sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

IV Domingo do Tempo Comum

 Sto. Tomás de Aquino, Presbítero e Doutor da Igreja
 
1ª Leitura (Dt 18,15-20):
Moisés falou ao povo, dizendo: «O Senhor teu Deus fará surgir no meio de ti, de entre os teus irmãos, um profeta como eu; a ele deveis escutar. Foi isto mesmo que pediste ao Senhor teu Deus no Horeb, no dia da assembleia: ‘Não ouvirei jamais a voz do Senhor meu Deus, nem verei este grande fogo, para não morrer’. O Senhor disse-me: ‘Eles têm razão; farei surgir para eles, do meio dos seus irmãos, um profeta como tu. Porei as minhas palavras na sua boca e ele lhes dirá tudo o que Eu lhe ordenar. Se alguém não escutar as minhas palavras que esse profeta disser em meu nome, Eu próprio lhe pedirei contas. Mas se um profeta tiver a ousadia de dizer em meu nome o que não lhe mandei, ou de falar em nome de outros deuses, tal profeta morrerá’».
 
Salmo Responsorial: 94
R. Se hoje ouvirdes a voz do Senhor, não fecheis os vossos corações.
 
Vinde, exultemos de alegria no Senhor, aclamemos a Deus, nosso Salvador. Vamos à sua presença e dêmos graças, ao som de cânticos aclamemos o Senhor.
 
Vinde, prostremo-nos em terra, adoremos o Senhor que nos criou; pois Ele é o nosso Deus e nós o seu povo, as ovelhas do seu rebanho.
 
Quem dera ouvísseis hoje a sua voz: «Não endureçais os vossos corações, como em Meriba, como no dia de Massa no deserto, onde vossos pais Me tentaram e provocaram, apesar de terem visto as minhas obras».
 
2ª Leitura (1Cor 7,32-35): Irmãos: Não queria que andásseis preocupados. Quem não é casado preocupa-se com as coisas do Senhor, com o modo de agradar ao Senhor. Mas aquele que se casou preocupa-se com as coisas do mundo, com a maneira de agradar à esposa, e encontra-se dividido. Da mesma forma, a mulher solteira e a virgem preocupam-se com os interesses do Senhor, para serem santas de corpo e espírito. Mas a mulher casada preocupa-se com as coisas do mundo, com a forma de agradar ao marido. Digo isto no vosso próprio interesse e não para vos armar uma cilada. Tenho em vista o que mais convém e vos pode unir ao Senhor sem desvios.
 
Aleluia. O povo que vivia nas trevas viu uma grande luz; para aqueles que habitavam na sombria região da morte uma luz se levantou. Aleluia.
 
Evangelho (Mc 1,21-28): Entraram em Cafarnaum. No sábado, Jesus foi à sinagoga e pôs-se a ensinar. Todos ficaram admirados com seu ensinamento, pois ele os ensinava como quem tem autoridade, não como os escribas. Entre eles na sinagoga estava um homem com um espírito impuro; ele gritava: «Que queres de nós, Jesus Nazareno? Vieste para nos destruir? Eu sei quem tu és: o Santo de Deus!». Jesus o repreendeu: «Cala-te, sai dele!”. O espírito impuro sacudiu o homem com violência, deu um forte grito e saiu. Todos ficaram admirados e perguntavam uns aos outros: «Que é isto? Um ensinamento novo, e com autoridade: ele dá ordens até aos espíritos impuros, e eles lhe obedecem!». E sua fama se espalhou rapidamente por toda a região da Galileia.
 
«Um ensinamento novo, e com autoridade»
 
Rev. D. Jordi CASTELLET i Sala (Vic, Barcelona, Espanha)
 
Hoje, Cristo dirige-nos o seu grito enérgico, sem dúvidas e com autoridade: «Cala-te, sai dele!» (Mc 1,25). Disse-o aos espíritos malignos que vivem em nós e que não nos deixam ser livres, tal como Deus nos criou e desejou.
 
