segunda-feira, 15 de julho de 2013

MARIA NO CARMELO

Maria é o modelo da vida oração do Carmelo. De fato, o Carmelo vê o seu carisma personificado em dois grandes modelos bíblicos: o profeta Elias, do AT, e a Virgem Maria, do NT: “Reconhecemos na Virgem Maria e no Profeta Elias os modelos inspiradores e paradigmáticos [= modelares e significativos] desta experiência de fé, guias seguros na travessia dos árduos caminhos que levam ao cume do monte, Nosso Senhor Jesus Cristo” (ROTC 31). Deter-nos-emos hoje apenas em Maria, deixando Elias para depois.

1. A presença de Maria no Carmelo desde as origens da Ordem

A presença de Maria é uma constante no Carmelo desde as origens da Ordem. Sendo o propositum (a opção/empenho/regra de vida) dos primeiros carmelitas “viver em obséquio de Jesus Cristo”, venerado como Dono e Senhor da terra que adquiriu com a efusão do próprio Sangue (a Terra Santa, a princípio, o mundo inteiro, na realidade), isso trouxe espontaneamente consigo, dentro da mentalidade feudal do tempo, o relacionamento com Maria, a Mãe de Jesus. Ela é invocada como a “Dona e Senhora” do lugar (o Carmelo; daí o diadema ducal que coroa o escudo do Carmelo), como aquela que está atenta e cuida das necessidades dos servos do seu Filho, os quais, graças à redenção já operada por Cristo e à recepção do Espírito Santo, se sentem agora como seus “filhos” (no Filho) e “irmãos”, pois querem seguir o Senhor, tal como Maria, escutando a Palavra de Deus e pondo-a em prática (cf. Mc 3,35; Mt 12,50).

A entrega a Maria é expressa na dedicação do oratório, construído no centro das celas dos frades no Monte Carmelo: Os Irmãos da Bem-aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo estabeleceram-se em finais do s. XII “no Monte Carmelo, junto à fonte de Elias e receberam, a seu pedido, uma Fórmula de Vida, de Alberto, Patriarca de Jerusalém (1206-1214) que os constituiu numa única comunidade de eremitas, reunidos ao redor de um oratório dedicado a Maria” (ROTC 5). “Esta dedicação indica claramente a escolha pelos carmelitas, de Maria como Patrona”, o que implica “uma orientação espiritual de serviço,… de se colocar inteiramente à disposição, de se consagrar e viver em ‘obsequium’, não só de Jesus, mas também de Maria” (E. Boaga, Como pedras vivas, Roma 1989, 75). Por isso a profissão religiosa no Carmelo se fazia primeiro a Deus e logo a seguir “à bem-aventurada Virgem Maria”, o que na época traduzia “o desejo de ser parte viva na reforma da Igreja” (ibid.).

Aquele costume manteve-se até hoje dentro da Ordem, tendo os carmelitas dedicado sempre as suas Igrejas à bem-aventurada Virgem Maria onde quer que se fixavam. Estas Igrejas tinham quase sempre confrarias marianas (p. ex., a de Toulouse contava em 1267 com 5.000 membros de ambos os sexos, de onde, no s. XIV, se vêm a formar as monjas e as Ordens Terceiras, as quais, desde 1599 (Roma, San Martino ai Monti) se enriquecem com as Confrarias do Escapulário (cf. J. Smet, Los carmelitas, I, 33; Boaga, o.c., 149;)

Da dedicação do oratório a Maria, nasceu, por tradição popular local, o título de “Irmãos (isto é, religiosos) da Bem-aventurada Virgem Maria” a que mais tarde se acrescentou “do monte Carmelo” (1252). Tendo o título sido contestado por outras Ordens religiosas, a controvérsia atingiu o seu ápice na Universidade de Cambridge, na célebre disputa entre o carmelita João Horneby e o dominicano John Stokes, vencida pelo primeiro. Isto ocorreu a 17 de Julho de 1374, no mesmo dia em que exatamente cem anos atrás o 2º Concílio de Lião, na sexta e última sessão, aprovava os Franciscanos e Dominicanos, concedendo que os Carmelitas e os Agostinhos fossem aceitos como estavam, até que outra coisa se decidisse acerca deles, o que aconteceu aquando a aprovação definitiva da Ordem por Bonifácio VIII, em 5 de Maio de 1298 (cf. L. Saggi, Santos del Carmelo, Madrid 1982, 168).

Terá sido este fato a levar os Carmelitas de Inglaterra, a celebrar a Solene Comemoração de Nossa Senhora do Carmo no dia 17 de Julho, data que, ao difundir-se a Comemoração por toda a Europa, foi transferida para a véspera, dia 16, uma vez que no dia 17 já se celebrava S. Aleixo. Desde então é esta a data da nossa festa e o título oficial da Ordem, onde a Virgem Maria é venerada como “Mãe e Irmã de todos os Carmelitas” (Joseph Chalmers, ROTC, p. 9), razão pela qual a Ordem Terceira do Carmo também se pode chamar “Ordem Secular Carmelita da Bem-aventurada Virgem Maria do monte Carmelo”, tendo a sua Regra sido promulgada a 16 de Julho e entrado em vigor a 8 de dezembro de 2003 “para demonstrar o lugar de Nossa Senhora na vida carmelita” (ibid.).

