TEMAS
DE TEOLOGIA TERESIANA
CAPÍTULO
I
A
ORAÇÃO CRISTÃ, AMIZADE COM DEUS.
Frei Jesus Castellano Cervera, OCD
Doutrina
e mensagem de santa Teresa
A
oração é o carisma de Santa Teresa na Igreja, o seu ensinamento específico. O
Papa Paulo VI confirmou-o ao conferir-lhe o título de Doutora da Igreja e ao
motivar a atualidade da sua mensagem com estas palavras: “Ornada por este
título magistral (queremos que) ela tenha uma missão mais abalizada a realizar,
na sua Família religiosa e na Igreja orante e no mundo, com sua mensagem perene
e presente: a mensagem da oração” (Insegnamenti de Paolo VI, VIII(1970), Roma,
pág. 952)
Dizer
que a oração é o carisma de Teresa na Igreja não significa somente afirmar que
é uma sua especialidade, mas sim asserir que é este o dom de graça, o serviço
eclesial, ontem e hoje.
Deve
frisar-se, porém, que a oração cristã da qual Teresa possui a chave de
compreensão é a pessoal, silenciosa, contemplativa, capaz de fazer a síntese da
resposta total a Deus na vida cristã, ponto de convergência da totalidade da
experiência religiosa em Cristo.
Como
para outros setores da espiritualidade de Teresa, que ao mesmo tempo
experiência e testemunho, uma tratação ampla do tema deve compreender: a
experiência da oração, em todo o amplo arco da existência, como proposta nos
seus livros; a doutrina ou síntese reflexa dada à sua experiência no contato
com as fontes da revelação e o confronto com a teologia; a pedagogia, como
iniciação prática, mistagógica, - à própria oração, às suas exigências morais e
psicológicas, - à educação do seu crescimento, enquanto amadurecimento
harmônico do cristão na sua reposta ao amor para com Deus. Não podemos
obviamente desenvolver aqui um tema tão amplo. Remetemos a autores abalizados e
recentes trabalhos sobre o argumento. Escolhemos, porém um método de exposição
que na sua simplicidade possa colher a essência da mensagem teresiana, e a sua
atualidade também para a Igreja de hoje. A respeito quero fazer duas breves
anotações:
A
primeira relativa ao sentido da oração como amizade com Deus. Sabe-se que
Teresa usa emblematicamente esta categoria humana que é também uma categoria
essência da revelação bíblica de Deus. Isto permite-nos oferecer com Teresa uma
mensagem cristã com raízes antropológicas e com valor marcadamente bíblico que
confere à doutrina teresiana amplo respiro de atualidade. A oração é assim
colocada imediatamente em relação com a categoria fundamental do cristianismo
que a caridade teologal, O discursos teresiano adquire assim altura teológica e
remete a oração no lugar que lhe cabe no âmbito da fé e da teologia.
A
segunda anotação é relativa à atualidade da mensagem. Hoje, afortunadamente, a
oração é de extrema atualidade na Igreja e se está valorizando ao máximo a
procura da oração contemplativa ou da contemplação cristã. Na síntese,
arduamente procurada, especialmente depois do Concílio, de uma oração não
alienante, fortemente personalizada e aberta ao empenho. Mira-se na coerência
de valores e atitudes que componham a unidade da oração como polarização total
para com Deus, plenitude de verdade no homem, capacidade de abertura e de
empenho para com os outros. Pois bem, Teresa ensina propriamente este tipo de
oração-vida, educa à contemplação em quanto atitude global de cristãos maduros
que são “contemplativos” em sentido bem preciso (C 17-18).
Na
atual variedade de expressões da oração pessoal, com perigosas gangorras entre
a superficialidade emotiva e a busca da interioridade psicológica, Teresa que
mira diretamente no Cristo como chave da oração cristã, nos oferece um
ensinamento global, rico e aberto, com que fariam muito bem confrontar-se todas
as experiências de orações hoje na Igreja, de modo especial no que se refere ao
sentido de crescimento e de amadurecimento da experiência contemplativa, o empenho
das obras e a unidade de vida do cristão.