Se repararmos, os fundadores das ordens religiosas, a primeira norma que põem quando estabelecem a vida comunitária, é a do silêncio: numa casa onde se tenha que rezar, há-de reinar o silêncio e a contemplação. Como diz o ditado: «O bem não faz ruído; o ruído não faz bem». Por isto, Cristo ordena àquele espírito maligno que se cale, porque a sua obrigação é render-se diante de quem é a palavra, que «se fez carne, e habitou entre nós» (Jo 1,14).
 
Mas é certo que com a admiração que sentimos diante do Senhor, se pode misturar também um sentimento de suficiência, de tal maneira que cheguemos a pensar tal como Santo Agostinho dizia nas próprias confissões: «Senhor, faz-me casto, mas ainda não». A tentação é a de deixar para mais tarde a própria conversão, porque agora não encaixa com os nossos próprios planos pessoais.
 
O chamamento ao seguimento radical de Jesus Cristo é para o aqui e agora, para tornar possível o seu reino, que irrompe com dificuldade entre nós. Ele conhece a nossa tibieza, sabe que não nos gastamos fortemente na opção do Evangelho, mas que queremos contemporizar, ir tirando, ir vivendo, sem alarido e sem pressa.
 
O mal não pode conviver com o bem. A vida santa não permite o pecado. «Ninguém pode servir a dois senhores; porque odiará um e amará o outro» (Mt 6,24), disse Jesus Cristo. Refugiemo-nos na árvore sagrada da Cruz e que a sua sombra se projete sobre a nossa vida, e deixemos que seja Ele quem nos conforte, nos faça entender o porquê da nossa existência e nos conceda uma vida digna de Filhos de Deus.
 
Pensamentos para o Evangelho de hoje
«Quanta força tem realmente a humildade de Deus contra a soberba dos demónios (…). ‘E [o demônio] exclamou dizendo: O que há entre nós e Tu Jesus Nazareno?’, etc. Nestas palavras vê-se claramente que havia conhecimento nelas, mas não caridade» (Santo Agostinho)
 
«Peço-vos sempre um contacto quotidiano com o Evangelho. Leiam uma passagem do Evangelho a cada dia. É a força que nos muda, que nos transforma: muda a vida, muda o coração» (Francisco)
 
«‘A Palavra de Deus, que é força de Deus para salvação de quem acredita, apresenta-se e manifesta o seu poder dum modo eminente nos escritos do Novo Testamento’ (101). Estes escritos transmitem-nos a verdade definitiva da Revelação divina. O seu objeto central é Jesus Cristo, bem como os primórdios da sua Igreja sob a ação do Espírito Santo (102)» (Catecismo da Igreja Católica, nº 124)
 
«Que é isto? Um novo ensino com autoridade. Até dá ordens aos espíritos impuros e eles obedecem-lhe»
 
Fr. Pedro Bravo, ocarm
 
* v. 21
(vv. 21-28: Lc 4,31-37). Estamos no início da primeira parte do Evangelho de S. Marcos (1,14-8,30), onde ele nos apresenta Jesus como o Messias prometido que está entre os homens, anunciando-lhes, por palavras e obras, a Boa Nova da salvação.
 
* O episódio de hoje é um relato de um milagre. Leva-nos a Cafarnaum (2,1; 9,33; he. “aldeia de Naum”, “consolador”), a “cidade” de Jesus (Mt 9,1), cidade fronteiriça, situada junto à Via maris, a principal rota comercial que ligava a Mesopotâmia ao Egito, e para onde Ele se mudara após a prisão de João Batista (vv. 9.14; Mt 4,13).
 
* “Logo” que chega o “sábado”, Jesus, como bom judeu, vai à sinagoga com os seus discípulos e participa no culto. Traça assim aos apóstolos o roteiro que mais tarde eles deverão seguir ao evangelizar no Império romano (At 13,14; 14,1; 17,1s.17; 18,4.19; 19,8; 28,17).
 
* A liturgia sinagogal começa com o Shemá (Dt 6,4‑9; Nm 15, 37‑41), seguindo-se orações e cânticos, duas leituras (uma da Lei, a outra dos profetas), um comentário a elas e as bênçãos finais. O cohen (sacerdote) convidou Jesus a falar e Ele pôs-se a ensinar.
 
