quarta-feira, 27 de julho de 2016

O Ano Santo da Misericórdia: Sugestões da Regra do Carmo para viver a misericórdia

Frei Carlos Mesters, carmelita, Convento do Carmo de Angra dos Reis/RJ.

"Jesus Cristo é o rosto da misericórdia do Pai. O mistério da fé cristã parece encontrar nestas palavras a sua síntese. Tal misericórdia tornou-se viva, visível e atingiu o seu clímax em Jesus de Nazaré.

O Pai, “rico em misericórdia” (Ef 2, 4), depois de ter revelado o seu nome a Moisés como “Deus misericordioso e clemente, lento na ira, e cheio de bondade e fidelidade” (Ex 34, 6), não cessou de dar a conhecer, de vários modos e em muitos momentos da história, a sua natureza divina.

Na “plenitude do tempo” (Gl 4, 4), quando tudo estava pronto segundo o seu plano de salvação, mandou o seu Filho, nascido da Virgem Maria, para nos revelar, de modo definitivo, o seu amor. Quem O vê, vê o Pai (cf. Jo 14, 9). Com a sua palavra, os seus gestos e toda a sua pessoa, Jesus de Nazaré nos revela a misericórdia de Deus"

Com estas palavras o Papa Francisco começa a carta em que anuncia o Jubileu da Misericórdia. Ele termina a carta informando que o Jubileu terá início no dia 8 de dezembro de 2015 e será encerrado na festa de Cristo Rei, 20 de novembro de 2016. Ele escreve: "Será um Ano Santo extraordinário para viver, na existência de cada dia, a misericórdia que o Pai, desde sempre, estende sobre nós. Neste Jubileu, deixemo-nos surpreender por Deus. Ele nunca Se cansa de escancarar a porta do seu coração, para repetir que nos ama e deseja partilhar conosco a sua vida".

No dia 8 de dezembro, o Papa dará início ao Jubileu abrindo a Porta Santa na basílica de São Pedro. Na carta ele pede que todos procurem abrir a porta do coração para a misericórdia poder entrar e tomar conta de tudo. E ele destaca como a misericórdia de Deus alcança o seu ponto alto, seu clímax, em Jesus que é o rosto da misericórdia do Pai, o misericordiae vultus.

Como Província Carmelitana de Santo Elias queremos atender ao pedido do Papa e empenhar-nos na vivência da misericórdia. O Papa pede três coisas:
1) abrir a porta do coração para a misericórdia;
2) deixar-nos surpreender por Deus
3) perceber o clímax da misericórdia de Deus em Jesus.

Nesta breve reflexão, vamos aprofundar estes três pedidos do Papa Francisco veremos os conselhos que a Regra do Carmo nos oferece para melhor atender aos pedidos do Papa.

1) O primeiro pedido do Papa: Abrir a porta do coração para a Misericórdia

A própria palavra "misericórdia" tem a ver com o coração, pois ela é uma junção de dois vocábulos: miseri e córdia, ou seja: miséria e coração. Uma pessoa misericordiosa é uma pessoa que tem o coração aberto para a miséria dos outros. É a atitude de quem não se fecha em si mesmo, mas se envolve nas necessidades dos irmãos e das irmãs que cruzam o seu caminho. Foi o que Jesus fez e viveu.

Já no Antigo Testamento, os profetas apontavam três portas para perceber a ação da misericórdia de Deus. São portas que existem até hoje na vida de todos nós: (1) Isaías indicou porta do amor das mães; (2) Jeremias indicou a porta da natureza; (3) Um discípulo de Isaías indicou a porta do serviço.  Não são três portas diferentes, mas é uma única porta com três batentes.

(1) A porta do amor das mães.
Porta antiga, sempre nova! Esta porta, as mães a conhecem e vivem. Nós, os filhos e as filhas, a conhecemos e experimentamos. Na época do cativeiro, o profeta Isaías chamou a atenção para esta porta. Ele dizia às pessoas desanimadas: "O povo anda dizendo: 'Javé me abandonou; o Senhor se esqueceu de mim'. Mas pode a mãe se esquecer do seu nenê? Pode ela deixar de ter amor pelo filho de suas entranhas? Ainda que ela se esqueça, eu não me esquecerei de você". (Is 49,14-15). Foi no amor das mães que Isaías descobriu uma expressão da misericórdia de Deus.

