de Jesus. Deixam-se entusiasmar pelas grandes obras que Deus executa e por meio das quais Ele solicita seu compromisso e eficaz contributo.
33 - “No Carmelo se recorda aos homens, cheios de tantas preocupações, que a prioridade absoluta deve ser dada à procura “do Reino de Deus e da sua justiça”. Por essa razão, na família, no ambiente de trabalho e na vida profissional, nas responsabilidades sociais e eclesiais, nas ações de cada dia, no relacionamento com o próximo, os leigos Carmelitas procuram as pegadas ocultas de Deus. Reconhecendo-as, fazem com que germine a semente da salvação segundo o espírito das bem-aventuranças, com humilde e constante exercício das virtudes da probidade, espírito de justiça, sinceridade, cortesia, fortaleza de ânimo, sem as quais não pode haver uma verdadeira vida humana e cristã.
Maria e Elias: presença, inspiração e guia.
34 - Como Maria, primeira entre os humildes e pobres do Senhor, os leigos Carmelitas vêem-se chamados a glorificar as maravilhas realizadas pelo Senhor na sua vida, com Ela, imagem e flor primogênita da Igreja, aprendem a confrontar episódios freqüentemente tormentosos da vida quotidiana com a Palavra de Deus. Aprendem com Ela a acolher a Palavra com disponibilidade e adesão plena. Maria, em quem a Palavra se faz carne e vida, inspira-lhes a fidelidade à missão, à ação animada pela caridade e pelo espírito de serviço e à efetiva cooperação na realização da obra de salvação. Junto a Maria caminham pelas estradas da história, atentos às autênticas necessidades humanas sempre prontos a condividir com o Senhor o sacrifício da cruz e experimentar com ele a paz de uma vida nova. Maria é membro singular e eminente da Igreja, participou de forma especial e crescente da única mediação entre Deus e os homens, manifestada em Cristo Jesus , da qual a Igreja e hoje portadora e mediadora na história. Os leigos Carmelitas deixam-se acompanhar por Maria na aceitação gradual da responsabilidade de cooperar na ação de salvação e de comunicação da graça específica da Igreja. No Carmelo, esta obra tradicionalmente tem sido vivida como o amor maternal da Virgem Maria para com os seus filhos. Os Carmelitas, sentindo-se chamados por uma tão grande e tenra mãe, não poderiam deixar de amá-la. Assim o ideal Carmelita é o de “perder-se em Deus no calor materno da Santa Virgem”.
35 - Os leigos Carmelitas partilham, além disso, da paixão do profeta Elias pelo Senhor e pela defesa de seus direitos, prontos a defender até mesmo os direitos do homem injustamente violados. Com o profeta aprendem a abandonar tudo, para se refugiarem no deserto e serem purificados, tornando-se prontos para o encontro com o Senhor e para acolher sua Palavra. Sentem-se impulsionados, como o Profeta, a promover a verdadeira religião contra os falsos ídolos. Com Elias os leigos Carmelitas aprendem a acolher a presença do Senhor, quase impõe ao homem com força e doçura. Ele que é o mesmo, ontem, hoje e sempre. Fortificados por essa experiência transformadora e vivificante, os leigos Carmelitas são capazes de retornar a enfrentar as realidades do mundo, seguros de que Deus tem em suas mãos o destino de cada um e da história.
Vida de oração
36 - Os leigos Carmelitas seguem uma intensa vida de oração, centrada no diálogo pessoal, com o Senhor, verdadeiro amigo da humanidade. Como diz Sta. Teresa de Jesus: “A oração nada mais é do que uma relação íntima de amizade...com Aquele que nos ama”. A oração pessoal e comunitária, litúrgica e informal constituiu o tecido da relação pessoal com Deus-Trindade, que anima inteiramente a existência do leigo Carmelita. Na oração “ o essencial não consiste tanto no muito pensar, mas antes no muito amar”; e então, mais do que um exercício, trata-se de uma postura, que implica o reconhecimento da mão de Deus, a disponibilidade de acolher o amor gratuito como dom, não só habitual mas atual , implica uma consciência sempre mais profunda da ação de Deus que permeia toda a existência humana, como testemunha Santa Teresa do Menino Jesus. “A oração é vida e não um oásis no deserto da vida”, dizia o B. Tito Brandsma. João Paulo II confirma dizendo que,no Carmelo “a oração se toma vida e a vida floresce em oração”.
37 - A vida sacramental centrada na Eucaristia constituiu a fonte da vida espiritual. O leigos Carmelitas são chamados a uma intensa freqüência aos sacramentos: segundo as possibilidades, aproximem-se diariamente do sacrifício do altar e do banquete da vida, no qual a Igreja encontra a sua inteira riqueza, “ou seja o próprio Cristo, nossa Páscoa e Pão vivo” recebam regularmente o perdão dos pecados e a graça para continuar o caminho; se casados, vivam com intensidade e novidade cristã a própria vocação à santidade matrimonial.
38 - A Liturgia das Horas constitui o apelo diário à graça que brota da Eucaristia e alimenta o autêntico encontro com Deus. Os leigos Carmelitas podem, segundo as suas condições, celebrar pelo menos Laudes, Vésperas e Completas. Lugares e circunstâncias concretas poderão indicar outras eventuais formas de oração litúrgica. Inspirados por Maria, os leigos Carmelitas desejam tomar atual a obra salvífica de Jesus no espaço e no tempo, também através da celebração dos mistérios divinos. Maria convida-nos a celebrar a liturgia com disposições e posturas iguais às suas: por em prática a Palavra de Deus e meditá-la com amor, louvar a Deus com entusiasmo e agradecer-lhe com alegria, servir a Ele e aos irmãos com generosidade ao ponto de dar a própria vida por eles, orar ao Senhor com fé e perseverança, esperar vigilantes a Sua vinda.
39-. A vida espiritual não se esgota apenas na liturgia. Muito embora chamado à oração comunitária, o cristão deve sempre entrar em seu quarto para rezar ao Pai em segredo; aliás, segundo o ensinamento de Cristo reforçado pelo Apóstolo, deve orar incessantemente. Os leigos Carmelitas, segundo a permanente tradição do Carmelo cultivam em grau máximo a oração em suas várias formas. Devem conceder uma especial atenção à escuta orante e obediente da Palavra de Deus: a “lectio divina” envolve e transforma toda a existência do homem de fé. Também tiveram sempre um grande espaço na tradição Carmelita, a oração mental, o exercício da presença de Deus, a oração aspirativa, a oração silenciosa e outras eventuais práticas devocionais.
40 - Os leigos Carmelitas trazem com grande veneração o Santo Escapulário, símbolo da caridade maternal de Maria, que, tomando a iniciativa, guarda os irmãos e irmãs Carmelitas no coração e desperta neles o desejo de imitar as suas virtudes: caridade universal, amor à oração, humildade, pureza, modéstia. Quem usa o Escapulário é chamado a revestir-se interiormente de Cristo, para manifestar em sua vida a presença salvífica em favor da Igreja e da humanidade. O Escapulário, além de recordar a proteção que Maria nos concede ao longo de toda a existência, e também no trânsito definitivo até a plenitude na glória, recorda-nos que a devoção Mariana, mais do que um conjunto de práticas piedosas, é um verdadeiro “hábito, ou seja, uma orientação permanente da própria conduta cristã”.
41 - Reunidos por Maria, como os discípulos no Cenáculo, os leigos Carmelitas encontram-se também para louvar a Deus nos mistérios da vida do Senhor e da própria Virgem Maria: a prática piedosa do Santo Rosário, pode tornar-se uma fonte inexaurível de verdadeira espiritualidade para alimento da vida quotidiana.
