São
Luís Maria Grignion de Montfort, presbítero
Bta
Maria Felícia de Jesus Sacramentado, virgem de nossa Ordem
Santa Gianna Beretta Molla, mãe de família
1ª
Leitura (At 9,26-31): Naqueles dias, Saulo chegou a Jerusalém e
procurava juntar-se aos discípulos. Mas todos o temiam, por não acreditarem que
fosse discípulo. Então, Barnabé tomou-o consigo, levou-o aos Apóstolos e
contou-lhes como Saulo, no caminho, tinha visto o Senhor, que lhe tinha falado,
e como em Damasco tinha pregado com firmeza em nome de Jesus. A partir desse
dia, Saulo ficou com eles em Jerusalém e falava com firmeza no nome do Senhor.
Conversava e discutia também com os helenistas, mas estes procuravam dar-lhe a
morte. Ao saberem disto, os irmãos levaram-no para Cesareia e fizeram-no seguir
para Tarso. Entretanto, a Igreja gozava de paz por toda a Judeia, Galileia e
Samaria, edificando-se e vivendo no temor do Senhor e ia crescendo com a
assistência do Espírito Santo.
Salmo
Responsorial: 21
R. Eu Vos louvo, Senhor, na
assembleia dos justos.
Cumprirei a minha promessa na
presença dos vossos fiéis. Os pobres hão de comer e serão saciados, louvarão o
Senhor os que O procuram: vivam para sempre os seus corações.
Hão de lembrar-se do Senhor e
converter-se a Ele todos os confins da terra; e diante d’Ele virão prostrar-se
todas as famílias das nações.
Só a Ele hão de adorar todos os
grandes do mundo, diante d’Ele se hão de prostrar todos os que descem ao pó da
terra.
Para Ele viverá a minha alma,
há-de servi-lo a minha descendência. Falar-se-á do Senhor às gerações vindouras
e a sua justiça será revelada ao povo que há-de vir: «Eis o que fez o Senhor».
2ª
Leitura (1Jo 3,18-24): Meus filhos, não amemos com palavras e com a
língua, mas com obras e em verdade. Deste modo saberemos que somos da verdade e
tranquilizaremos o nosso coração diante de Deus; porque, se o nosso coração nos
acusar, Deus é maior que o nosso coração e conhece todas as coisas. Caríssimos,
se o coração não nos acusa, tenhamos confiança diante de Deus e receberemos
d’Ele tudo o que Lhe pedirmos, porque cumprimos os seus mandamentos e fazemos o
que Lhe é agradável. É este o seu mandamento: acreditar no nome de seu Filho,
Jesus Cristo, e amar-nos uns aos outros, como Ele nos mandou. Quem observa os
seus mandamentos permanece em Deus e Deus nele. E sabemos que permanece em nós
pelo Espírito que nos concedeu.
Aleluia. Diz o Senhor:
«Permanecei em Mim e Eu permanecerei em vós; quem permanece em Mim dá muito
fruto». Aleluia.
Evangelho
(Jo 15,1-8): «Eu sou a videira verdadeira e meu Pai é o agricultor. Todo
ramo que não dá fruto em mim, ele corta; e todo ramo que dá fruto, ele limpa,
para que dê mais fruto ainda. Vós já estais limpos por causa da palavra que vos
falei. Permanecei em mim, e eu permanecerei em vós. Como o ramo não pode dar
fruto por si mesmo, se não permanecer na videira, assim também vós não podereis
dar fruto se não permanecerdes em mim. Eu sou a videira e vós, os ramos. Aquele
que permanece em mim, como eu nele, esse dá muito fruto; pois sem mim, nada
podeis fazer. Quem não permanecer em mim será lançado fora, como um ramo, e
secará. Tais ramos são apanhados, lançados ao fogo e queimados. Se
permanecerdes em mim, e minhas palavras permanecerem em vós, pedi o que
quiserdes, e vos será dado. Nisto meu Pai é glorificado: que deis muito fruto e
vos torneis meus discípulos».
