quarta-feira, 10 de agosto de 2016

XX Domingo do Tempo Comum

Nossa Senhora da Boa Morte
Evangelho (Lc 12,49-53): Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Eu vim lançar fogo sobre a terra; e como gostaria que ele já se tivesse ateado! Tenho de receber um baptismo, e que angústias as minhas até que ele se realize! Julgais que Eu vim estabelecer a paz na Terra? Não, Eu vo-lo digo, mas antes a divisão. Porque, daqui por diante, estarão cinco divididos numa só casa: três contra dois e dois contra três; vão dividir-se: o pai contra o filho e o filho contra o pai, a mãe contra a filha e a filha contra a mãe, a sogra contra a nora e a nora contra a sogra».

Pensais que Eu vim estabelecer a paz na terra?
Não. Eu vos digo que vim trazer a divisão

Nuria Calduch Benages, Misa dominical

Continuamos no «caminho para Jerusalém», a secção central do evangelho de Lucas, que está a ser proclamada desde o décimo terceiro domingo. Quando no horizonte já se vislumbra o sinal da cruz, Jesus está disposto a realizar na sua própria pessoa a purificação do mundo por meio de um «batismo» de sangue. Através dele, quer acender toda a terra com o «fogo» de Deus, mas muitos não o vão aceitar. Jesus será, pois, um sinal de contradição, uma bandeira a derrubar. Na breve leitura do vigésimo domingo, Jesus fala da sua missão no mundo através de um texto difícil, sujeito a diversas interpretações. Destacam-se três imagens: o fogo, o batismo, a divisão.

A imagem do fogo aparece numa frase tão difícil de traduzir como de interpretar: «Eu vim trazer o fogo à terra e que quero Eu senão que ele se acenda?» (versículo 49). Como entender a palavra «fogo»? Na tradição bíblica, o fogo era um dos símbolos utilizados para indicar a presença divina e a sua santidade (cf. Isaías 6). Inclusive, chega a afirmar, metaforicamente, que «Deus é fogo» (Hebreus 12, 29). É muito provável que Lucas pensasse no fogo divino do Espírito Santo, que Jesus envia aos que o querem aceitar no dia de Pentecostes (Atos 2, 3).

Com a imagem do batismo (em grego: «baptisma», isto é, «banho») (versículo 50), Jesus compara a sua paixão e morte a uma imersão total no sofrimento redentor (cf. Marcos 10, 38). Por outras palavras, tem que se submergir no transe do seu martírio, pois essa é a vontade do Pai.

O drama da família dividida (versículos 51-53) evoca a dolorosa profecia do ancião Simeão a Maria (Lucas 2, 34-35). Lucas alude à dor de alguns crentes, que, sobretudo em tempo de perseguição, se viam traídos pelos mais íntimos, inclusive pelos seus próprios familiares. Cristo oferece a paz, embora alguns fazem dela um pretexto de guerra. Os versículos 52-53, glosa de um texto do profeta Miqueias (7, 6), que todos conheciam, descrevem a degradação extrema a que um povo pode chegar.

Reflexão de Frei Carlos Mesters, O.Carm

S. Maximiliano Maria Kolbe
Presbítero e Mártir
* O evangelho de hoje traz algumas frases soltas de Jesus. A primeira sobre o fogo na terra só ocorre em Lucas. As outras têm frases mais ou menos paralelas em Mateus. Isto nos remete para o problema da origem da composição destes dois evangelhos que já fez correr muita tinta ao longo dos últimos dois séculos e só será resolvido plenamente quando pudermos conversar com Mateus e Lucas, depois da nossa ressurreição.

* Lucas 12,49-50: Jesus veio trazer fogo sobre a terra.
"Eu vim para lançar fogo sobre a terra: e como gostaria que já estivesse aceso! Devo ser batizado com um batismo, e como estou ansioso até que isso se cumpra!” A imagem do fogo ocorre muito na Bíblia e não tem um sentido único. Pode ser imagem de devastação e castigo e também pode ser imagem de purificação e iluminação (Is 1,25; Zc 13,9). Pode até evocar proteção como transparece em Isaías: “Se passar pelo fogo, estarei contigo” (Is 43,2). João Batista batizava com água, mas depois dele Jesus haveria de batizar pelo fogo (Lc 3,16). Aqui, a imagem do fogo é associada à ação do Espírito Santo que desceu no dia de Pentecostes sob a imagem de línguas de fogo (At 2,2-4). Imagens e símbolos nunca têm um sentido obrigatório, totalmente definido, que não permitiria divergência. Nesse caso já não seria imagem nem símbolo. É da natureza do símbolo provocar a imaginação dos ouvintes e expectadores. Deixando liberdade aos ouvintes, a imagem do fogo combinado com a imagem do batismo indica a direção na qual Jesus quer que a gente dirija a imaginação. Batismo é associado com água e é sempre expressão de um compromisso. Em outro lugar o batismo aparece como símbolo do compromisso de Jesus com a sua paixão: “Você podem ser batizados com o batismo com que serei batizado?”. (Mc 10,38-39).

* Lucas 12,51-53: Jesus veio trazer a divisão.
Jesus sempre fala em paz (Mt 5,9; Mc 9,50; Lc 1,79; 10,5; 19,38; 24,36; Jo 14,27; 16,33; 20,21.26). Então, como entender a frase do evangelho de hoje que parece dizer o contrário: “Vocês pensam que eu vim trazer a paz sobre a terra? Pelo contrário, eu lhes digo, vim trazer divisão”. Esta afirmação não significa que Jesus estivesse a favor da divisão. Não! Jesus não quer a divisão. Mas o anúncio da verdade de que ele, Jesus de Nazaré, era o Messias tornou-se motivo de muita divisão entre os judeus. Dentro da mesma família ou comunidade, uns eram a favor e outros radicalmente contra. Neste sentido a Boa Nova de Jesus era realmente uma fonte de divisão, um “sinal de contradição” (Lc 2,34) ou, como dizia Jesus: “Ficarão divididos: o pai contra o filho, e o filho contra o pai; a mãe contra a filha, e a filha contra a mãe; a sogra contra a nora, e a nora contra a sogra”. Era o que estava acontecendo, de fato, nas famílias e nas comunidades: muita divisão, muita discussão, como conseqüência do anúncio da Boa Nova entre os judeus daquela época, uns aceitando, outros negando. O mesmo vale para o anúncio da fraternidade como o valor supremo da convivência humana. Nem todos concordavam com este anúncio, pois preferiam manter seus privilégios. Por isso, não tinham medo de perseguir os que anunciavam a fraternidade e a partilha. Esta é a divisão que surgia e que está na origem da paixão e morte de Jesus. Era o que estava acontecendo. Era o julgamento em andamento. Jesus quer é a união de todos na verdade (cf. Jo 17,17-23). Até hoje é assim. Muitas vezes, lá onde a Igreja se renova, o apelo da Boa Nova se torna um “sinal de contradição” e de divisão. Pessoas que durante anos viveram acomodadas na rotina da sua vida cristã, já não querem ser incomodadas pelas “inovações” do Vaticano II. Incomodadas pelas mudanças, elas usam toda a sua inteligência para encontrar argumentos em defesa de suas opiniões e para condenar as mudanças como contrárias ao que elas pensam ser a verdadeira fé.

Para um confronto pessoal
1. Buscando a união, Jesus era causa de divisão. Isto já aconteceu com você?
2. Diante das mudanças na Igreja, como me situo?

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