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sexta-feira, 26 de abril de 2024

V Domingo da Páscoa

São Luís Maria Grignion de Montfort, presbítero
Bta Maria Felícia de Jesus Sacramentado, virgem de nossa Ordem
Santa Gianna Beretta Molla, mãe de família
 
1ª Leitura (At 9,26-31):
Naqueles dias, Saulo chegou a Jerusalém e procurava juntar-se aos discípulos. Mas todos o temiam, por não acreditarem que fosse discípulo. Então, Barnabé tomou-o consigo, levou-o aos Apóstolos e contou-lhes como Saulo, no caminho, tinha visto o Senhor, que lhe tinha falado, e como em Damasco tinha pregado com firmeza em nome de Jesus. A partir desse dia, Saulo ficou com eles em Jerusalém e falava com firmeza no nome do Senhor. Conversava e discutia também com os helenistas, mas estes procuravam dar-lhe a morte. Ao saberem disto, os irmãos levaram-no para Cesareia e fizeram-no seguir para Tarso. Entretanto, a Igreja gozava de paz por toda a Judeia, Galileia e Samaria, edificando-se e vivendo no temor do Senhor e ia crescendo com a assistência do Espírito Santo.
 
Salmo Responsorial: 21
R. Eu Vos louvo, Senhor, na assembleia dos justos.
 
Cumprirei a minha promessa na presença dos vossos fiéis. Os pobres hão de comer e serão saciados, louvarão o Senhor os que O procuram: vivam para sempre os seus corações.
 
Hão de lembrar-se do Senhor e converter-se a Ele todos os confins da terra; e diante d’Ele virão prostrar-se todas as famílias das nações.
 
Só a Ele hão de adorar todos os grandes do mundo, diante d’Ele se hão de prostrar todos os que descem ao pó da terra.
 
Para Ele viverá a minha alma, há-de servi-lo a minha descendência. Falar-se-á do Senhor às gerações vindouras e a sua justiça será revelada ao povo que há-de vir: «Eis o que fez o Senhor».
 
2ª Leitura (1Jo 3,18-24): Meus filhos, não amemos com palavras e com a língua, mas com obras e em verdade. Deste modo saberemos que somos da verdade e tranquilizaremos o nosso coração diante de Deus; porque, se o nosso coração nos acusar, Deus é maior que o nosso coração e conhece todas as coisas. Caríssimos, se o coração não nos acusa, tenhamos confiança diante de Deus e receberemos d’Ele tudo o que Lhe pedirmos, porque cumprimos os seus mandamentos e fazemos o que Lhe é agradável. É este o seu mandamento: acreditar no nome de seu Filho, Jesus Cristo, e amar-nos uns aos outros, como Ele nos mandou. Quem observa os seus mandamentos permanece em Deus e Deus nele. E sabemos que permanece em nós pelo Espírito que nos concedeu.
 
Aleluia. Diz o Senhor: «Permanecei em Mim e Eu permanecerei em vós; quem permanece em Mim dá muito fruto». Aleluia.
 
Evangelho (Jo 15,1-8): «Eu sou a videira verdadeira e meu Pai é o agricultor. Todo ramo que não dá fruto em mim, ele corta; e todo ramo que dá fruto, ele limpa, para que dê mais fruto ainda. Vós já estais limpos por causa da palavra que vos falei. Permanecei em mim, e eu permanecerei em vós. Como o ramo não pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer na videira, assim também vós não podereis dar fruto se não permanecerdes em mim. Eu sou a videira e vós, os ramos. Aquele que permanece em mim, como eu nele, esse dá muito fruto; pois sem mim, nada podeis fazer. Quem não permanecer em mim será lançado fora, como um ramo, e secará. Tais ramos são apanhados, lançados ao fogo e queimados. Se permanecerdes em mim, e minhas palavras permanecerem em vós, pedi o que quiserdes, e vos será dado. Nisto meu Pai é glorificado: que deis muito fruto e vos torneis meus discípulos».
 
