segunda-feira, 16 de junho de 2014

Preparando-nos para a Festa do Corpo de Deus

A Regra do Carmo

Do lugar do Oratório e da Eucaristia diária (n.º 14)

14- O oratório, de acordo com as possibilidades, seja con­struído no meio das celas, aonde, cada dia pela manhã, vocês devem reunir-se para participar da soleni­dade da Missa, quando as circunstâncias o permitirem.

Um pouco de história: sobre o oratório no meio das celas e a Eucaristia diária
Alberto pede que o oratório (capela) seja construído no meio das celas dos frades. Então, será que ainda não havia uma capela no Monte Carmelo? Muito provavelmente, já existia um pequeno oratório no lugar onde moravam os primeiros carmelitas. Os peregrinos da época mencionam a existên­cia desta capela e informam que ela era dedicada a Santa Maria do Monte Carmelo. Então, porque a Regra manda construir algo que já existia? É que Alberto escreveu a Regra não só para aquele pri­meiro grupo, mas também para os outros grupos e comunidades carmelitanas que viriam depois. Cada nova comunidade deve ter um oratório ou uma capela num lugar central, onde os membros da comunidade devem reunir-se todos os dias de manhã para a celebração da Eucaristia. Olhando bem de perto, ponto por ponto, as palavras deste texto tão curto sobre a celebração diária da Eucaristia, a gente descobre uma riqueza muito grande:

Devem construir uma capela. A construção do templo material é expressão e símbolo da construção do templo espiritual, isto é, da comunidade feita de pedras vivas. A construção do templo espiritual é uma tarefa permanente que não termina nunca: ser fraternidade orante e profética no meio do povo.

No meio das celas. No centro do Carmelo está a casa de Deus, para onde tudo converge. Deus é o eixo da vida, o centro de tudo. Ele é o lugar dos encontros comunitários: missa, ofício divino, revisão semanal. "Nele vivemos, nos movemos e existimos" (At 17,28).

Onde devem reunir-se. Os frades devem sair de si mesmos para o meio das celas a fim de encontrar-se com os outros e com Deus. Vida mística não pode levar as pessoas a se concentrar em si mesmas, mas deve levá-las a abrir-se para os outros.

Todos os dias. Trata-se de um processo que deve ser recomeçado e reassumido cada dia de novo. A construção e a manutenção da capela material recorda a obrigação da construção espiritual.

De manhã. Após o sono restaurador da noite, quando de manhã Deus nos devolve a nós mesmos, o primeiro ato do dia é a Eucaristia. E é um ato comunitário que nos obriga a sair da solidão das celas para partilhar com os outros o pão da comunhão.

Para assistir à solenidade da Missa. No centro de tudo está a presença viva de Jesus, cuja memória perigosa é reativada todos os dias de manhã, fora de nós mesmos, lá no centro das celas, no eixo da comunidade. "Ele está no meio de nós!" A Regra diz: assistir à solenidade da Missa. Este jeito de falar é anterior ao Concílio Vaticano II. Hoje preferimos dizer: “participar da celebração eucarística”.

Se não for demasiadamente incómodo. O rito é relativo. O que importa é a realidade por ele representada e celebrada. O rito não pode ocupar o centro. No centro está a memória da paixão, morte e ressurreição de Jesus. Quando a observância da letra se torna mais importante que o objetivo da mesma, a letra já matou o espírito!

Resumindo. O profeta Ezequiel pede que o Templo, a morada de Deus, fique no meio. Ele diz: "No meio das tribos deve estar o santuário" (Ez 48,8). No Monte Carmelo, cada frade tinha a sua cela, o seu oratório pessoal, onde ele passava o dia meditando na lei do Senhor e vigiando em orações (Rc 10). A presença do oratório comunitário no meio das celas é como a pedra central de um edifício que dá firmeza e consistência às outras pedras dos oratórios pessoais de cada frade. Cria-se assim um conjunto, cujo centro é a presença de Deus: "A presença do Senhor no meio de vós" (Ez 48,35). Saindo cada um do seu oratório pessoal, todos os dias, de manhã, eles saíam de si mesmos para encontrar-se com a memória perigosa da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus na Eucaristia. A capela no meio das celas evocava também a presença de Maria no meio dos Apóstolos (At 1,14), pois a pequena capela era dedicada a Santa Maria do Monte Carmelo.

A Forma de Vida, escrita por Alberto em 1207, estabelece três atos comunitários, mas cada um de um jeito diferente: 1) a Eucaristia, que reúne todos os frades, todos os dias, na mesma hora e no mesmo lugar (Rc 14); 2) o Ofício Divino, que congrega todos os frades, todos os dias, na mesma hora, mas não no mesmo lugar, pois todos o rezavam na sua própria cela (Rc 11); 3) a revisão semanal, que reúne todos os frades na mesma hora e no mesmo lugar, mas não todos os dias (Rc 15). A Regra aprovada pelo Papa Inocêncio IV em 1247, estabelece três atos comunitários que reúnem todos os frades, todos os dias, na mesma hora e no mesmo lugar: a refeição em comum (Rc 7), o Ofício Divino (Rc 11) e a Eucaristia (Rc 14).

Eucaristia, fonte de fraternidade
A fraternidade orante e profética está no centro do ideal do Carmelo. Ela é celebrada e aprofundada na Eucaristia como na sua fonte, que celebra a Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus, a doação que Ele fez da sua vida pelos irmãos (Rc 14). A palavra Eucaristia significa bendizer, agradecer. Eucaristia é, antes de tudo, ação de graças por tudo aquilo que Deus fez por nós ao longo da história e sobretudo através de Jesus. Eucaristia é celebrar a memó­ria de Jesus que se doou por nós e não teve medo de entregar sua vida, para que nós pudéssemos viver em Deus e ter acesso ao Pai. Aqui está o sentido profundo da Eucaristia diária: colocar presente no meio de nós, e experimentar na própria vida a experiência de Jesus que morre e ressuscita. O que Paulo escreve sobre a Eucaristia (1Cor 11,20-29), ele também o vivia na sua vida de cada dia (Fil 3,10-11).

