Evangelho (Jo
19,25-27): Naquele tempo, junto à cruz
de Jesus estavam de pé sua mãe, a irmã de sua mãe, Maria, mulher de Cléofas, e
Maria Madalena. Quando Jesus viu sua mãe e perto dela o discípulo que amava,
disse à sua mãe: Mulher, eis aí teu filho. Depois disse ao discípulo: Eis aí
tua mãe. E dessa hora em diante o discípulo a levou para a sua casa.
Reflexão 1.
Jesus tem em suas mãos seu destino
Estamos na
metade do capítulo 19 do Evangelho de João, que começa com a flagelação, a
coroação com a coroa de espinhos, a apresentação de Jesus por Pilatos para o
povo: "Eis o homem" (Jo 19, 5), condenado à morte na cruz, a via
sacra e a crucificação. Na narrativa da Paixão segundo João, Jesus tem em suas
mãos o controle de sua própria vida e de tudo o que está acontecendo ao seu
redor. Por esta razão, encontramos frases como: "Jesus veio para fora,
trazendo a coroa de espinhos e o manto de púrpura" (v. 5) ou as palavras a
Pilatos: "Não terias nenhum poder sobre mim, se eu tivesse dado do alto
"(v. 11) além disso, o texto apresentado pela liturgia de hoje mostra que
Jesus não só tem o controle de tudo o que está acontecendo, mas também o que
está acontecendo ao redor. É muito importante o que descreve o evangelista:
“Quando Jesus viu sua mãe e perto dela o discípulo que amava, disse ....” (v.
26). As palavras de Jesus em sua simplicidade são as palavras da revelação,
palavras com o que quer expressar a sua vontade: "Eis aí o teu filho"
(v. 26), "Eis aí a tua mãe" (v.
27). Estas palavras de Jesus trazer à mente as palavras de Pilatos com
as quais apresentou a pessoa de Jesus para o povo: "Eis o homem" (v.
5). Jesus desde seu trono, a cruz, com suas palavras, não só pronuncia a sua
vontade, como também o que está verdadeiramente em seu amor por nós e qual é o
fruto desse amor. É o Cordeiro de Deus, o pastor que dá a sua vida para reunir
a todos em um só rebanho, a Igreja.
Junto à cruz
Nessa
passagem encontramos também uma palavra muito importante que se repete duas
vezes, quando o evangelista fala da mãe de Jesus e do discípulo amado. O
evangelista diz que a mãe de Jesus estava "junto à cruz" (v. 25) e o
discípulo amado estava "perto dela" (v. 26). Este importante detalhe
tem um significado bíblico muito profundo. Apenas o quarto evangelista diz que
a mãe de Jesus estava junto à cruz. Os outros evangelistas não especificam.
Lucas
diz-nos que “Todos os conhecidos de Jesus, bem como as mulheres que o
acompanhavam desde a Galileia, se mantinham a distância, olhando essas coisas.”
(Lc 23,49).
Mateus
escreve: "Grande número de mulheres estava ali, observando de longe. Elas
haviam acompanhado Jesus desde a Galileia, prestando-lhe serviços. Entre elas
estavam Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago e de José, e a mãe dos filhos de
Zebedeu.” (Mt 27,55-56).
Marcos diz
que "Estavam ali também algumas mulheres olhando de longe; entre elas
Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago Menor e de Joset, e Salomé. Quando ele
estava na Galileia, estas o seguiam e lhe prestavam serviços. Estavam ali
também muitas outras mulheres que com ele tinham subido a Jerusalém.” (Mc
15,40-41).
Assim,
apenas João enfatiza que a mãe de Jesus estava lá, não seguindo-o de longe, mas
sim junto à cruz, na companhia de outras mulheres. De pé, como uma mulher forte
que continua a crendo, esperando e tendo confiança em Deus, mesmo neste momento
tão difícil. A mãe de Jesus está naquele momento importante no qual "tudo
está consumado" (v. 30) na missão de Jesus. Além disso, o evangelista
ressalta a presença da mãe de Jesus, no início de sua missão, nas bodas de
Cana, onde João usa quase a mesma expressão: "Eu estava ali a mãe de
Jesus" (Jo 2,1)
A mulher e o discípulo
Nas bodas
de Caná e na cruz, Jesus mostra a sua glória e sua mãe está presente de uma
forma ativa. Nas bodas de Caná é evidente, de uma forma simbólica, o que
aconteceu na cruz. Durante a festa de casamento em Caná, Jesus transformou a
água contida em seis potes (Jo 2,6). O número seis simboliza a imperfeição. O
número perfeito é o sete. Por esta razão, Jesus responde à sua mãe: "Minha
hora ainda não chegou" (Jo 2,04).
