terça-feira, 1 de novembro de 2016

2 de novembro: Comemoração de todos os fiéis defuntos

Evangelho (Lc 23,33.39-43): Quando chegaram ao lugar chamado Calvário, ali crucificaram Jesus e os malfeitores: um à sua direita e outro à sua esquerda. Um dos malfeitores crucificados o insultava, dizendo: Tu não és o Cristo? Salva-te a ti mesmo e a nós! Mas o outro o repreendeu: Nem sequer temes a Deus, tu que sofres a mesma pena? Para nós, é justo sofrermos, pois estamos recebendo o que merecemos; mas ele não fez nada de mal. E acrescentou: Jesus, lembra-te de mim, quando começares a reinar. Ele lhe respondeu: Em verdade te digo: hoje estarás comigo no Paraíso.

«Construís os túmulos dos profetas! No entanto, foram vossos pais que os mataram»

Fra. Agustí BOADAS Llavat OFM (Barcelona, Espanha)

Hoje, o Evangelho recorda o fato fundamental do Cristianismo: a morte e ressurreição de Jesus. Façamos nossa, agora, a oração do Bom Ladrão: Jesus, lembra-te de mim (Lc 23, 42). A Igreja não reza pelos santos como ora pelos defuntos, que dormem no Senhor, mas encomenda-se às orações daqueles e reza por estes, diz Sto. Agostinho num Sermão. Pelo menos uma vez por ano nós, os cristãos, questionamo-nos sobre o sentido da nossa vida e sobre o sentido da nossa morte e ressurreição. É no dia da comemoração dos fiéis defuntos, da qual Sto. Agostinho nos apontou a diferença em relação à festa de Todos os Santos.

Os sofrimentos da Humanidade são os sofrimentos da Igreja e têm em comum, sem dúvida, o fato de todo o sofrimento ser de algum modo privação de vida. Por isso a morte de um ser querido nos causa uma dor tão indescritível que nem a fé sozinha consegue aliviá-la. Assim, os homens sempre quiseram honrar os defuntos. Na verdade, a memória é uma forma de fazer com que os ausentes estejam presentes, de perpetuar a sua vida. Mas os mecanismos psicológicos e sociais, com o tempo, amortecem as recordações. E se, humanamente, esse fato pode levar à angústia, os cristãos, graças à ressurreição, têm paz. A vantagem de nela crermos é que nos permite confiar em que, apesar do esquecimento, voltaremos a encontrar-nos na outra vida.

Uma segunda vantagem de crermos consiste em que, ao recordar os defuntos, rezamos por eles. Fazemo-lo no nosso interior, na intimidade com Deus, e cada vez que rezamos juntos, na Eucaristia: não estamos sós perante o mistério da morte e da vida, antes o compartilhamos como membros do Corpo de Cristo. Mais ainda: ao ver a cruz, suspensa entre o céu e a terra, sabemos que se estabelece uma comunhão entre nós e os nossos defuntos. Por isso S. Francisco proclamou agradecido: Louvado sejas, Senhor, pela nossa irmã, a morte corporal.

Comentário do Pe. Thomaz Hughes, SVD

  
A celebração de hoje, de enorme importância na prática religiosa do povo brasileiro, deve ser vista em relação com a de ontem, dia 1 de novembro - a Festa de Todos os Santos. É a grande celebração da “Comunhão dos Santos” - nós, a Igreja peregrina, ontem comemoramos a Igreja já vivendo a plenitude de vida com Deus; e hoje comemoramos a Igreja ainda em processo de purificação (a palavra “purgatório” vem do termo latino que significa “purificar” e não “sofrer”). No fundo, celebramos o imenso amor de Deus para conosco, todos participantes daquilo que celebramos todos os domingos no Credo quando declaramos que acreditamos, “Na Comunhão dos Santos, na Ressurreição da Carne e na Vida eterna”.

Embora para muitas pessoas a celebração de hoje traga sentimentos de tristeza, pois suscita lembranças e saudades dos seus entes queridos já falecidos, realmente é uma celebração de esperança e confiança na bondade, no perdão e no amor de Deus. A primeira leitura de hoje, tirada do II Macabeus 12, 43-46, lembra que o líder judeu, Judas Macabeu, organizou uma coleta para custear sacrifícios oferecidos pelo descanso eterno dos mortos, recebendo assim um elogio do autor do livro junto com o comentário “... belo e santo modo de agir, decorrente da sua crença na ressurreição! Pois, se ele não julgasse que os mortos ressuscitariam, teria sido vão e supérfluo rezar por eles. Mas, se ele acreditava que uma belíssima recompensa aguarda os que morrem piedosamente, era esse um bom e religioso pensamento. Eis porque ele pediu um sacrifício expiatório para que os mortos fossem livres de suas faltas”.

Nada deve marcar tanto a vida do cristão quanto a sua fé na Ressurreição.  É o fundamento de tudo.  Paulo, polemizando com a elite da comunidade de Corinto, que, influenciada pela filosofia grega, negava a realidade da Ressurreição do corpo (embora aceitasse a imortalidade da alma, o que é diferente) insiste: “Se não há ressurreição dos mortos, então Cristo não ressuscitou. E se Cristo não ressuscitou, a nossa pregação é vazia e a nossa fé em vão. Se os mortos não ressuscitam, Cristo não ressuscitou. E se Cristo não ressuscitou, a sua fé não vale nada e estão ainda no seu pecado” (I Cor 15, 13-18).  Não há reencarnação, nem somente imortalidade da alma, mas a ressurreição do corpo – seguindo Cristo, passamos pela morte e continuamos vivos como ele, Primogênito dos mortos, em uma vida plena com Deus.  Por isso, hoje torna-se, apesar dos sentimentos de saudade e tristeza que são naturais, a celebração do fundamento da nossa fé – a morte foi vencida, o mal é um derrotado, o pecado foi derrubado e celebramos o grande dom de Deus – que vamos participamos na sua vida plena e eterna!

Nem sempre o Povo de Deus tinha esta fé – até quase o tempo dos Macabeus, uns 200 anos antes de Jesus, se acreditava no Sheol – a “mansão dos mortos”, destino final de todos, lugar sem vida, sem felicidade.  Por isso se acreditava muito na “teologia de retribuição” – ou seja, que Deus recompensa os bons já nesta vida com riquezas, saúde e prosperidade enquanto castiga os injustos com doenças, pobreza e morte precoce.  Mas entre os sofridos nasceu um grande questionamento – isso não se verifica na verdade das nossas vidas.  Muitas vezes os justos sofrem, são perseguidos e carecem de tudo enquanto os malvados se enriquecem e prosperam.  Assim, devagar, nasceu a fé na ressurreição dos mortos, onde a justiça de Deus se manifesta e onde o destino dos justos, apesar dos seus erros e falhas, é participar da vida plena de Deus. Assim, Jesus conclama, no Evangelho de hoje, todos os que sofrem para que ouçam a aceitem a sua mensagem de fé no Deus misericordioso, compassivo, de perdão e amor, e rejeitem o que foi muitas vezes pregado pela religião oficial do seu tempo – que os pobres e doentes são os rejeitados por Deus enquanto os prósperos e abastados são abençoados.  Jesus convida a todos para que assumamos a sua “Boa nova” e lutemos por um mundo de vida para todos, pois ele veio para que todos - e não somente os privilegiados pela sociedade materialista e excludente – tivessem “a vida e a vida em abundância” (cf. Jo 10,10).

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