Salmo Responsorial –
Salmo 62 (63)
R: A minha alma tem sede de Vós, meu
Deus.
Senhor,
sois o meu Deus: desde a aurora Vos procuro. A minha alma tem sede de Vós. Por
Vós suspiro, como terra árida, sequiosa, sem água.
Quero
contemplar-Vos no santuário, para ver o vosso poder e a vossa glória. A vossa
graça vale mais do que a vida; por isso, os meus lábios hão de cantar-Vos
louvores.
Assim Vos
bendirei toda a minha vida e em vosso louvor levantarei as mãos. Serei saciado
com saborosos manjares, e com vozes de júbilo Vos louvarei.
Porque Vos
tornastes o meu refúgio, exulto à sombra das vossas asas. Unido a Vós estou,
Senhor, a vossa mão me serve de amparo.
II Leitura (Rm 12,1-2)
- Peço-vos, irmãos, pela misericórdia de Deus, que vos
ofereçais a vós mesmos como vítima santa, viva, agradável a Deus, como culto
racional. Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos, pela renovação
espiritual da vossa mente, para saberdes discernir, segundo a vontade de Deus,
o que é bom, o que Lhe é agradável, o que é perfeito.
Aleluia. Deus, Pai de
Nosso Senhor Jesus Cristo, ilumine os olhos do nosso coração, para sabermos a
que esperança fomos chamados. Aleluia.
Evangelho (Mt 16,21-27):
A partir de então, Jesus começou a mostrar aos
discípulos que era necessário ele ir a Jerusalém, sofrer muito da parte dos
anciãos, sumos sacerdotes e escribas, ser morto e, no terceiro dia,
ressuscitar. Então Pedro o chamou de lado e começou a censurá-lo: «Deus não
permita tal coisa, Senhor! Que isto nunca te aconteça!» Jesus, porém, voltou-se
para Pedro e disse: «Vai para trás de mim, satanás! Tu estás sendo para mim uma
pedra de tropeço, pois não tens em mente as coisas de Deus, e sim, as dos
homens!». Então Jesus disse aos discípulos: «Se alguém quer vir após mim,
renuncie a si mesmo, tome sua cruz e siga-me. Pois quem quiser salvar sua vida
a perderá; e quem perder sua vida por causa de mim a encontrará. De fato, que
adianta a alguém ganhar o mundo inteiro, se perde a própria vida? Ou que poderá
alguém dar em troca da própria vida? Pois o Filho do Homem virá na glória do
seu Pai, com os seus anjos, e então retribuirá a cada um de acordo com a sua
conduta».
«Se alguém quer vir
após mim, renuncie a si mesmo, tome sua cruz e siga-me»
Rev. D. Joaquim MESEGUER García (Rubí, Barcelona,
Espanha)
Ouvir a
reprimenda de Jesus a Pedro é um bom motivo para fazer um exame de consciência sobre
a nossa forma de ser cristão. Somos de verdade fiéis aos ensinamentos de Jesus
Cristo, até ao ponto de pensarmos realmente como Deus, ou preferimos moldar-nos
à forma de pensar e aos critérios deste mundo? Ao longo da história, os filhos
da Igreja caímos na tentação de pensar segundo o mundo, de nos apoiarmos nas
riquezas materiais, de procurarmos com afinco o poder político e o prestigio
social; e por vezes movem-nos mais os interesses mundanos que o espírito do
Evangelho. Perante estes fatos, volta a se apresentar-nos a pergunta: «De fato,
que adianta a alguém ganhar o mundo inteiro, se perde a própria vida?» (Mt
16,26).
Depois de
ter posto as coisas bem claras, Jesus ensinou-nos o que quer dizer pensar como
Deus: amar, com tudo o que isso comporta de renúncia pelo bem do próximo. Por
isso o seguir a Cristo passa pela cruz. É um segui-lo entranhável, porque «com
a presença de um amigo e capitão tão bom como Cristo Jesus, que se pôs na
vanguarda dos sofrimentos, tudo se pode sofrer: ajuda-nos e anima; não falha
nunca, é um verdadeiro amigo» (Santa Teresa de Ávila). E…, quando a cruz é
signo de amor sincero, converte-se em luminosa e signo de salvação.
"A Loucura da
Cruz".
Quando
Jesus anuncia por primeira vez que vai a Jerusalém para padecer e que será
entregue à morte ali, e ressuscitará ao terceiro dia, se encontra com a reação,
de boa-fé, mas exagerada, de Pedro que quer impedir esse fracasso a Cristo. A
resposta de Jesus hoje não é certamente de louvor, como no domingo passado, mas
uma das mais duras palavras que saíram da boca de Jesus: “Afasta-te de mim,
Satanás”. Cristo o convida-nos convida- a pensar como Deus e não como os
homens.