Fraternidade
42 - Os leigos Carmelitas, sustentados pela graça e guiados pelo Espírito, que os encoraja a viver com firmeza a vida cristã, seguindo as longas veredas do Carmelo, reconhecendo como irmãos e irmãs de quem quer que seja chamado a compartilhar o mesmo carisma. “O leigo Carmelita pode formar comunidade de diversos modos: na própria família, que é a Igreja doméstica; na paróquia onde é chamado a adorar Deus junto com os irmãos e a participar da vida comunitária; na própria comunidade terciária Carmelita, na qual encontra sustento para a caminhada espiritual; no ambiente de trabalho e no próprio meio onde vive”.
43 - A vida associativa dos leigos Carmelitas deve destacar- se pela simplicidade e autenticidade; cada comunidade deve ser um lar de fraternidade, onde cada um se sente em sua própria casa, acolhido, conhecido, valorizado, encorajado na caminhada, e quando necessário, corrigido com atenção e caridade. Os leigos Carmelitas empenhem-se, portanto, em colaborar com os demais membros da Família Carmelita e com toda a Igreja, a fim de que esta realize a própria vocação missionária nas mais diversas situações e condições.
44 - A fraternidade se reflete também em sinais externos. Cada leigo Carmelita é como uma centelha de amor fraterno lançada em direção ao jardim da vida: deve ser capaz de incendiar quem quer que se aproxime. A vida familiar, o ambiente de trabalho ou profissional, os meios eclesiais freqüentados por leigos Carmelitas, devem receber deles o calor que nasce de um coração contemplativo, capaz de reconhecer em cada um os traços da semelhança com o rosto de Deus. A comunidade de leigos Carmelitas toma-se, deste modo, um centro de vida autenticamente humana, porque autenticamente cristã. Da experiência de se reconhecerem como irmãos e irmãs, nasce a exigência de envolver outros na fascinante aventura humano-divina da construção do Reino de Deus.
45 - Em um mundo cada vez menor, mais vizinho, mais unido por vínculos diversos e complexos, os leigos Carmelitas devem sempre testemunhar a sempre autêntica universalidade, sabendo valorizar as riquezas e as potencialidades de cada um reconhecendo-se parte de uma família internacional e favorecendo todas as ocasiões possíveis de encontro e intercâmbio frutífero entre os membros da Ordem.
Serviço
46 - A finalidade da Igreja é difundir o Reino de Cristo sobre a terra, para tornar todos os homens participantes da salvação operada pela Redenção. “Como todos os Carmelitas, o leigo Carmelita é chamado a realizar algum tipo de serviço parte integrante do carisma dado à Ordem por Deus”. Santa Teresinha do Menino Jesus descobriu essa dimensão de sua vida Carmelitana quando, lendo a Sagrada Escritura, se descobriu como “o Amor.. .no coração da Igreja”: para muitos terceiros esta é sua contribuição fundamental para a edificação do Reino. Sendo próprio dos leigos viver no mundo e em meio aos assuntos seculares, é ai mesmo que são chamados por Deus a desenvolver a missão da Igreja e a ser fermento cristão para as atividades temporais, nas quais estão profundamente envolvidos. Os fiéis leigos não podem de fato abdicar da participação na “política”, ou seja, nas múltiplas e diversas atividades, econômicas, sociais, legislativas, administrativas e culturais, destinadas a promover orgânica e institucionalmente o bem comum
47 - Santa Maria Madalena de Pazzi nos recorda que não se pode licitamente saciar a própria sede da contemplação de Cristo sem esforçar-se par apagar a sede do próprio Jesus, desejoso de almas a serem redimidas com a oração e o apostolado harmonicamente unidos entre si. Os leigos Carmelitas, prontos a testemunhar a própria fé por meio de suas boas obras, recebem a força de atrair os homens à fé em Deus, tomando-se assim “louvor da glória de Deus”. Em tempos de desorientação e radicais mudanças, podem constituir um ponto de referência seguro para muitos. Também o profeta Elias, personagem de um mundo em crise, no qual o povo era impelido a abandonar o verdadeiro Deus, convicto de ser auto-suficiente, era sustentado pela certeza de que Deus é mais forte do que qualquer crise ou qualquer perigo. Por esta razão os leigos Carmelitas, em um mundo cada vez mais inseguro ante as questões fundamentais e em tempos que propõem novos problemas de fé, morais e sociais, esforçam-se para criar ocasiões oportunas para o anúncio de Jesus Cristo, proclamando a mensagem sempre nova do Senhor da vida e da história, único e seguro ponto de referência de toda a existência e da vida de cada ser humano.
48 - A experiência do deserto, paradigmática na saga do Profeta, toma-se passagem obrigatória para os Carmelitas seculares convocados para serem purificados no deserto da vida, para encontrarem o Senhor em sua plenitude. Do mesmo modo, percorrem a insubstituível via do deserto da mortificação interior, para entrarem na escuta do Senhor, que lhes fala ao coração através de novas e inquietantes manifestações da vida do mundo, mas também por meio de sinais muitas vezes de difícil interpretação ou por meio daquela voz silenciosa e quase imperceptível do Espírito. Eles retornam entusiasmados dessa experiência e descobrem-se como incansáveis animadores do meio no qual são chamados a atuar. Animados por este encontro são capazes de anunciá-lo como única resposta a tentações sempre possíveis da negação de Deus ou de orgulhosa auto-suficiência. Sustentados pelo Espírito, os terceiros não se deixam desencorajar pelos insucessos aparentes, pela indiferença, pela falta de acolhimento ou pelos sucessos dos que vivem em desacordo com o Evangelho.
49 - Os terceiros reconhecem e mostram com a vida que as atividades temporais e o próprio trabalho material são participações na obra sempre criadora e transformadora do Pai, verdadeira oferta de serviço aos irmãos e autêntica promoção humana. Testemunhas num mundo que não assimila plenamente ou, rejeita integralmente a união íntima e vital com Deus na sua realidade quotidiana, conhecem ou compartilham com simpatia as suas esperanças e as suas aspirações mais íntimas, porque, chamados a ser “sal da terra” e “luz do mundo”, anunciam ao povo a ciência da salvação.
PARTE II
ESTATUTOS GERAIS
I –ESTRUTURA
Características Gerais
50 - A Ordem Terceira do Carmo (OTC), ou seja a Ordem Carmelita Secular (OCS) é urna associação pública de fiéis, de caráter internacional, erigida por privilégio apostólico, com o escopo de buscar a perfeição cristã e dedicar-se ao apostolado, oferecendo a própria oração e os próprios sacrifícios por intenção da Igreja, participando no meio do mundo do carisma da Ordem do Carmo, com o propósito de viver segundo o Evangelho, no espírito da Ordem dos Irmãos da Bem-Aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo, sob a mais alta direção da própria Ordem.
51- A Ordem Terceira do Carmo é enriquecida pelos fiéis, que sob inspiração do Espírito Santo, em resposta a um particular chamado de Deus, livre e deliberadamente, prometem viver segundo as normas do Evangelho no espírito do Carmelo. A Ordem Terceira do Carmo, assim como outras formas de associação do Laicato Carmelita, tem o seu lugar na estrutura e no espírito de toda a Família Carmelitana. A Ordem empenha-se em auxiliá-los a atingir o escopo almejado: sanear e desenvolver a sociedade humana com o fermento do Evangelho.
52 - A Ordem Terceira do Carmo ou Ordem Carmelita Secular, junto a outros grupos ou comunidades que se inspiram na Regra do Carmo, na sua tradição e valores expressos na espiritualidade do Carmelo, constitui na Igreja a Família Carmelita.
