Senhora, levai-me ao vosso Santo Monte
e alegrai-me em vossa casa de oração.
Conduzi-me, Virgem Maria,
à Terra do Carmelo, para que eu possa
comer de seus melhores frutos.
NOSSA SENHORA DESCEU DO MONTE
Fr. Patrício Sciadini (Cairo - Egito) - Julho de
2010
Em 16 de julho temos uma festa que nós,
brasileiros, sentimos muitíssimo, Nossa Senhora do Carmo, do bentinho
sagrado que temos recebido quem sabe
quando criança e que tanto fala ao nosso
coração. O bentinho, o escapulário, sinal da bênção de Maria, de sua
proteção materna que caminha conosco e
que nos faz sentir que jamais seremos sozinhos para enfrentar as lutas da vida.
Há momentos em que a presença da mãe se
faz mais exigente, mais forte e mais urgente, como no mundo contemporâneo. É
triste que desapareça um pouco a figura do pai, muito ocupado em tantas coisas,
distraído em correr de um lado e de outro e que não tem tempo para parar, para
escutar o grito dos filhos, ou contar o conto do velho que ia no mato procurar lenha e encontrou um
pobre, e quando ajudou o pobre, caiu uma
lágrima e a lágrima se transformou em tesouro. Hoje os tesouros não se
encontram mais nos bosques mas sim no fundo do mar, o petróleo tão precioso que está contaminando as nossas
águas, ou no ventre da terra e a
ganância nos faz romper o útero da terra na busca da não vida que é o ouro. É
preciso que os pais recuperem a sua
dimensão de ternura como o pai de santa Teresinha, que chamava a sua filhinha de “minha
princesa”, e ela, comovida, chamava o seu pai de “meu rei”.
Mas a pessoa da mãe está sempre
mais presente. Agora as mulheres se
deram conta de que babá não pode educar filhos e nem transmitir o amor materno,
não podem substituir, que ventre de “aluguel” nunca será verdadeira
maternidade. É o momento tão grande para o mundo que só as mulheres, mães, esposas, poderão
ajudar a ser diferente. Mas alguém já poderá se perguntar: mas que tem a ver
tudo isto com a festa de Nossa Senhora do Carmo?
Maria, mãe de Jesus e nossa, nos
ensina novos rumos, novos caminhos para não nos perdermos na floresta dos
interesses egoístas e nem sermos obcecados pelo dinheiro e pelo bem
estar econômico. Ela nos ensina que o
consumismo só tem uma finalidade,
esvaziar o nosso interior e tornar-nos ocos. Maria, mãe de Jesus, nos toma pela mão e nos indica o rumo para fonte
da verdade, da vida e do amor.
Nestes dias fiz um sonho. Era já
o amanhecer. Sonhei que estava no monte Carmelo, nunca fui lá e pode ser que
nunca irei. Gostei, um monte não grande.
Havia uma capelinha dedicada a Nossa Senhora do Carmo. Entrei e lá estava uma
estátua de nossa Senhora, sentada num grande trono com o menino Jesus nos
braços, estreitando-o ao coração. Rezei, pensei, cantei uma Salve Regina, me
maravilhei de que Maria me sorrisse, porque ninguém pode sorrir ao meu canto a
não ser por desprezo, porque sou desentoado, mas o sorriso de Maria era de
aprovação e então me animei e cantei outra vez. Quando estava para ir embora
Maria me olhou e me disse: “Abuna Patrik, leve-me com você, não quero mais
ficar sozinha em cima deste monte, me leve à sua casa, e onde você for eu rei
ao seu lado.” Resisti, mas não teve jeito, fui obrigado a levá-la comigo.
E fomos. Este sonho me ensinou tantas
coisas.
MARIA ME
ENSINOU A PARAR PARA ESCUTAR
Maria me ensinou que não se pode
correr de um lado a outro. Devemos ter pressa como ela para levar o alívio a
todos os que sofrem, ajudar, não sermos preguiçosos quando alguém nos estende a
mão pedindo ajuda. Aliás para quem ama
não é necessário que o outro peça
ajuda. Quem ama ajuda sempre. Mas é necessário parar para escutar, abrir o
nosso coração a todos para que todos
possam entrar em nós, sentar, ficar à vontade e contarmos nossos sofrimentos.
Maria me ensinou que hoje as pessoas são
cada vez mais “panelas de pressão”, sofrem e sofrem e sofrem e não têm
ninguém para desabafar, para derramar as lágrimas, para colocar as próprias
mágoas. Maria me levou por tantos
lugares sofridos, eu queria correr, me fazia medo a pobreza, a miséria. Não conseguia olhar crianças buscando comida nos
lixeiros, nem podia parar para
olhar pessoas enfermas, doentes que não
tendo ninguém se arrastavam esperando a morte. Maria me pegou pelo braço
e me obrigou a parar para escutar. Compreendi que quando se corre é porque
temos medo de nós mesmos, dos outros e de Deus. E correndo achamos que tudo se
esvaiu como neblina ao surgir do sol. Correr é pura covardia. Maria me ensinou
que o seu lugar é o mundo, é ser caminheira e parar em todos os lugares para escutar de onde vêm
as vozes de socorro e correr para ajudar. Silenciosamente, no anonimato, sem os
holofotes da imprensa e sem construir nem hospitais, nem igrejas, nem
dispensários. Mas só ajudar, sorrir enxugar as lágrimas e ir em frente, sempre
em frente, mas sem correr.