Jeremias dizia: "De longe Deus me apareceu e disse: Eu amo você com amor eterno; por isso, conservo o meu amor por você". (Jr 31,3). Jeremias escutou esta frase no momento mais escuro da história do povo. Foi no cativeiro da Babilônia. É como se Deus dissesse ao povo: “Depois de tudo que você fez, você nem mereceria ser amada. Mas meu amor por você não depende daquilo que você fez ou faz por mim ou contra mim. Quando comecei a amar você, eu o fiz com um amor eterno. Por isso, apesar de tudo que você me fez, apesar de todos os seus defeitos e pecados, eu gosto de você. Eu amo você com amor eterno; por isso conservei o meu amor por você. Mesmo você me matando, eu amo você e fico esperando o seu retorno”. Jesus confirmou este amor quando na cruz pediu perdão ao Pai pelos seus assassinos: "Pai, perdoai! Eles não sabem o que estão fazendo!".

(2) A porta da natureza.
Porta antiga, sempre nova! Na época do cativeiro, o povo dizia: "Deus me abandonou; o Senhor se esqueceu de mim". Eles achavam que não eram mais povo de Deus. Tinham sido infiéis à aliança e o rei Nabucodonosor tinha destruído todos os sinais da misericórdia de Deus. Achavam que Deus tinham rompido com eles. Estavam sem esperança. O profeta Jeremias reagiu dizendo que tinha muita esperança. "Jeremias, qual o fundamento da sua esperança?" E ele respondia: "O sol vai nascer amanhã!" “Assim diz Javé, aquele que estabelece o sol para iluminar o dia e ordena à lua e às estrelas para iluminarem a noite, aquele cujo nome é Javé dos exércitos: quando essas leis falharem diante de mim - oráculo de Javé - então o povo de Israel também deixará de ser diante de mim uma nação para sempre!” (Jr 31,35-36; cf. 33,20-21).

Jeremias chamava a atenção do povo para a misericórdia de Deus que se manifesta no nascer do sol. Nabucodonosor pode ser forte, mas ele não consegue impedir o nascimento do sol. O nascer do sol é pura gratuidade, expressão do bem-querer do Criador. Jeremias ajudou o povo a observar a natureza com um novo olhar. Na certeza do nascer do sol, ele via um sinal da misericórdia de Deus. Ele experimentava a misericórdia de Deus nos fenômenos da natureza e nas coisas da vida: no pôr do sol, no sorriso de uma criança, na bondade de um amigo, no sofrimento paciente de uma doente, na gratidão de um mendigo ao qual você tinha dado uma esmola...? Tantos sinais de misericórdia!

Aqui podemos acrescentar os inúmeros salmos que cantam a beleza da natureza: o ar, o vento, as montanhas, as árvores, o sol e a lua, as estrelas, os pássaros, as estações do ano, as tempestades, a vida, etc. etc.

(3) A porta do serviço
Porta nova a ser reaberta cada vez de novo! No período dos reis, o ideal do povo era este: chegar a ser um povo glorioso, escolhido, maior e mais forte que os outros povos. Mas este ideal não deu certo. Pelo contrário! No cativeiro tudo se desintegrou. Descobriram que a missão deles não é eles serem um povo forte e dominador, mas sim serem um povo humilde e servidor. Na crise e na catástrofe do cativeiro, nasceu o ideal do povo servidor. Os capítulos 40 a 66 do livro de Isaías trazem os quatro cânticos do Servo ou servidor de Deus: (1) Deus apresenta o seu servo à humanidade (Is. 42,1-9). (2) O Servo conta como descobriu a sua missão (Is 49, 1-7). (3) O Servo conta como está realizando a sua missão (Is 52,4-10). (4) Os convertidos pelo testemunho do Servo contam como o Servo sofreu, morreu e ressuscitou (Is 52,13-53,12). Estes cânticos do Servo eram a cartilha que sustentava a esperança dos pobres e os orientava no caminho da vida.

