* A liturgia deste dia afirma, de forma
clara e insofismável, que Deus ama os homens e tem um projeto de vida plena
para lhes oferecer. Como é que esse Deus cheio de amor pelos seus filhos
intervém na história humana e concretiza, dia a dia, essa oferta de salvação? A
história de Maria de Nazaré (bem como a de tantos outros “chamados”) responde,
de forma clara, a esta questão: é através de homens e mulheres atentos aos
projetos de Deus e de coração disponível para o serviço dos irmãos que Deus
atua no mundo, que Ele manifesta aos homens o seu amor, que Ele convida cada
pessoa a percorrer os caminhos da felicidade e da realização plena. Já pensámos
que é através dos nossos gestos de amor, de partilha e de serviço que Deus se
torna presente no mundo e transforma o mundo?
* Outra questão é a dos instrumentos de
que Deus se serve para realizar os seus planos… Maria era uma jovem mulher de
uma aldeia obscura dessa “Galileia dos pagãos” de onde não podia “vir nada de
bom”. Não consta que tivesse uma significativa preparação intelectual,
extraordinários conhecimentos teológicos, ou amigos poderosos nos círculos de
poder e de influência da Palestina de então… Apesar disso, foi escolhida por
Deus para desempenhar um papel primordial na etapa mais significativa na história
da salvação. A história vocacional de Maria deixa claro que, na perspetiva de
Deus, não são o poder, a riqueza, a importância ou a visibilidade social que
determinam a capacidade para levar a cabo uma missão. Deus age através de
homens e mulheres, independentemente das suas qualidades humanas. O que é
decisivo é a disponibilidade e o amor com que se acolhem e testemunham as
propostas de Deus.
* Diante dos apelos de Deus ao
compromisso, qual deve ser a resposta do homem? É aí que somos colocados diante
do exemplo de Maria… Confrontada com os planos de Deus, Maria responde com um
“sim” total e incondicional. Naturalmente, ela tinha o seu programa de vida e
os seus projetos pessoais; mas, diante do apelo de Deus, esses projetos
pessoais passaram naturalmente e sem dramas a um plano secundário. Na atitude
de Maria não há qualquer sinal de egoísmo, de comodismo, de orgulho, mas há uma
entrega total nas mãos de Deus e um acolhimento radical dos caminhos de Deus. O
testemunho de Maria é um testemunho questionante, que nos interpela fortemente…
Que atitude assumimos diante dos projetos de Deus: acolhemo-los sem reservas,
com amor e disponibilidade, numa atitude de entrega total a Deus, ou assumimos
uma atitude egoísta de defesa intransigente dos nossos projetos pessoais e dos
nossos interesses egoístas?
* É possível alguém entregar-se tão
cegamente a Deus, sem reservas, sem medir os prós e os contras? Como é que se
chega a esta confiança incondicional em Deus e nos seus projetos? Naturalmente,
não se chega a esta confiança cega em Deus e nos seus planos sem uma vida de
diálogo, de comunhão, de intimidade com Deus. Maria de Nazaré foi, certamente,
uma mulher para quem Deus ocupava o primeiro lugar e era a prioridade
fundamental. Maria de Nazaré foi, certamente, uma pessoa de oração e de fé, que
fez a experiência do encontro com Deus e aprendeu a confiar totalmente n’Ele.
No meio da agitação de todos os dias, encontro tempo e disponibilidade para
ouvir Deus, para viver em comunhão com Ele, para tentar perceber os seus sinais
nas indicações que Ele me dá dia a dia?
Evangelho
(Lc 1,26-38): Quando Isabel estava no
sexto mês, o anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia,
chamada Nazaré, a uma virgem prometida em casamento a um homem de nome José, da
casa de Davi. A virgem se chamava Maria. O anjo entrou onde ela estava e disse:
«Alegra-te, cheia de graça! O Senhor está contigo». Ela perturbou-se com estas
palavras e começou a pensar qual seria o significado da saudação. O anjo,
então, disse: «Não tenhas medo, Maria! Encontraste graça junto a Deus.
Conceberás e darás à luz um filho, e lhe porás o nome de Jesus. Ele será
grande; será chamado Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de
Davi, seu pai. Ele reinará para sempre sobre a descendência de Jacó, e o seu
reino não terá fim». Maria, então, perguntou ao anjo: «Como acontecerá isso, se
eu não conheço homem?». O anjo respondeu: «O Espírito Santo descerá sobre ti, e
o poder do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra. Por isso, aquele que vai nascer
será chamado santo, Filho de Deus. Também Isabel, tua parenta, concebeu um
filho na sua velhice. Este já é o sexto mês daquela que era chamada estéril,
pois para Deus nada é impossível». Maria disse: «Eis aqui a serva do Senhor!
