quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Solenidade de Nossa Senhora da Conceição Aparecida



EVANGELHO Jo 2, 2-11 - 1 Ao terceiro dia, celebrava-se um casamento em Caná da Galileia e a Mãe de Jesus estava lá. 2Jesus e os seus discípulos também foram convidados para a festa. 3 Como viesse a faltar o vinho, a Mãe de Jesus disse-lhe: «Não têm vinho!» 4 Jesus respondeu-lhe: «Mulher, que tem isso a ver contigo e comigo? Ainda não chegou a minha hora.» 5 Sua Mãe disse aos serventes: «Fazei tudo o que Ele vos disser!» 6 Ora, havia ali seis vasilhas de pedra preparadas para os ritos de purificação dos judeus, com capacidade de duas ou três medidas cada uma. 7 Disse-lhes Jesus: «Enchei as vasilhas de água.» 8 Eles encheram-nas até cima. Então ordenou-lhes: «Tirai agora e levai ao chefe de mesa.» 9 E eles assim fizeram. O chefe de mesa provou a água transformada em vinho, sem saber de onde era - se bem que o soubessem os serventes que tinham tirado a água; chamou o noivo 10e disse-lhe: «Toda a gente serve primeiro o vinho melhor e, depois de terem bebido bem, é que serve o pior. Tu, porém, guardaste o melhor vinho até agora!» 11Assim, em Caná da Galileia, Jesus realizou o primeiro dos seus sinais, com o qual manifestou a sua glória, e os discípulos creram nele.

Nota histórica e cultural:
   Naquele tempo, as bodas não se celebravam numa única refeição como costumamos fazer nós hoje (uma ceia ou um almoço). Os judeus deste tempo festejavam as bodas num espaço de três, quatro, ou mais dias. Assim era necessário prover-se de muita coisa, para atender os convidados. Por outro lado, há que levar em conta alguns elementos da simbologia do Antigo Testamento. Em vários textos, particularmente proféticos, descreve-se o Céu como um banquete e mais especificamente um banquete de bodas, onde há bom e abundante vinho. Não esqueçamos que, em sentido estrito, no Evangelho segundo São João, os milagres de Jesus não são chamados “milagres” como nos outros evangelhos, mas “sinais”. Isto é, “sinais” milagrosos que, justamente, “marcam” ou “significam” que Jesus é realmente o Messias que devia vir ao mundo.

NOTAS DE LEITURA:

1) Este texto só aparece em São João e numa clara perspectiva de “manifestação”: «manifestou a sua glória» (Jo.2,11).

2) Há uma leitura simbólica inevitável de um texto como este em que aparecem símbolos, como os da água, do vinho, do banquete, do casamento...

3) Trata-se, não apenas de mais um milagre, mas “do primeiro dos seus “sinais” (Jo.2,11). Funciona como primícia, prelúdio ou antecipação de tudo o que vem a seguir. Aparecem aqui os temas fundamentais do evangelho de João: os sinais, a hora, a glória...

4) O acontecimento tem lugar, “três dias depois”... Tendo em conta os dias anteriores, trata-se do 7º dia. Veja-se a nota da Bíblia: “Ao terceiro dia, depois da chamada de Filipe; numa alusão ao início do Genesis, seria o 7° dia da semana inaugural (v.1-11; 1,19-28.29-34.35-40.41-42.43-44.45- 51), símbolo da nova Criação. Esta semana é paradigmática: precedendo a 1.ª Páscoa (v.13), desemboca no sinal das bodas, antecipando a glória (v.11) da Ressurreição (ao terceiro dia) na semana da última Páscoa; por outro lado, esta inaugura o 1° ciclo entre Caná e Caná (2,1-4,54), em que Jesus se revela a todos: aos discípulos (v.1-11), ao povo (v.13-23), a um mestre da lei (3,1-21), aos samaritanos (4,1-42) e aos pagãos (4,43-54). Caná.

5) Acontece em Caná. Só São João fala desta terra (4,46; 21,2). Habitualmente, é identificada com Kefr-Kenna, a 7 km a NE de Nazaré; mas as indicações de F. Josefo levam a pensar nas ruínas de Hirbet-Qaná, a 14 km a N de Nazaré.

6) Acontece num ambiente público (festa) e familiar (casamento) e no contexto de um banquete. Vê-se aqui a antecipação do banquete messiânico e das núpcias de Cristo com a humanidade. O evangelho de João termina com banquete e declaração de amor. Jesus veio para conduzir a natureza humana, a própria pessoa humana, à comunhão nupcial com Deus.

