Textos: Isaías 9, 2-4.6-7; Tito 2, 11-14;
Lucas 2, 1-14
«Eis o sinal que vos é
dado: um recém-nascido […] deitado numa manjedoura (Lc 2,12) »
Beato Guerric d’Igny (c.1080-1157), abade cisterciense - 1º
Sermão para a Natividade
«Um
menino nasceu para nós» (Is 9,5). E o Deus de majestade, aniquilando-se a si
próprio (Fl2,7) tornou-se semelhante ao corpo terrestre dos mortais, nele se
assumindo na frágil e tenra idade das crianças […]. Ó santa e doce infância,
que restitui ao homem a verdadeira inocência! Por ti todos os homens podem
voltar a uma beata infância (Mt 18,3) e ser conformes ao Menino Deus, não pela
pequenez dos membros, mas pela humildade do coração e doçura dos hábitos […].
Que
te sirva de exemplo: Deus, sendo o maior, quis tornar-se no mais humilde e mais
pequeno de todos. Para Ele era ainda bem pouco ficar abaixo dos anjos, ao tomar
a condição da natureza mortal; teve, pois, de fazer-se mais pequeno que os
homens, assumindo a idade e a fragilidade de uma criança. Que o homem pio e
humilde a isto preste atenção, e em tal encontre motivo de felicidade. Que o
homem ímpio e orgulhoso a isto preste atenção, e com tal se espante. Vejam o
Deus infinito feito menino, um pequenino que devemos adorar […].
Nesta
primeira manifestação aos mortais, Deus prefere mostrar-se com os traços de uma
pequena criança, suscitando, nessa aparência, mais amor que temor. E, como vem
para salvar e não para julgar, ele demonstra assim o que o amor poderá suscitar,
remetendo para depois o que poderá inspirar o temor.
Aproximemo-nos,
portanto, com toda a confiança do trono da sua graça (He 4,16), nós que
trememos só de pensar nesse trono de glória. Nada de terrível nem de severo há
aqui a temer. Pelo contrário, tudo é bondade e doçura, que nos inspiram confiança.
Não há, em verdade, coisa mais fácil de pacificar que o coração desta criança;
Ele precede-te nas oferendas de paz e de satisfação e é o primeiro a enviar-te
mensageiros de paz para te encorajar à reconciliação, a ti, que és culpado.
Basta-te querer, e querer com verdade e de forma perfeita. Ele dar-te-á não
apenas o perdão, mas cumular-te-á de graça. Mais ainda: certo de não ser ganho
pequeno ter encontrado a ovelha perdida, celebrará uma festa com os seus anjos
(Lc 15,7).
Glória e paz aos homens
Pe. Raniero Cantalamessa, OFM Cap.
A
tarefa de mostrar o significado e o alcance deste acontecimento é confiada pelo
evangelista ao canto que os anjos entoam depois de ter dado o anúncio aos
pastores: «Glória a Deus no alto do céu e paz na terra aos homens que ama o
Senhor». No passado, esta última expressão se traduzia de maneira diferente:
«Paz na terra aos homens de boa vontade». Com este significado, a expressão entrou no
canto do «Glória» e se fez comum na linguagem cristã. Após o Concílio Vaticano
II se costuma indicar com ela todos os homens honestos, que buscam a verdade e
o bem comum, sejam ou não-crentes.
Mas
trata-se de uma interpretação inexata e por isso atualmente em desuso. No texto
bíblico original, trata-se dos homens aos quais Deus ama, que são objeto da boa
vontade divina, não que eles tenham boa vontade. Deste modo, o anúncio é ainda
mais consolador. Se a paz se outorgara aos homens por sua boa vontade, então se
limitaria a poucos, aos que a merecem; mas como se outorga pela boa vontade de
Deus, por graça, oferece-se a todos. O Natal não apela à boa vontade dos
homens, mas é anúncio luminoso da boa vontade de Deus para com os homens».
A
palavra-chave para entender o sentido da proclamação angélica é, portanto, a
última, a que fala do «querer», do «amor» de Deus para com os homens, como
fonte e origem de tudo o que Deus começou a realizar no Natal. Ele nos
predestinou a ser seus filhos adotivos «segundo o beneplácito de sua vontade»,
escreve o Apóstolo; deu-nos a conhecer o mistério de seu querer, segundo o que
havia estabelecido «em sua benevolência» (Ef 1, 5.9). O Natal é a suprema
epifania daquele que a Escritura chama de filantropia de Deus, ou seja, seu
amor pelos homens: «Manifestou-se a bondade de Deus e seu amor pelos homens»
(Tito 3, 4).
Só
depois de ter contemplado a «boa vontade» de Deus para conosco podemos
ocupar-nos também da «boa vontade» dos homens: de nossa resposta ao mistério do
Natal. Esta boa vontade deve se expressar mediante a imitação da ação de Deus.
Imitar o mistério que celebramos significa abandonar todo pensamento de fazer
justiça sozinhos, toda lembrança de ofensas recebidas, suprimir do coração todo
ressentimento ainda justo, e isso com respeito a todos. Não admitir voluntariamente
nenhum pensamento hostil contra ninguém; nem contra os próximos nem contra os
distantes, nem contra os fracos nem contra os fortes, nem contra os pequenos
nem contra os grandes da terra, nem contra criatura alguma que existe no mundo.
E
isso para honrar o Natal do Senhor, porque Deus não guardou rancor, não olhou a
ofensa recebida, não esperou a que outro desse o primeiro passo até Ele. Se
isso não é possível sempre, durante todo o ano, pelo menos o façamos no tempo
do Natal. Assim esta será realmente a festa da bondade.
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