«Nisto meu Pai é glorificado:
que deis muito fruto»
Rev. D. Joan MARQUÉS i Suriñach (Vilamarí,
Girona, Espanha)
Hoje, o Evangelho apresenta-nos a
alegoria da videira e os ramos. Cristo é a verdadeira videira, nós somos os
ramos e o Pai o agricultor.
O Pai pretende que demos fruto. É
logico. Um agricultor semeia a videira e a cultiva para que produza fruto
abundante. Se criarmos uma empresa, vamos querer que produza. Jesus insiste:
«Fui eu que vos escolhi e vos designei, para dardes fruto» (Jo 15,16).
És um escolhido. Deus te olhou.
Pelo Batismo te enxertou na videira que é Cristo. Tu tens a vida de Cristo, a
vida cristã. Possuis o elemento principal para dar fruto: a união com Cristo,
porque «o ramo não pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer na videira»
(Jo 15,4). Jesus o disse taxativamente: «sem mim, nada podeis fazer» (Jo 15,5).
«Sua força é suavidade; nada tão brando como isto, e nada como isto tão firme»
(São Francisco de Sales). Quantas coisas quiseste fazer afastado de Cristo? O
fruto que o Pai espera de nós é aquele das boas obras, da prática das virtudes.
Qual é a união com Cristo que nos faz capazes de dar este fruto? A fé e a
caridade, ou seja, permanecer em graça de Deus.
Quando vives em graça, todos os
atos de virtude são frutos agradáveis ao Pai. São obras que Jesus Cristo faz
através de ti. São obras de Cristo que dão glória ao Pai e convertem-se em céu
para ti. Vale a pena viver sempre em graça de Deus! «Quem não permanecer em mim
[pelo pecado] será lançado fora, como um ramo, e secará; depois (…) são
lançados ao fogo e queimados» (Jo 15,6). É uma clara alusão ao inferno. Eres
como um ramo cheio de vida?
Que a Virgem Maria nos ajude a
aumentar a graça para produzirmos frutos em abundância que deem glória ao Pai.
Pensamentos para o Evangelho
de hoje
«Tornar-se semelhante a Deus não
é obra nossa, nem fruto do poder humano, é obra da generosidade de Deus, que
desde a sua origem ofereceu à nossa natureza a graça da semelhança com Ele»
(São Gregório de Nisa)
«A videira, como atributo
cristológico, significa a união indissolúvel de Jesus com os seus» (Bento XVI)
«Sendo Cristo, enviado do Pai, a
fonte e a origem de todo o apostolado da Igreja, é evidente que a fecundidade
do apostolado (…) depende da sua união vital com Cristo. Segundo as vocações,
(…) o apostolado toma as formas mais diversas. Mas é sempre a caridade (…) a
alma de todo o apostolado» (Catecismo da Igreja Católica, nº 864)
“Eu sou a videira verdadeira e
o meu Pai é o agricultor.”
Do site da Ordem do Carmo em
Portugal
* Estes poucos versículos
fazem parte do grande discurso de Jesus aos seus discípulos no momento íntimo
da Última Ceia e começa com o versículo 3 do capítulo 13 prolongando-se até ao
fim do capítulo 17. Trata-se de uma unidade muito estreita, profunda e indissolúvel,
que não tem par nos outros evangelhos e que recapitula em si toda a revelação
de Jesus na vida divina e no mistério da Santíssima Trindade; é o texto que diz
o que nenhum outro texto da Sagrada Escritura é capaz de dizer em relação à
vida cristã, à sua força, aos seus deveres, às suas alegrias e dores, às suas
esperanças e à sua luta neste mundo e na Igreja. São poucos versículos, mas
transbordam de amor, daquele amor até ao fim, que Jesus decidiu viver com os
seus, conosco, hoje e sempre. Pela força deste amor, como supremo e definitivo
gesto de ternura infinita, que sintetiza em si todos os outros gestos de amor,
o Senhor deixa aos seus uma presença nova, um modo novo de existir: através da
parábola da vide e dos seus sarmentos e através do maravilhoso verbo
permanecer, muitas vezes repetido, Jesus dá início a esta história nova com
cada um de nós, que se chama inabitação. Ele não pode ficar junto de nós porque
volta para o Pai, mas permanece dentro de nós.