* Deus dizia ao povo: "Você é o meu servo; eu o escolhi e jamais o rejeitei. Não tenha medo, pois eu estou com você. Não precisa olhar com desconfiança, pois eu sou o seu Deus. Eu fortaleço você, eu o ajudo e o sustento com minha direita vitoriosa". (Is 41,9-10).
* Quando povo descobriu sua missão como servo, ele dizia: "Eu ainda estava no seio materno, e o Senhor já me chamava; nas entranhas da minha mãe eu estava, e Ele já pronunciava o meu nome. Ele disse: “Você é o meu Servo! Você me traz muita satisfação!”E eu já andava dizendo: “Cansei-me em vão! Gastei minhas forças com vento, com nada!”Na realidade, meu direito, o Senhor o defendia, e o meu salário, Deus o assegurava! Fui levado a sério aos olhos do Senhor, Deus se fez a minha força! (Is 49,1. 3-6).

* Foi a profecia do Servo que orientou Maria. Ela disse ao anjo Gabriel: "Eis aqui a serva do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua palavra!" (Lc 1,38).

* Foi a profecia do Servo que orientou Jesus na escolha e realização da sua missão. Ele dizia: "O Filho do Homem não veio para ser servido. Ele veio para servir e dar a sua vida como resgate para muitos" (Mc 10,45). E quando se apresentou pela primeira vez na sinagoga de Nazaré, ele se apresentou ao povo com as palavras do resumo que Isaías fez da missão do Servo de Javé: "O Espírito do Senhor está sobre mim e ele me ungiu ara anunciar a Boa Nova aos pobres....!" (Lc 4,18s e Is 61,1-2).

Como abrir esta porta do amor, da natureza e do serviço? Como a Regra do Carmo pode ajudar-nos para abrir esta porta da misericórdia em nossas vidas?

Um primeiro conselho da Regra: a reunião semanal. A Regra diz: "Nos domingos ou em outros dias, caso for necessário, vocês devem tratar da conservação da ordem e do bem-estar das pessoas. Nesta mesma ocasião, sejam também corrigidas com caridade as faltas e culpas que, por ventura, forem encontradas em algum dos irmãos" (Rc 15). A observância constante deste conselho leva o carmelita a sentir-se responsável pelo andamento da sua comunidade e a preocupar-se com o bem estar de cada irmão. Assim, o coração vai abrindo sua porta para sentir o problema dos irmãos. É por esta porta que a misericórdia de Deus vai poder entrar e tomar conta de tudo.

Um segundo conselho da Regra: a vida em comunidade. A Regra pede que, no uso e na distribuição dos bens, estejamos atentos às necessidades de cada irmão e irmã (Rc 12). Ela cita o exemplo de trabalho do apóstolo Paulo que vivia preocupado para não ser peso para os outros. Ele dizia: “Estivemos com vocês trabalhando dia e noite, sem descansa, para não dar despesa a ninguém. Não como se não tivéssemos o direito, mas sim para dar-lhes um exemplo a imitar. De fato quando estávamos com vocês, repetíamos com insistência: ‘Quem não quiser trabalhar, também não coma!’ Ora ouvimos dizer que entre vocês alguns levam uma vida irrequieta, sem fazer nada. A estas pessoas avisamos e ordenamos, em nome do Senhor Jesus Cristo, que trabalhando em silêncio ganhem e comam seu próprio pão". Este caminho é santo e bom. É nele que devem andar! Paulo pede para que ninguém viva à toa, à custa dos outros. Pelo contrário, cada um deve estar compenetrado da sua obrigação de conviver em comunidade, prestando serviço aos irmãos (Rc 20). A Regra pede ainda que todos façam um esforço para viver em fraternidade como pessoas maduras e responsáveis (Rc 22 e 23).

Estes conselhos tão simples e evangélicos da nossa Regra fazem com que o carmelita, aos poucos, vá abrindo a porta do seu coração para as necessidades dos irmãos e para a misericórdia de Deus.

2) O segundo pedido do Papa: Deixar nos surpreender por Deus

O Papa Francisco diz na sua carta: "Neste Jubileu, deixemo-nos surpreender por Deus. Ele nunca Se cansa de escancarar a porta do seu coração, para repetir que nos ama e deseja partilhar conosco a sua vida". Como deixar-nos surpreender por Deus? Uma surpresa é algo que você não esperava e que acontece de repente. E quando a surpresa tem a ver com algo dentro da gente que, de repente, aparece iluminado por Deus, aí a surpresa é maior ainda. Deus, ele mesmo, é a maior surpresa. Eis algumas destas inacreditáveis surpresas de Deus:

* Ao ser assassinado na cruz, Jesus não fica com raiva nem pensa em vingança, mas pede perdão pelos seus assassinos: "Pai, perdoa, ele não sabem o que estão fazendo (Lc 23,24).