53 - Ao Prior Geral da Ordem do Carmo, pai espiritual, chefe e sinal de unidade de toda a Família Carmelita, cabe assegurar eficazmente também o bem espiritual da Ordem Terceira, promovendo seu incremento e sua vitalidade por meio de um Delegado para o Laicato Carmelita.
Vida fraterna
54 - A Ordem Terceira do Carmo se divide em comunidades, comumente chamadas Fraternidades ou Sodalícios, os quais são dirigidos pelos seus próprios membros segundo as normas contidas nesta Regra e nos Estatutos de cada Sodalício, sob a mais alta direção do Superior da Ordem ou dos seus delegados.
55 - Alguns membros da Ordem Terceira do Carmo, segundo uma antiga tradição, são chamados a viver em comunidades de vida reguladas pelos estatutos particulares.
56 - As comunidades são erigidas canonicamente pelo Prior Geral da Ordem com o consenso de seu Conselho, com o prévio consentimento do Prior Provincial e do Bispo diocesano; para a ereção de uma casa da Ordem vale também para a ereção de um Sodalício da Ordem Terceira, junto à mesma casa ou à Igreja anexa.
Assistência Espiritual
57 - Para permitir uma participação sempre maior dos terceiros na Ordem e na Igreja, o Conselho Geral e, de forma especial, os Priores Provinciais, pessoalmente ou por meio de seus delegados, segundo as disposições dos Estatutos de cada Província, são responsáveis pela assistência espiritual da Ordem Terceira. De modo especial ajudem com solicitude os Sodalícios estabelecidos no território da sua competência, a fim de que sejam permeados de uma autêntica vida Carmelitana e cuidem para que, na realização de suas atividades os membros da Ordem Ter-ceira sejam sempre fiéis aos princípios e orientações da Ordem. Cuidem também para que cada comunidade colabore com as atividades de apostolado existentes na diocese, na qual está esta-belecida, atuando sobretudo, sob a direção do Ordinário do Lugar, junto com outras associações de fiéis de escopo semelhante, existentes no território da mesma diocese.
58 - Os assistentes espirituais locais são geralmente sacerdotes da Ordem. Quando não é possível fornecer ao Sodalício um assistente espiritual que seja sacerdote, essa assistência pode ser confiada a um religioso ou a uma religiosa da Ordem do Carmo. A assistência espiritual pode ser confiada também a sacerdotes, que não pertençam à Ordem, preferencialmente membros da Ordem Terceira, que sejam capazes de desenvolver tal tarefa de acordo com a espiritualidade Carmelita. Os assistentes espirituais são nomeados por um tempo determinado de 5 anos, renováveis, pelo Prior Geral ou pelo Prior Provincial, após ouvirem os oficiais maiores do respectivo Sodalício. Tratando-se de um sacerdote não Carmelita é necessário o beneplácito do respectivo Ordinário.
Governo
59 - O órgão supremo de governo é a Assembléia Geral da Associação ou Sodalício, compôs-ta por todos os seus membros. Os respectivos Estatutos definem as competências e o funciona-mento da Assembléia Geral.
60- Cada comunidade ou fraternidade é dirigida por um Conselho. Integram o Conselho o assistente Espiritual, o Moderador (ou responsável) e dois ou mais Conselheiros (não mais que quatro), segundo o número de membros que componham o Sodalicio e de acordo com as disposições do respectivo Estatuto. O responsável pela formação também é integrante do Conselho.
61 - Cabe ao Conselho, especialmente ao seu Moderador, com o auxílio do Assistente Espiritual, defender os interesses do Sodalício, a fim de que seus membros possam responder de forma mais eficaz à sua vocação de terceiros empenhados na construção do Reino de Cristo, em sua própria vida e na sociedade, segundo a espiritualidade e o carisma do Carmelo ao qual foram chamados pelo Espírito, que distribui os dons segundo sua vontade. Tal tarefa deve ser desempenhada com espírito evangélico de serviço, evitando quaisquer formas de poder despótico.
Eleição dos Oficiais
62 - Os membros do Conselho, exceto o Assistente Espiritual, são eleitos pela Assembléia Geral do Sodalicio, por um período de três anos. O moderador, uma vez eleito, deve ser confirmado pelo Prior Geral ou pelo Prior Provincial.
63 - As eleições dos membros do Conselho são presididas pelo Assistente Espiritual e realizam-se segundo as disposições dos respectivos Estatutos, respeitadas as normas do direito comum da Igreja.
64 - Cabe ao Conselho nomear por sua vez o Secretário, o Tesoureiro e outros eventuais oficiais, de acordo com as necessidades e dimensão do Sodalício. Os estatutos locais determinem as funções dos vários oficiais maiores, suas tarefas e atribuições; se previstas nos Estatutos, o Secretário e o Tesoureiro podem integrar o Conselho.
65 - Em circunstâncias especiais, justificadas por causa grave, a autoridade eclesiástica, ou seja, o Prior Geral ou o Prior Provincial, podem designar um comissário, que em seu nome dirija temporariamente o Sodalício.
66 - O Moderador pode ser destituído, por justa causa, por quem o confirmou, devendo ser previamente ouvido, seja o próprio Moderador, sejam oficiais maiores do Sodalício, de acordo com os Estatutos. Por causa grave, também o Assistente Espiritual pode ser removido de seu oficio, nos termos dos cânons 192-195, por quem o nomeou, observadas as mesmas condições.
Administração dos bens
67- Seja a Ordem Terceira do Carmo enquanto tal, sejam os diversos Sodalícios canonicamente constituídos, com o decreto de ereção adquirem personalidade jurídica conforme o Direito Canônico e recebem, de acordo com a sua finalidade, a missão para a execução dos fins a que se propõem alcançar em nome da Igreja.
68 - A Ordem Terceira do Carmo, bem como os diversos Sodalícios, como pessoas jurídicas públicas são sujeitos capazes de adquirir, possuir, administrar e alienar bens temporais nos termos do Direito Canônico, todos os seus bens são bens eclesiásticos e são regidos pelas disposições do direito comum da Igreja, assim como pelos respectivos Estatutos, que em sintonia com o citado direito determinam a maneira de administrar os bens.
69 - Os Estatutos dos respectivos Sodalícios determinam o responsável pela administração dos bens, o qual pode realizar todos os atos de administração ordinária. Para a realização de atos de administração ordinária é necessário:
a) Autorização do Prior Geral da Ordem do Carmo com o consenso de seu Conselho.
a) Autorização do Prior Geral da Ordem do Carmo com o consenso de seu Conselho.
b) Licença da Santa Sé para atos cujo valor excede a soma fixada pela própria Santa Sé ou que envolvam objetos de alto valor artístico ou histórico, ou quando se trata de “ex-voto” doado a Igreja.
70 - O patrimônio tanto da Ordem Terceira quanto dos diversos Sodalicios, é constituído por todos os bens móveis e imóveis em seu poder, e das doações de membros e benfeitores, as receitas por atividades desenvolvidas, ofertas, doações, heranças, legados e aquisições a qualquer título.
Extinção e Supressão
71 - Um Sodalício pode ser supresso, por causa grave, pelo Prior Geral com o consentimento de seu conselho, ouvidos previamente o Prior Provincial e os oficiais da respectiva comunidade. Os Estatutos locais estabeleçam o procedimento de uma eventual extinção, caso contrário valem as normas do direito comum. Sempre se deve consultar previamente a autoridade competente da Ordem do Carmo.