«Nisto meu Pai é glorificado: que deis muito fruto»
 
Rev. D. Joan MARQUÉS i Suriñach (Vilamarí, Girona, Espanha)
 
Hoje, o Evangelho apresenta-nos a alegoria da videira e os ramos. Cristo é a verdadeira videira, nós somos os ramos e o Pai o agricultor.
 
O Pai pretende que demos fruto. É logico. Um agricultor semeia a videira e a cultiva para que produza fruto abundante. Se criarmos uma empresa, vamos querer que produza. Jesus insiste: «Fui eu que vos escolhi e vos designei, para dardes fruto» (Jo 15,16).
 
És um escolhido. Deus te olhou. Pelo Batismo te enxertou na videira que é Cristo. Tu tens a vida de Cristo, a vida cristã. Possuis o elemento principal para dar fruto: a união com Cristo, porque «o ramo não pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer na videira» (Jo 15,4). Jesus o disse taxativamente: «sem mim, nada podeis fazer» (Jo 15,5). «Sua força é suavidade; nada tão brando como isto, e nada como isto tão firme» (São Francisco de Sales). Quantas coisas quiseste fazer afastado de Cristo? O fruto que o Pai espera de nós é aquele das boas obras, da prática das virtudes. Qual é a união com Cristo que nos faz capazes de dar este fruto? A fé e a caridade, ou seja, permanecer em graça de Deus.
 
Quando vives em graça, todos os atos de virtude são frutos agradáveis ao Pai. São obras que Jesus Cristo faz através de ti. São obras de Cristo que dão glória ao Pai e convertem-se em céu para ti. Vale a pena viver sempre em graça de Deus! «Quem não permanecer em mim [pelo pecado] será lançado fora, como um ramo, e secará; depois (…) são lançados ao fogo e queimados» (Jo 15,6). É uma clara alusão ao inferno. Eres como um ramo cheio de vida?
 
Que a Virgem Maria nos ajude a aumentar a graça para produzirmos frutos em abundância que deem glória ao Pai.
 
Pensamentos para o Evangelho de hoje
«Tornar-se semelhante a Deus não é obra nossa, nem fruto do poder humano, é obra da generosidade de Deus, que desde a sua origem ofereceu à nossa natureza a graça da semelhança com Ele» (São Gregório de Nisa)
 
«A videira, como atributo cristológico, significa a união indissolúvel de Jesus com os seus» (Bento XVI)
 
«Sendo Cristo, enviado do Pai, a fonte e a origem de todo o apostolado da Igreja, é evidente que a fecundidade do apostolado (…) depende da sua união vital com Cristo. Segundo as vocações, (…) o apostolado toma as formas mais diversas. Mas é sempre a caridade (…) a alma de todo o apostolado» (Catecismo da Igreja Católica, nº 864)
 
“Eu sou a videira verdadeira e o meu Pai é o agricultor.”
 
Do site da Ordem do Carmo em Portugal
 
*
Estes poucos versículos fazem parte do grande discurso de Jesus aos seus discípulos no momento íntimo da Última Ceia e começa com o versículo 3 do capítulo 13 prolongando-se até ao fim do capítulo 17. Trata-se de uma unidade muito estreita, profunda e indissolúvel, que não tem par nos outros evangelhos e que recapitula em si toda a revelação de Jesus na vida divina e no mistério da Santíssima Trindade; é o texto que diz o que nenhum outro texto da Sagrada Escritura é capaz de dizer em relação à vida cristã, à sua força, aos seus deveres, às suas alegrias e dores, às suas esperanças e à sua luta neste mundo e na Igreja. São poucos versículos, mas transbordam de amor, daquele amor até ao fim, que Jesus decidiu viver com os seus, conosco, hoje e sempre. Pela força deste amor, como supremo e definitivo gesto de ternura infinita, que sintetiza em si todos os outros gestos de amor, o Senhor deixa aos seus uma presença nova, um modo novo de existir: através da parábola da vide e dos seus sarmentos e através do maravilhoso verbo permanecer, muitas vezes repetido, Jesus dá início a esta história nova com cada um de nós, que se chama inabitação. Ele não pode ficar junto de nós porque volta para o Pai, mas permanece dentro de nós.
 