Faça-se em mim segundo a tua palavra». E o anjo retirou-se».
Comentário: Rev. D. David COMPTE i Verdaguer (Manlleu,
Barcelona, Espanha)
Alegra-te, cheia de
graça! O Senhor está contigo
Hoje,
o Evangelho toca um acorde de três notas. Três notas, nem sempre bem afinadas
na nossa sociedade: a do fazer, a da amizade e a da coerência de vida. Hoje em
dia, fazemos muitas coisas, mas, temos um projeto? Hoje, que navegamos na
sociedade da comunicação, cabe nos nossos corações a solidão? Hoje, na era da
informação, esta permite-nos formar a nossa personalidade?
Um
projeto. Maria, uma mulher «prometida em casamento a um homem de nome José, da
casa de Davi» (Lc 1,28). Maria tem um projeto. Evidentemente, de proporções
humanas. Porém, Deus irrompe na sua vida para apresentar-lhe outro projeto...
de proporções divinas. Também hoje, quer entrar em nossa vida e dar proporções
divinas ao nosso dia-a-dia humano.
Uma
presença. «Não tenhas medo, Maria!» (Lc 1,30). Não construamos de qualquer
jeito! Não seja que a adição ao “fazer” esconda um vazio. O matrimônio, a vida
de serviço, a profissão não têm de ser uma fuga para diante. «Cheia de graça! O
Senhor está contigo» (Lc 1,28). Presença que acompanha e dá sentido. Confiança
em Deus, que — por conseguinte— nos leva à confiança com os outros. Amizade com
Deus que revigora a amizade com os outros.
Formar-nos.
Hoje, recebemos tantos estímulos muitas vezes opostos, que é preciso dar forma
e unidade à nossa vida. Maria, diz São Luís Maria Grignion, «é o molde vivo de
Deus». Existem duas maneiras de fazer uma escultura, expõe Grignion: uma, a
mais difícil, à base de batidas de cinzel. A outra, usando um molde. Esta é
mais simples do que a primeira. Mas o sucesso depende de que a matéria seja
maleável e o molde desenhe com perfeição a imagem. Maria é o molde perfeito.
Procuramo-la, sendo matéria maleável?
Lucas apresenta o
diálogo entre Maria e o anjo.
A
conversa começa com a saudação do anjo. Na boca deste, são colocados termos e
expressões com ressonância vétero-testamentária, ligados a contextos de eleição,
de vocação e de missão. Assim, o termo “ave” (em grego, “kaire”) com que o anjo
se dirige a Maria, é mais do que uma saudação: é o eco dos anúncios de salvação
à “filha de Sião” – uma figura fraca e delicada que personifica o Povo de
Israel, em cuja fraqueza se apresenta e representa essa salvação oferecida por
Deus e que Israel deve testemunhar diante dos outros povos (cf. 2 Re 19,21-28;
Is 1,8;12,6; Jer 4,31; Sof 3,14-17). A expressão “cheia de graça” significa que
Maria é objeto da predileção e do amor de Deus. A outra expressão “o Senhor
está contigo” é uma expressão que aparece com frequência ligada aos relatos de
vocação no Antigo Testamento (cf. Ex 3,12 - vocação de Moisés; Jz 6,12 -
vocação de Gedeão; Jer 1,8.19 - vocação de Jeremias) e que serve para assegurar
ao “chamado” a assistência de Deus na missão que lhe é pedida. Estamos,
portanto, diante do “relato de vocação” de Maria: a visita do anjo destina-se a
apresentar à jovem de Nazaré uma proposta de Deus. Essa proposta vai exigir uma
resposta clara de Maria.
Qual é, então, o papel
proposto a Maria no projeto de Deus?
A
Maria, Deus propõe que aceite ser a mãe de um “filho” especial… Desse “filho”
diz-se, em primeiro lugar, que ele se chamará “Jesus”. O nome significa “Deus
salva”. Além disso, esse “filho” é apresentado pelo anjo como o “Filho do
Altíssimo”, que herdará “o trono de seu pai David” e cujo reinado “não terá
fim”. As palavras do anjo levam-nos a 2 Sm 7 e à promessa feita por Deus ao rei
David através das palavras do profeta Nathan. Esse “filho” é descrito nos
mesmos termos em que a teologia de Israel descrevia o “messias” libertador. O
que é proposto a Maria é, pois, que ela aceite ser a mãe desse “messias” que
Israel esperava, o libertador enviado por Deus ao seu Povo para lhe oferecer a
vida e a salvação definitivas.