O caráter mariano do Carmelo exprime-se ainda na convicção, expressa desde as origens, de que a Ordem foi fundada “em honra de Maria” (cf. carta do Prior Geral, Pedro de Millaud, ao rei de Inglaterra, em 1282) e “para o seu serviço” (Capítulo Geral de Montpellier 1287). O Carmelo reconhece-se desde então “todo de Maria”, atribuindo à Virgem Maria a sua fundação, motivo pelo qual decidiu, ainda no século XIII, destruir todos os documentos relativos à origem da Ordem anteriores a 1247, a fim de se atribuir apenas a Maria a honra da fundação do Carmelo e de sublinhar que nele tudo se deve a Maria.

Em conformidade com a mentalidade medieval, a pertença a Maria traduz-se no hábito carmelita, chamado “o hábito de Maria”, tendo sido substituída, entretanto, a capa original barrada (sete barras raiadas, na vertical, evocando os sete dons do Espírito Santo) pela capa branca, no mesmo Capítulo Geral de Montpellier, como sinal “de humildade, honestidade e pobreza”, a fim de evocar “a veste branca do batismo”, sublinhando o seguimento de Cristo, “de coração puro”, sendo designada, logo no século seguinte, “o manto de Maria”, e tida como símbolo da sua pureza (Boaga, o.c., 49).

2. Maria, Virgem puríssima, Flor do Carmelo, Estrela do Mar.

De fato, desde o princípio, Maria é invocada no Carmelo como “Virgem puríssima”, tendo, por isso mesmo, sido originalmente celebrada a festa de Nossa Senhora do Carmo no dia 8 de Dezembro, tendo-se transferido depois para 16 de Julho, a fim de a Ordem não se envolver nas disputas que se prolongaram entre as Ordens religiosas desde o s. XIII até ao XVI sobre a Imaculada Conceição da Virgem Maria.

Por isso, o ícone de Maria “La Bruna”, tido na Ordem como o que originalmente se venerava na Igreja do Monte Carmelo, apresenta a Maria com o manto azul da Imaculada Conceição. Aí o manto tem uma “estrela” sobre o ombro direito, em forma de flor e astro ascendente, símbolo da virgindade daquela que invocamos como “Flor do Carmelo”. Tendo os olhos fixos na Trindade, a cuja luz contempla o mistério do Verbo encarnada, com a cabeça ligeiramente inclinada, num gesto terno, manso e humilde, Maria estreita o seu Filho contra o coração, segurando-o num véu de fogo, em gesto oblativo a Deus e aos homens, e tendo a túnica real, de púrpura vermelha, bordada a ouro e orlada, tal como o manto, com o ouro da caridade, ao mesmo tempo que aponta para Jesus, o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo (a cor da túnica do Menino), o qual a acarinha, e, agarrado às suas vestes, nos convida a caminhar com Ele unidos a ela.

Além de “Mãe” e de “Irmã”, Maria também é invocada como “Decoro” do Carmelo (do latim Decor Carmeli, expressão que ocorre em Is 35,2, onde significa o “esplendor”, o “ornamento” ou “adorno”, traduzindo a mais alta e sublime expressão da alma, como dom e participação na própria glória de Deus) e como a “Estrela do Mar” que nos guia “no nosso desejo de seguir fielmente o seu Filho” (Joseph Chalmers, ROTC, p. 9).

3. Maria, inspiração e guia

O caráter mariano da Ordem decorre do trato familiar, contínuo e quotidiano, com Maria, que, no Carmelo, é tida como fonte inspiradora e guia no obséquio a Jesus Cristo, inspirando a nossa existência cristã no seu tríplice múnus decorrente da consagração batismal.

1) Múnus sacerdotal. Como diz a ROTC 34, Maria é “imagem” (isto é, modelo e espelho) e “flor primogênita” (primeira floração) da santidade da Igreja, ocupando um lugar de destaque, não entre os grandes e sábios, mas “entre os humildes e pobres do Senhor”, sentindo-se os terceiros carmelitas “chamados”, como ela, “a glorificar as maravilhas realizadas pelo Senhor na sua vida”, exercitando assim o seu múnus sacerdotal.

2) Dimensão profética. Maria leva-nos a imitá-la na sua adesão plena a Cristo, que nos seu seio se fez carne e vida. “Com Maria” os terceiros carmelitas aprendem antes de mais “a acolher com disponibilidade e adesão plena a Palavra” e “a confrontar os episódios frequentemente tormentosos da vida quotidiana com a Palavra de Deus”, Isto implica deitar mão aos recursos que lhe facilitam tal adesão. A oração contínua, o exercício da presença de Deus; a meditação da Palavra de Deus (lectio divina), as práticas litúrgicas e a participação na Eucaristia, os votos, as reuniões etc. permitem-lhes viver mais comprometido com o Evangelho, concretizando assim o ideal de santidade para o qual é chamado.