Para ajudar na leitura da passagem
 
vv. 1-3: Jesus revela-se a si mesmo como a verdadeira vide, que produz bons frutos, óptimo vinho para o seu Pai, que é o agricultor, e revela-nos a nós, seus discípulos, como sarmentos, que têm necessidade de permanecer unidos à vide para não morrer e dar fruto. A poda, que o Pai realiza sobre os sarmentos através da espada da sua Palavra, é uma purificação, um gozo, um canto.
 
vv. 4-6: Jesus assinala aos seus discípulos o segredo para que possam continuar a viver esta relação íntima com Ele: é permanecer. Como Ele entra dentro deles e permanece neles e nunca mais fica fora, assim também eles devem permanecer n'Ele, dentro d'Ele; este é o único modo para ser plenamente consolados, para poder resistir no caminho da vida e para poder dar o bom fruto, que é o amor.
 
v. 7: Jesus, uma vez mais, deixa no coração dos seus, o dom da oração, a pérola preciosíssima, única, e explica-nos que permanecendo n'Ele, poderemos aprender a verdadeira oração, a que pede com insistência o dom do Espírito Santo e que sabe que será escutada.
 
v. 8: Jesus chama-nos uma vez mais a Ele, pede-nos que o sigamos, para nos tornarmos e ser sempre seus discípulos. O permanecer faz nascer a missão, o dom da vida pelo Pai e pelos irmãos; se permanecermos verdadeiramente em Jesus, permaneceremos também no meio dos irmãos, como dom e como serviço. Esta é a glória do Pai.
 
Algumas perguntas
 
a) “Eu sou”: é muito belo que a passagem comece com esta afirmação, que é como um canto de alegria, de vitória do Senhor, que Ele gosta de cantar continuamente dentro da vida de cada um de nós. “Eu sou”: e repete-o ao infinito, cada manhã, cada tarde, quando chega a noite, enquanto dormimos e mesmo quando d'Ele não nos lembramos. Ele vive em função de nós: existe para seu Pai, por nós e para nós. Repouso sobre estas palavras e não só as escuto, mas faço-as chegar dentro de mim, à minha mente, ao mais recôndito da minha memória, ao meu coração, a todos os meus sentimentos e retenho-as para ruminá-las e absorver aquele seu Ser no meu ser. Nesta Palavra, eu compreendo que não existo se não existir n’Ele e que não me posso tornar coisa alguma a não ser que permaneça no ser de Jesus. Procuro descer ao mais profundo do meu ser, vencendo os medos, atravessando toda a obscuridade que possa encontrar e recolho aquela parte do meu ser, do meu eu, que sinto sem vida. Tomo-a nas minhas mãos e levo-a a Jesus, entrego-a ao seu “Eu sou”.
 
b) A vide traz-me à mente o vinho, esse fruto tão bom e precioso, faz-me pensar na aliança que Jesus realiza conosco, nova e eterna, aliança de amor, que nada nem ninguém poderá romper. Estou disposto a permanecer dentro deste abraço, dentro deste sim contínuo da minha vida, que se deixa entrelaçar com a sua? Levantarei também eu, como o salmista, o cálice da aliança, invocando o nome do Senhor e dizendo-lhe que sim, que o amo?
 
