sexta-feira, 26 de agosto de 2016

XXII Domingo do Tempo Comum

Evangelho (Lc 14,1.7-14): Num dia de sábado, Jesus foi comer na casa de um dos chefes dos fariseus. Estes o observavam. Jesus notou como os convidados escolhiam os primeiros lugares. Então contou-lhes uma parábola: «Quando fores convidado para uma festa de casamento, não ocupes o primeiro lugar. Pode ser que tenha sido convidado alguém mais importante, e o dono da casa, que convidou os dois, venha a te dizer: ‘Cede o lugar a ele’. Então irás cheio de vergonha ocupar o último lugar. Ao contrário, quando fores convidado, vai sentar-te no último lugar. Quando chegar então aquele que te convidou, ele te dirá: ‘Amigo, vem para um lugar melhor! ’ Será uma honra para ti, à vista de todos os convidados. Pois todo aquele que se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado».  E disse também a quem o tinha convidado: «Quando ofereceres um almoço ou jantar, não convides teus amigos, nem teus irmãos, nem teus parentes, nem teus vizinhos ricos. Pois estes podem te convidar por sua vez, e isto já será a tua recompensa. Pelo contrário, quando deres um banquete, convida os pobres, os aleijados, os coxos, os cegos! Então serás feliz, pois estes não têm como te retribuir! Receberás a recompensa na ressurreição dos justos».

«Os convidados escolhiam os primeiros lugares»

Rev. D. Enric PRAT i Jordana  (Sort, Lleida, Espanha)

Hoje, Jesus nos dá uma lição magistral: Não busqueis o primeiro lugar. «Quando fores convidado para uma festa de casamento, não ocupes o primeiro lugar» (Lc 14,8). Jesus Cristo sabe que gostamos de situar-nos no primeiro lugar: nos atos públicos, nas reuniões, em casa, na mesa… Ele conhece da nossa tendência a sobrevalorizar-nos por vaidade e, ainda pior, por orgulho mal dissimulado. Estejamos prevenidos com os honores!, Já que «o coração fica encadeado aí onde encontra possibilidade de fruição» (São Leão Magno).

Quem nos disse que, não existem colegas com mais méritos ou categoria pessoal? Não se trata, pois, de algo esporádico, mas de uma atitude assumida de nos sentir melhores, mais importantes, com mais méritos, os que sempre temos razão; isso é uma pretensão que supõe uma visão estreita sobre nós e sobre o que nos rodeia. De fato, Jesus convida-nos a praticar uma humildade perfeita, que consiste em não nos julgar nem julgar aos outros e, de conscientizar-nos sobre a nossa insignificância individual respeito ao cosmos e à vida.

Então, o Senhor, propõe que, por precaução, escolhamos o último lugar, porque se bem desconhecemos a realidade íntima dos outros, sabemos que nós somos irrelevantes se comparados com o espetáculo do universo. Por conseguinte, situar-nos no ultimo lugar, é atuar com certeza. Não seja que o Senhor, que nos conhece a todos desde nossa intimidade, deva disser-nos: «‘Cede o lugar a ele’. ‘Então irás cheio de vergonha ocupar o último lugar´» (Lc 14,9).

Na mesma linha de pensamento, o Mestre convida-nos a colocar-nos com humildade ao lado dos preferidos de Deus: pobres, inválidos, coxos, cegos, e a nos igualar com eles até nos encontrar no meio de aqueles que Deus ama com especial ternura e, a superar toda repugnância e vergonha em compartir a mesa e amizade com eles.

Reflexão

O relato de hoje se situa no contexto de uma refeição na casa de um chefe dos fariseus, que permanece no anonimato. Lucas tem o cuidado de sublinhar que o evento aconteceu em dia de sábado, e que os fariseus estavam observando Jesus para tentar pegá-lo em algum erro. Então, embora se trate de uma refeição, não era uma confraternização, mas muito antes um confronto, mesmo que camuflado.

Jesus aproveitou a oportunidade para nos deixar o seu ensinamento sobre dois assuntos importantes para a vida dos discípulos: a opção entre a humildade e o orgulho, e a gratuidade.

