Natividade
da Virgem Santa Maria
Bto Antônio Frederico Ozanam, leigo
1ª
Leitura (Is 35,4-7): Dizei aos corações perturbados: «Tende coragem, não
temais. Aí está o vosso Deus; vem para fazer justiça e dar a recompensa; Ele
próprio vem salvar-nos». Então se abrirão os olhos dos cegos e se desimpedirão
os ouvidos dos surdos. Então o coxo saltará como um veado e a língua do mudo
cantará de alegria. As águas brotarão no deserto e as torrentes na aridez da
planície; a terra seca transformar-se-á em lago e a terra árida em nascentes de
água.
Salmo
Responsorial: 145
R. Ó minha alma, louva o
Senhor.
O Senhor faz justiça aos
oprimidos, dá pão aos que têm fome e a liberdade aos cativos.
O Senhor ilumina os olhos dos
cegos, o Senhor levanta os abatidos, o Senhor ama os justos.
O Senhor protege os peregrinos,
ampara o órfão e a viúva e entrava o caminho aos pecadores.
O Senhor reina eternamente; o teu
Deus, ó Sião, é rei por todas as gerações.
2ª
Leitura (Tg 2,1-5): Irmãos: A fé em Nosso Senhor Jesus Cristo não deve
admitir acepção de pessoas. Pode acontecer que na vossa assembleia entre um
homem bem-vestido e com anéis de ouro e entre também um pobre e mal-vestido;
talvez olheis para o homem bem vestido e lhe digais: «Tu, senta-te aqui em bom
lugar», e ao pobre: «Tu, fica aí de pé», ou então: «Senta-te aí, abaixo do
estrado dos meus pés». Não estareis a estabelecer distinções entre vós e a
tornar-vos juízes com maus critérios? Escutai, meus caríssimos irmãos: Não
escolheu Deus os pobres deste mundo para serem ricos na fé e herdeiros do reino
que Ele prometeu àqueles que O amam?
Aleluia. Jesus pregava o
Evangelho do reino e curava todas as enfermidades entre o povo. Aleluia.
Evangelho
(Mc 7,31-37): Jesus deixou de novo a região de Tiro, passou por Sidônia
e continuou até o mar da Galileia, atravessando a região da Decápole.
Trouxeram-lhe, então, um homem que era surdo e mal podia falar, e pediram que
impusesse as mãos sobre ele. Levando-o à parte, longe da multidão, Jesus pôs os
dedos nos seus ouvidos, cuspiu, e com a saliva tocou-lhe a língua. Olhando para
o céu, suspirou e disse: «Efatá!» (que quer dizer: Abre-te). Imediatamente, os
ouvidos do homem se abriram, sua língua soltou-se e ele começou a falar
corretamente. Jesus recomendou, com insistência, que não contassem o ocorrido
para ninguém. Contudo, quanto mais ele insistia, mais eles o anunciavam. Cheios
de grande admiração, diziam: «Tudo ele tem feito bem. Faz os surdos ouvirem e
os mudos falarem».
«Trouxeram-lhe, então, um
homem que era surdo e mal podia falar, e pediram que impusesse as mãos sobre
ele»
Pe. Fernando MIGUENS Dedyn (Buenos
Aires, Argentina)
Hoje, a liturgia leva-nos à
contemplação da cura de um homem «surdo e mal podia falar» (Mc 7,32). Como em
muitas outras ocasiões (o cego de Betsaida, o cego de Jerusalém, etc.), o
Senhor acompanha o milagre com uma série de gestos externos. Os Padres da Igreja
bem ressaltavam neste fato a participação mediadora da Humanidade de Cristo nos
seus milagres. Uma mediação realizada numa dupla direção: por um lado, o
?abaixamento? e a proximidade do Verbo encarnado em nós (o toque dos seus
dedos, a profundidade do seu olhar, sua voz doce e próxima); por outro lado, a
tentativa de despertar no homem a confiança, a fé e a conversão do coração.
De fato, as curas dos doentes que
Jesus realiza vão muito mais além do mero ato de aliviar a dor ou devolver a
saúde. Estão dirigidos a conseguir a ruptura com a cegueira, a surdez ou
imobilidade atrofiada do espírito naqueles que Ele ama. Como fim último uma
verdadeira comunhão de fé e de amor.
Ao mesmo tempo vemos a reação
agradecida dos receptores do dom divino que é proclamar a misericórdia de Deus:
«Contudo, quanto mais ele insistia, mais eles o anunciavam» (Mc 7,36). Dão
testemunho do dom divino, experimentam em profundidade a sua misericórdia e
enchem-se de uma profunda e genuína gratidão.