72 - No caso da supressão ou de extinção de uma comunidade da Ordem Terceira do Carmo, os bens e os direitos patrimoniais da comunidade supressa ou extinta, como também os seus encargos, passam para a pessoa jurídica imediatamente superior, ou na falta desta, para a Província da Ordem em cujo âmbito tal comunidade se encontra; se por outro lado, o Sodalício se encontra fora do território de uma Província da Ordem, os bens e os direitos patrimoniais passam para própria Ordem.
Direito próprio e sua interpretação
73 - Os Sodalícios da Ordem Terceira são regidos pela presente Regra aprovada pela Santa Sé; contudo é aconselhável que haja Estatutos em âmbitos nacional, provincial, ou local, formulados segundo a realidade local. Contudo, devem ser submetidos à aprovação da autoridade competente da Ordem, ou seja do Prior Geral ou do Prior Provincial, como consenso dos respectivos Conselhos, segundo o disposto nos Estatutos.
74 - É louvável, para a mútua colaboração e unidade entre as diversas comunidades, a instituição de Conselhos nos diversos âmbitos: regional, nacional e internacional. Devem ser regidos por Estatutos próprios aprovados pela autoridade competente.
75 - A autoridade competente pára a interpretação autêntica da presente Regra é a Santa Sé. O Prior Geral da Ordem, com o consenso de seu conselho, pode dar interpretação prática, sempre que necessário.
II-Admissão e Formação
Admissão
76 - Podem ser admitidos na Ordem Terceira do Carmo todas a pessoas que preencham os seguintes requisitos: professar a fé católica viver em comunhão com a Igreja, ter boa conduta moral, aceitar a presente Regra e desejar viver e agir de acordo com a espiritualidade do Carmelo. Os clérigos diocesanos podem ser membros efetivos da Ordem Terceira do Carmo e participar a pleno título, ainda que carentes do caráter laical, na medida em que tal caráter é incompatível com o estado clerical.
77 - Os candidatos são admitidos, na Ordem Terceira e incorporados num Sodalício pelo respectivo Assistente ou pelo Prior Provincial, do qual depende, ou p&o Prior Geral ou seu Delegado com o consenso dos respectivos conselhos, salvo o disposto no n. 82.
78 - Os que vivem distantes de um Sodalício e estão impedidos de participar de suas atividades, por razões especiais podem ingressar na Ordem Terceira ainda que não sejam membros de um Sodalício específico, desde que, observadas as normas relativas à admissão e à profissão, vivam segundo a presente Regra da Ordem Terceira do Carmo e sob a direção de seus superiores ou do próprio confessor. Todavia, se recomenda um contato freqüente com o assistente espiritual da comunidade mais próxima. Os respectivos Estatutos prevejam as modalidades de sua formação, quer inicial quer permanente.
79 - Os candidatos à Ordem Terceira do Carmo devem ser católicos praticantes, ter ao menos dezoito anos de idade, se os Estatutos não dispõem de forma diversa, e devem também apresentar uma carta de recomendação do próprio pároco ou de outro sacerdote idôneo que os conheça; nada impede que os Terceiros Carmelitas sejam membros de outra associação se os Estatutos locais não dispõem de forma diversa.
FORMAÇÃO
80 - Após o devido período de discernimento, previsto nos Estatutos, os candidatos serão admitidos à fase de formação espiritual conforme previsto nos mesmos Estatutos.
81 - A formação inicial deve ser de, pelo menos, um ano, durante o qual os candidatos estudam e vivem a Regra da Ordem Terceira do Carmo, conhecem a espiritualidade e a história carmelita, bem como as grandes figuras da Ordem, sob a orientação do responsável pela formação, o qual, junto com todo o Conselho, tem a responsabilidade de assegurar uma adequada instrução, recorrendo para isso aos meios necessários e às pessoas mais capazes.
82 - Ao término do período de formação inicial, o Conselho pode convidar aqueles que se sentem de forma especial chamados pelo Espírito Santo, a ligar-se mais estreitamente a Deus por meio de vínculos com votos ou com promessas, que, no espírito batismal, os solicitarão de forma mais eficaz à prática plena do Evangelho, segundo as orientações da presente Regra. Para admissão aos votos ou promessas segue-se o disposto no nº 77.
PROFISSÃO
83 - A profissão far-se-á segundo o ritual próprio da Ordem Terceira.
a) A primeira profissão será por um período de três anos, durante os quais os irmãos e/ou irmãs vivem plenamente a vida de comunidade, continuando o processo de formação, aprofundando os diversos aspectos da vida Carmelita.
b) Ao término do período de três anos, feito o devido discernimento e sendo aprovado pelo Conselho do Sodalício, o irmão poderá emitir sua profissão definitiva ou perpétua.
b) Ao término do período de três anos, feito o devido discernimento e sendo aprovado pelo Conselho do Sodalício, o irmão poderá emitir sua profissão definitiva ou perpétua.
c) Recomenda-se que em cada ano, por ocasião da comemoração solene da Santíssima Virgem do Carmo, nossa Mãe e Irmã, os membros da Ordem Terceira, pessoalmente ou comunitariamente, renovem sua profissão.
84 - O ingresso visível na Ordem Terceira pode se dar com a entrega do hábito tradicional, ou do Escapulário. Os Estatutos locais devem dispor sobre o seu uso.
85 - Cada Sodalício deverá manter um livro de registro dos seus membros, anotando o nome, data da profissão e outros julgados convenientes.
86 - Os membros dos Sodalícios da Ordem Terceira do Carmo candidatos às sagradas ordens, quando previsto nos respectivos Estatutos, podem ser incardinados na Ordem do Carmo, com a ordenação diaconal, após serem definitivamente incorporados em uma comunidade da própria Ordem Terceira do Carmo; daquele momento em diante passam a depender do Prior Geral como seu ordinário, salvo naquilo que diz respeito aos deveres provenientes da condição de membro de uma comunidade da Ordem Terceira. Neste caso as relações entre o clérigo terceiro e a Ordem do Carmo deverão ser definidas pelos Estatutos da sua comunidade e aceites pelo Superior Geral por meio de um instrumento adequado.
87 - Cada comunidade estabeleça um programa de formação permanente.
Apostolado
88 - Os membros da Ordem Terceira do Carmo são chamados ao apostolado em sua várias modalidades: desde a oração ao empenho co-responsável nas diversas atividades eclesiais, até à oferta do próprio sofrimento em união com Cristo.
89 - Os Estatutos locais estabeleçam as formas de atividade apostólica. Estas podem concretizar-se nas mais diferentes modalidades, que a vida moderna oferece e solicita. Por meio da ação comum os Terceiros Carmelitas tendem a alcançar uma vida sempre mais perfeita. Alguns podem empenhar-se na difusão da mensagem cristã, outros na realização de obras apostólicas, de evangelização, de piedade e de caridade, sempre com o escopo de animar a ordem temporal mediante o espírito cristão. Também o trabalho ou a atividade profissional, exercidos, seja individualmente, seja em grupo ou comunidade, podem ser um modo de realizar a vocação para o apostolado.
Direitos e obrigações
90 - Todos os membros da Ordem Terceira do Carmo têm os mesmos direitos e obrigações, em conformidade com os Estatutos provinciais e locais.
91 - Os Terceiros Carmelitas devem reunir-se periodicamente, segundo a periodicidade e formas estabelecidas nos Estatutos, a fim de que formem juntos uma comunidade em meio à qual a palavra de Cristo habita de forma abundante; exortem-se mutuamente principalmente no que se refere à correta assimilação do carisma próprio da Ordem, à qual pertencem ,para que sejam membros vivos da Igreja, participando das aspirações, iniciativas e atividades de toda a Família Carmelita, de forma que esta possa em seu todo exercitar no Corpo de Cristo a missão que o Senhor
constantemente lhes confia.