A hora em
que Jesus renovou tudo, foi a hora da cruz. Os discípulos lhe perguntaram:
"Senhor, é este o momento de reconstruir o reino de Israel?" (Atos
1,6). Na cruz, com água e sangue, Jesus faz
nascer a Igreja e, ao mesmo tempo, ela torna-se sua esposa. É o início
de um novo tempo. Tanto nas bodas de Caná como na cruz, Jesus não chama sua mãe
pelo próprio nome, mas dá-lhe o belo título de "Mulher" (Jo 2,4 e
19,26). Na cruz, Jesus não está falando com sua mãe movido apenas por um
sentimento natural, de filho com sua mãe. O título de "Mulher" deixa
claro que no momento em que Jesus estava abrindo o coração de sua mãe para a
maternidade espiritual de seus discípulos, representados na pessoa do discípulo
amado, que está sempre perto de Jesus, o discípulo que no último jantar
reclinou a cabeça sobre o peito de Jesus (Jo 13,23-26).
O discípulo
que compreendeu o mistério de Jesus e manteve-se fiel ao seu mestre até a
crucificação, e, posteriormente, deveria ser o primeiro discípulo a acreditar
que Cristo tinha ressuscitado ao ver o túmulo vazio e os panos no chão (João
20,4-8) enquanto Maria de Magdala garante que haviam tirado o corpo de Jesus
(Jo 20,2). Portanto, o discípulo é aquele que acredita e mantém-se fiel ao seu
Senhor em todas as provações da vida.
O discípulo
a quem Jesus amava, não tem nome, porque ele representa a você e a mim, e a
todos os que são verdadeiros discípulos. A mulher torna-se mãe do discípulo. A
mulher, que nunca é chamada pelo evangelista com o nome próprio, não apenas a
mãe de Jesus, mas também a Igreja. O evangelista João gosta de chamar a Igreja
de "mulher" ou "senhora". Este título está na segunda Carta
de João (2 Jo 1,5) e no livro do Apocalipse: "Então apareceu no céu um grande
sinal: uma mulher vestida com o sol, tendo a lua debaixo dos pés e, sobre a
cabeça, uma coroa de doze estrelas. Estava grávida e gritava em dores de parto,
atormentada para dar à luz. "(Ap 12,1-2) A mulher, então, é a imagem da
Igreja Mãe que está com dores de parto para gerar a Deus novos filhos. A mãe de
Jesus é a imagem perfeita da Igreja esposa de Cristo em trabalho de parto para
gerar novos filhos ao esposo.
O discípulo recebe em casa a mulher
Se Jesus
deixou nas mãos da Mulher (sua Mãe e a Igreja) os seus discípulos representados
na pessoa do discípulo amado, também deixou nas mãos dos discípulos a Mulher
(sua mãe e da Igreja). O evangelista diz que quando Jesus viu o discípulo a
quem ele amava com sua mãe lhe disse: "Eis a tua mãe" (V. 27)
O evangelista
continua: “E dessa hora em diante o discípulo a levou para a sua casa" (v.
27). Isto significa que o discípulo recebeu a mulher como uma valiosa e querida
pessoa. Isso novamente nos recorda quando João diz em suas cartas, quando ele
chama a si mesmo o presbítero que ama a Senhora eleita (2 João 1), que reza por
ela (2 Jo 5) para que a cuide e a defenda contra anticristo, isto é, aqueles
que não reconhecem a Cristo e tentam perturbar os filhos da Igreja, os
discípulos de Jesus (2 Jo 7,10).
As palavras
do versículo 27: “E dessa hora em diante o discípulo a levou para a sua
casa", nos lembra que também aquilo que encontramos no início do Evangelho
de Mateus. O evangelista abre sua narrativa com a visão do anjo no sonho de
José, o esposo de Maria. Nesta visão, o anjo diz a José: "José, filho de
David, não temas receber Maria, tua mulher, porque o que nela foi gerado é do
Espírito Santo" (Mt 1,20). Mateus abre o seu Evangelho com o Senhor,
confiando Maria e Jesus a José, enquanto João conclui seu relato com Jesus
confiando sua Mãe e a Igreja nas mãos do discípulo amado.
Para um confronto pessoal
● O que é
que você mais atenção nesta passagem e na reflexão?
● Na cruz,
Jesus nos deu tudo: sua vida e sua Mãe. E você, você está preparado para dar
algo para o Senhor? Você é capaz de renunciar a suas coisas, a seus gostos,
etc. para servir a Deus e ajudar o próximo?
● “E dessa
hora em diante o discípulo a levou para a sua casa". Você acha que as
famílias de hoje seguem o exemplo do discípulo amado de Jesus? O que essas
palavras significam para sua vida cristã?
Reflexão 2.
