Nossa Senhora da Boa Morte |
Pensais que Eu vim
estabelecer a paz na terra?
Não. Eu vos digo que
vim trazer a divisão
Nuria Calduch Benages, Misa dominical
Continuamos
no «caminho para Jerusalém», a secção central do evangelho de Lucas, que está a
ser proclamada desde o décimo terceiro domingo. Quando no horizonte já se
vislumbra o sinal da cruz, Jesus está disposto a realizar na sua própria pessoa
a purificação do mundo por meio de um «batismo» de sangue. Através dele, quer
acender toda a terra com o «fogo» de Deus, mas muitos não o vão aceitar. Jesus
será, pois, um sinal de contradição, uma bandeira a derrubar. Na breve leitura
do vigésimo domingo, Jesus fala da sua missão no mundo através de um texto
difícil, sujeito a diversas interpretações. Destacam-se três imagens: o fogo, o
batismo, a divisão.
A imagem do
fogo aparece numa frase tão difícil de traduzir como de interpretar: «Eu vim
trazer o fogo à terra e que quero Eu senão que ele se acenda?» (versículo 49).
Como entender a palavra «fogo»? Na tradição bíblica, o fogo era um dos símbolos
utilizados para indicar a presença divina e a sua santidade (cf. Isaías 6).
Inclusive, chega a afirmar, metaforicamente, que «Deus é fogo» (Hebreus 12,
29). É muito provável que Lucas pensasse no fogo divino do Espírito Santo, que
Jesus envia aos que o querem aceitar no dia de Pentecostes (Atos 2, 3).
Com a
imagem do batismo (em grego: «baptisma», isto é, «banho») (versículo 50), Jesus
compara a sua paixão e morte a uma imersão total no sofrimento redentor (cf.
Marcos 10, 38). Por outras palavras, tem que se submergir no transe do seu
martírio, pois essa é a vontade do Pai.
O drama da
família dividida (versículos 51-53) evoca a dolorosa profecia do ancião Simeão
a Maria (Lucas 2, 34-35). Lucas alude à dor de alguns crentes, que, sobretudo
em tempo de perseguição, se viam traídos pelos mais íntimos, inclusive pelos
seus próprios familiares. Cristo oferece a paz, embora alguns fazem dela um
pretexto de guerra. Os versículos 52-53, glosa de um texto do profeta Miqueias
(7, 6), que todos conheciam, descrevem a degradação extrema a que um povo pode
chegar.
Reflexão de Frei
Carlos Mesters, O.Carm
S. Maximiliano Maria Kolbe Presbítero e Mártir |
* O
evangelho de hoje traz algumas frases soltas de Jesus. A primeira sobre o fogo
na terra só ocorre em Lucas. As outras têm frases mais ou menos paralelas em
Mateus. Isto nos remete para o problema da origem da composição destes dois
evangelhos que já fez correr muita tinta ao longo dos últimos dois séculos e só
será resolvido plenamente quando pudermos conversar com Mateus e Lucas, depois
da nossa ressurreição.
* Lucas 12,49-50: Jesus veio trazer
fogo sobre a terra.
"Eu
vim para lançar fogo sobre a terra: e como gostaria que já estivesse aceso!
Devo ser batizado com um batismo, e como estou ansioso até que isso se cumpra!”
A imagem do fogo ocorre muito na Bíblia e não tem um sentido único. Pode ser
imagem de devastação e castigo e também pode ser imagem de purificação e
iluminação (Is 1,25; Zc 13,9). Pode até evocar proteção como transparece em
Isaías: “Se passar pelo fogo, estarei contigo” (Is 43,2). João Batista batizava
com água, mas depois dele Jesus haveria de batizar pelo fogo (Lc 3,16). Aqui, a
imagem do fogo é associada à ação do Espírito Santo que desceu no dia de
Pentecostes sob a imagem de línguas de fogo (At 2,2-4). Imagens e símbolos
nunca têm um sentido obrigatório, totalmente definido, que não permitiria
divergência. Nesse caso já não seria imagem nem símbolo. É da natureza do
símbolo provocar a imaginação dos ouvintes e expectadores. Deixando liberdade
aos ouvintes, a imagem do fogo combinado com a imagem do batismo indica a
direção na qual Jesus quer que a gente dirija a imaginação. Batismo é associado
com água e é sempre expressão de um compromisso. Em outro lugar o batismo
aparece como símbolo do compromisso de Jesus com a sua paixão: “Você podem ser
batizados com o batismo com que serei batizado?”. (Mc 10,38-39).
* Lucas 12,51-53: Jesus veio trazer
a divisão.
Jesus
sempre fala em paz (Mt 5,9; Mc 9,50; Lc 1,79; 10,5; 19,38; 24,36; Jo 14,27;
16,33; 20,21.26). Então, como entender a frase do evangelho de hoje que parece
dizer o contrário: “Vocês pensam que eu vim trazer a paz sobre a terra? Pelo
contrário, eu lhes digo, vim trazer divisão”. Esta afirmação não significa que
Jesus estivesse a favor da divisão. Não! Jesus não quer a divisão. Mas o
anúncio da verdade de que ele, Jesus de Nazaré, era o Messias tornou-se motivo
de muita divisão entre os judeus. Dentro da mesma família ou comunidade, uns
eram a favor e outros radicalmente contra. Neste sentido a Boa Nova de Jesus
era realmente uma fonte de divisão, um “sinal de contradição” (Lc 2,34) ou,
como dizia Jesus: “Ficarão divididos: o pai contra o filho, e o filho contra o
pai; a mãe contra a filha, e a filha contra a mãe; a sogra contra a nora, e a
nora contra a sogra”. Era o que estava acontecendo, de fato, nas famílias e nas
comunidades: muita divisão, muita discussão, como conseqüência do anúncio da
Boa Nova entre os judeus daquela época, uns aceitando, outros negando. O mesmo
vale para o anúncio da fraternidade como o valor supremo da convivência humana.
Nem todos concordavam com este anúncio, pois preferiam manter seus privilégios.
Por isso, não tinham medo de perseguir os que anunciavam a fraternidade e a
partilha. Esta é a divisão que surgia e que está na origem da paixão e morte de
Jesus. Era o que estava acontecendo. Era o julgamento em andamento. Jesus quer
é a união de todos na verdade (cf. Jo 17,17-23). Até hoje é assim. Muitas vezes,
lá onde a Igreja se renova, o apelo da Boa Nova se torna um “sinal de
contradição” e de divisão. Pessoas que durante anos viveram acomodadas na
rotina da sua vida cristã, já não querem ser incomodadas pelas “inovações” do
Vaticano II. Incomodadas pelas mudanças, elas usam toda a sua inteligência para
encontrar argumentos em defesa de suas opiniões e para condenar as mudanças
como contrárias ao que elas pensam ser a verdadeira fé.
Para um confronto pessoal
1. Buscando a união, Jesus era causa de divisão. Isto já
aconteceu com você?
2. Diante das mudanças na Igreja, como me situo?
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