Também para todos nós é de uma
importância decisiva saber-nos e sentir-nos amados por Deus, a certeza de ser
objeto da sua misericórdia infinita. Esse é o grande motor da generosidade e o
amor que Ele nos pede. Muitos são os caminhos pelos quais esse descobrimento há
de realizar-se em nós. Algumas vezes será uma experiência intensa e repentina
do milagre e o mais frequente, o paulatino descobrimento de que toda a nossa
vida é um milagre de amor. Em todo caso, é preciso dar-se as condições de
consciência da nossa indigência, uma verdadeira humildade e, a capacidade de
escutar reflexivamente a voz de Deus.
Pensamentos para o Evangelho
de hoje
«Ficamos confusos quando nos
damos conta de que, sendo bons por natureza, criados à imagem de Deus, sejamos,
no entanto, maus pelas nossas ações» (S. Lourenço de Brindisi)
«Effatá', o mesmo mandato é agora
dirigido ao homem interior, para que se abra aos mistérios divinos, através da
luz da fé, do amor, da esperança» (S João Paulo II)
«(...) A sua compaixão para com
todos os que sofrem vai ao ponto de identificar-Se com eles: `Estive doente e
visitastes-Me´ (Mt 25, 36). O seu amor de predileção para com os enfermos não
cessou, ao longo dos séculos, de despertar a atenção particular dos cristãos
para aqueles que sofrem no corpo ou na alma. Ele está na origem de incansáveis
esforços para os aliviar» (Catecismo da Igreja Católica, nº 1.503)
«Tudo o que faz é admirável:
faz que os surdos ouçam e que os mudos falem».
Do site da Ordem do Carmo em
Portugal.
* Num lugar não identificado
da região da Decápole, Jesus encontrou-Se com um surdo-mudo. As pessoas que
trouxeram o surdo-mudo suplicaram a Jesus “que impusesse as mãos sobre Ele”. Na
sequência Marcos descreve, com grande abundância de pormenores, como Jesus
curou o doente e lhe deu a possibilidade de comunicar. Contudo, depois de ler a
narração deste episódio, ficamos com a sensação de que Marcos quer muito mais
do que contar uma simples cura de um surdo-mudo.
* No centro da cena está Jesus
e o surdo-mudo (literalmente, “um surdo que tinha também um problema na fala”).
Se a linguagem é um meio privilegiado de comunicar, de estabelecer relação, o
surdo-mudo é um homem que tem dificuldade em estabelecer laços, em partilhar,
em dialogar, em comunicar. Por outro lado, num universo religioso que considera
as enfermidades físicas como consequência do pecado, o surdo-mudo é, de forma
notória, um “impuro”, um pecador e um maldito. Finalmente, o surdo-mudo vive no
território pagão da Decápole: é provavelmente um desses pagãos que a teologia
judaica considerava à margem da salvação.
* Este surdo-mudo representa
todos aqueles que vivem fechados no seu mundo, na sua pobre autossuficiência,
de ouvidos fechados às propostas de Deus e de coração fechado à relação com os
outros homens. Representa também aqueles que a teologia oficial considerava
pecadores e malditos, incapazes de estabelecer uma relação verdadeira com Deus,
de escutar a Palavra de Deus e de viver de forma coerente com os desafios de
Deus. Representa ainda esses “pagãos” que os judeus desprezavam e que
consideravam completamente alheados dos caminhos da salvação.
* O encontro com Jesus
transforma radicalmente a vida desse surdo-mudo. Jesus abre-lhe os ouvidos
e solta-lhe a língua, tornando-o capaz de comunicar, de escutar, de falar, de
partilhar, de entrar em comunhão. Na história deste surdo-mudo, Marcos
representa a missão de Jesus, que veio para abrir os ouvidos e os corações dos
homens, quer à Palavra e às propostas de Deus, quer à relação e ao diálogo com
os outros homens.
* Aparentemente, não é o
surdo-mudo que tem a iniciativa de se encontrar com Jesus (“trouxeram-Lhe um
surdo que mal podia falar”; “suplicaram-Lhe que lhe impusesse as mãos sobre
ele”). O surdo-mudo, instalado e acomodado a essa vida sem relação, não
sente grande necessidade de abrir as janelas do seu coração para o encontro e
para a comunhão com Deus e com os irmãos. É preciso que alguém o traga, que o
apresente a Jesus, que o empurre para essa vida nova de amor e de comunhão. É
esse o papel da comunidade cristã. Os que já descobriram Jesus, que se deixaram
transformar pela sua Palavra, que aceitaram segui-lo, devem dar testemunho
dessa experiência e desafiar outros irmãos para o encontro libertador com
Jesus.