Apresentamos
a síntese da doutrina teresiana sobre a oração em dois momentos:
1) o conceito de oração como amizade
com Deus e suas ressonâncias bíblicas.
2) o dinamismo da amizade com Deus por
um caminho de oração.
I. O
CONCEITO DE ORAÇÃO COMO AMIZADE COM DEUS E AS SUA RESSONÂNCIAS BÍBLICAS
1. Uma
conhecida definição da oração cristã
Entre
as muitas definições ou descrições da oração cristã oferecidas pelos tratados
de vida espiritual, encontramos também a de Teresa no livro da sua Vida, 8,5.
Embora não sendo tecnicamente uma definição, encerra em si uma série de
elementos que a tornam extremamente interessante. Mas se não quisermos
banalizar o conceito teresiano ou interpretá-lo subjetivamente, faz-se mister
realizar uma simples exegese e exposição, partindo do texto original espanhol.
A. Um
contexto importante
O
contexto em que encontra inserida a definição da oração dada por Teresa é
significativo.
No
capítulo 7 da autobiografia Teresa descreveu com acentos dramáticos a sua
situação de crise religiosa no Mosteiro da Encarnação; crise que tem por causa
também a manutenção de amizades humanas que Deus reprova abertamente; mas
paradoxalmente. Teresa afirma a sua solidão mais escura em nível de uma amizade
espiritual que a reconduza sobre a reto caminho.
Entre
amizade humana e a solidão espiritual, Teresa se mantém de pé com a praxe da
oração; praxe aprendida de jovem, cultivada com amor, retribuída por Deus com
graças interiores; mas a oração que passa pelos altos e baixos da sua vida
espiritual; é abandonada durante um período de tempo, retomada penosamente
durante um longo trato da vida, entre lutas e aridez. Mas na fidelidade à
oração, à amizade com Deus está a chave do seu sucesso, a oportunidade de uma conservação
como graça que lhe conferiu o próprio Cristo (V 9,1-2).
Neste
preciso contexto, que preludia a narração da sua conversão. Teresa insere a
apologia da oração na qual empenha o seu pessoal testemunho, dirige um convite
premente, exprime a definição e as exigências desta oração de amizade, para
desembocar finalmente numa oração dirigida a Deus. Eis o texto na tradução mais
conhecida deste trecho de Teresa: “O bem que quem pratica a oração - refiro-me
à oração mental - obtém já foi tratado por muitos santos e homens bons. Gloria
a Deus por isso! Se assim não fosse, embora pouco humilde, eu não sou tão
soberba que me atrevesse a falar disso.
Do
que tenho experiência posso falar: quem começou a ter oração não deve deixá-la,
por mais pecados que cometa. Com ela, terá como se recuperar e, sem ela, terá
muito mais dificuldades. E que o demônio nunca tente ninguém como tentou a mim,
levando-me a abandonar a oração por humildade; creiam-me que as palavras do
Senhor não hão de faltar se nos arrependermos de verdade e tivermos o firme
propósito de não mais a ofendê-Lo; nesse caso, Ele nos recebe com a mesma
amizade, concedendo-nos as mesmas graças de antes e, à vezes, se o
arrependimento fizer jus, muitas mais.
Por
isso, peço aos que ainda não começaram que, por amor a Deus, não se privem de
tanto bem. Não há o que temer, mas o que desejar. Porque, mesmo que não vá
adiante nem se esforce pela perfeição, a ponto de merecer os gostos e os
regalos que Deus dá aos perfeitos, ao menos irá conhecendo o caminho que leva
ao céu. Se perseverar, tudo espero da misericórdia de Deus, pois ninguém fez
amizade com Ele em vão, visto que a oração mental nada é para mim senão um
relacionamento íntimo de amizade, um frequente entretimento a sós com Aquele
que sabemos nos ama.