* “Ensinar” (gr. didásko; Mc: 17x) significa “estender repetidamente a mão”, de modo a ajudar o outro a receber o “ensino” (gr. didaqué: v. 27) que se lhe quer “transmitir” de forma orgânica e estruturada (1Cor 11,23; 15,3). O imperfeito indica que Jesus “começou a ensinar”, a transmitir às pessoas, algo de “novo” e vital (v. 27): o Evangelho.
 
* v. 22: Mt 7,28s. Os presentes ficam admirados, porque Jesus ensina com “autoridade” (gr. exousia: v. 27), não se limitando a comentar o AT “como os escribas” (os juristas versados na Lei, que interpretavam a Escritura a partir da tradição rabínica, citando as opiniões uns dos outros), mas anunciando a Palavra de Deus a partir da vida real e expondo-a à luz da sua própria experiência pessoal e singular união com o Pai, transmitindo-a de forma tão simples e acessível, com tal novidade e poder, confirmada pelos “sinais” que a acompanham (16,20), que todos ficam “estupefactos” (6,2; 7,37; 10,26; 11,18).
 
* v. 23. Enquanto Jesus ensina na “sinagoga deles” – um inciso que indica que Marcos não escreve para judeus, mas para gentios –, “um homem possesso dum espírito impuro” começa a gritar. Originalmente, associava-se os “espíritos impuros” à adivinhação e à necromancia, típicas dos cultos idolátricos (5,2.8; Zc 13,1s), e consideradas abomináveis pela Lei (Dt 18,10ss). Depois passaram a designar os “demónios” em geral, identificados com os deuses dos cultos pagãos, onde se praticava a prostituição sagrada (Lv 17,7). Eram hostis à pureza religiosa e moral que o serviço de Deus requer. Agiam sob o comando de Satanás (3,22s. 26.30; At 5,16; 8,7; 19,12) que assim procurava afastar os homens de Deus, o único que tem poder sobre eles e é capaz de libertar o homem do seu domínio (3,27). Este homem tinha-se contaminado com tais cultos, mas é incapaz de o esconder de Jesus, que conhece os corações (2,8; 8,17; 9,35 cf. 1Cor 12,10). Ele simboliza toda a humanidade que jaz sob o domínio de Satanás, não apenas os gentios, através do culto dos ídolos, mas também os judeus (estamos numa sinagoga).
 
* v. 24: Mt 8,29. O “espírito impuro” começa a gritar de medo e desespero (6,49) pela boca desse homem contra Jesus. O mal aliena o homem. Fala no plural, em nome de todos os espíritos malignos (5,9), pedindo a Jesus com o semitismo “que há entre nós e Ti?” (5,7p; Jo 2,4; 1Rs 17,18), que não os atormente. Mostra saber quem é Jesus (v. 34), donde vem (“de Nazaré”: v. 9), qual é a Sua missão (cf. At 16,17) e que tem poder divino: “Vieste para nos perder?” (Tg 4,12; cf. 2Ts 2,10). Segundo os judeus, uma das obras do Messias, enquanto Sumo-sacerdote, seria a de libertar o homem do poder de Satanás (Hen 55,4; Test Levi 18; Test Sebul 9; At 26,18). Perante Jesus, o Messias, os espíritos malignos reagem, inquietos, sabendo que foram descobertos e que o seu império sobre o homem vai acabar (cf. Hb 2,14; 1Jo 3,8; Ap 20,10). É o que o espírito confessa, dizendo em nome próprio: “Eu sei quem tu és: o Santo de Deus” (3,11; cf. 5,7p; Lc 4,41; Tg 2,19). Repete assim o ensinamento judaico, que apresentava o Messias como “o Santo de Deus” (Lc 1,35; 4,34; Jo 6,69; At 2,26s; 3,14; 4,27.30; Ap 3,7; título raro no AT, só: Nm 16,5; Sl 106,16; Jz 16,17LXX; 2Rs 4,9), ou seja, o “consagrado de Deus” por excelência. Jesus é-o graças ao Espírito Santo que sobre Ele desceu no batismo (vv. 8.10).
 