* Ao lado de Jesus na cruz, um ladrão recebe esta promessa: "Hoje mesmo você estará comigo no Paraíso" (Lc 23,43). O primeiro que entrou no céu é um ladrão arrependido!

* Pedro quer saber quantas vezes deve perdoar: "Sete vezes?" Sete significa sempre. Jesus responde: "Setenta vezes sete!" (Mt 18,27), isto é: "Setenta vezes sempre!"

*Jesus está sentado à mesa na casa de pecadores e publicanos. Criticado pelos fariseus, responde: "Não vim buscar os justos, mas sim os pecadores!" (Mc 2,17).

* Na parábola, o filho mais novo pede: "Pai, me dá a herança!" (Lc 15,12). Com outras palavras: "Quero que o senhor morra!' O Pai atende e faz festa para este seu filho.

*Ela foi pego em flagrante de adultério. "Quem for sem pecado por jogar pedra!" Jesus disse: "Ninguém te condenou? Eu também não te condeno" (Jo 8,10).

* Judas o traiu. Pedro o negou três vezes. Todos os abandonaram. Ficou totalmente só. Sabendo de tudo isto, Jesus disse: Depois da ressurreição espero por vocês na Galileia" (Mc 14,27-28).

Dá para você imaginar surpresa maior do que estas? O que devo fazer para deixar-me surpreender por Deus? Não temos nenhum meio para obrigar Deus a se manifestar a nós. Isto depende dele, só dele. Aqui também a Regra oferece alguns conselhos.

Um primeiro conselho da Regra: Meditar dia e noite na lei do Senhor
Este conselho diz respeito à carteira de identidade do Carmelo: "Permaneça cada um em sua cela ou na proximidade dela, meditando dia e noite na Lei do Senhor e vigiando em orações, a não ser que esteja ocupado em outros justificados afazeres" (Rc 10). Este meditar constante dispõe o coração para uma atitude de entrega a Deus, para que Deus possa entrar e tomar conta. No Carmelo, oração e meditação não são uma atividade ao lado das outras atividades, mas são a própria vida do Carmelo. Não são um ladrilho ao lado dos outros ladrilhos, mas são a parede que sustenta todos os ladrilhos. Quando as outras atividades cessam, a meditação da Palavra e a oração permanecem.

A cela ou o quarto oferece o espaço físico da solidão para a meditação e a oração. O beato João Soreth diz que a cela material, o quarto, é símbolo da cela interior, para a qual deve ser recolhida a mente dispersa. A solidão material no quarto, sem a cela interior do coração, não vale e não tem sentido. A permanência na cela material ajuda a alimentar em nós a cela interior. Muitas vezes, porém, acontece o seguinte. Carmelitas leigos que vivem no borbulho da vida familiar, sem a cela material, vivem na sua cela interior muito mais do que nós frades que vivemos, cada um, na sua cela material.

São João da Cruz descreve como "recolher-se na cela", ou seja, como recolher a mente da distração e da alienação; como desapegar-se do apego; como incomodar em nós o acomodado; como perder a vida para poder possuí-la. Assim, aos poucos, o acesso à fonte vai ser desobstruído e a água poderá inundar livremente a vida, e a surpresa da misericórdia de Deus acontece.

Um segundo conselho da Regra: Usar as armas espirituais
Num longo capítulo a Regra descreve como devem ser usadas as armas espirituais do cinto, colete, couraça, escudo, capacete e da espada, para que possamos deixar-nos surpreender por Deus:

O cinto de castidade nos rins (Ef 6,14). Os rins sugerem os sentimentos mais profundos. Devemos "proteger os rins" para não virar joguete de tendências e estímulos contraditórios. O cinto de castidade visa o controle equilibrado dos sentimentos e desejos do coração. Ele ajuda a abrir a porta do coração para que a misericórdia de Deus possa entrar e tomar conta de tudo.