E aqui acrescenta-se um aspecto todo especial que marca a Família Carmelitana, mas que caiu no esquecimento depois que se fez a reforma litúrgica por ocasião do Concílio Vaticano II. Na Igreja do Santo Sepulcro de Jerusalém, igreja catedral do patriarca Alberto, havia um rito próprio, todo ele centrado em torno da solene comemoração da ressurreição de Jesus, celebrada no lugar mesmo do sepulcro vazio. Junto com a Regra, os carmelitas receberam de Alberto este rito da Igreja do Santo Sepulcro, que ele chamou de “costume aprovado da Igreja” (Rc 11). Na reforma litúrgica, depois do Vaticano II, a Ordem abandonou este rito.

O que não pode ser abandonado é a insistência da Regra na celebração da ressurreição, que transparece em vários lugares. Por exemplo:

O jejum deve ser feito desde a festa da Exaltação da Santa Cruz, celebrada no dia 14 de Setembro, até o dia da Ressurreição do Senhor (Rc 16). Aqui, a cruz é vista como a glorificação que antecipa a luz da ressurreição.
O jejum deve ser feito todos os dias da semana, mas não nos Domingos (Rc 15). Porque o Domingo é o dia da ressurreição.
A reunião semanal de revisão deve ser feita nos Domingos (Rc 15), isto é, no ambiente alegre da ressurreição, o que ajuda a relativizar os sofrimentos da correção fraterna e faz crescer o amor mútuo.
A própria celebração diária da Eucaristia.
Eucaristia sem missa - Luzes que vêm da Bíblia

Acontece com frequência: pessoas, que participam da Missa todos os dias, caem na rotina e perdem o sentido da Eucaristia. Acontece também o contrário: pessoas, que não têm a oportunidade de participar da Eucaristia todos os dias, levam uma vida eucarística profunda. A riqueza oferecida pela Bíblia pode ajudar a um e a outro no aprofundamento do sentido da Eucaristia

Páscoa: a origem remota da Eucaristia
A Páscoa era a festa principal dos judeus. Nela se comemorava o Êxodo, a libertação da escravidão do Egito, que está na origem do povo de Deus. Mais do que só uma festa ou mera lembrança, a Páscoa era uma porta que se abria, cada ano de novo, para que cada geração, cada pessoa, pudesse ter acesso à mesma origem que, no passado, havia gerado o povo. Através da celebração da Páscoa, cada geração, cada pessoa, bebia da mesma fonte; experimentava na sua vida o que a primeira geração, no longínquo passado, havia experimentado ao ser libertado da escravidão do Egito. A celebração da Páscoa era como um renascimento anual. Eles procuravam viver em estado permanente de êxodo!

A celebração da Páscoa no tempo de Jesus
No tempo de Jesus, a celebração da Páscoa era feita de tal maneira que os participantes pudessem percorrer o mesmo caminho que foi percorrido pelo povo ao ser libertado do Egito, e ter a mesma experiência de Deus: o Deus Javé que escuta o clamor do oprimido, que chama a Moisés e a todos nós para libertar o povo da escravidão. Para que isto pudesse acontecer, a celebração da Páscoa se realizava com muitos símbolos. Por exemplo:

O símbolo da ervas amargas permitia experimentar a dureza e a amargura da escravidão.
O cordeiro mal assado lembrava a rapidez da ação divina libertando o povo.
O pão ázimo lembrava a necessidade da renovação constante.
Lembrava também a falta de tempo para preparar tudo, tal era a rapidez da ação divina.
A celebração presidida pelo pai de família lembrava a nova estrutura comunitária tribal.
A resposta do pai às perguntas do filho mais novo possibilitava lembrar todos os fatos.
Recordar: fazer passar novamente pelo coração

Era assim que eles re-cordavam e celebravam a Páscoa. Re-cordar quer dizer fazer passar tudo novamente (re) pelo coração (cor). Fazendo passar as coisas pelo coração, as gerações iam assimilando o seu próprio passado e cresciam em identidade. Descobriam também qual a sua missão, pois iam adquirindo uma visão mais crítica da realidade que viviam e que não estava de acordo com as exigências do projeto de Deus revelado no passado.

Páscoa: pano de fundo da Eucaristia
Tudo isto vale para entender melhor o significado da Eucaristia. O mistério pascal celebrada na Euca­ristia pode perder o seu brilho quando a rotina toma conta. Esquecer a riqueza da Páscoa dos judeus, quando se celebra a Eucaristia, é como tirar a parede na qual está pendurado o quadro. Os muitos aspectos da Páscoa dos judeus continuam válidos para a celebração da Páscoa de Jesus e dele são o pano de fundo. Eles mostram que, mesmo não se podendo participar da missa diária, a vida pode ser profundamente eucarística.

Resumindo, eis alguns aspectos do pano de fundo bíblico da Eucaristia:
Tomar consciência da opressão.
Libertação do Egito, da opressão.
Experimentar a grandeza do poder libertador de Deus.
Celebrar a Aliança, reassumir o compromisso.
Agradecer as maravilhas de Deus por nós.
Animar a fé, a esperança e o amor.
Lembrar o já feito e esperar o ainda não feito.
A doação que Jesus faz da sua vida.
Paixão, morte e ressurreição: o mistério da vida.
Comunhão na doação, força geradora da fraternidade.
Partilha dos bens, o maná do céu e do deserto.

Louvor ao Pai de todos os dons.

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