Pontos da ideia principal
Em primeiro
lugar, os homens, pensamos de ordinário em clave de êxito, e não de fracasso.
E, quando o êxito não vem, nos invade a depressão, o desânimo e a tristeza.
Perguntemos se não é assim, ao profeta Jeremias na primeira leitura. Profeta do
tempo final do desterro e figura de Jesus no seu caminho de paixão, e de todo
cristão que quiser ser consequente com a sua fé. Era jovem e o ministério que
lhe foi conferido não era nada fácil: anunciar desgraças, se nos mudavam de
conduta e inclusive de planos políticos de alianças. Ninguém deu bola.
Perseguiram-no e o ridicularizaram. Não encontrou apoio nem na sua família nem
na sociedade. Jeremias sofreu angústia, crise pessoal e pensou em abandonar a
sua missão profética. Que fácil acomodar-se às palavras dos governantes e do
povo para ganhar o êxito e o aplauso! Os profetas verdadeiros, os cristãos
verdadeiros, não costumam ser populares e frequentemente terminam mal por
denunciar injustiças. Nesses momentos, olhemos Cristo no Getsêmani.
Em segundo
lugar, os homens, pensamos de ordinário em clave de poder e ambição, e não de
humildade e desprendimento. Não entra na cabeça de Pedro a ideia da humilhação,
do despojo, do último lugar. Não tinha entendido que toda autoridade deve ser
exercida como serviço, e não como domínio. Faltava tanto para amadurecer.
Pensamos como homens e não como Deus. E quando Pedro entendeu, enfrentou todo
tipo de perseguições, até a morte final em Roma, em tempos de Nero, como
testemunha de Cristo. Os projetos humanos vão por outros caminhos, de vantagens
materiais e manipulações para poder prosperar e ser mais que os outros e
dominar quantos mais, melhor. Mas os projetos de Deus são outros.
Finalmente,
os homens, pensamos de ordinário em clave de comodidade, e não de cruz. Nem
Pedro nem nós gostamos da cruz, já seja ela física-doenças-, moral-abandono,
calúnia, incompreensão- ou espiritual- noites escuras da alma que nada e nem
sente; somente existe um túnel escuro. Quem gosta da cruz? Jesus já nos avisou.
Não nos prometeu que o seu seguimento seria fácil e cômodo. “Carrega a cruz e
segue-me”. Preferimos um cristianismo “ao cardápio”, aceitando algumas coisas
do evangelho e omitindo outros. Queremos Tabor, não Calvário. Queremos consolo
e euforia, não renuncia nem sacrifício. A cruz que temos, talvez, como enfeite
nas paredes ou pendurada no pescoço. Mas que essa cruz penetre nas nossas
carnes e nos nossos corações, de jeito nenhum. São Paulo nos dá a clave na
segunda leitura de hoje aos romanos para quando nos visitar a cruz de Cristo:
oferecer-nos a Deus como oferenda viva, santa e agradável a Deus. Somente assim
pensaremos como Deus.
Diz o papa
Francisco: “O mundanismo espiritual que se esconde detrás de aparências de
religiosidade e inclusive de amor à Igreja, é buscar, em lugar da glória do
Senhor, a glória humana e o bem estar pessoal… Se invadisse a Igreja (este
mundanismo) seria infinitamente mais desastroso do que qualquer outro
mundanismo simplesmente moral” (Evangelii gaudium, n. 93).
Para refletir
Em Mt 16,
21-27, Jesus anuncia aos discípulos a sua Paixão e Cruz e avisa que o caminho
dos discípulos é semelhante. Pedro não concorda e começa a “repreendê-Lo”.
Jesus
rejeita energicamente as insinuações de Pedro e diz: “Retira-te, Satanás!
Queres fazer-me cair. Pensas de modo humano, não de acordo com Deus” (Mt
16,23).
Levado pelo
seu imenso carinho por Jesus, Simão procura afastá-Lo do caminho da Cruz, sem
compreender ainda que ela será um grande bem para a humanidade e a suprema
demonstração do amor de Deus por nós. Comenta São João Crisóstomo: ”Pedro
raciocinava humanamente e concluía que tudo aquilo- a Paixão e a Morte- era
indigno de Cristo e reprovável.”
Pedro,
naquele momento, não chega a entender que, por vontade expressa de Deus, a
Redenção se tem de fazer mediante a Cruz e que “não houve meio mais conveniente
de salvar a nossa miséria” (Sto. Agostinho).
Pensando
apenas com uma lógica humana, é difícil entender que a dor, o sofrimento,
aquilo que se apresenta como custoso, possa chegar a ser um bem. Até mesmo
porque não fomos feitos para sofrer, pois todos aspiramos à felicidade.