Como bom pedagogo, Jesus observa a vida ao seu redor, e a usa para ensinar algo sobre Deus. Os fariseus eram muito bem vistos no meio do povo simples. É um erro nosso pensar que a palavra “fariseu” seja sinônima de “hipócrita”. Talvez essa ideia venha do Capítulo 23 de Mateus, que reflete a situação de antagonismo entre eles e os discípulos de Jesus no tempo do escrito - pelo ano 85 d.C., quando os fariseus estavam expulsando os cristãos “mateanos” das sinagogas - mais do que a realidade do tempo de Jesus. Os fariseus eram exímios observadores da Lei, mas muitas vezes caíam no perigo de sentir-se superiores às massas que não podiam ou não conseguiam viver a Lei em seus pormenores. Confiando na sua observância como garantia de salvação, na prática dispensaram a gratuidade de Deus.

Vendo como os convidados buscaram os primeiros lugares na refeição, Jesus nos dá a lição sobre buscar os últimos lugares na festa de casamento.  À primeira vista, parece que Jesus está nos ensinando a ser falsos ou hipócritas; mas a verdade é outra. O banquete desta história simboliza a nossa vida. Diante da vida, podemos optar - buscar uma vida de prestígio, aos olhos do mundo, com todos os privilégios que isso acarreta, ou buscar o serviço aos irmãos - nos “humilhando”, pois quem servia era considerado menor do que quem era servido (como geralmente ainda hoje é!). De novo Jesus nos coloca diante do seu próprio exemplo - ele que veio “não para ser servido, mas para servir, e dar a sua vida em favor de muitos” (Mc 10, 46).

Como é atual este ensinamento! O nosso mundo é um mundo classista, onde “quem pode mais, chora menos”, até nas Igrejas - como gostamos de títulos, honras, prestígio! Em vão buscaremos nos Evangelhos títulos de honra como “Eminência, “Santidade”, “Reverendo, “Reverendíssimo”! Sem que notássemos, o mundo entrou nas nossas comunidades com as suas falsas categorias!”Como é empolgante ouvir o Papa Francisco advertir contra esta busca de prestígio falso nas Igrejas, especialmente quando acontece entre ministros ordenados, religiosos/as e seminaristas. Como ele disse numa homília há poucos meses, “a vida religiosa e/ou sacerdotal não é para carreiristas ou alpinistas sociais”. Nada mais fez do que fazer eco ao ensinamento de Jesus.

O centro da questão está em versículo 11: “de fato, quem se eleva será humilhado, e quem se humilha, será elevado”. Não é uma recomendação sádica para que procuremos ser humilhados, como muitas vezes se pregava na formação da Vida Religiosa e na espiritualidade, antigamente. Pelo contrário, é uma orientação para que não ponhamos o nosso valor nos títulos e honrarias vãs que a sociedade tanto aprecia, mas no serviço humilde aos irmãos e irmãs, unindo-nos à luta pelos oprimidos, que são humilhados pela sociedade de consumismo e opulência.

Ato contínuo, Jesus nos orienta sobre a gratuidade. Recomendando ao fariseu que ele não convide os que possam retribuir com outros convites, ele nos põe diante do exemplo do próprio Deus, que é gratuidade absoluta. Novamente os marginalizados servem como exemplo para o exercício de gratuidade. Temos muitas indicações na literatura daquele tempo que tanto a sociedade judaica como a greco-romana rejeitava este pessoal sofrido. Um documento dos Essênios de Qumrã elenca as categorias que serão proibidas de entrar no banquete escatológico: “os que têm problema na pele, com as mãos ou os pés esmagados, os aleijados, os cegos, os surdos, os mudos; os que têm defeito na vista ou que sofrem de senilidade”. A lista lucana adiciona a categoria “os pobres”. Sabemos que na literatura judaica “os pobres” era muitas vezes a designação usada para Israel e especialmente para os eleitos dentro de Israel. Então Lucas está usando de ironia - mostrando que os verdadeiros eleitos não são os que a sociedade assim considera, mas os realmente pobres, marginalizados e sofredores!

O discípulo, “convidando-os”, ou seja, relacionando-se com eles como igual para igual, não receberá deles a retribuição. Eles não terão com o que retribuir, e assim seremos como Deus, que nos ama sem esperar algo em retorno. Assim estaremos colocando a nossa confiança na gratuidade de Deus, e não agindo de um modo calculista, como tanto se prega hoje: “é dando que se recebe”, como dizem os politiqueiros cínicos, como também alguns pregadores cristãos, interessados no acúmulo de dinheiro.

A imagem do banquete é simplesmente um símbolo. A história nos desafia para que examinemos as nossas motivações mais profundas, para que busquemos o serviço aos irmãos, e para que aprendamos de Deus, que é o Amor Gratuito por excelência.

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