92 - Os Sodalícios devem estabelecer em seus Estatutos o modo mais adequado de assistir espiritualmente os irmãos e irmãs idosos ou enfermos.
93 - Para isso, espontaneamente se inspirem na espiritualidade e nos ensinamentos dos grandes santos, que Deus suscitou no Carmelo.
94 - Cada um pode deixar livremente a Ordem Terceira do Carmo por meio de pedido escrito endereçado ao Conselho do Sodalício, o qual pode aceitá-lo. Os membros podem também ser expulsos por justa causa, ou seja pelas razões estabelecidas no direito comum ou por reiterada e injustificada infração dos próprios deveres. A decisão cabe ao Conselho segundo o disposto nos Estatutos, após ter ouvido e advertido o interessado. Resta-lhe sempre o direito de recorrer à autoridade eclesiástica competente, ou seja ao Prior Geral ou ao Prior Provincial.
EPÍLOGO
Os membros da Ordem Terceira do Carmo se empenhem em encarnar em suas próprias vidas a vocação Carmelitana exposta nesta Regra. Empreendam a única e efêmera viajem da vida terrena como uma colônia de cidadãos, cuja pátria é o céu, procurando compreender com o auxílio dos santos, todas as dimensões da caridade de Cristo que supera toda a ciência; ansiosos, por meio de fervorosas aspirações e vivo desejo, por alcançar a terra que o Senhor, na sua partida, prometeu preparar para nós. Enraizados e fudamentados na caridade, sempre vigilantes e trazendo nas màos as lâmpadas acesas, conscientes de que “ao entardecer serão julgados sobre o amor”, multipliquem os próprios talentos, para que na hora da morte, mereçam ouvir do Senhor o convite para entrarem na sua glória.
A Ordem Carmelita é uma Ordem Religiosa Católica de Homens e Mulheres, religiosos e leigos, que, inspirados pelo espírito do Profeta Elias e da Bem-Aventurada Virgem Maria, tentam viver uma vida no seguimento de Jesus Cristo através da Contemplação, Fraternidade e Serviço no meio do povo.
A nossa vocação é a Fraternidade com os homens feita Oração, Trabalho e Eucaristia.
”O que responderemos a quem nos pergunte?
A todos os membros da Família Carmelita: Paz e bem no Senhor. “Portanto, assim como recebestes a Cristo Jesus, o Senhor, continuai a caminhar nele, enraizados e edificados nele, firmes na fé, tal como fostes instruídos, transbordando em acção de graças” (Col 2, 6-7). Com estas palavras do apóstolo S. Paulo, proclamadas na Eucaristia do primeiro dia, e pedindo a Deus a sabedoria do Espírito Santo, o Prior Geral, Pe. Fernando Millán Romeral, inaugurou a Congregação Geral de 2011.
1. Entre os dias 5 e 15 de Setembro de 2011 celebrou-se no Mount Carmel Spiritual Center de Niagara Falls a Congregação Geral subordinada ao tema “Qualiter respondendum sit quaerentibus?” (O que responderemos a quem nos pergunte?). Estas são as palavras de abertura da denominada Rubrica prima, que se encontram nas Constituições de 1281, as mais antigas que conservamos. Seguramente este documento pode remontar, de certo modo, a 1247, quando a Ordem ao emigrar para a Europa adoptou um estilo de vida mendicante. A Formula Vitae e a nossa Regra apresentam já uma eclesiologia implícita. Também a Rubrica prima, desde um ponto de vista eclesiológico, era a resposta oficial aos que nos perguntavam acerca da origem da nossa Ordem. A pergunta actual, certamente, não pretende responder acerca de como nascemos e como foram as nossas origens, mas continua a desafiar-nos ao questionar-nos: “quem somos?”, “que fazemos aqui?”(cf. 1Re 19, 10) e “por que fazemos o que fazemos na Igreja?”.
2. Seguindo as orientações do Conselho Geral abordámos a segunda parte da reflexão já iniciada no Capítulo Geral de 2007: In obsequio Jesu Christi. Comunidades orantes e proféticas no mundo em mudança. A primeira parte, “Comunidades orantes e proféticas”, foi tratada no Conselho das Províncias (S. Felice del Benaco, 2009). Durante estes dias, com um critério fundamentalmente eclesiológico, abordámos a segunda parte, “num mundo em mudança”. Para tal, e a partir de diferentes perspectivas, três peritos ajudaram-nos a aprofundar a nossa identidade carmelita: Fr. Richard Rohr, religioso franciscano, apresentou algumas orientações que a Vida Religiosa pode oferecer à Igreja e ao mundo; a Professora Maria Dolores López Guzmán, a partir da perspectiva de uma mulher leiga comprometida na Igreja, descreveu-nos a esperança da Vida Religiosa em diálogo com os outros estados de vida, e Fr. Michael Platting, O. Carm., expôs algumas questões e exemplos práticos que a espiritualidade carmelita pode oferecer à Igreja.
3. Nestes dias recordámos como ao longo da nossa história, e com o aval da nossa tradição espiritual, a contemplação não é somente o coração do carisma carmelita, como é também o melhor dom, o tesouro escondido, a pérola preciosa (cf. Mt 13, 44-46) que podemos oferecer ao mundo e à Igreja. É-se contemplativo quando o amor se torna activo. A contemplação é um processo de transformação gradual do falso eu (homem velho) para o eu verdadeiro (homem novo), escondido em Cristo (cf. Col 3, 3), realizado em nós pelo Espírito Santo, até alcançar a união com Deus no amor (cf. RIVC 1). É o amor que transforma as nossas obras, os nossos pensamentos e os nossos sentimentos (cf. Const. 17; RIVC, 23): o amor que procede de Deus e o amor com que servimos a humanidade. É o amor que purifica os nossos pensamentos, cura as nossas feridas, une-nos aos irmãos e às irmãs, alivia-nos no sofrimento, denuncia a injustiça, abre caminhos de reconciliação. Em suma, é o amor que muda e transforma o nosso mundo. Não esqueçamos o que nos recordam os nossos místicos: é o amor que dá valor a todas as obras, e “Deus não olha senão ao amor com que fazeis o que fazeis” (Santa Teresa de Jesus, Exc. 5). A vocação do contemplativo é o amor: “amar e deixar-te amar” (Santa Teresinha de Lisieux, Cta 119).
4. O que é específico da vida religiosa carmelita? Em si mesma a vida religiosa é já uma referência que fala da bondade do Senhor e, de forma visível, oferece ao mundo uma mensagem clara: “só Deus basta” (Santa Teresa de Jesus). Não há que fazer nada de especial para que seja assim mas, simplesmente ser, visto que a “dignidade da vocação religiosa tem um valor intrínseco no seio da Igreja, para além do seu vínculo com qualquer ministério ou serviço” (cf. RIVC 112). A melhor imagem da vida religiosa é a própria pessoa consagrada. A vida consagrada, como refere a LG 44, convida-nos a nós carmelitas a viver a nossa atitude contemplativa imitando “mais de perto” (pressius) aquela forma de vida que o Filho do homem escolheu ao vir ao mundo...”. O termo comparativo pressius, traduzido nas nossas línguas modernas como “mais de perto”, perde a força do termo latino. “Pressius” provém do verbo latino “presso”, que significa “prensar”, “apertar”, “unir muito estreitamento”. A partir desta imagem, a nossa consagração “conforma-nos” mais ao estilo de vida de Jesus de Nazaré. Sabemos melhor quem somos quando entramos em diálogo permanente com os outros estados de vida eclesiais, visto que nenhuma vocação na Igreja esgota a profundidade do mistério de Cristo. “O Carmelo entende a vida segundo os conselhos evangélicos como o modo mais apropriado de caminhar para a plena transformação em Cristo” (RIVC 7, 9, 19c, 25) e “para a liberdade” (RIVC 16). Daqui se conclui que o exercício dos conselhos evangélicos, “mais que uma renúncia” ou meio de perfeccionismo moral “é um meio para crescer no amor e para chegar assim à plenitude da vida em Deus” (RIVC 25). Deste modo convertemo-nos num dom para Deus (“in obsequio Jesu Christi vivere debeat”, Reg. 1) e para todos, fazendo da vida uma entrega.