O medo à
dor é um impulso profundamente arraigado em nós, e a nossa primeira reação é de
repulsa. Por isso, a mortificação, a penitência cristã, tropeça com
dificuldades; não é fácil, e, ainda que a pratiquemos assiduamente, não
acabamos nunca de acostumar-nos a ela.
A fé, no
entanto, permite-nos ver - e experimentar - que sem sacrifício não há amor, não
há alegria verdadeira, a alma não se purifica, não encontramos a Deus. O
caminho da santidade passa pela Cruz, e todo o apostolado fundamenta-se nela.
Ensinava o Papa João Paulo II: “A Cruz é o livro vivo em que aprendemos
definitivamente quem somos e como devemos atuar. Este livro está sempre aberto
diante de nós” (Alocução, 01/04/1980). Devemos aproximar-nos dele e lê-lo; nele
aprendemos quem é Cristo, o seu amor por nós e o caminho para segui- Lo. Quem
procura a Deus sem sacrifício, sem Cruz, não O encontrará. Para ressuscitar com
Cristo, temos que acompanhá–lo no seu caminho para a Cruz: aceitando as
contrariedades e tribulações com paz e serenidade; sendo generosos na
mortificação voluntária, que nos faz entender o sentido transcendente da vida e
reafirma o senhorio da alma sobre o corpo. Devemos ter em conta que a Cruz que
anuncia Cristo é escândalo para uns e loucura e insensatez para outros (cf. 1
Cor 1,23).
Hoje vemos
também muitas pessoas que não sentem as coisas de Deus, mas as dos homens. Têm
o olhar posto nas coisas da terra, nos bens materiais, sobre os quais se lançam
sem medida, como se fossem os únicos reais e verdadeiros. Disse Álvaro Del Portilho:
“Este paganismo contemporâneo caracteriza-se pela busca do bem-estar material a
qualquer custo, e pelo correspondente esquecimento – melhor seria dizer medo,
autentico pavor- de tudo o que possa causar sofrimento. Com esta perspectiva,
palavra como Deus, pecado, cruz, mortificação, vida eterna… acabam por ser
incompreensíveis para um grande número de pessoas, que desconhecem o seu
significado e sentido”.
Temos que
lembrar a todos que não ponham o coração nas coisas da terra, que tudo é
caduco, que envelhece e dura pouco. ”Todos envelhecerão como uma veste” (Hb
1,11). Somente a alma que luta por manter-se em Deus permanecerá numa juventude
sempre maior até que chegue o encontro com o Senhor. Todas as outras coisas
passam, e depressa.
Jesus
recorda-nos hoje: ”Que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro, mas perder a
sua vida? O que poderá alguém dar em troca de sua vida?” (Mt 16,26). Antes,
falou: ”Quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la; e quem perder a sua vida
por causa de mim vai encontrá-la.”
O cristão
não pode passar por alto estas palavras de Jesus Cristo. Deve arriscar-se,
jogar a vida presente em troca de conseguir a eterna. ”Que pouco é uma vida
para oferecê-la a Deus!…” (Caminho, nº 4 20).
A exigência
do Senhor inclui renunciar à própria vontade para a identificar com a de Deus,
não aconteça que, como comenta São João da Cruz, tenhamos a sorte de muitos ”que
queriam que Deus quisesse o que eles querem, e entristecem-se de querer o que
Deus quer, e têm repugnância em acomodar a sua vontade à de Deus. Disto vem que
muitas vezes, no que não acham a sua vontade e gosto, pensam não ser da vontade
de Deus e, pelo contrário, quando se satisfazem, creem que Deus Se satisfaz,
medindo também a Deus por si, e não a si mesmo por Deus”.
“O Filho do
Homem virá na glória do seu Pai, com os seus anjos, e então retribuirá a cada
um de acordo com a sua conduta” (Mt 16, 27). O Senhor, com estas palavras,
situa cada homem, individualmente, diante do Juízo Final. A salvação tem, pois,
um caráter radicalmente pessoal!
O fim do homem não é ganhar os bens temporais deste mundo, que são apenas meios ou instrumentos; o fim último do homem é o próprio Deus, que é possuído como antecipação aqui na terra pela Graça, e plenamente e para sempre na Glória. Jesus indica qual é o caminho para conseguir esse fim: negar-se a si mesmo (isto é, tudo o que é comodidade, egoísmo, apego aos bens temporais) e levar a Cruz. Porque nenhum bem terreno, que é caduco, é comparável à salvação eterna da alma. Como explica São Tomás: “o menor bem da graça é superior a todo o bem do universo” (Suma Teológica, I-II, q. 113, a. 9).
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