Para ajudar na leitura da
passagem
vv. 1-3: Jesus revela-se a
si mesmo como a verdadeira vide, que produz bons frutos, óptimo vinho para o
seu Pai, que é o agricultor, e revela-nos a nós, seus discípulos, como
sarmentos, que têm necessidade de permanecer unidos à vide para não morrer e
dar fruto. A poda, que o Pai realiza sobre os sarmentos através da espada da
sua Palavra, é uma purificação, um gozo, um canto.
vv. 4-6: Jesus assinala
aos seus discípulos o segredo para que possam continuar a viver esta relação
íntima com Ele: é permanecer. Como Ele entra dentro deles e permanece neles e
nunca mais fica fora, assim também eles devem permanecer n'Ele, dentro d'Ele;
este é o único modo para ser plenamente consolados, para poder resistir no
caminho da vida e para poder dar o bom fruto, que é o amor.
v. 7: Jesus, uma vez mais,
deixa no coração dos seus, o dom da oração, a pérola preciosíssima, única, e
explica-nos que permanecendo n'Ele, poderemos aprender a verdadeira oração, a
que pede com insistência o dom do Espírito Santo e que sabe que será escutada.
v. 8: Jesus chama-nos uma
vez mais a Ele, pede-nos que o sigamos, para nos tornarmos e ser sempre seus
discípulos. O permanecer faz nascer a missão, o dom da vida pelo Pai e pelos
irmãos; se permanecermos verdadeiramente em Jesus, permaneceremos também no meio
dos irmãos, como dom e como serviço. Esta é a glória do Pai.
Algumas perguntas
a)
“Eu sou”: é muito belo que a passagem comece com esta afirmação, que é como um
canto de alegria, de vitória do Senhor, que Ele gosta de cantar continuamente
dentro da vida de cada um de nós. “Eu sou”: e repete-o ao infinito, cada manhã,
cada tarde, quando chega a noite, enquanto dormimos e mesmo quando d'Ele não
nos lembramos. Ele vive em função de nós: existe para seu Pai, por nós e para
nós. Repouso sobre estas palavras e não só as escuto, mas faço-as chegar dentro
de mim, à minha mente, ao mais recôndito da minha memória, ao meu coração, a
todos os meus sentimentos e retenho-as para ruminá-las e absorver aquele seu
Ser no meu ser. Nesta Palavra, eu compreendo que não existo se não existir
n’Ele e que não me posso tornar coisa alguma a não ser que permaneça no ser de
Jesus. Procuro descer ao mais profundo do meu ser, vencendo os medos,
atravessando toda a obscuridade que possa encontrar e recolho aquela parte do
meu ser, do meu eu, que sinto sem vida. Tomo-a nas minhas mãos e levo-a a
Jesus, entrego-a ao seu “Eu sou”.
b)
A vide traz-me à mente o vinho, esse fruto tão bom e precioso, faz-me pensar na
aliança que Jesus realiza conosco, nova e eterna, aliança de amor, que nada nem
ninguém poderá romper. Estou disposto a permanecer dentro deste abraço, dentro
deste sim contínuo da minha vida, que se deixa entrelaçar com a sua? Levantarei
também eu, como o salmista, o cálice da aliança, invocando o nome do Senhor e
dizendo-lhe que sim, que o amo?
c)
Jesus chama a seu Pai “agricultor” ou “vinhateiro”, utilizando um termo muito
belo que leva dentro de si toda a força do amor de quem se dedica ao cultivo da
terra; expressa um curvar-se sobre a terra, um acercar-se do corpo e do ser, um
contacto prolongado, um intercâmbio vital. O Pai faz exatamente isto conosco.
