A Regra do Carmo
Do lugar
do Oratório e da Eucaristia diária (n.º 14)
14- O oratório, de
acordo com as possibilidades, seja construído no meio das celas, aonde, cada
dia pela manhã, vocês devem reunir-se para participar da solenidade da Missa, quando
as circunstâncias o permitirem.
Um pouco
de história: sobre o oratório no meio das celas e a Eucaristia diária
Alberto
pede que o oratório (capela) seja construído no meio das celas dos frades.
Então, será que ainda não havia uma capela no Monte Carmelo? Muito
provavelmente, já existia um pequeno oratório no lugar onde moravam os
primeiros carmelitas. Os peregrinos da época mencionam a existência desta
capela e informam que ela era dedicada a Santa Maria do Monte Carmelo. Então,
porque a Regra manda construir algo que já existia? É que Alberto escreveu a
Regra não só para aquele primeiro grupo, mas também para os outros grupos e
comunidades carmelitanas que viriam depois. Cada nova comunidade deve ter um
oratório ou uma capela num lugar central, onde os membros da comunidade devem
reunir-se todos os dias de manhã para a celebração da Eucaristia. Olhando bem
de perto, ponto por ponto, as palavras deste texto tão curto sobre a celebração
diária da Eucaristia, a gente descobre uma riqueza muito grande:
Devem
construir uma capela. A
construção do templo material é expressão e símbolo da construção do templo
espiritual, isto é, da comunidade feita de pedras vivas. A construção do templo
espiritual é uma tarefa permanente que não termina nunca: ser fraternidade
orante e profética no meio do povo.
No meio
das celas. No
centro do Carmelo está a casa de Deus, para onde tudo converge. Deus é o eixo
da vida, o centro de tudo. Ele é o lugar dos encontros comunitários: missa,
ofício divino, revisão semanal. "Nele vivemos, nos movemos e
existimos" (At 17,28).
Onde
devem reunir-se. Os
frades devem sair de si mesmos para o meio das celas a fim de encontrar-se com
os outros e com Deus. Vida mística não pode levar as pessoas a se concentrar em
si mesmas, mas deve levá-las a abrir-se para os outros.
Todos os
dias.
Trata-se de um processo
que deve ser recomeçado e reassumido cada dia de novo. A construção e a
manutenção da capela material recorda a obrigação da construção espiritual.
De
manhã. Após o sono
restaurador da noite, quando de manhã Deus nos devolve a nós mesmos, o primeiro
ato do dia é a Eucaristia. E é um ato comunitário que nos obriga a sair da
solidão das celas para partilhar com os outros o pão da comunhão.
Para
assistir à solenidade da Missa. No
centro de tudo está a presença viva de Jesus, cuja memória perigosa é reativada
todos os dias de manhã, fora de nós mesmos, lá no centro das celas, no eixo da
comunidade. "Ele está no meio de nós!" A Regra diz: assistir à
solenidade da Missa. Este jeito de falar é anterior ao Concílio Vaticano II.
Hoje preferimos dizer: “participar da celebração eucarística”.
Se não
for demasiadamente incómodo. O rito
é relativo. O que importa é a realidade por ele representada e celebrada. O
rito não pode ocupar o centro. No centro está a memória da paixão, morte e
ressurreição de Jesus. Quando a observância da letra se torna mais importante
que o objetivo da mesma, a letra já matou o espírito!
Resumindo. O profeta Ezequiel pede que o
Templo, a morada de Deus, fique no meio. Ele diz: "No meio das tribos deve
estar o santuário" (Ez 48,8). No Monte Carmelo, cada frade tinha a sua
cela, o seu oratório pessoal, onde ele passava o dia meditando na lei do Senhor
e vigiando em orações (Rc 10). A presença do oratório comunitário no meio das
celas é como a pedra central de um edifício que dá firmeza e consistência às
outras pedras dos oratórios pessoais de cada frade. Cria-se assim um conjunto,
cujo centro é a presença de Deus: "A presença do Senhor no meio de
vós" (Ez 48,35). Saindo cada um do seu oratório pessoal, todos os dias, de
manhã, eles saíam de si mesmos para encontrar-se com a memória perigosa da
Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus na Eucaristia. A capela no meio das celas
evocava também a presença de Maria no meio dos Apóstolos (At 1,14), pois a
pequena capela era dedicada a Santa Maria do Monte Carmelo.
