No
terceiro cântico são acentuados os sofrimentos do Servo de Javé: hostilidade,
perseguição, violência, fracasso. Como discípulo, o Servo não diz o que lhe
agrada, mas tem por missão transmitir as palavras, que atentamente escuta do
Senhor, aos desanimados e hesitantes. Por isso, não opõe resistência a Deus.
Sabe que Deus está com ele e, por isso, mantém-se forte e manso diante dos
perseguidores. Acolheu fielmente a Palavra e não recua diante da violência com
que tentam afastá-lo ou reduzi-lo ao silêncio. Não se verga ao sofrimento, nem
se deixa desnortear. Deus vai intervir para o justificar diante dos opositores.
Por isso, proclama com determinação e fidelidade a Palavra escutada da boca de
Deus: «O Senhor Deus vem em meu auxílio; quem ousará me condenar?» (v. 9).
«Um
dos Doze», um dos amigos íntimos de Jesus foi entregá-lO aos que O pretendiam
matar. Foi por sua iniciativa, livremente. A partir desse momento, continuando
no grupo dos discípulos, que partilhavam a vida e a missão do Mestre, ficou à
espera de «uma oportunidade: (v. 16) para O entregar. É arrepiante!
A
liberdade humana é capaz de tudo, até de se transcender na iniquidade, obra de
Satanás (cf. Lc 22, 3 e Jo 13, 2). Mateus dá-o a entender, quando cita
Zacarias: «Quanto me dareis, se eu o entregar?» Eles garantiram-lhe trinta
moedas de prata» (v. 15; cf. Zc 11, 12). Mais significativo é o uso teológico
do verbo «entregar» (paradídoml). Trata-se de uma «entrega-traição», da parte
dos homens, e uma «entregadom», da parte do Pai, que entrega o Filho, e da parte
do Filho que se entrega a Si mesmo até à morte na cruz (Jo 19, 30).
Jesus
sente que a sua «hora» se aproxima. Por isso, ordena que a celebração da Páscoa
seja devidamente preparada. Deseja ardentemente comê-la com os discípulos pois,
nela, o antigo memorial dará lugar ao novo, deixando-nos o seu Corpo e o seu
Sangue como alimento e bebida. A entrega de Si mesmo acontece num ambiente
toldado pelo anúncio da entrega-traição. Os discípulos mergulham num clima de
insegurança e de desconfiança. Fazem perguntas a Jesus, chamando «Senhor»
(Kyrios), enquanto Judas o chama simplesmente «Mestre». (Rabi). Mas Jesus é, de
fato, Senhor. Por isso, conhece o traidor e reconhece que nele se cumprem as
Escrituras. A insegurança dos discípulos representa a nossa própria insegurança
perante a possibilidade de também nós virmos a atraiçoar e a negar Jesus.
A
Paixão de Jesus não foi um acontecimento imprevisto. Tudo fora profeticamente
anunciado, até o preço da traição (cf. Zc 11, 12-13). A referência à profecia
de Zacarias leva-nos a ver Jesus como o rei manso e humilde de que fala o mesmo
profeta (Zc 9, 9). Mas é, sobretudo, Isaías que profeticamente anuncia, com
pormenores impressionantes, todo o drama de Jesus. A primeira leitura
apresenta-nos, mais uma vez, o misterioso Servo de Javé, atormentado e
humilhado, mas cheio de paciência, e de obediente e confiante abandono em Deus.
É uma clara figura de Jesus na sua Paixão (vv. 5-6), onde se revelará a
majestade de Deus-Pai.
No
evangelho encontramos, de um lado, Judas que atraiçoa o Mestre e, do outro
lado, Jesus que dá orientações para a ceia pascal. Como mandavam os ritos,
Jesus devia explicar o significado dessa refeição singular e solene. Fê-lo
dando-lhe um sentido novo, em que se destacam dois elementos importantes: Jesus
torna os seus discípulos participantes da sua dignidade e do seu destino; o seu
sangue será derramado para remissão dos pecados.
Entre
a preparação e a celebração da ceia, é descoberto o traidor. Judas entrega
Jesus, e Jesus entrega-Se a Si mesmo. A traição torna-se ocasião para o dom
voluntário e total de Jesus. A sua morte torna-se fonte de vida. O seu Coração
vence a morte e transforma-a em vida para o mundo.
A
Páscoa estava desde sempre preparada em Deus. Mas, quando o Filho do homem veio
realizá-la no meio de nós, abriu-se para todo o homem um horizonte novo de
ilimitada liberdade, a liberdade de amar dando a própria vida, para se
reencontrar em plenitude no seio amante da Trindade.
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