O colete dos pensamentos santos para o peito (Prov 2,11). Pensamento santo vem do Livro Santo. O peito indica o centro dos anseios e do pensamento. O colete do pensamento santo sugere a aquisição de uma consciência crítica frente à ideologia dominante. Ajuda a discernir se o meu sentimento sobre Deus e sobre a misericórdia é verdadeiro, ou se é só um desejo egoísta de autopromoção.

A couraça da justiça para o corpo (Mt 22,37; Dt 6,5). A Regra usa a palavra justiça como sinônimo de amor a Deus e ao próximo. Trata-se da justiça do Reino de que fala Jesus: "Buscai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça!" (Mt 6,33) Ou seja, o amor a Deus deve ser total: de todo coração, de toda alma, com todas as forças. Esta entrega total a Deus nos abre para a misericórdia.

O escudo de fé contra as flechas de fogo (Ef 6,6). O capítulo 11 da carta aos Hebreus dá uma ideia do que vem a ser o escudo protetor da fé. Ele descreve como, no passado, a fé foi a grande força que animou e guiou o povo na sua caminhada. Pois, "sem a fé é impossível agradar a Deus".

O capacete da salvação na cabeça (Ef 6,15). A Regra associa a esperança com a salvação. Ter o capacete de salvação na cabeça significa ter na cabeça a esperança de que só Jesus pode trazer a libertação. É permitir que Jesus nos liberte de nós mesmos e nos leve a abrir a porta para a misericórdia.

A espada da Palavra na boca e no coração (Col 3,17). A espada é a única arma ofensiva. As outras são de defesa. A "espada do Espírito" é a Palavra de Deus que deve "habitar" na boca e no coração. Habitar significa sentir-se em casa. Sentir familiaridade, liberdade e fidelidade, frente à Palavra de Deus!

A finalidade do uso de todas estas armas é uma só: fazer com que Deus possa penetrar nossos pensamentos e sentimentos através da fé, da esperança e do amor, "para que tudo seja feito na Palavra de Deus" (Rc 19) e, assim, vivamos e irradiemos a misericórdia de Deus.

Um terceiro conselho da Regra: Fazer tudo na palavra do Senhor
A Regra recomenda por nove vezes a leitura orante da Bíblia: (1) ouvir a Sagrada Escritura durante as refeições (Rc 7); (2) meditar dia e noite a Lei do Senhor (Rc 10); (3) rezar os Salmos ou horas canônicas (Rc 11); (4) participar diariamente da Eucaristia (Rc 14); (5) ter pensamentos santos (Rc 19); (6) a Palavra deve habitar na boca e no coração (Rc 19); (7) agir sempre de acordo com a Palavra de Deus (Rc 19); (8) ler com frequência as cartas de Paulo (Rc 20); (9) ter diante de si o exemplo de Jesus como está nos evangelhos (Rc 22).

A Palavra de Deus é capaz de abrir a porta do coração e de nos fazer sentir a surpresa de Deus. Diz a carta aos hebreus: "A palavra de Deus é viva, eficaz e mais penetrante do que qualquer espada de dois gumes; ela penetra até o ponto onde a alma e o espírito se encontram, e até onde as juntas e medulas se tocam; ela sonda os sentimentos e pensamentos mais íntimos" (Hb 4,12). Assim, pouco a pouco, se começa a ver tudo à luz de Deus. Aos poucos, vai aparecendo a surpresa da misericórdia de Deus.

3) O terceiro pedido do Papa: Perceber a misericórdia de Deus em Jesus

O Papa Francisco diz que a Boa Nova da misericórdia de Deus vem desde as primeiras páginas da Bíblia, mas ela "tornou-se viva, visível e atingiu o seu clímax em Jesus de Nazaré". De fato, os quatro evangelhos deixam transparecer de muitas maneiras como Jesus irradiava esta misericórdia de Deus nas suas palavras e gestos para com as pessoas:
A moça do perfume (Lc 7,36-50),
A viúva de Naim (Lc 7,11-17),
As crianças (Mc 10,13-16),
O cego de Jericó (Mc 10,46-52),
Os doentes (Mt 4,23-25),
O povo faminto (Mc 8,1-9),
Os leprosos (Mc 1,40-45; Lc 17,12-19; 7,22),
O paralítico de trinta e oito anos (Jo 5,1-9),
A mulher adúltera (Jo 8,1-11),
A menina de doze anos (Mc 5,35-43),
A mulher de hemorragia irregular (Mc 5,25-34),
A mulher curvada durante dezoito anos (Lc 13,10-17),
O pai do menino epilético (Lc 9,37-43),
A Samaritana (Jo 4,7-26),
A Cananéia (Mt 15,21-28),
Zaqueu (Lc 19,1-10),
O oficial romano (Mt 8,5-13),
A sogra de Pedro (Mc 1,29-31),
E tantas e tantos outros.