E
se ainda não o amais (porque, para que o amor seja verdadeiro e duradouro a
amizade, deve haver compatibilidade; o Senhor exige, como se sabe, que não se
cometam faltas, que se seja perfeito; nós no entanto, somos viciosos, sensuais
e ingratos, não podeis vós mesmos chegar a amá-Lo, porque não é de vossa
condição” V 8,5). Notar-se-á que a definição teresiana veio à pena da autora
quase iluminada pela palavra “Amigo” aplicada ao Senhor. O primeiro editor
espanhol, Frei Luís de León, quis encher o espaço deixado no texto original:
“ninguém fez amizade com Ele...” com as palavras sem dele obter grande
recompensa. Estas últimas palavras estão sobrando. É a palavra “Amigo” que faz
fluir a pena de Teresa para expressar os seu noto conceito.
Este
texto tem a vantagem de sintetizar uma experiência de oração cujas derivações
encontram-se coerentemente em todos os livros teresianos. Vale a pena portanto,
antes de passar a analisar alguns valores originais, fazer uma simples exegese
dos termos.
B. Uma
análise literal
-
“Tratar de
amizade”. Teresa define a oração com um termo bastante longo como o
de trato, amizade, ou mais concretamente com “ser amigos”, ter uma relação de
amizade. Ser orantes e ser amigos de Deus. Privilegia a situação, a atitude
global da vida antes de descer ao concreto “entreter-se” que supõe esta
amizade. Nesta acentuação há o desejo de falar de uma vida mais que de um
momento, de uma condição permanente de relação com Deus mais do que de um ato
concreto de oração.
-
“Estando
tratando”. Na repetição teresiana, corrente em seu modo de escrever,
temos a coerência de uma amizade marcada por momentos concretos em que os
amigos se encontram e conversam; se é verdade que não existe verdadeira amizade
se esta não é atitude duradoura, é também verdade, como observa com perspicácia
Teresa, que “também a relação de parentesco e de amizade desaparece com a falta
de comunicação” (C 26,10).
Os
dois polos da amizade são mencionados para estabelecer dois polos da oração: a
oração-vida que supõe um relacionamento constante com Deus, e a
oração-exercício que requer tempos oportunos dedicados a esta experiência de
encontro, de escuta e de diálogo.
-
“Muchas
veces”. Muitas vezes, com frequência. À oração com exercício Teresa
atribui a necessária frequência, perseverança que é índice de fidelidade e de
contínuo crescimento no amor: tempos longos, fortes, para uma realidade
destinada a crescer dinamicamente até tornar-se uma história de amizade que
requer constante verificação.
-
“A solas”.
Na solidão, mais do que “a sós”, segundo o texto espanhol. É claro que esta
solidão requer o espaço do silêncio interior para escutar e falar. A solidão
então é exigida como uma necessidade de concentração para ser num
relacionamento vital com Deus; mas também como necessidade de fazer calar
quanto impede a consciência e a revelação da presença de Deus. Mas, deve
notar-se, contra toda acusação de intimismo, a motivação dada por Teresa para
este “a solas” da oração, não podia ser mais valioso: “porque assim fazia o
Senhor quando rezava, e não porque tivesse necessidade, mas para nosso
ensinamento” (C 24,4).
Vê-se
que Teresa meditou frequentemente sobre a oração silenciosa e solitária de
Jesus, recordada pelos evangelistas, de modo que apresenta o Cristo como modelo
da oração; mas subjaz também na motivação teresiana outro ensinamento de Jesus:
“Sabeis que sua Majestade nos ensina a orar em solidão” (Ibi), fazendo
referimento ao claro conselho sobre a oração “no quarto e em segredo”, conforme
a terminologia de Mt 6,6.. Mas a própria Teresa relativiza este princípio
quando escreve: “Seria bem duro se somente nos esconderijos se pudesse fazer
oração...” (F 5,16); a motivação é simples: “o verdadeiro amante nunca para de
amar e pensa sempre no Amado” (ibi). Teresa oferece também outros conselhos
para uma oração encarnada nas situações da vida (C 29,5); no meio das
dificuldades do sofrimento e da doença (V7,12). Ademais, deve confirmar-se
contra toda a acusação de intimismo, Teresa coloca sempre como verificação da
oração o amor aos irmãos e o serviço a eles, até experimentar que na oração a
solidão se cumula de presenças e a alma é impulsionada a deixar a Deus pelo
próximo (Exclamação 2).