Ao mesmo tempo, invocada como “Virgem fiel”, porque acreditou e permaneceu firme na fé, na esperança e no amor (pois “fidelidade” é o nome do amor que se estende até ao fim, no tempo), Maria é fonte de inspiração do terceiro carmelita no exercício da sua missão profética, pois a Palavra também deve encarnar na sua vida, de modo a ser, como Maria, ‘teóforo’ ou ‘cristóforo’, isto é ‘portador de Deus e de Cristo’, tornando-se assim verdadeiro apóstolo e evangelizador – porque evangelizar é ter Cristo em si e comunicá-lo aos outros –, cooperando fielmente na obra do Senhor: “Maria, em quem a Palavra se faz carne e vida, inspira-lhes a fidelidade à missão” (ibid.).

3) Múnus real. A missão do terceiro carmelita, continuador da missão de Cristo, traduz-se, tal como no Senhor e à imitação da Virgem Maria, numa “ação animada pela caridade e pelo espírito de serviço” (ibid.). Porque fiel, o carmelita esquece-se de si mesmo, para doar tudo e se doar totalmente, colocando-se numa atitude permanente de serviço, proximidade e disponibilidade aos outros, dando assim mais uma prova de amor.

Desta forma, o leigo carmelita coopera efetivamente “na realização da obra de salvação” (ibid.), tal como Maria nos inspira na nossa vida diária. Ninguém, mais do que Maria esteve tão ligada e comprometida com a obra da salvação! E ninguém como ela no-lo ensina a fazer na simplicidade da nossa vida quotidiana, nos meios onde vivemos e agimos, através de uma inserção harmônica na ação da Igreja, em conjunto e em comunhão com os irmãos.

Maria é também a guia que acompanha o leigo carmelita no caminho da união com Deus por meio de Cristo, de modo ser uma pedra viva na edificação da Igreja: “Com Maria avançam pelos caminhos da história, atentos às genuínas necessidades humanas, sempre prontos a partilhar com o Senhor o sacrifício da cruz e a experimentar com Ele a paz de uma vida nova. Maria como membro singular e eminente da Igreja, participou de forma especial e crescente da única mediação entre Deus e os homens, manifestada em Cristo Jesus, da qual a Igreja é hoje portadora e mediadora na história. Os leigos carmelitas deixam-se acompanhar por Maria na aceitação gradual da responsabilidade de cooperar na ação de salvação e de comunicação da graça específica da Igreja” (ibid.).

4. O Escapulário, sinal da vida em obséquio de Cristo à imitação de Maria

A dedicação do terceiro carmelita a Maria é também expressa pelo uso do Escapulário. Este sacramental, consistindo em dois pedaços de pano, da cor do hábito carmelita, ligados por dois fios, impostos sobre os ombros de modo a pender sobre o coração de ambos os lados do corpo, pelo peito e pelas costas, atualmente de uso devocional, teve a sua origem no Escapulário noturno usado pelos religiosos para não abandonar, nem mesmo durante a noite, o seu próprio hábito, considerado então apostasia. A este propósito afirma a ROTC 40: “Os leigos carmelitas trazem com grande veneração o santo escapulário, símbolo da caridade maternal de Maria, que, tomando a iniciativa, guarda os irmãos e irmãs carmelitas no coração e desperta neles o desejo de imitar as suas virtudes: caridade universal, amor à oração, humildade, pureza, modéstia. Quem usa o escapulário é chamado a revestir-se interiormente de Cristo, para manifestar na sua vida a sua presença salvífica em favor da Igreja e da humanidade. O escapulário, além de recordar a proteção que Maria nos concede ao longo de toda a existência, e também no trânsito definitivo até a plenitude na glória, recorda-nos que a devoção Mariana, mais do que um conjunto de práticas piedosas, é um verdadeiro “‘hábito’, ou seja, uma orientação permanente da própria conduta cristã”.

5. Conclusão

A presença de Maria e familiaridade com ela no nosso dia-a-dia, como Mãe, Irmã, Senhora e Padroeira, Inspiradora, Modelo e Guia, é tida no Carmelo como uma graça, expressão do amor maternal de Maria, a quem todo os carmelitas se sentem chamados a co-responder também com amor, prolongando sobre a terra o amor que o Filho de Deus lhe dedicou na sua existência terrena: “No Carmelo, esta obra tradicionalmente tem sido vivida como o amor maternal da Virgem Maria para com os seus filhos. Os carmelitas, sentindo-se chamados por uma tão grande e tenra mãe, não poderiam deixar de amá-la. Assim o ideal carmelita é o de ‘perder-se em Deus no calor materno da Santa Virgem’”, como escreve Bartolomeu Xiberta, O.Carm. (ROTC 34).

Nenhum comentário:

Postar um comentário

DEIXE AQUI SEU SUA SUGESTÃO