De fato, todos estes episódios que Jesus é, como diz o Papa Francisco, "o clímax da misericórdia do Pai". Ele é o centro de tudo. A mesma centralidade de Jesus transparece na Regra do Carmo. Jesus é o centro de tudo! Eis um levantamento dos pontos onde a Regra fala explicitamente de Jesus.

* O prólogo da Regra define a vida carmelitana como “viver em obséquio de Jesus Cristo e servir a ele de coração puro e boa consciência” (Rc 2). A preocupação de "viver em obséquio de Jesus" percorre a Regra de ponta a ponta. Ela é o pano de fundo, contra o qual deve ser lido e interpretado tudo o que segue nos vários capítulos da Regra.

* "Meditar dia e noite na Lei do Senhor", isto é, meditar nas palavras de Jesus (Rc 10).

* Recomenda a Eucaristia diária, isto é, a vida deve estar centrada em torno da vivência do Mistério Pascal de Jesus, morto e ressuscitado (Rc 14).

* Recomenda o jejum desde o dia da exaltação da Cruz até o dia da Ressurreição. Isto é, sugere uma contínua atenção ao mistério da pessoa de Jesus durante o ano inteiro (Rc 16).

* "Os que querem viver piedosamente em Cristo padecem perseguição" (Rc 18). Ou seja, os que querem viver o ideal apresentado pela Regra terão a cruz de Jesus como parte da sua vida.

* Recomenda que o carmelita siga "o ensinamento e o exemplo do apóstolo Paulo, pois por sua boca Cristo nos falava". No mesmo capítulo, Alberto pede, "em nome de Senhor Jesus Cristo", que os preguiçosos e vagabundos “trabalhem em silêncio e ganhem o seu próprio pão” (Rc 20).

* Recomenda a prática do silêncio, lembrando a palavra de Jesus que diz que "de toda palavra inútil que a gente disser teremos que prestar conta a Deus" (Rc 21).

* Lembra ao superior que ele deve imitar o que Jesus diz no Evangelho: “Quem quiser ser o primeiro deve ser o servo de todos” (Rc 22)

* Lembra aos súditos de ver a Jesus na pessoa do superior (Rc 23)

* Evoca a parábola do Samaritano onde diz que o Senhor na sua volta pagará (Rc 24).

Resumindo e Concluindo
A Vida em obséquio de Jesus tem um ritmo diário, semanal e anual. Diário, porque diariamente os carmelitas devem celebrar a eucaristia, rezar o ofício e meditar a lei do Senhor. Semanal, porque uma vez por semana devem fazer revisão de vida e verificar se estão vivendo realmente em obséquio de Jesus. Anual, porque, cada ano, devem jejuar desde a festa da Santa Cruz até Páscoa, seguindo o ritmo do ano litúrgica que percorre a vida de Jesus, desde o nascimento até a morte e ressurreição.

Este tríplice ritmo de vida cria um ambiente que favorece viver em obséquio de Jesus Cristo e nos ajuda a abrir a porta do coração para a misericórdia, a deixar-nos surpreender por Deus e a perceber o ponto alto da misericórdia de Deus em Jesus Cristo, Nosso Senhor.
O apóstolo Paulo transmite a mesma experiência do amor eterno de Deus quando diz: "Estou convencido de que nem a morte nem a vida, nem os anjos nem os principados, nem o presente nem o futuro, nem os poderes nem as forças das alturas ou das profundidades, nem qualquer outra criatura, nada nos poderá separar do amor de Deus, manifestado em Jesus Cristo, nosso Senhor" (Rom 8,38-39).

Aqui está a fonte permanente da misericórdia, do serviço e da fraternidade, que o evangelho pede de nós e que o Papa Francisco retomou para este Ano da Misericórdia.


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