7) Maria não é citada pelo nome, mas aparece como “Mãe de Jesus” e “mulher”. Interessa aqui o seu papel. A expressão “Mulher” não implica menos respeito (4,21; 8,10; 20,13.15; Mt 15,28; Lc 13,12; 22,57); e o paralelo com 19,26 pode fazer pensar numa alusão à nova Eva, a "mãe de todos os viventes” (19,25-27; Gn 3,20), junto ao novo Adão.

8) Não têm vinho (Jo.2,3). É mais confissão de impotência perante o drama. Maria coloca o problema na mão de quem o pode resolver. Maria não pede ao Senhor um milagre. De fato ainda não era claro, se o fazer milagres pertencia à Sua missão. Ela simplesmente apresenta ao Senhor a dificuldade, na qual os amigos se encontravam. Maria coloca tudo nas mãos de Jesus e abandona se a Ele e ao Seu operar. Nem sequer a aparente recusa a desanima. A sua confiança em Jesus e a unidade com a vontade do seu Filho permanecem ilesas.

9) Malibelaká: “que há entre mim e ti” (Jo.2,4) – uma frase de difícil interpretação. Tendo em conta o uso desta expressão noutros lugares bíblicos e tendo em conta a resposta efetiva de Jesus, Maria de fato não pede nada. Simplesmente expõe e se expõe assumindo como sua a dificuldade dos outros e confiando-se à vontade de Jesus.

10) Ainda não chegou a minha “hora” (Jo.2,4): a expressão aponta para a Páscoa; é claro o significado pascal deste episódio.
       A Hora de Jesus, de que Ele fala na resposta a sua Mãe, é a Hora das Núpcias. Ele aproxima se desta Hora, para ela é que Ele está aqui. Essa Hora começa, como dissemos, com a concepção no seio de Maria e atinge o seu ponto mais alto na Cruz, que João, ao mesmo tempo, designa sempre, como o momento da glorificação de Jesus.   Na Cruz, Jesus dá se completamente.
      A Cruz é o ato, no qual Ele completa e definitivamente se dá e, deste modo, a todos nos atrai para os seus braços. Porque se trata do último e mais alto grau do amor, por isso, é que a Cruz é, em toda a sua humilhação, a Hora da Glorificação: pois, em nenhuma parte, o amor de Deus aparece tão poderosamente visível, como no momento em que o Filho nos amou "até ao fim" (Jo.13,1).

11) Fazei o que Ele vos disser (Jo.2,5). Nas palavras simples da Mãe de Jesus identificamos dois elementos: Por um lado, a sua solicitude carinhosa pelos homens, a atenção materna com que sente a dificuldade do próximo; vemos a sua bondade cordial e a sua disponibilidade a ajudar. Confiamos-lhes as nossas preocupações, as necessidades e as situações de dificuldade. É aqui na Sagrada Escritura que vemos pela primeira vez a bondade da Mãe pronta a ajudar, em quem temos confiança. Por outro lado, Maria remete tudo ao juízo do Senhor. Em Nazaré, entregou a sua vontade, infundindo-a na vontade de Deus: "Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra" (Lc 1, 38). Esta é a sua atitude fundamental permanente.

12) Jesus pede colaboração humana, como na multiplicação dos pães!

13) Há muito vinho. Seiscentos litros de vinho novo e saboroso, é qualquer coisa de extraordinário. Uma incompreensível abundância. Tal é o excesso da dádiva, que ela se constitui como o “sinal” que provoca o milagre da fé dos discípulos.

14) Na verdade esta abundância, esta “extravagância” é o grande “sinal” de Deus na Sua Criação: Ele esbanja, Ele cria todo o universo, para dar espaço ao Homem. Ele dá-nos a vida, a vida numa incrível abundância!

15) O vinho é o símbolo da superabundância, da qual também temos necessidade. O vinho é o sinal da alegria, da transfiguração da criação. Tira-nos da tristeza e do cansaço do dia-a-dia, e faz do “estarmos juntos” uma festa. Alarga os sentidos e a alma, solta a língua e abre o coração; e transpõe as barreiras que limitam a nossa existência. Não por acaso, na Tradição da Igreja, o vinho se tornou símbolo da abundância dos dons do Espírito Santo…

16) Tudo se destina a conduzir à fé: os discípulos acreditaram nele. O milagre mais profundo de Caná é a fé dos discípulos, os quais, para além do acontecimento exterior, começam a reconhecer uma coisa maior: a presença sacrossanta de Deus no meio de nós.