* A sós com o surdo-mudo,
Jesus realiza gestos significativos: mete-lhe os dedos nos ouvidos, faz saliva
e toca-lhe com ela a língua. Tocar com o dedo significava transmitir poder;
a saliva transmitia, pensava-se, a própria força ou energia vital (equivale ao
sopro de Deus que transformou o barro inerte do primeiro homem num ser dotado
de vida divina – cf. Gn 2,7). Assim, Jesus transmitiu ao surdo-mudo a sua
própria energia vital, dotando-o da capacidade de ser um Homem Novo, aberto à
comunhão com Deus e à relação com os outros homens.
* O gesto de Jesus de levantar
os olhos ao céu deve ser entendido como um gesto de invocação de Deus. Para
Jesus, os grandes momentos de decisão e de testemunho são sempre antecedidos de
um diálogo com o Pai. Dessa forma, torna-se evidente a ligação estreita entre
Jesus e o Pai, entre a ação que Jesus cumpre no meio dos homens e os projetos
do Pai. Os gestos de Jesus no sentido de dar vida ao homem, de o libertar do
seu fechamento e da sua autossuficiência, de o abrir à relação, são gestos que
têm o aval do Pai e que se inserem no projeto salvador do Pai.
* De acordo com Marcos, Jesus
teria pronunciado a palavra “effathá” (“abre-te”), quando abriu os ouvidos e
desatou a língua do surdo-mudo. Não se trata de uma fórmula mágica, com
especiais virtudes curativas. É um convite ao homem fechado no seu mundo
pessoal a abrir o coração à vida nova da relação com Deus e com os irmãos. É um
convite ao surdo-mudo a sair do seu fechamento, do seu comodismo, do seu
egoísmo, da sua instalação, para fazer da sua vida uma história de comunhão com
Deus e de partilha com os irmãos. O processo de transformação do surdo-mudo em
Homem Novo não é um processo em que só Jesus age e onde o homem assume uma
atitude de passividade; mas é um processo que exige o compromisso ativo e livre
do homem. Jesus faz as propostas, lança desafios, oferece o seu Espírito que
transforma e renova o coração do homem; mas o homem tem de acolher a proposta,
optar por Jesus e abrir o coração aos desafios de Deus.
* No final do relato da cura
do surdo-mudo, as testemunhas do acontecimento dizem a propósito de Jesus:
“tudo o que Ele faz é admirável”. A expressão parece ser um eco de Gn 1,31
(“Deus, vendo a sua obra, considerou-a muito boa”). Ao enlaçar este relato com
o relato da criação do homem, Marcos está a dar-nos a chave de leitura para
entender a obra de Jesus: a ação de Jesus no sentido de abrir o coração dos
homens à comunhão com Deus e ao amor dos irmãos é uma nova criação. Dessa ação
nasce um Homem Novo, uma nova humanidade. Esse Homem Novo é a “admirável”
criação de Deus, o homem na plenitude das suas potencialidades, criado para a
vida eterna e verdadeira.
* Olhando para o céu, Jesus
suspira e grita ao enfermo uma única palavra: “Effathá”, quer dizer, “Abre-te”.
Esta é a única palavra que pronuncia Jesus em todo o relato. Não é dirigida aos
ouvidos do surdo, mas ao seu coração. Certamente, Marcos deseja que esta
palavra de Jesus ressoe com força nas comunidades cristãs que lerão o seu
relato. Conhece muitos que vivem surdos à Palavra de Deus. Cristãos que não se
abrem à Boa Notícia de Jesus nem falam a ninguém da sua fé. Comunidades
surdo-mudas que escutam pouco o Evangelho e o comunicam mal. Talvez, um dos
pecados mais graves dos cristãos é esta surdez. Não nos detemos a escutar o
Evangelho de Jesus. Não vivemos com o coração aberto para acolher as suas
palavras.
* Viver dentro da Igreja com
mentalidade “aberta” ou “fechada” pode ser uma questão de atitude mental ou de
posição prática, fruto quase sempre da própria estrutura psicológica ou da
formação recebida. Porém, quando se trata de “abrir-se” ou “fechar-se” ao
evangelho, o assunto é de vida ou morte.
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