5. A pergunta que nestes dias colocámos não foi tanto o que esperamos mas o que espera Deus de nós? A nossa esperança e a nossa alegria fundamentam-se em Jesus Cristo, princípio e fim de toda a realidade. O presente, ainda que cheio de fadigas, pode ser vivido com entusiasmo se é orientado para um fim e se esta meta é tão grande que justifique o esforço da caminhada (cf. Spes Salvi 1). A esperança cristã é teologal. O apóstolo S. Paulo recorda-nos que a comunidade de Éfeso estava sem esperança porque vivia neste mundo “sem Deus” (cf. Ef 2, 12). A nossa esperança radica em chegar a conhecer Deus, o Deus verdadeiro (cf. 1Re 18), e a conhecer o Crucificado que ressuscitou (cf. Lc 24, 5-6). De entre as coisas que devemos esperar, ainda que de início não nos seja fácil, está a cruz do Senhor. Somente sendo amigos da cruz do Senhor (cf. Flp 3, 18-19) viveremos felizes e poderemos ser esperança para os débeis. Os nossos santos recordam-nos que a principal causa de não progredir na vida espiritual é que, por vezes, somos inimigos da cruz do Senhor: “haverá muitos que começaram e nunca acabam de acabar. Eu creio que isto acontece porque não se abraça a cruz desde o princípio” (Santa Teresa de Jesus, V, 11, 15). Curiosamente o nosso lema, “Zelo zelatus sum pro Domino Deo exercituum”, não é um grito triunfal do profeta Elias, mas é o início de uma “oração de lamentação”, em que o profeta reconhece a sua impotência e exprime a sua crise e as suas dúvidas, tendo como interlocutor directo o próprio Deus. As nossas pobrezas e as nossas limitações não deveriam ser consideradas como uma desgraça nem motivo de resignação, mas deveriam constituir uma verdadeira escola de transformação e de contemplação. Mais, reconhecer a nossa debilidade é imprescindível para conhecer quem é Deus e para nos deixarmos salvar por Ele (cf. Cor 12, 9). O Deus da revelação, que se manifestou poderoso na criação, quis manifestar-se débil e pequeno na redenção. E só assim é que é nosso Redentor e nossa Esperança.
6. A experiência de Deus vivida em fraternidade impulsiona-nos a fazer nossa “a missão de Cristo”: ser profetas de esperança. O verdadeiro contemplativo é portador da luz de Cristo ressuscitado no meio das noites da humanidade. Há muitos tipos de desertos no meio da noite: o deserto da pobreza e do abandono, o deserto da solidão e do amor quebrado. Existe também o deserto da obscuridade de Deus, o do esquecimento da dignidade do homem. Os desertos exteriores multiplicam-se no mundo porque aumentaram as noites dos desertos interiores. A nossa missão não consiste em esperar passivamente mas em apressar a vinda do Reino de Deus (cf. 2Pe 3, 12). Tudo o que recebemos do nosso carisma carmelita, da história e da espiritualidade, pela própria lógica do dom, não nos pertence, recebemo-lo “para dá-lo”, e “dá-lo do mesmo modo como nos foi dado” (cf. S. João da Cruz, Chama 3, 78). Tudo isto nos foi dado gratuitamente, numa medida bem calcada, sacudida, abundante (cf. Lc 6, 38). Bento XVI, no diálogo que teve com o nosso Prior Geral, Pe. Fernando Millán Romeral, em Agosto de 2010, durante a Peregrinação da Esperança, em Castelgandolfo, recordava-nos: “Vós, carmelitas, sois os que nos ensinais a rezar”. Qualquer apostolado e missão carmelita deve ensinar-nos a não multiplicar orações, transformando as devoções em pura superstição e magia, ou simples coleccionismo, mas a rezar, isto é, a criar uma relação amadurecida com Deus e com os outros. As expressões usadas pelos místicos para falar da relação com Deus são de uma grande frescura e simplicidade e, precisamente por isso, ligam fortemente com o coração de Deus e com as coisas essenciais da vida.
7. Nestes dias recordámos como a prática de viver na presença de Deus (cf. 1Re 17, 1), o mistério de deixar que Deus seja Deus, a redescoberta da espiritualidade da cela, o equilíbrio entre o silêncio e a palavra, a solidão, o “vacare Deo”, a “noite escura”e o nosso estilo de vida mendicante, são fermento que fecunda a Igreja e o nosso mundo e oferecem-nos pistas de reflexão para a nossa vida pastoral. Constatamos que somos ricos em tradição e modelos teológicos mas, talvez, temos necessidade de revitalizar itinerários mistagógicos que, na prática, sirvam para transmitir aos outros a riqueza do Carmelo e a beleza de ter visto o Senhor. O carmelita no meio do mundo está ao serviço do cultivo do jardim de Deus, o Carmelo, criando lugares sagrados e espaços místicos onde Deus possa resplandecer. A nossa pastoral deve levar-nos a recolocar uma série de perguntas:
a). A nossa pregação respeita e pressupõe a maturidade dos fiéis? Limitamo-nos a recomendar o que devem ou não devem fazer?
b). O trabalho pela Justiça e pela Paz brota verdadeiramente da nossa dimensão contemplativa? Somos políticos ou profetas e homens de Deus?
c). Como são as nossas celebrações eucarísticas? São somente um preceito da Igreja e um momento para instruir as pessoas? São um serviço que fazemos a Deus ou é sobretudo um serviço que Deus faz ao seu povo?
d). No acompanhamento espiritual orientamos as pessoas para o perfeccionismo moral ou para a liberdade espiritual?
O carmelita trabalha sem apropriar-se do resultado das suas obras. Deve diminuir para que Deus cresça (cf. Jo 3, 30). Ilumina sem eclipsar a acção de Deus, consciente de que se na missão diminuímos Deus diminuímo-nos a nós mesmos. Não anunciamos ao mundo uma espiritualidade da eficácia, do êxito e da produtividade, mas uma espiritualidade da pequenez evangélica, onde a nossa confiança está sempre posta em Deus.
8. O Beato Tito Brandsma, neste mesmo lugar, em 1935, durante o seu périplo pela América do Norte (Washington, Chicago, Nova Iorque, Allentown, etc.), ficou surpreendido perante o espectáculo das cataratas do Niagara Falls. Escreveu no seu diário: “Estou contemplando as impressionantes cataratas do Niagara. Do alto vejo-as correr. O que mais me surpreende é a maravilhosa combinação das águas. Vejo Deus na obra das suas mãos e os sinais do seu amor em todas as coisas visíveis. Sinto-me invadido por uma alegria transbordante que está por cima de qualquer alegria”. Contudo, o Pe. Tito não reduz a contemplação à mera autocomplacência privada e narcisista, mas sentiu-se solidário com os homens e mulheres do seu tempo. De facto, no seu famoso discurso por ocasião da investidura como Reitor Magnífico da Universidade Católica de Nimega (17 de Outubro de 1932) perguntava-se: “Por que é que a imagem de Deus ficou obscurecida a tal ponto que para muitos já nada lhes diz? Entre as muitas perguntas que coloco a mim mesmo nenhuma me preocupa tanto como a do enigma do porquê de tantas pessoas cultas, orgulhosas e preenchidas pelo progresso se afastam de Deus”. Também nós compartilhamos as dúvidas e preocupações dos homens e das mulheres do nosso tempo.