* v. 25. Jesus “repreende” (9,25; cf. 8,30.32.33) o espírito impuro e manda-o calar (3,12). Por dois motivos. O primeiro é o “segredo messiânico” (1,44; 5,43; 7,36; 8,26): Jesus não quer que a sua identidade real seja conhecida (v. 34; 3,12; 8,30; 9,9), até à paixão (14,61s), pois a versão guerreira de Messias, que então vigorava em Israel, prestava-se a equívocos de natureza política, alheios à vontade de Deus (8,32s). Depois, porque o espírito impuro, parecendo acertar, de facto, enquanto fala pela boca do homem (ou seja, em nome da humanidade), diz três mentiras, pois: 1) Jesus tem tudo a ver com o homem, porque é o “Filho do homem”; 2) Jesus não veio para perder o homem, mas para o salvar; 3) só conhece realmente Jesus quem acredita nele e a Ele se une pelo Espírito Santo (cf. Jo 16,30; Rm 8,27; 1Cor 2,11s).
 
* “Sai dele”: Jesus expulsa o espírito com uma palavra (7,29), algo de inédito entre os judeus e os gentios, que também faziam exorcismos, mas recorrendo a complicados ritos, a longas preces e inúmeras conjurações, nem sempre com bom resultado (cf. At 19,16).
 
* v. 26. O espírito obedece à palavra de Jesus e sai, “sacudindo” o homem (9,20p) e “gritando com alta voz” (15,34s), como se estivesse a morrer (9,26!), mas, na realidade, “saindo” daquele homem que, libertado do poder das trevas (cf. Sl 107,10-15), agora recomeça a viver.
 
* v. 27. “Todos se admiraram” (10,24.32; cf. 2Sm 22,5; Dn 8,17; Mt 9,33; 12,23; 15,31) e se perguntavam: “Que é isto?”. O ensinamento de Jesus e os sinais que Ele realiza provocam admiração e faz com que todos se perguntem que é este Jesus de Nazaré. É a questão que percorre toda a primeira parte do Evangelho de Marcos (v.34; 2,12; 3,12; 4,41; 5,42; 6,2s.14s; 7,37; 8,27.29) e que, primeiro Pedro, e, após a morte de Jesus, o centurião, vão responder: «Tu és o Cristo» (8,29); «Verdadeiramente este homem era Filho de Deus» (15,39).
 
* E surpreendem-se com o ensino de Jesus, que é “novo” (11,18; 12,38; Jo 7,16s; cf. LvR 13,114b; Beth ha-Midr 6,63,13; Midr Qoh 11,8,52a; Targ Is 12,3), e feito “com autoridade” (v. 22), uma autoridade que é própria (pois a dá aos apóstolos: 3,15; 6,7) e que parece ser (e é!) divina (11,28s.33), pois a Ele tudo (aqui, os espíritos impuros, mais adiante, a natureza) “obedece” (4,41).
 
* v. 28. E a fama de Jesus difunde-se por toda a parte (cf. v. 45; 6,14), a começar pela Galileia (Mt 9,26).
 
* Com esta libertação, Jesus inaugura de forma programática a sua ação terapêutica e salvadora, mostrando que o Reino de Deus está próximo (1,14) e que para o receber é necessário converter-se e ser libertado do poder que escraviza o homem e o aliena, fechando-o a Deus: o domínio de Satanás. Ela é um “sinal” que designa Jesus como o Messias que age em nome de Deus, instaurando de forma irrevogável, através da sua Palavra, com poder, o Reino de Deus, libertando o homem do domínio de Satanás, ou seja, da escravidão do pecado e da morte, da mentira e da violência, que impera sobre toda a humanidade que ainda não aderiu a Cristo, para a restituir à verdadeira vida, em comunhão com Deus.
 
MEDITAÇÃO
Muitos vivem alienados, deixando-se levar pela ideologia reinante, pelos meios de comunicação social, escravos do medo, do individualismo, de drogas, do sexo ou do prazer, do consumismo, do ateísmo prático ou do poder. Essas pessoas não são donas de si mesmas, nem vivem realmente, mas são vividas. Qual é a minha situação? Como pôr a descoberto e “expulsar” tais “espíritos impuros”?

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