Como é que Maria
responde ao projeto de Deus?
A
resposta de Maria começa com uma objeção… A objeção faz sempre parte dos
relatos de vocação do Antigo Testamento (cf. Ex 3,11; 6,30; Is 6,5; Jer 1,6). É
uma reação natural de um “chamado”, assustado com a perspetiva do compromisso
com algo que o ultrapassa; mas é, sobretudo, uma forma de mostrar a grandeza e
o poder de Deus que, apesar da fragilidade e das limitações dos “chamados”, faz
deles instrumentos da sua salvação no meio dos homens e do mundo.
Diante da “objeção”, o
anjo garante a Maria que o Espírito Santo virá sobre ela e a cobrirá com a sua
sombra. Este Espírito
é o mesmo que foi derramado sobre os juízes (Oteniel – cf. Jz 3,10; Gedeão –
cf. Jz 6,34; Jefté – cf. Jz 11,29; Sansão – cf. Jz 14,6), sobre os reis (Saul –
cf. 1 Sm 11,6; David – cf. 1 Sm 16,13), sobre os profetas (cf. Maria, a
profetisa irmã de Aarão – cf. Ex 15,20; os anciãos de Israel – cf. Nm 11,25-26;
Ezequiel – cf. Ez 2,1; 3,12; o Trito-Isaías – cf. Is 61,1), a fim de que eles
pudessem ser uma presença eficaz da salvação de Deus no meio do mundo. A
“sombra” ou “nuvem” leva-nos, também, à “coluna de nuvem” (cf. Ex 13,21) que
acompanhava a caminhada do Povo de Deus em marcha pelo deserto, indicando o
caminho para a Terra Prometida da liberdade e da vida nova. A questão é a
seguinte: apesar da fragilidade de Maria, Deus vai, através dela, fazer-se
presente no mundo para oferecer a salvação a todos os homens.
O relato termina com a
resposta final de Maria: “eis a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua
palavra”. Afirmar-se
como “serva” significa, mais do que humildade, reconhecer que se é um eleito de
Deus e aceitar essa eleição, com tudo o que ela implica – pois, no Antigo
Testamento, ser “servo do Senhor” é um título de glória, reservado àqueles que
Deus escolheu, que ele reservou para o seu serviço e que ele enviou ao mundo
com uma missão (essa designação aparece, por exemplo, no Deutero-Isaías – cf.
Is 42,1; 49,3; 50,10; 52,13; 53,2.11 – em referência à figura enigmática do
“servo de Jahwéh”). Desta forma, Maria reconhece que Deus a escolheu, aceita
com disponibilidade essa escolha e manifesta a sua disposição de cumprir, com
fidelidade, o projeto de Deus.
Reflexões de Frei Carlos
Mesters, O.Carm
Hoje
é a Solenidade da Imaculada Conceição. O texto que meditamos no Evangelho
descreve a visita do anjo a Maria (Lc 1,26-38). A Palavra de Deus chega a Maria
não através de um texto bíblico, mas através de uma experiência profunda de
Deus, manifestada na visita do anjo. No AT, muitas vezes, o Anjo de Deus é o
próprio Deus. Foi graças à ruminação da Palavra escrita de Deus na Bíblia, que
Maria foi capaz de perceber a Palavra viva de Deus na visita do Anjo. Assim
também acontece com a visita de Deus em nossas vidas. As visitas de Deus são
frequentes. Mas por falta de ruminação da Palavra escrita de Deus na Bíblia,
não percebemos a visita de Deus em nossas vidas. A visita de Deus é tão
presente e tão contínua que, muitas vezes, já nem a percebemos e, por isso,
perdemos uma grande oportunidade de viver na paz e na alegria.
* Lucas 1,26-27: A
Palavra faz a sua entrada na vida.
Lucas apresenta as pessoas e os lugares: uma virgem chamada Maria, prometida em
casamento a um homem, chamado José, da casa de Davi. Nazaré, uma cidadezinha na
Galileia. Galileia era periferia. O centro era Judeia e Jerusalém. O anjo
Gabriel é o enviado de Deus para esta moça virgem que morava na periferia. O
nome Gabriel significa Deus é forte. O nome Maria significa amada de Javé ou
Javé é o meu Senhor. A história da visita de Deus a Maria começa com a
expressão “No sexto mês”. Trata-se do "sexto mês" da gravidez de
Isabel, parenta de Maria, uma senhora já de idade, precisando de ajuda. A
necessidade concreta de Isabel é o pano de fundo de todo este episódio.