Perguntas para a meditação:
· Estou atento às necessidades dos irmãos como Maria está neste texto?
· Tenho a humildade de Maria que confia plenamente em Jesus e no que vai fazer?
· Deixo-me inundar por tanta confiança?
· O que implica para mim hoje que Maria me diga e nos diga: “Fazei tudo o que Jesus vos disser”? Obedeço à palavra de Jesus?
· Deixo que o Senhor transforme a “água” de minha vida no “vinho novo” do Reino de Deus?
· Quais situações de minha vida o Senhor deve transformar hoje para estar na dinâmica do Reino?
· O Senhor quer-me dar a alegria nova do Reino: que atitude tenho perante isto?
· Procuro descobrir os sinais e manifestações de Deus em minha vida?
· Percebo o poder do Senhor?
· Procuro crer e ser um autêntico discípulo de Jesus?


CONSAGRAÇÃO A NOSSA SENHORA APARECIDA

Ó Maria Santíssima, que, em vossa querida imagem de Aparecida, espalhais inúmeros benefícios sobre todo o Brasil, eu, embora indigno de pertencer ao número de vossos filhos e filhas, mas cheio do desejo de participar dos benefícios de vossa misericórdia, prostrado a vossos pés, consagro-vos o meu entendimento, para que sempre pense no amor que mereceis. Consagro-vos minha língua, para que sempre vos louve e propague a vossa devoção. Consagro-vos o meu coração, para que, depois de Deus, vos ame sobre todas as coisas!
Recebei-me, ó Rainha incomparável, no ditoso número de vossos filhos e filhas. Acolhei-me debaixo de vossa proteção. Socorrei-me em todas as minhas necessidades espirituais e temporais, sobretudo na hora de minha morte. Abençoai-me, ó Mãe Celestial, e, com vossa poderosa intercessão, fortalecei-me em minha fraqueza, a fim de que, servindo-vos fielmente nesta vida, possa louvar-vos, amar-vos e dar-vos graças no céu, por toda a eternidade. Assim seja. Amém.


COMENTÁRIOS DE D. HENRIQUE SOARES DA COSTA
BISPO AUXILIAR DE ARACAJU


  Vou apresentar alguns comentários, salientando os vários pontos que merecem mais atenção. É importante compreender que o comentário será mais teológico que exegético. Ei-los:

(1) “No terceiro dia, houve núpcias em Caná da Galileia”. São João inicia seu evangelho narrando, dia após dia, a primeira semana do ministério público de Jesus (cf. 1,29.35.43; 2,1). Com isso ele já quer transmitir uma ideia importante: Jesus vem para recriar todas as coisas. A sua ação recapitula a ação do Pai ao criar tudo. Neste sentido, vale a pena recordar a primeira leitura da Vigília da Páscoa - a criação - e a oração que a Igreja faz logo após a leitura: “Ó Deus, admirável na criação do ser humano, e mais admirável ainda na sua redenção...” Depois, o Evangelista monta a narração de tal modo a terminar esta semana inaugural com a expressão “terceiro dia”. Ora, para os cristãos, “terceiro dia” tem um sentido claro: é o Dia da Ressurreição! Pois bem, “no Terceiro dia houve núpcias”... que núpcias? As de Cristo com a Igreja: “Estão para realizarem-se as núpcias do Cordeiro, e sua esposa (a Igreja) já está pronta: concederam-lhe vestir-se com linho puro, resplandecente” (Ap 19,7s). Então, narrando as bodas de Caná o Evangelista está pensando na ressurreição, quando Cristo desposou sua Igreja.

(2) É interessante também observar que o texto inicia com a ordem natural: a Mãe de Jesus (v. 1), Jesus (v. 2) e seus discípulos (v. 2). Ao final, veremos que esta ordem será invertida: Jesus, sua Mãe, seus irmãos e seus discípulos (v. 12). Depois que Jesus “manifestou a sua glória” (v. 11), a ordem é invertida e ele é nomeado em primeiro lugar.

(3) O vinho que faltou no casamento tem um significado importante. O casamento é símbolo da aliança de Deus com Israel: “Como um jovem desposa uma virgem, assim te desposará o teu Edificador. Como a alegria do noivo pela noiva, tal será a alegria que o teu Deus sentirá em ti” (Is 62,5); “Meu Amado é meu e eu sou dele” (Ct 2,16; cf. Os 2; Is 1,21-26; 5,1-7; 49; 54; 62,1-9; Ez 16; Br 4-5). O vinho é símbolo da alegria messiânica, símbolo também do Espírito Santo, que embriaga e alegra o coração (cf. At 2,15s; Ef 5,18). Considerando tudo isso, é como se a Mãe de Jesus olhasse toda a antiga aliança, todo o povo de Israel, a quem o Senhor desposou pela aliança do Sinal, e dissesse: “Eles não têm mais vinho” (v. 3). Isto é, falta-lhes o Espírito; a antiga aliança esgotou-se pelas infidelidades de Israel: “Onde está Aquele que os fez subir do mar, o Pastor do seu rebanho? Onde está Aquele que pôs o seu Espírito santo no seio do povo? Há muito que somos um povo sobre o qual não exerces o teu domínio, sobre o qual não se invoca o teu nome” (Is 63,11b.19; cf. Ez 37,1-14). Deus tinha prometido que, com a vinda do Messias (= Ungido pelo Espírito), seria selada uma nova aliança com Israel e o povo de Deus teria uma nova efusão do Espírito (cf. Jl 3,1-5). Pois bem, em sentido profundo, é este vinho que falta a Israel, o vinho bom e novo do Espírito, que somente o Messias pode trazer.