c) Jesus chama a seu Pai “agricultor” ou “vinhateiro”, utilizando um termo muito belo que leva dentro de si toda a força do amor de quem se dedica ao cultivo da terra; expressa um curvar-se sobre a terra, um acercar-se do corpo e do ser, um contacto prolongado, um intercâmbio vital. O Pai faz exatamente isto conosco. São Paulo diz: “O agricultor, que se afadiga, deve ser o primeiro a recolher os frutos da terra” (2Tim 2, 6) e São Tiago recorda-nos que “o agricultor espera pacientemente os frutos da terra (Tg 5, 7). Desiludirei, eu terra, a esperança do Pai que me cultiva cada dia, cavando a terra, limpando-me das pedras, colocando bom fertilizante e construindo uma vala em redor, para que eu permaneça protegido? A quem entrego os frutos da minha existência? Para que existo eu, para quem decido e escolho o viver de cada dia, de cada manhã, quando me levanto?
 
d) Sigo com atenção o texto e sublinho dois verbos, que se repetem com muita frequência: “dar fruto” e “permanecer”; entendo que estas duas realidades são símbolo da mesma vida e estão  entrelaçadas, uma depende da outra. Somente permanecendo é possível dar fruto e, na realidade, o único e verdadeiro fruto que nós, seus discípulos, podemos dar neste mundo é precisamente o permanecer. Onde permaneço eu, em cada dia, durante todo o dia? Com quem permaneço? Jesus une sempre este verbo a esta partícula estupenda, gigantesca: “em Mim”. Confronto-me com estas duas palavras: eu estou “em”, ou seja, estou dentro, vivo no mais profundo, escavo para buscar o Senhor, como se escava para fazer um poço (cf. Gen 26, 18) ou para procurar um tesouro (cf. Prov 2, 4), ou antes, estou fora, sempre disperso nas diversas superfícies deste mundo, longe o mais possível da intimidade, da relação e do contacto com o Senhor?
 
e) Por duas vezes Jesus coloca-nos diante da realidade da sua Palavra que nos mostra que é ela que nos torna puros e nos abre o caminho da oração verdadeira. A Palavra é-nos anunciada e se nos dá como presença permanente em nós. Também ela, na verdade, tem a capacidade de permanecer, de construir a sua casa no nosso coração. Devo perguntar-me: que ouvidos tenho eu para escutar este anúncio de salvação e de bem, que o Senhor me envia através da sua Palavra? Deixo espaço à escuta, a esta escuta profunda, da qual toda a Sagrada Escritura me fala continuamente na Lei, nos Profetas, nos Salmos, nos Escritos apostólicos? Deixo-me encontrar e alcançar até ao coração pela Palavra do Senhor na oração, ou prefiro fiar-me de outras palavras, mais suaves, mais humanas, semelhantes às minhas? Tenho medo da voz do Senhor, que me fala urgentemente e sempre?

* Como sarmento, procuro o modo de estar sempre mais enxertado na minha Vide, que é o Senhor Jesus.
Bebo, neste momento, da sua Palavra, da sua seiva boa, procurando penetrar mais em profundidade para absorver o alimento escondido, que me dá a verdadeira vida. Estou atento às palavras, aos verbos, às expressões que Jesus usa e que me enviam para outras passagens das divinas Escrituras e deixo-me, deste modo, purificar.
 