São Paulo diz: “O agricultor, que se afadiga, deve ser o primeiro a recolher os
frutos da terra” (2Tim 2, 6) e São Tiago recorda-nos que “o agricultor espera
pacientemente os frutos da terra (Tg 5, 7). Desiludirei, eu terra, a esperança
do Pai que me cultiva cada dia, cavando a terra, limpando-me das pedras,
colocando bom fertilizante e construindo uma vala em redor, para que eu
permaneça protegido? A quem entrego os frutos da minha existência? Para que
existo eu, para quem decido e escolho o viver de cada dia, de cada manhã,
quando me levanto?
d)
Sigo com atenção o texto e sublinho dois verbos, que se repetem com muita
frequência: “dar fruto” e “permanecer”; entendo que estas duas realidades são
símbolo da mesma vida e estão
entrelaçadas, uma depende da outra. Somente permanecendo é possível dar
fruto e, na realidade, o único e verdadeiro fruto que nós, seus discípulos,
podemos dar neste mundo é precisamente o permanecer. Onde permaneço eu, em cada
dia, durante todo o dia? Com quem permaneço? Jesus une sempre este verbo a esta
partícula estupenda, gigantesca: “em Mim”. Confronto-me com estas duas
palavras: eu estou “em”, ou seja, estou dentro, vivo no mais profundo, escavo
para buscar o Senhor, como se escava para fazer um poço (cf. Gen 26, 18) ou
para procurar um tesouro (cf. Prov 2, 4), ou antes, estou fora, sempre disperso
nas diversas superfícies deste mundo, longe o mais possível da intimidade, da
relação e do contacto com o Senhor?
e) Por duas vezes Jesus coloca-nos diante da
realidade da sua Palavra que nos mostra que é ela que nos torna puros e nos
abre o caminho da oração verdadeira. A Palavra é-nos anunciada e se nos dá como
presença permanente em nós. Também ela, na verdade, tem a capacidade de
permanecer, de construir a sua casa no nosso coração. Devo perguntar-me: que
ouvidos tenho eu para escutar este anúncio de salvação e de bem, que o Senhor
me envia através da sua Palavra? Deixo espaço à escuta, a esta escuta profunda,
da qual toda a Sagrada Escritura me fala continuamente na Lei, nos Profetas,
nos Salmos, nos Escritos apostólicos? Deixo-me encontrar e alcançar até ao
coração pela Palavra do Senhor na oração, ou prefiro fiar-me de outras
palavras, mais suaves, mais humanas, semelhantes às minhas? Tenho medo da voz
do Senhor, que me fala urgentemente e sempre?
* Como sarmento, procuro o
modo de estar sempre mais enxertado na minha Vide, que é o Senhor Jesus.
Bebo, neste momento, da sua Palavra, da sua seiva boa, procurando penetrar mais
em profundidade para absorver o alimento escondido, que me dá a verdadeira
vida. Estou atento às palavras, aos verbos, às expressões que Jesus usa e que
me enviam para outras passagens das divinas Escrituras e deixo-me, deste modo,
purificar.
