Textos: Isaias 45, 1, 4-6; 1 Tess 1, 1-5;
Mateus 22, 15-21
S. João Paulo II, Papa da Fraternidade do Escapulário |
Evangelho (Mt
22,15-21): Os fariseus saíram e fizeram
um plano para apanhar Jesus em alguma palavra. Mandaram os seus discípulos,
junto com alguns partidários de Herodes, para perguntar: «Mestre, sabemos que
és verdadeiro e que ensinas o caminho de Deus segundo a verdade. Não te deixas
influenciar por ninguém, pois não olhas a aparência das pessoas. Dize-nos o que
pensas: é permitido, ou não, pagar imposto a César?». Jesus percebeu-lhes a
maldade e disse: «Hipócritas! Por que me armais uma cilada? Mostrai-me a moeda
do imposto!». Apresentaram-lhe a moeda. «De quem é esta figura e a inscrição?»,
perguntou ele. «De César», responderam. Ele então lhes disse: «Devolvei, pois,
a César o que é de César e a Deus, o que é de Deus»
«Devolvei, pois, a César
o que é de César e a Deus, o que é de Deus»
P. Antoni POU OSB Monge de Montserrat (Montserrat,
Barcelona, Espanha)
Hoje,
apresenta-se nos para nossa consideração uma “famosa” afirmação de Jesus
Cristo: «A César o que é de César e a Deus, o que é de Deus» (Mt 22,21).
Não
entenderíamos bem esta frase sem levar em conta o contexto no qual Jesus a
pronuncia: «Os fariseus saíram e fizeram um plano para apanhar Jesus em alguma
palavra» (Mt 22,15), e Jesus advertiu a sua maldade (cf. v. 18). Assim, pois a
resposta de Jesus está calculada. Ao ouvi-la, os fariseus ficaram
surpreendidos, não a esperavam. Se claramente, tivesse ido em contra do César,
lhe teriam podido denunciar; se tivesse ido claramente a favor de pagar o
tributo ao César, teriam marchado satisfeitos de sua astúcia. Mas Jesus Cristo,
sem falar em contra do César, o tem relativizado: tem que dar a Deus o que é de
Deus, e Deus é Senhor inclusive dos poderes deste mundo.
O César, como
todo governante, não pode exercer um poder arbitrário, porque seu poder lhe é
dado como “prenda” ou garantia; como os servos da parábola dos talentos, que
têm que responder ante o Senhor pelo uso dos talentos. No Evangelho de São
João, Jesus diz a Pilatos: «Tu não terias poder algum sobre mim, se não te
fosse dado do alto» (Jo 19,11). Jesus não quer apresentar-se como um agitador
político. Simplesmente, põe as coisas em seu lugar.
A
interpretação que se tem feito às vezes de Mt 22,21 é que a Igreja não deveria
“imiscuir-se em política”, senão somente ocupar-se do culto. Mas esta
interpretação é totalmente falsa, porque ocupar-se de Deus não é só ocupar-se
do culto, senão preocupar-se pela justiça, e pelos homens, que são os filhos de
Deus. Pretender que a Igreja permaneça nas sacristias, que se faça de surda,
cega e muda ante os problemas morais e humanos de nosso tempo, é tirar de Deus
o que é de Deus. «A tolerância que só admite Deus como opinião privada, mas que
lhe nega o domínio público (...) não é tolerância, senão hipocrisia» (Bento
XVI).
Ao César, o tributo; e a
Deus, o culto, e não o contrário.
Pe. Antonio Rivero L.C.
Resumo da
mensagem: O Evangelho não afasta os cristãos da política, mas quer que o
cristão participe com especial responsabilidade e testemunho da construção do
bem comum. O difícil é como fundamentar no evangelho este compromisso, isto é,
como uni-lo ao compromisso religioso para que não se perpetue aquela nefasta
separação entre fé e práxis, entre o tributo que devemos dar a Deus e o tributo
que devemos dar ao César. A Palavra de Deus nos ajuda hoje neste problema.