* O encontro com Jesus, o “Eu Sou”. Esta passagem apresenta-nos um dos textos em que aparece esta expressão tão forte, que o Senhor nos envia para revelar-se a si mesmo. É muito belo fazer um longo passeio pela Escritura à procura de outros textos como este, em que a voz do Senhor nos fala assim diretamente dele, da sua essência mais profunda. Quando o Senhor diz e repete até ao infinito, de mil maneiras, de mil formas diferentes “Eu Sou”, não o faz para nos rebaixar ou humilhar, mas para reforçar fortemente o seu amor transbordante por nós, que deseja fazer-nos participar e viver dessa mesma vida que lhe pertence. Se diz “Eu Sou”, é para dizer também: “Tu És”, e dizê-lo a cada um de nós, a todo o seu filho e filha que vem a este mundo. É uma transmissão fecunda e ininterrupta de ser, de essência, e eu não quero deixá-la cair no vazio, mas quero acolhê-la e recolhê-la dentro de mim. Sigo, pois, as pegada luminosa do “Eu Sou” e procuro parar a cada passo. “Eu sou o teu escudo” (Gen 15, 1), “Eu sou o Deus de Abraão teu pai” (Gen 24, 26, “Eu sou o Senhor, que te livrou e te livrará do Egipto” (Ex 6, 6), e de qualquer faraó, que atente contra a vossa vida, “Eu sou o que te cura” (Ex 15, 26). Deixo-me envolver pela luz e pela força destas palavras, que realizam o milagre do que dizem: realizam-no hoje também, precisamente para mim, nesta lectio. Continuo e leio no livro do Levítico, pelo menos 50 vezes, esta afirmação de salvação: “Eu sou o Senhor” e creio nesta palavra e adiro a ela com todo o meu ser e com o meu coração digo: “Sim, na verdade o Senhor é o meu Senhor, fora dele não há outro”. Noto que a Escritura aprofunda cada vez mais, à medida que o caminho avança, também ela avança dentro de mim e conduz-me a uma relação sempre mais intensa com o Senhor; o livro dos Números começa por dizer: “Eu sou o Senhor que moro no meio dos Israelitas” (Num 35, 34). “Eu sou” é o que está presente, aquele que não se afasta, que não vira as costas e se vai; é aquele que de perto cuida de nós, desde dentro, como só Ele pode fazê-lo: leio Isaías e recebo vida: 41, 10; 43, 3; 45, 6, etc.
 
* O santo Evangelho é uma explosão de ser, de presença, de salvação; percorro-o deixando-me guiar sobretudo por João: 6, 48; 8, 12; 10, 9.11; 11, 15; 14, 6; 18, 37. Jesus é o pão, a luz, a porta, o pastor, a ressurreição, o caminho, a verdade, a vida, é o rei; e tudo isto por mim, por nós, e assim quero acolhê-lo, conhecê-lo, amá-lo e quero aprender, dentro destas palavras, a dizer-lhe: “Senhor, Tu és!”. É este “Tu” que dá significado ao meu eu, que faz da minha vida uma relação, uma comunhão; sei com certeza que só aqui eu gozo plenamente e vivo para sempre.
 
* A vinha, a vide e o bom fruto. Israel é a vinha de Deus, vinha predileta, escolhida, plantada sobre uma fértil colina, num lugar com terra límpida, lavrada, livre de pedras, guardada, cuidada, amada, estendida que o próprio Deus plantou (cf. Is 5, 1s; Jer 2, 21). Esta vinha é tão amada que nunca deixou de ressoar para ela o cântico de amor do seu amado; notas fortes e doces ao mesmo tempo, notas portadoras de vida verdadeira que atravessaram a antiga aliança e chegaram, ainda mais claras, à nova aliança. Primeiro cantava o Pai, agora canta Jesus, mas nos dois é a voz do Espírito que se faz sentir, como diz o Cântico dos Cânticos: “A voz da rola já se ouve... e as vinhas floridas exalam perfume” (Ct 2, 12s). É o Senhor Jesus que nos atrai, que nos leva do antigo ao novo, de amor em amor, para uma comunhão sempre mais forte até à identificação: “Eu sou esta vinha, mas sou-o também vós em mim”. Portanto, está claro: a vinha é Israel, é Jesus e somos nós. Sempre a mesma, sempre nova, sempre mais eleita e predileta, amada, cuidada, custodiada, visitada: visitada pelas chuvas e visitada com a Palavra; enviada diariamente pelos profetas, visitada com o envio do Filho, o Amor, que espera amor, ou seja, o fruto. “Ele esperou que produzisse uvas, mas só deu agraços” (Is 5, 2); no amor a desilusão está sempre à espreita. Detenho-me sobre esta realidade, olho para dentro de mim e procuro o lugar de fechamento, de aridez, de morte. Por que é que a chuva não veio? Repito a mim mesmo estas palavras, que ressoam frequentemente nas páginas bíblicas: “O Senhor espera....” (cf. Is 30, 18; Lc 13, 6-9). Quer o fruto da conversão (cf. Mt 3, 8), como nos manda dizer pela boca de João; os frutos da palavra, que nascem da escuta, do acolhimento e da sua guarda, como nos dizem os sinópticos (cf. Mt 13, 23; Mc 4, 20: Lc 8, 15), os frutos do Espírito, como explica São Paulo (cf. Gal 5, 22). “Quer que levemos fruto de toda a espécie de boas obras” (Col 1, 10), mas sobretudo, parece-me, o Senhor espera e deseja “o fruto do ventre” (cf. Lc 1, 42), ou seja, Jesus, por quem somos verdadeiramente benditos e ditosos. Jesus, com efeito, é a semente que, morrendo, dá muito fruto dentro de nós, na nossa vida (cf. Jo 12, 24) e desafia toda a solidão, fechamento, lançando-nos para os irmãos. Este é o fruto verdadeiro da conversão, semeado na terra do nosso ventre; isto é tornar-se seus discípulos e, enfim, esta é a verdadeira glória do Pai.
 