* O encontro com Jesus, o “Eu
Sou”. Esta passagem apresenta-nos um dos textos em que aparece esta
expressão tão forte, que o Senhor nos envia para revelar-se a si mesmo. É muito
belo fazer um longo passeio pela Escritura à procura de outros textos como
este, em que a voz do Senhor nos fala assim diretamente dele, da sua essência
mais profunda. Quando o Senhor diz e repete até ao infinito, de mil maneiras,
de mil formas diferentes “Eu Sou”, não o faz para nos rebaixar ou humilhar, mas
para reforçar fortemente o seu amor transbordante por nós, que deseja fazer-nos
participar e viver dessa mesma vida que lhe pertence. Se diz “Eu Sou”, é para
dizer também: “Tu És”, e dizê-lo a cada um de nós, a todo o seu filho e filha
que vem a este mundo. É uma transmissão fecunda e ininterrupta de ser, de
essência, e eu não quero deixá-la cair no vazio, mas quero acolhê-la e
recolhê-la dentro de mim. Sigo, pois, as pegada luminosa do “Eu Sou” e procuro
parar a cada passo. “Eu sou o teu escudo” (Gen 15, 1), “Eu sou o Deus de Abraão
teu pai” (Gen 24, 26, “Eu sou o Senhor, que te livrou e te livrará do Egipto”
(Ex 6, 6), e de qualquer faraó, que atente contra a vossa vida, “Eu sou o que
te cura” (Ex 15, 26). Deixo-me envolver pela luz e pela força destas palavras,
que realizam o milagre do que dizem: realizam-no hoje também, precisamente para
mim, nesta lectio. Continuo e leio no livro do Levítico, pelo menos 50 vezes,
esta afirmação de salvação: “Eu sou o Senhor” e creio nesta palavra e adiro a
ela com todo o meu ser e com o meu coração digo: “Sim, na verdade o Senhor é o
meu Senhor, fora dele não há outro”. Noto que a Escritura aprofunda cada vez
mais, à medida que o caminho avança, também ela avança dentro de mim e
conduz-me a uma relação sempre mais intensa com o Senhor; o livro dos Números
começa por dizer: “Eu sou o Senhor que moro no meio dos Israelitas” (Num 35,
34). “Eu sou” é o que está presente, aquele que não se afasta, que não vira as
costas e se vai; é aquele que de perto cuida de nós, desde dentro, como só Ele
pode fazê-lo: leio Isaías e recebo vida: 41, 10; 43, 3; 45, 6, etc.
* O santo Evangelho é uma
explosão de ser, de presença, de salvação; percorro-o deixando-me guiar
sobretudo por João: 6, 48; 8, 12; 10, 9.11; 11, 15; 14, 6; 18, 37. Jesus é o
pão, a luz, a porta, o pastor, a ressurreição, o caminho, a verdade, a vida, é
o rei; e tudo isto por mim, por nós, e assim quero acolhê-lo, conhecê-lo,
amá-lo e quero aprender, dentro destas palavras, a dizer-lhe: “Senhor, Tu és!”.
É este “Tu” que dá significado ao meu eu, que faz da minha vida uma relação,
uma comunhão; sei com certeza que só aqui eu gozo plenamente e vivo para
sempre.
* A vinha, a vide e o bom
fruto. Israel é a vinha de Deus, vinha predileta, escolhida, plantada sobre
uma fértil colina, num lugar com terra límpida, lavrada, livre de pedras,
guardada, cuidada, amada, estendida que o próprio Deus plantou (cf. Is 5, 1s;
Jer 2, 21). Esta vinha é tão amada que nunca deixou de ressoar para ela o cântico
de amor do seu amado; notas fortes e doces ao mesmo tempo, notas portadoras de
vida verdadeira que atravessaram a antiga aliança e chegaram, ainda mais
claras, à nova aliança. Primeiro cantava o Pai, agora canta Jesus, mas nos dois
é a voz do Espírito que se faz sentir, como diz o Cântico dos Cânticos: “A voz
da rola já se ouve... e as vinhas floridas exalam perfume” (Ct 2, 12s). É o
Senhor Jesus que nos atrai, que nos leva do antigo ao novo, de amor em amor,
para uma comunhão sempre mais forte até à identificação: “Eu sou esta vinha,
mas sou-o também vós em mim”. Portanto, está claro: a vinha é Israel, é Jesus e
somos nós. Sempre a mesma, sempre nova, sempre mais eleita e predileta, amada,
cuidada, custodiada, visitada: visitada pelas chuvas e visitada com a Palavra;
enviada diariamente pelos profetas, visitada com o envio do Filho, o Amor, que
espera amor, ou seja, o fruto. “Ele esperou que produzisse uvas, mas só deu
agraços” (Is 5, 2); no amor a desilusão está sempre à espreita. Detenho-me
sobre esta realidade, olho para dentro de mim e procuro o lugar de fechamento,
de aridez, de morte. Por que é que a chuva não veio? Repito a mim mesmo estas
palavras, que ressoam frequentemente nas páginas bíblicas: “O Senhor
espera....” (cf. Is 30, 18; Lc 13, 6-9). Quer o fruto da conversão (cf. Mt 3,
8), como nos manda dizer pela boca de João; os frutos da palavra, que nascem da
escuta, do acolhimento e da sua guarda, como nos dizem os sinópticos (cf. Mt
13, 23; Mc 4, 20: Lc 8, 15), os frutos do Espírito, como explica São Paulo (cf.