Encontra-se no começo (Lc 1,26) e no fim (Lc 1,36.39).
* Lucas 1,28-29: A
reação de Maria. Foi
no Templo que o anjo apareceu a Zacarias. A Maria ele aparece na casa dela. A
Palavra de Deus atinge Maria no ambiente da vida de cada dia. O anjo diz:
“Alegra-te! Cheia de graça! O Senhor está contigo!” Palavras semelhantes já
tinham sido ditas a Moisés (Ex 3,12), a Jeremias (Jr 1,8), a Gedeão (Jz 6,12),
a Rute (Rt 2,4) e a muitos outros. Elas abrem o horizonte para a missão que estas
pessoas do Antigo Testamento deviam realizar a serviço do povo de Deus.
Intrigada com a saudação, Maria procura saber o significado. Ela é realista,
usa a cabeça. Quer entender. Não aceita qualquer aparição ou inspiração.
* Lucas 1,30-33: A
explicação do anjo.
“Não tenha medo, Maria!” Esta é sempre a primeira saudação de Deus ao ser
humano: não ter medo! Em seguida, o anjo recorda as grandes promessas do
passado que vão ser realizadas através do filho que vai nascer de Maria. Este
filho deve receber o nome de Jesus. Ele será chamado Filho do Altíssimo e nele
se realizará, finalmente, o Reino de Deus prometido a Davi, que todos estavam
esperando ansiosamente. Esta é a explicação que o anjo dá a Maria para ela não
ficar assustada.
* Lucas 1,34: Nova pergunta
de Maria. Maria tem
consciência da missão importante que está recebendo, mas ela permanece
realista. Não se deixa embalar pela grandeza da oferta e olha a sua condição:
“Como é que vai ser isto, se eu não conheço homem algum?” Ela analisa a oferta
a partir dos critérios que nós, seres humanos, temos à nossa disposição. Pois,
humanamente falando, não era possível que aquela oferta da Palavra de Deus se
realizasse naquele momento.
* Lucas 1,35-37: Nova
explicação do anjo.
"O Espírito Santo virá sobre você, e o poder do Altíssimo a cobrirá com
sua sombra. Por isso, o Santo que vai nascer de você será chamado Filho de
Deus”. O Espírito Santo, presente na Palavra de Deus desde o dia da Criação
(Gênesis 1,2), consegue realizar coisas que parecem impossíveis. Por isso, o
Santo que vai nascer de Maria será chamado Filho de Deus. Quando hoje a Palavra
de Deus é acolhida pelos pobres sem estudo, algo novo acontece pela força do
Espírito Santo! Algo tão novo e tão surpreendente como um filho nascer de uma
virgem ou como um filho nascer de Isabel, uma senhora já de idade, da qual todo
mundo dizia que ela não podia ter nenêm! E o anjo acrescenta: “E olhe, Maria!
Isabel, tua prima, já está no sexto mês!”
* Lucas 1,38: A entrega
de Maria. A resposta
do anjo clareou tudo para Maria. Ela se entrega ao que Deus estava pedindo:
“Eis aqui a serva do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua Palavra”. Maria usa
para si o título de Serva, empregada do Senhor. O título vem de Isaías, que
apresenta a missão do povo não como um privilégio, mas sim como um serviço aos
outros povos (Is 42,1-9; 49,3-6). Mais tarde, Jesus, o filho que estava sendo
gerado naquele momento, definirá sua missão: “Não vim para ser servido, mas
para servir!” (Mt 20,28). Aprendeu da Mãe!
* Lucas 1,39: A forma
que Maria encontra para servir.
A Palavra de Deus chegou e fez com que Maria saísse de si para servir aos
outros. Ela deixa o lugar onde estava e vai para a Judeia, a mais de quatro
dias de viagem, para ajudar sua prima Isabel. Maria começa a servir e cumprir
sua missão a favor do povo de Deus.
Para um confronto
pessoal.
1. Como você percebe a visita de Deus em
sua vida? Você já foi visitada ou visitado? Você já foi uma visita de Deus na
vida dos outros, sobretudo dos pobres?
2. Como este texto nos ajuda a descobrir
as visitas de Deus em nossa vida?
3. A Palavra de Deus se encarnou em
Maria.
4.Como a Palavra de Deus está tomando carne na
minha vida pessoal e na vida da comunidade?
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