Em primeiro
lugar, a Palavra de Jesus afirma que o Reino de Deus e o de César não se
excluem, como pensavam os judeus. Agora bem, Jesus deixa bem claro que o poder
político e militar são radicalmente relativizados, enquanto que o Reino de Deus
é absoluto. A pergunta que lhe fizeram os fariseus e os de Herodes não era uma
pergunta, mas uma armadilha para lobo: se Jesus disser que não paguem ao César,
entra em jogo a sua cabeça; mas se disser que paguem, então entra em jogo o
prestígio e, com ele, a sua campanha eleitoral pelo reinado dos céus. A
pergunta era uma hipocrisia, uma tentação. Tentação de idolatria. A moeda do
tributo era o denário, que levava a inscrição: “Tiberius divus et pontifex
máximus” (Tibério, deus e sumo pontífice). E o segundo mandamento do decálogo
dizia: “Não esculpirás imagem alguma, nada se pareça ao que existe lá em cima
no céu…” (Ex 20, 4; Dt 4, 15-20). Por isso Jesus responde: a César o que é de
César, que é a obediência para com a autoridade nas coisas que mandem
respeitando a Lei de Deus, e o que é de Deus a Deus, que é a adoração. Velas,
uma e somente para Deus. Prevê-nos do fanatismo, absolutismo e sacralização da
política.
Em segundo
lugar, como deve se comportar então um cristão, um discípulo de Cristo diante
do reino de César, isto é, diante do Estado e da ordem constituída? Obediência
ou liberdade? Este é o dilema de sempre. O Novo Testamento resolve este dilema:
o discípulo de Cristo fica livre não só para resistir ao Estado, mas também
para obedecê-lo. O Estado não é um absoluto, um poder divino, como era antes da
vinda de Cristo. Cristo modificou o conceito de poder e o substitui com o
serviço. Os nossos césares ou governantes de hoje entendem isso? O discípulo de
Cristo pode aceitar o poder estatal em liberdade, sem o medo de cair no
Estado-latria, ou seja, no culto ao estado ou ao imperador. Só dará o seu
tributo ao César quando tem consciência de que será um compromisso justo para a
transformação da sociedade, quando tem consciência de que a sua colaboração com
as leis, os votos e os impostos será construtiva, e quando essas leis emanadas
do poder civil concordem e respeitem a Lei divina.
Finalmente,
quando é que um discípulo de Cristo deve dizer “não” ao poder estatal e fazer
resistência? Quando a liberdade deve prevalecer sobre a obediência? Também o
Novo Testamento responde: quando está em jogo a própria fé, isto é, quando o
Estado se desvia dos planos de Deus e se erige de novo como absoluto, como era
antes de Cristo, e não permite mais “dar a Deus o que é de Deus”. Não devemos
dar o nosso voto para políticos vivedores, insolventes, corruptos, golfos com
dinheiro dos nossos impostos, governantes prepotentes, totalitários, antidemocráticos,
que criam um Estado absoluto. Não demos o nosso voto para governantes que
emitem ou propõem leis em contra do bem comum, que atacam o matrimonio, a
família, a vida, a liberdade de ensino, a propriedade privada, o homem e Deus.
Esta situação se repete hoje, em alguns regimes políticos, onde a Igreja é
forçada a guardar silêncio e o cristão não pode – não deve- com toda a sua
lealdade dizer um “sim” incondicional a tal Estado. O cristão se encontra num
verdadeiro estado de perseguição. E às vezes até em situação de martírio.
Para refletir: Somos conscientes de que “dar a Deus o
que é de Deus” significa devolver o seu absoluto poder legislativo, executivo,
judicial, que está acima de todos os parlamentos, governos, partidos e Estados
do mundo? Devolvemos a Deus o título de propriedade exclusiva de todos os bens
da criação e nos contentamos com o título que temos, o de administradores
desses bens, exercendo a sua função social: pão, trabalho, dinheiro, bens… de
Deus para todos? Pensemos nesta frase de santo Agostinho: “Deo, ait, reddendus
est christianus amor, régibus humanus timor” (Livro I contra Epístola Parm, c.
7: a Deus é preciso dar o amor cristão, aos reis o temor humano).
Para rezar: Quero rezar com Calderón da Barca,
poeta do século XVIII espanhol: “Ao rei, a fazenda e a vida se há de dar; mas a
honra é patrimônio da alma e a alma só é de Deus”. Senhor, ajudai-me a dar-Vos
minha adoração, e ao estado, meu respeito e minha submissão em tudo aquilo que
respeite vossa santa Lei. Mas quando o estado me peça coisas em contra da vossa
santa Lei, dai-me a força de dizer “Não”, embora isso signifique a proscrição,
a defenestração e o martírio.
Qualquer sugestão ou
dúvida podem se comunicar com o padre Antonio neste e-mail: arivero@legionaries.org
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