Gal 5, 22). “Quer que levemos fruto de toda a espécie de boas obras” (Col 1, 10),
mas sobretudo, parece-me, o Senhor espera e deseja “o fruto do ventre” (cf. Lc
1, 42), ou seja, Jesus, por quem somos verdadeiramente benditos e ditosos.
Jesus, com efeito, é a semente que, morrendo, dá muito fruto dentro de nós, na
nossa vida (cf. Jo 12, 24) e desafia toda a solidão, fechamento, lançando-nos
para os irmãos. Este é o fruto verdadeiro da conversão, semeado na terra do
nosso ventre; isto é tornar-se seus discípulos e, enfim, esta é a verdadeira
glória do Pai.
* A poda como purificação que
dá gozo. Nesta passagem evangélica, o Senhor oferece-me outro caminho que
devo percorrer atrás d'Ele e com Ele: é um caminho de purificação, de
renovação, de ressurreição e vida nova: está oculto pela palavra podar, mas
posso descobri-lo melhor, de iluminá-lo, graças à sua própria Palavra, que é a
única mestra, a única guia segura. O texto grego usa o termo “purificar”, para
indicar esta ação do podador sobre as suas vides; é verdade, Ele poda, corta
com a espada afiada da sua Palavra (cf. Hb 4, 12) que, por vezes, nos faz
sangrar; mas o seu amor permanece, penetra cada vez mais para nos purificar e
refinar. Sim, o Senhor senta-se como lavandeiro para purificar, ou é como o
ourives para tornar mais resplandecente e luminoso o ouro que tem nas suas mãos
(cf. Mal 3, 3). Jesus traz consigo uma purificação nova, a prometida desde há
muito tempo pelas Escrituras e esperada para os tempos messiânicos. Não é uma
purificação que se alcança mediante o culto, a observância da lei ou
sacrifícios, purificação somente provisória, incompleta, temporal e figurada.
Jesus realiza uma purificação íntima, total, a do coração e da consciência como
cantava Ezequiel: “Purificar-vos-ei de todos os vossos ídolos; dar-vos-ei um
coração novo... Quando eu vos purificar de todas as vossas iniquidades, farei
que habiteis nas vossas cidades e as vossas ruínas serão reconstruídas...” (Ez
36, 25ss.33). Leio também em Ef 5, 26 e Tt 2, 14, muito bons e grandes
testemunhos, que me ajudam a entrar melhor dentro da luz e da graça desta obra
de salvação, desta poda espiritual que o Pai realiza em mim.
* Há um versículo do Cântico dos
Cânticos que me pode ajudar a compreender ainda melhor e que diz assim: “O
tempo do canto voltou” (Ct 2, 12), usando, contudo, um verbo que significa ao
mesmo tempo “podar”, “cortar” e “cantar”. Portanto, a poda é tempo de canto, de
gozo. É o meu coração que canta, diante e dentro da Palavra, é a minha alma que
se regozija, pela fé, porque sei que através desta longa e magnífica
peregrinação pelas Escrituras, também eu me torno participante da vida de
Jesus, consigo unir-me a Ele, o puro, o santo, o Verbo imaculado e permanecendo
n'Ele, sou lavado, purificado com a infinita pureza da sua vida. Não para mim,
não para permanecer só, mas para dar muito fruto, para ser sarmento. Junto a
outros sarmentos, na vida de Jesus Cristo.
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