9. Nós, carmelitas, saudamos Maria, a Mãe de Deus, como a “Estrela do mar”. A vida é como uma viagem no mar da história, no qual Maria indica-nos a rota. Santa Maria, Mãe da Esperança, ensina-nos a acreditar, esperar e amar. Ave Maris Stella, ilumina-nos e guia-nos no nosso caminho.
"O Carmelo é uma riqueza para todas as comunidades cristãs" - João Paulo II.
A Ordem Carmelita é uma Ordem Religiosa Católica de Homens e Mulheres, religiosos e leigos, que, inspirados pelo espírito do Profeta Elias e da Bem-Aventurada Virgem Maria, tentam viver uma vida no seguimento de Jesus Cristo através da Contemplação, Fraternidade e Serviço no meio do povo.
A nossa vocação é a Fraternidade com os homens feita Oração, Trabalho e Eucaristia.
Mensagem Final da Congregação Geral dos Carmelitas
“Qualiter respondendum sit quaerentibus? ”O que responderemos a quem nos pergunte?
A todos os membros da Família Carmelita: Paz e bem no Senhor. “Portanto, assim como recebestes a Cristo Jesus, o Senhor, continuai a caminhar nele, enraizados e edificados nele, firmes na fé, tal como fostes instruídos, transbordando em acção de graças” (Col 2, 6-7). Com estas palavras do apóstolo S. Paulo, proclamadas na Eucaristia do primeiro dia, e pedindo a Deus a sabedoria do Espírito Santo, o Prior Geral, Pe. Fernando Millán Romeral, inaugurou a Congregação Geral de 2011.
1. Entre os dias 5 e 15 de Setembro de 2011 celebrou-se no Mount Carmel Spiritual Center de Niagara Falls a Congregação Geral subordinada ao tema “Qualiter respondendum sit quaerentibus?” (O que responderemos a quem nos pergunte?). Estas são as palavras de abertura da denominada Rubrica prima, que se encontram nas Constituições de 1281, as mais antigas que conservamos. Seguramente este documento pode remontar, de certo modo, a 1247, quando a Ordem ao emigrar para a Europa adoptou um estilo de vida mendicante. A Formula Vitae e a nossa Regra apresentam já uma eclesiologia implícita. Também a Rubrica prima, desde um ponto de vista eclesiológico, era a resposta oficial aos que nos perguntavam acerca da origem da nossa Ordem. A pergunta actual, certamente, não pretende responder acerca de como nascemos e como foram as nossas origens, mas continua a desafiar-nos ao questionar-nos: “quem somos?”, “que fazemos aqui?”(cf. 1Re 19, 10) e “por que fazemos o que fazemos na Igreja?”.
2. Seguindo as orientações do Conselho Geral abordámos a segunda parte da reflexão já iniciada no Capítulo Geral de 2007: In obsequio Jesu Christi. Comunidades orantes e proféticas no mundo em mudança. A primeira parte, “Comunidades orantes e proféticas”, foi tratada no Conselho das Províncias (S. Felice del Benaco, 2009). Durante estes dias, com um critério fundamentalmente eclesiológico, abordámos a segunda parte, “num mundo em mudança”. Para tal, e a partir de diferentes perspectivas, três peritos ajudaram-nos a aprofundar a nossa identidade carmelita: Fr. Richard Rohr, religioso franciscano, apresentou algumas orientações que a Vida Religiosa pode oferecer à Igreja e ao mundo; a Professora Maria Dolores López Guzmán, a partir da perspectiva de uma mulher leiga comprometida na Igreja, descreveu-nos a esperança da Vida Religiosa em diálogo com os outros estados de vida, e Fr. Michael Platting, O. Carm., expôs algumas questões e exemplos práticos que a espiritualidade carmelita pode oferecer à Igreja.
3. Nestes dias recordámos como ao longo da nossa história, e com o aval da nossa tradição espiritual, a contemplação não é somente o coração do carisma carmelita, como é também o melhor dom, o tesouro escondido, a pérola preciosa (cf. Mt 13, 44-46) que podemos oferecer ao mundo e à Igreja. É-se contemplativo quando o amor se torna activo. A contemplação é um processo de transformação gradual do falso eu (homem velho) para o eu verdadeiro (homem novo), escondido em Cristo (cf. Col 3, 3), realizado em nós pelo Espírito Santo, até alcançar a união com Deus no amor (cf. RIVC 1). É o amor que transforma as nossas obras, os nossos pensamentos e os nossos sentimentos (cf. Const. 17; RIVC, 23): o amor que procede de Deus e o amor com que servimos a humanidade. É o amor que purifica os nossos pensamentos, cura as nossas feridas, une-nos aos irmãos e às irmãs, alivia-nos no sofrimento, denuncia a injustiça, abre caminhos de reconciliação. Em suma, é o amor que muda e transforma o nosso mundo. Não esqueçamos o que nos recordam os nossos místicos: é o amor que dá valor a todas as obras, e “Deus não olha senão ao amor com que fazeis o que fazeis” (Santa Teresa de Jesus, Exc. 5). A vocação do contemplativo é o amor: “amar e deixar-te amar” (Santa Teresinha de Lisieux, Cta 119).
4. O que é específico da vida religiosa carmelita? Em si mesma a vida religiosa é já uma referência que fala da bondade do Senhor e, de forma visível, oferece ao mundo uma mensagem clara: “só Deus basta” (Santa Teresa de Jesus). Não há que fazer nada de especial para que seja assim mas, simplesmente ser, visto que a “dignidade da vocação religiosa tem um valor intrínseco no seio da Igreja, para além do seu vínculo com qualquer ministério ou serviço” (cf. RIVC 112). A melhor imagem da vida religiosa é a própria pessoa consagrada. A vida consagrada, como refere a LG 44, convida-nos a nós carmelitas a viver a nossa atitude contemplativa imitando “mais de perto” (pressius) aquela forma de vida que o Filho do homem escolheu ao vir ao mundo...”. O termo comparativo pressius, traduzido nas nossas línguas modernas como “mais de perto”, perde a força do termo latino. “Pressius” provém do verbo latino “presso”, que significa “prensar”, “apertar”, “unir muito estreitamento”. A partir desta imagem, a nossa consagração “conforma-nos” mais ao estilo de vida de Jesus de Nazaré. Sabemos melhor quem somos quando entramos em diálogo permanente com os outros estados de vida eclesiais, visto que nenhuma vocação na Igreja esgota a profundidade do mistério de Cristo. “O Carmelo entende a vida segundo os conselhos evangélicos como o modo mais apropriado de caminhar para a plena transformação em Cristo” (RIVC 7, 9, 19c, 25) e “para a liberdade” (RIVC 16). Daqui se conclui que o exercício dos conselhos evangélicos, “mais que uma renúncia” ou meio de perfeccionismo moral “é um meio para crescer no amor e para chegar assim à plenitude da vida em Deus” (RIVC 25). Deste modo convertemo-nos num dom para Deus (“in obsequio Jesu Christi vivere debeat”, Reg. 1) e para todos, fazendo da vida uma entrega.