* A poda como purificação que dá gozo. Nesta passagem evangélica, o Senhor oferece-me outro caminho que devo percorrer atrás d'Ele e com Ele: é um caminho de purificação, de renovação, de ressurreição e vida nova: está oculto pela palavra podar, mas posso descobri-lo melhor, de iluminá-lo, graças à sua própria Palavra, que é a única mestra, a única guia segura. O texto grego usa o termo “purificar”, para indicar esta ação do podador sobre as suas vides; é verdade, Ele poda, corta com a espada afiada da sua Palavra (cf. Hb 4, 12) que, por vezes, nos faz sangrar; mas o seu amor permanece, penetra cada vez mais para nos purificar e refinar. Sim, o Senhor senta-se como lavandeiro para purificar, ou é como o ourives para tornar mais resplandecente e luminoso o ouro que tem nas suas mãos (cf. Mal 3, 3). Jesus traz consigo uma purificação nova, a prometida desde há muito tempo pelas Escrituras e esperada para os tempos messiânicos. Não é uma purificação que se alcança mediante o culto, a observância da lei ou sacrifícios, purificação somente provisória, incompleta, temporal e figurada. Jesus realiza uma purificação íntima, total, a do coração e da consciência como cantava Ezequiel: “Purificar-vos-ei de todos os vossos ídolos; dar-vos-ei um coração novo... Quando eu vos purificar de todas as vossas iniquidades, farei que habiteis nas vossas cidades e as vossas ruínas serão reconstruídas...” (Ez 36, 25ss.33). Leio também em Ef 5, 26 e Tt 2, 14, muito bons e grandes testemunhos, que me ajudam a entrar melhor dentro da luz e da graça desta obra de salvação, desta poda espiritual que o Pai realiza em mim.
 
* Há um versículo do Cântico dos Cânticos que me pode ajudar a compreender ainda melhor e que diz assim: “O tempo do canto voltou” (Ct 2, 12), usando, contudo, um verbo que significa ao mesmo tempo “podar”, “cortar” e “cantar”. Portanto, a poda é tempo de canto, de gozo. É o meu coração que canta, diante e dentro da Palavra, é a minha alma que se regozija, pela fé, porque sei que através desta longa e magnífica peregrinação pelas Escrituras, também eu me torno participante da vida de Jesus, consigo unir-me a Ele, o puro, o santo, o Verbo imaculado e permanecendo n'Ele, sou lavado, purificado com a infinita pureza da sua vida. Não para mim, não para permanecer só, mas para dar muito fruto, para ser sarmento. Junto a outros sarmentos, na vida de Jesus Cristo.

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