(4)  A resposta de Jesus à Mãe deve ser bem compreendida:
       (a) Primeiramente, olhando do ponto de vista da cena, simplesmente, é necessário observar que Jesus se coloca num plano diverso do de Maria: ela fala de algo prático, imediato, concreto; ele responde pensando num sentido figurado, teológico: a “hora”, a qual se refere é a hora da morte e ressurreição, hora da glória, que somente aparecerá de modo claro ao final, na Páscoa, “hora de passar deste mundo para o Pai” (Jo 13,1s), quando, então, ele mesmo dirá: “Pai, chegou a hora. Glorifica teu Filho...” (Jo 17,1s). Nesta hora, a Mãe de Jesus estará novamente presente (cf. Jo 19,25ss).
      (b) A resposta de Jesus não é um desacato. “Que queres de mim. Mulher?” quer simplesmente marcar a distância de Jesus em relação à cena familiar: aqui não entram os direitos “naturais” de mãe. A hora dele somente pode ser determinada pelo Pai! O apelativo Mulher é importante. Trata-se da Mulher do Gênesis (cf. 3,15s), da cruz (cf. Jo 19,25ss) e do Apocalipse (cf. 12,1ss). Este Mulher simboliza a Filha de Sião (cf. Is 12,6; 54,1; Sf 5,14; Zc 2,14), imagem da Igreja, que será desposada na ressurreição (cf. Ap 19,7s), quando Jesus, o noivo, revelar sua glória e desposar sua Igreja (cf. Ef 5,32s.25; Mt 22,1-14; 25,1-13; 2Cor 11,1-4; Ap 12, 21,2). A Virgem Maria, na nova aliança, tem um lugar determinado por Deus. Ela é a Mulher, Nova Eva, imagem da Igreja, Mãe do Senhor a quem Jesus entregará seu discípulo amado e a quem o discípulo amado deverá sempre levar para sua casa. Nesta cena de Caná, ela é a Igreja-Noiva, a Mulher, esposa do Cordeiro, do Noivo que vem desposar a noiva, Israel-Igreja (cf. Jo 3,29)! É por isso que o Evangelista não diz o nome dos noivos. As núpcias são as núpcias pascais, o Esposo é o Cristo, a Esposa é a Mulher-Igreja, representada por Maria.

(5) Tanto a resposta de Jesus não é grosseira nem uma recriminação, que a Mãe vai adiante: “Fazei tudo o que ele vos disser” (v. 5). É uma palavra de profundo sentido espiritual, que ainda hoje ecoa aos ouvidos e no coração da Igreja. É tudo quanto a Virgem tem para dizer aos discípulos do seu Filho!

(6) Importante também é a referência às talhas de pedra:
   (a) elas serviam para os ritos de purificação da religião judaica. Vão perder a utilidade pois, com a ressurreição, a nova aliança chegará e os velhos ritos do Antigo Testamento estarão superados. Elas transbordarão não mais a água da Lei de Moisés, mas o vinho novo do Espírito Santo, dom pascal do Ressuscitado à sua Igreja.
     (b) as talhas contêm “duas a três medidas”. São cerca de quarenta litros para cada uma. É um exagero. João aqui quer aludir ao dom do Espírito, derramado em abundância: “ele dá o Espírito sem medida” (Jo 3,34). É este o “bom vinho” (v. 10), vinho do Espírito, que Deus guardou para o final da festa, para a nova aliança! Esta ideia da abundância do Espírito, que é sem medida, aparece também no fato de encherem as talhas “até à borda” (v. 7).

(7) Assim, a água da antiga Lei dá lugar ao Espírito da nova aliança. O Espírito é a nova lei, lei do Amor, derramado no nosso coração (cf. Rm 5,5). Tudo como fruto das núpcias do Cordeiro, quando sua esposa, a Igreja, enfeitou-se de puro linho (cf. Ap 19,7s).

(8) E a conclusão, que poderíamos exprimir deste modo: “Ao terceiro dia, houve núpcias... Jesus manifestou a sua glória e os seus discípulos creram nele”. Note-se que a alusão à ressurreição é claríssima.

            São estes alguns dos pontos a serem salientados nesta belíssima passagem, que João descreve de modo tão teologicamente rico.

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