A
Forma de Vida, escrita por Alberto em 1207, estabelece três atos comunitários,
mas cada um de um jeito diferente: 1) a Eucaristia, que reúne todos os frades,
todos os dias, na mesma hora e no mesmo lugar (Rc 14); 2) o Ofício Divino, que
congrega todos os frades, todos os dias, na mesma hora, mas não no mesmo lugar,
pois todos o rezavam na sua própria cela (Rc 11); 3) a revisão semanal, que
reúne todos os frades na mesma hora e no mesmo lugar, mas não todos os dias (Rc
15). A Regra aprovada pelo Papa Inocêncio IV em 1247, estabelece três atos
comunitários que reúnem todos os frades, todos os dias, na mesma hora e no
mesmo lugar: a refeição em comum (Rc 7), o Ofício Divino (Rc 11) e a Eucaristia
(Rc 14).
Eucaristia,
fonte de fraternidade
A
fraternidade orante e profética está no centro do ideal do Carmelo. Ela é
celebrada e aprofundada na Eucaristia como na sua fonte, que celebra a Paixão,
Morte e Ressurreição de Jesus, a doação que Ele fez da sua vida pelos irmãos
(Rc 14). A palavra Eucaristia significa bendizer, agradecer. Eucaristia é,
antes de tudo, ação de graças por tudo aquilo que Deus fez por nós ao longo da
história e sobretudo através de Jesus. Eucaristia é celebrar a memória de
Jesus que se doou por nós e não teve medo de entregar sua vida, para que nós
pudéssemos viver em Deus e ter acesso ao Pai. Aqui está o sentido profundo da
Eucaristia diária: colocar presente no meio de nós, e experimentar na própria
vida a experiência de Jesus que morre e ressuscita. O que Paulo escreve sobre a
Eucaristia (1Cor 11,20-29), ele também o vivia na sua vida de cada dia (Fil
3,10-11).
E
aqui acrescenta-se um aspecto todo especial que marca a Família Carmelitana,
mas que caiu no esquecimento depois que se fez a reforma litúrgica por ocasião
do Concílio Vaticano II. Na Igreja do Santo Sepulcro de Jerusalém, igreja
catedral do patriarca Alberto, havia um rito próprio, todo ele centrado em
torno da solene comemoração da ressurreição de Jesus, celebrada no lugar mesmo
do sepulcro vazio. Junto com a Regra, os carmelitas receberam de Alberto este
rito da Igreja do Santo Sepulcro, que ele chamou de “costume aprovado da
Igreja” (Rc 11). Na reforma litúrgica, depois do Vaticano II, a Ordem abandonou
este rito.
O
que não pode ser abandonado é a insistência da Regra na celebração da
ressurreição, que transparece em vários lugares. Por exemplo:
O
jejum deve ser feito desde a festa da Exaltação da Santa Cruz, celebrada no dia
14 de Setembro, até o dia da Ressurreição do Senhor (Rc 16). Aqui, a cruz é
vista como a glorificação que antecipa a luz da ressurreição.
O
jejum deve ser feito todos os dias da semana, mas não nos Domingos (Rc 15).
Porque o Domingo é o dia da ressurreição.
A
reunião semanal de revisão deve ser feita nos Domingos (Rc 15), isto é, no
ambiente alegre da ressurreição, o que ajuda a relativizar os sofrimentos da
correção fraterna e faz crescer o amor mútuo.
A
própria celebração diária da Eucaristia.