5. A pergunta que nestes dias colocámos não foi tanto o que esperamos mas o que espera Deus de nós? A nossa esperança e a nossa alegria fundamentam-se em Jesus Cristo, princípio e fim de toda a realidade. O presente, ainda que cheio de fadigas, pode ser vivido com entusiasmo se é orientado para um fim e se esta meta é tão grande que justifique o esforço da caminhada (cf. Spes Salvi 1). A esperança cristã é teologal. O apóstolo S. Paulo recorda-nos que a comunidade de Éfeso estava sem esperança porque vivia neste mundo “sem Deus” (cf. Ef 2, 12). A nossa esperança radica em chegar a conhecer Deus, o Deus verdadeiro (cf. 1Re 18), e a conhecer o Crucificado que ressuscitou (cf. Lc 24, 5-6). De entre as coisas que devemos esperar, ainda que de início não nos seja fácil, está a cruz do Senhor. Somente sendo amigos da cruz do Senhor (cf. Flp 3, 18-19) viveremos felizes e poderemos ser esperança para os débeis. Os nossos santos recordam-nos que a principal causa de não progredir na vida espiritual é que, por vezes, somos inimigos da cruz do Senhor: “haverá muitos que começaram e nunca acabam de acabar. Eu creio que isto acontece porque não se abraça a cruz desde o princípio” (Santa Teresa de Jesus, V, 11, 15). Curiosamente o nosso lema, “Zelo zelatus sum pro Domino Deo exercituum”, não é um grito triunfal do profeta Elias, mas é o início de uma “oração de lamentação”, em que o profeta reconhece a sua impotência e exprime a sua crise e as suas dúvidas, tendo como interlocutor directo o próprio Deus. As nossas pobrezas e as nossas limitações não deveriam ser consideradas como uma desgraça nem motivo de resignação, mas deveriam constituir uma verdadeira escola de transformação e de contemplação. Mais, reconhecer a nossa debilidade é imprescindível para conhecer quem é Deus e para nos deixarmos salvar por Ele (cf. Cor 12, 9). O Deus da revelação, que se manifestou poderoso na criação, quis manifestar-se débil e pequeno na redenção. E só assim é que é nosso Redentor e nossa Esperança.
6. A experiência de Deus vivida em fraternidade impulsiona-nos a fazer nossa “a missão de Cristo”: ser profetas de esperança. O verdadeiro contemplativo é portador da luz de Cristo ressuscitado no meio das noites da humanidade. Há muitos tipos de desertos no meio da noite: o deserto da pobreza e do abandono, o deserto da solidão e do amor quebrado. Existe também o deserto da obscuridade de Deus, o do esquecimento da dignidade do homem. Os desertos exteriores multiplicam-se no mundo porque aumentaram as noites dos desertos interiores. A nossa missão não consiste em esperar passivamente mas em apressar a vinda do Reino de Deus (cf. 2Pe 3, 12). Tudo o que recebemos do nosso carisma carmelita, da história e da espiritualidade, pela própria lógica do dom, não nos pertence, recebemo-lo “para dá-lo”, e “dá-lo do mesmo modo como nos foi dado” (cf. S. João da Cruz, Chama 3, 78). Tudo isto nos foi dado gratuitamente, numa medida bem calcada, sacudida, abundante (cf. Lc 6, 38). Bento XVI, no diálogo que teve com o nosso Prior Geral, Pe. Fernando Millán Romeral, em Agosto de 2010, durante a Peregrinação da Esperança, em Castelgandolfo, recordava-nos: “Vós, carmelitas, sois os que nos ensinais a rezar”. Qualquer apostolado e missão carmelita deve ensinar-nos a não multiplicar orações, transformando as devoções em pura superstição e magia, ou simples coleccionismo, mas a rezar, isto é, a criar uma relação amadurecida com Deus e com os outros. As expressões usadas pelos místicos para falar da relação com Deus são de uma grande frescura e simplicidade e, precisamente por isso, ligam fortemente com o coração de Deus e com as coisas essenciais da vida.
7. Nestes dias recordámos como a prática de viver na presença de Deus (cf. 1Re 17, 1), o mistério de deixar que Deus seja Deus, a redescoberta da espiritualidade da cela, o equilíbrio entre o silêncio e a palavra, a solidão, o “vacare Deo”, a “noite escura”e o nosso estilo de vida mendicante, são fermento que fecunda a Igreja e o nosso mundo e oferecem-nos pistas de reflexão para a nossa vida pastoral. Constatamos que somos ricos em tradição e modelos teológicos mas, talvez, temos necessidade de revitalizar itinerários mistagógicos que, na prática, sirvam para transmitir aos outros a riqueza do Carmelo e a beleza de ter visto o Senhor. O carmelita no meio do mundo está ao serviço do cultivo do jardim de Deus, o Carmelo, criando lugares sagrados e espaços místicos onde Deus possa resplandecer. A nossa pastoral deve levar-nos a recolocar uma série de perguntas:
a). A nossa pregação respeita e pressupõe a maturidade dos fiéis? Limitamo-nos a recomendar o que devem ou não devem fazer?
b). O trabalho pela Justiça e pela Paz brota verdadeiramente da nossa dimensão contemplativa? Somos políticos ou profetas e homens de Deus?
c). Como são as nossas celebrações eucarísticas? São somente um preceito da Igreja e um momento para instruir as pessoas? São um serviço que fazemos a Deus ou é sobretudo um serviço que Deus faz ao seu povo?
d). No acompanhamento espiritual orientamos as pessoas para o perfeccionismo moral ou para a liberdade espiritual?
O carmelita trabalha sem apropriar-se do resultado das suas obras. Deve diminuir para que Deus cresça (cf. Jo 3, 30). Ilumina sem eclipsar a acção de Deus, consciente de que se na missão diminuímos Deus diminuímo-nos a nós mesmos. Não anunciamos ao mundo uma espiritualidade da eficácia, do êxito e da produtividade, mas uma espiritualidade da pequenez evangélica, onde a nossa confiança está sempre posta em Deus.
8. O Beato Tito Brandsma, neste mesmo lugar, em 1935, durante o seu périplo pela América do Norte (Washington, Chicago, Nova Iorque, Allentown, etc.), ficou surpreendido perante o espectáculo das cataratas do Niagara Falls. Escreveu no seu diário: “Estou contemplando as impressionantes cataratas do Niagara. Do alto vejo-as correr. O que mais me surpreende é a maravilhosa combinação das águas. Vejo Deus na obra das suas mãos e os sinais do seu amor em todas as coisas visíveis. Sinto-me invadido por uma alegria transbordante que está por cima de qualquer alegria”. Contudo, o Pe. Tito não reduz a contemplação à mera autocomplacência privada e narcisista, mas sentiu-se solidário com os homens e mulheres do seu tempo. De facto, no seu famoso discurso por ocasião da investidura como Reitor Magnífico da Universidade Católica de Nimega (17 de Outubro de 1932) perguntava-se: “Por que é que a imagem de Deus ficou obscurecida a tal ponto que para muitos já nada lhes diz? Entre as muitas perguntas que coloco a mim mesmo nenhuma me preocupa tanto como a do enigma do porquê de tantas pessoas cultas, orgulhosas e preenchidas pelo progresso se afastam de Deus”. Também nós compartilhamos as dúvidas e preocupações dos homens e das mulheres do nosso tempo.
9. Nós, carmelitas, saudamos Maria, a Mãe de Deus, como a “Estrela do mar”. A vida é como uma viagem no mar da história, no qual Maria indica-nos a rota. Santa Maria, Mãe da Esperança, ensina-nos a acreditar, esperar e amar. Ave Maris Stella, ilumina-nos e guia-nos no nosso caminho.
Niagara Falls (Canadá), 15 de Setembro de 2011
Memória de Nossa Senhora das Dores