* Hoje, festa de Nossa Senhora das Dores, o evangelho do
dia traz a passagem em que Maria, a mãe de Jesus, e o discípulo amado se
encontram no calvário diante da Cruz. A Mãe de Jesus aparece duas vezes no
evangelho de João: no começo, nas bodas de Caná (Jo 2,1-5), e no fim, ao pé da
Cruz (Jo 19,25-27). Estes, pois episódios, exclusivos do evangelho de João, têm
um valor simbólico muito profundo. O evangelho de João, comparado com os outros
três evangelhos é como quem tira raios-X onde os outros três só tiram
fotografia. Os raios-X da fé ajudam a descobrir dimensões nos acontecimentos
que os olhos comuns não chegam a perceber. O evangelho de João, além de
descrever os fatos, revela a dimensão simbólica que neles existe. Assim, nos
dois casos, em Caná e na Cruz, a Mãe de Jesus representa simbolicamente o
Antigo Testamento que aguarda a chegada do Novo Testamento e, nos dois casos,
ela contribui para que o Novo chegue. Maria aparece como o elo entre o que
havia antes e o que virá depois. Em Caná, ela simboliza o AT, percebe os
limites do Antigo e toma a iniciativa para que o Novo possa chegar. Ela vai
falar ao Filho: “Eles não tem mais vinho!” (Jo 2,3). E no Calvário? Vejamos:
* João 19, 25: As mulheres e o
Discípulo Amado junto à Cruz.
Assim diz o
Evangelho: “A mãe de Jesus, a irmã da mãe dele, Maria de Cléofas, e Maria
Madalena estavam junto à cruz”. A “fotografia” mostra a mãe junto do filho, em
pé. Mulher forte, que não se deixa abater. “Stabat Mater Dolorosa!” Ela é uma
presença silenciosa que apoia o filho na sua entrega até à morte, e morte de
cruz (Flp 2,8). Além disso, o “raio-X” da fé mostra como se realiza a passagem
do AT para o NT. Como em Caná, a Mãe de Jesus representa o AT. O Discípulo
Amado representa o NT, a comunidade que cresceu ao redor de Jesus. É o filho
que nasceu do AT, a nova humanidade que se forma a partir da vivência do
Evangelho do Reino. No fim do primeiro século, alguns cristãos achavam que o AT
já não era necessário. De fato, no começo do segundo século, Márcion recusou
todo o AT e ficou só com uma parte do NT. Por isso, muitos queriam saber qual a
vontade de Jesus a este respeito.
* João 19,26-28: O Testamento ou a
Vontade de Jesus
As palavras
de Jesus são significativas. Vendo sua mãe e, ao lado dela, o discípulo que ele
amava, disse à mãe: "Mulher, eis aí o seu filho." Depois disse ao
discípulo: "Eis aí a sua mãe." Os Antigo e o Novo Testamento devem
caminhar juntos. A pedido de Jesus, o discípulo amado, o filho, o NT, recebe a
Mãe, o AT, em sua casa. É na casa do Discípulo Amado, na comunidade cristã, que
se descobre o sentido pleno do AT. O Novo não se entende sem o Antigo, nem o
Antigo é completa sem o Novo. Santo Agostinho dizia: “Novum in vetere latet,
Vetus in Novo patet”. (O Novo está escondido no Antigo. O Antigo desabrocha no
Novo). O Novo sem o Antigo seria um prédio sem fundamento. E o Antigo sem o
Novo seria uma árvore frutífera que não chegou a dar fruto.
*
Maria no Novo Testamento
De Maria se
fala pouco no NT, e ela mesma fala menos ainda. Maria é a Mãe do silêncio. A
Bíblia conservou apenas sete palavras de Maria. Cada uma destas sete palavras é
como uma janela que permite olhar para dentro da casa de Maria e descobrir como
ela se relacionava com Deus. A chave para entender tudo isso é dada por Lucas
nesta frase: “Felizes são aqueles que ouvem a palavra de Deus e a põem em
prática." (Lc 11,27-28)
1ª Palavra: "Como pode ser isso se eu não
conheço homem algum!" (Lc 1,34)
2ª Palavra: "Eis aqui a serva do Senhor,
faça-se em mim segundo a tua palavra!" (Lc 1,38)
3ª Palavra: "Minha alma louva o Senhor,
exulta meu espírito em Deus meu Salvador!" (Lc 1,46-55)
4ª Palavra: "Meu filho porque nos fez
isso? Teu pai e eu, aflitos, te procurávamos" (Lc 2,48)
5º Palavra: "Eles não tem mais
vinho!" (Jo 2,3)
6ª Palavra: "Fazei tudo o que ele vos
disser!" (Jo 2,5)
7ª Palavra: O silêncio ao pé da Cruz, mais eloquente
que mil palavras! (Jo 19,25-27)
Para um confronto pessoal
1) Maria ao pé da Cruz. Mulher forte, silenciosa. Como é
minha devoção a Maria, a mãe de Jesus?
2) Na Pietà de Miguelangelo, Maria aparece bem jovem,
mais jovem que o próprio filho crucificado, quando já devia ter no mínimo em
torno de 50 anos. Perguntado por que tinha esculpido o rosto da Maria tão
jovem, Miguelangelo respondeu: “As pessoas apaixonadas por Deus não envelhecem
nunca”. Apaixonada por Deus! Existe paixão por Deus em mim?
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