Eucaristia
sem missa - Luzes que vêm da Bíblia
Acontece
com frequência: pessoas, que participam da Missa todos os dias, caem na rotina
e perdem o sentido da Eucaristia. Acontece também o contrário: pessoas, que não
têm a oportunidade de participar da Eucaristia todos os dias, levam uma vida
eucarística profunda. A riqueza oferecida pela Bíblia pode ajudar a um e a outro
no aprofundamento do sentido da Eucaristia
Páscoa:
a origem remota da Eucaristia
A
Páscoa era a festa principal dos judeus. Nela se comemorava o Êxodo, a
libertação da escravidão do Egito, que está na origem do povo de Deus. Mais do
que só uma festa ou mera lembrança, a Páscoa era uma porta que se abria, cada
ano de novo, para que cada geração, cada pessoa, pudesse ter acesso à mesma
origem que, no passado, havia gerado o povo. Através da celebração da Páscoa,
cada geração, cada pessoa, bebia da mesma fonte; experimentava na sua vida o
que a primeira geração, no longínquo passado, havia experimentado ao ser
libertado da escravidão do Egito. A celebração da Páscoa era como um
renascimento anual. Eles procuravam viver em estado permanente de êxodo!
A celebração
da Páscoa no tempo de Jesus
No
tempo de Jesus, a celebração da Páscoa era feita de tal maneira que os
participantes pudessem percorrer o mesmo caminho que foi percorrido pelo povo
ao ser libertado do Egito, e ter a mesma experiência de Deus: o Deus Javé que
escuta o clamor do oprimido, que chama a Moisés e a todos nós para libertar o
povo da escravidão. Para que isto pudesse acontecer, a celebração da Páscoa se
realizava com muitos símbolos. Por exemplo:
O
símbolo da ervas amargas permitia experimentar a dureza e a amargura da
escravidão.
O
cordeiro mal assado lembrava a rapidez da ação divina libertando o povo.
O
pão ázimo lembrava a necessidade da renovação constante.
Lembrava
também a falta de tempo para preparar tudo, tal era a rapidez da ação divina.
A
celebração presidida pelo pai de família lembrava a nova estrutura comunitária
tribal.
A
resposta do pai às perguntas do filho mais novo possibilitava lembrar todos os
fatos.
Recordar:
fazer passar novamente pelo coração
Era
assim que eles re-cordavam e celebravam a Páscoa. Re-cordar quer dizer fazer
passar tudo novamente (re) pelo coração (cor). Fazendo passar as coisas pelo
coração, as gerações iam assimilando o seu próprio passado e cresciam em
identidade. Descobriam também qual a sua missão, pois iam adquirindo uma visão
mais crítica da realidade que viviam e que não estava de acordo com as
exigências do projeto de Deus revelado no passado.
Páscoa:
pano de fundo da Eucaristia
Tudo
isto vale para entender melhor o significado da Eucaristia. O mistério pascal
celebrada na Eucaristia pode perder o seu brilho quando a rotina toma conta.
Esquecer a riqueza da Páscoa dos judeus, quando se celebra a Eucaristia, é como
tirar a parede na qual está pendurado o quadro. Os muitos aspectos da Páscoa dos
judeus continuam válidos para a celebração da Páscoa de Jesus e dele são o pano
de fundo. Eles mostram que, mesmo não se podendo participar da missa diária, a
vida pode ser profundamente eucarística.
Resumindo,
eis alguns aspectos do pano de fundo bíblico da Eucaristia:
Tomar
consciência da opressão.
Libertação
do Egito, da opressão.
Experimentar
a grandeza do poder libertador de Deus.
Celebrar
a Aliança, reassumir o compromisso.
Agradecer
as maravilhas de Deus por nós.
Animar
a fé, a esperança e o amor.
Lembrar
o já feito e esperar o ainda não feito.
A
doação que Jesus faz da sua vida.
Paixão,
morte e ressurreição: o mistério da vida.
Comunhão
na doação, força geradora da fraternidade.
Partilha
dos bens, o maná do céu e do deserto.
Louvor
ao Pai de todos os dons.
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