MARIA ME
ENSINOU A REZAR E CONTEMPLAR
SEMPRE a oração foi para mim uma meta, um ideal. Pode ser que
nunca tenha conseguido rezar direito e como diz Santa Teresa nunca chegue à
contemplação, que a minha oração não passe de um “pai nosso e ave Maria” e nada mais. Maria me ensinou no sonho a
rezar, me fez compreender que a oração não é estar horas a fio olhando para o
céu, mas que lembrasse que depois da
ascensão ao céu de Jesus vieram anjos para dizer as apóstolos e a ela, que
voltassem para Jerusalém. Que não ficassem olhando para o céu somente, mas que olhassem também para a
terra. Maria me mostrou claramente que rezar é viver com intensidade, com
trabalho, com empenho o que está ao nosso alcance e que nunca nos desanimemos
por nada. Me ensinou que rezar é enxergar no rosto desfigurado de tantos nossos
irmãos o rosto desfigurado de Cristo, a imagem desfigurada
do Pai. Não há política que engane. O rosto de Deus não se pode medir pela
fome, pela velhice, pela dor, mas se mede pela transparência fulgurante da
beleza do amor que se vive.
Maria me ensinou a não ter medo,
mas caminhar corajosamente aonde agora
Deus me colocou, num povo novo, numa terra nova, o Egito, numa língua nova que
provavelmente a minha língua nunca conseguirá decifrar, mas que posso
falar e me fazer compreender com gestos
de simplicidade, de amor, com sorriso sincero e com transparência de agir.
Maria me fez compreender que o lugar de
quem quer ser de Cristo não é nem aqui e nem aí, mas em todos os lugares. Onde
houver uma ou duas pessoas, Deus está.
Sim, Maria me ensinou também a subir de vez em quando o monte
Carmelo, mas não para ficar lá, só para entrar em comunhão de escuta da voz de
Deus e depois sempre descer. Aliás, o subir e descer da transfiguração de Jesus
é este movimento entre ação e contemplação. Comecei a repetir alguns versículos
da bíblia do Magnificat, comecei a cantarolar palavras bíblicas que me fizeram
sentir uma grande paz interior. Parece que era outro, que agora podia ter a certeza da vitalidade da minha
oração, na medida em que sabia servir a todos, sem fazer distinção de pessoas.
A minha oração e contemplação se descomplicou... agora continuo a não saber
rezar, a não buscar mais coisas grandes,
mas só a dizer a Deus com a palavra simples de uma criança que não quer
crescer, que o amo.
MARIA ME
ENSINOU A AMAR
MARIA me olhou com um olhar meigo e viu que estava
cansado, com olheiras fundas, como diz minha mãe Domênica. Sentei-me numa pedra
que me pareceu a poltrona mais confortável de Nova York. Maria me deixou
descansar serenamente e cantou para mim uma canção que depois descobri que era
o Salmo 130:
- Senhor, meu coração não é
orgulhoso,
nem se eleva arrogante o meu
olhar;
-não ando à procura de
grandezas,
nem tenho pretensões ambiciosas!
- Fiz calar e sossegar a minha alma;
ela esta em grande paz dentro de
mim,
- como a criança bem tranqüila,
amamentada
no regaço acolhedor de sua mãe.
- Confia no Senhor, ó Israel,
desde agora e por toda a
eternidade!
Depois ela me convidou a continuar o caminho. E me
perguntou: sabe você o que é o amor? A primeira palavra que veio na minha boca
foi dizer que sim, que já tinha experimentado o amor, que sabia de cor algumas
passagens da bíblia, mas depois preferi
responder que não sabia e que ela me dissesse.
O amor é silêncio, não
necessita de palavras;
O amor é dar espaço ao
outro;
O amor é ir aonde
ninguém quer ir;
O amor é servir a quem
ninguém quer servir;
O amor é não rejeitar
ninguém;
O amor é partir sem
saber para onde;
O amor é dar a vida toda
sem reservas;
O amor é coragem de dizer
não ao mal;
O amor é sangue que se
derrama;
O amor é vida, verdade,
caminho;
O amor é amor...
SABE-SE O QUE É,
Mesmo quando se
preferiria não saber...
Amar é não perguntar, é
só amar.
Acordei-me e
vi que estava sozinho, mas tinha o rosto sereno, com o perfume do beijo de
Maria, minha Mãe. Ela tinha voltado para o monte Carmelo, mas voltaria logo ao
meu lado e ao lado de todos para caminhar conosco.
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