-
“Con quien
sabemos nos ama”. Com Deus, isto é, que conhecemos e sabemos ser
nosso amigo, numa ativa e sempre viva comunicação de amor. Nesta palavra está o
segredo da oração: cientes de que Deus nos ama, fé em Deus que é nosso amigo. A
oração então repropõe o diálogo de amor da revelação e torna-se também
resposta. É diálogo, mas enquanto é o homem que deve responder a um amor que se
manifestou. Um “sabemos” que é experiencial mas que depende em definitiva da
revelação através da qual nós “sabemos e cremos” no amor que Deus tem por nós.
Indiretamente, isto supõe que a oração cristã, como frisa Teresa, nasce da escuta
da palavra, da revelação de Deus realizada em Jesus Cristo e que se torna pela
própria oração evento e experiência de fé. Na oração se colhe pessoalmente o
sentido da revelação como “história de Salvação e de comunhão” do Deus que é
Amigo dos homens.
2.
Alguns traços característicos da oração
A.
Amizade:
experiência humana, revelação divina
Na
definição da oração Santa Teresa sintetizou a sua experiência humana e acolheu
a revelação divina de Deus amor.
-
A amizade humana de Teresa está na base de uma compreensão da revelação e da
oração. Teresa sempre foi grande amiga; os primeiros capítulos da sua
autobiografia revelam uma pessoa que desde o início amou e foi amada, doou e
acolheu a amizade. Capacidade esta que foi pouco a pouco se desenvolvendo nos
momentos fortes e sentidos de conversação e de comunicação, palavra chave do
vocabulário teresiano da amizade. Escuta e participação, vibração da
sensibilidade e do coração que conduziu Teresa à beira do abismo. Experiência
de dor e de sofrimento. Uma amizade que somente em Cristo encontrou o
equilíbrio, quando este ocupou definitivamente o centro afetivo do seu ser,
libertando-a afetivamente e libertando nela positivamente toda a carga humana e
a capacidade de dom (V 24,5-7; 37,4-6). Pode dizer-se que a experiência
teresiana da amizade, purificada pela conversão e passada por uma autêntica
ressurreição, foi assumida pela graça na bagagem das experiências cristãs da
nossa Santa como uma espécie de “preambula amoris” (preâmbulos do amor) que lhe
permitem colher o sentido mesmo da caridade para com Deus e para com o próximo
como uma relação de amizade. Amar a Deus é ser amigos de Deus; amar o próximo e
levar a caridade à concretude e a intimidade da amizade (C 4-7; 5M 3).
É
curioso notar que na pedagogia da oração Teresa assumiu, como princípios
teológicos, observações de tipo psicológico-humano, brotadas da sua experiência
de amizade. Referimos somente alguns:
-
O princípio da identificação: “Para que o amor seja verdadeiro e amizade
duradoura ocorre paridade de condições”, ou melhor uma combinação e semelhança
de caracteres (V 8,5). É o princípio da amizade que, ou encontra semelhantes os
amigos, ou os torna semelhantes pela comunicação; Teresa aplicará este
princípio à necessidade de nos tornarmos da mesma condição de Deus.
-
O princípio da frequência da comunhão: “Parentesco e amizade se perdem com a
falta de comunicação” (C 26,10). Observação psicológica que Teresa aplica à
oração que deve ser frequente para que Deus não se torne para nos uma pessoa
distante e estranha à nossa experiência.
-
A força do olhar na comunhão dos amigos: “Não parece que nos escutam os homens
quando falamos com eles se não vemos que nos olham” (CE 29,5; C 29,5 em nota).
Finíssima observação que revela em Teresa uma atenta amiga que fala face a face
com os amigos e consegue valorizar ao máximo também para a oração a força do
olhar como forma de comunhão. Devemos olhar para Deus, se cremos escutar sua
palavra; mas também Deus deve olhar-nos, se é verdade que nos ama e nos escuta.
-
A importância do amor para qualquer relação de amizade: “Não é pequeno dom para
o discípulo saber que o mestre lhe quer bem” (C 26,10). Norma sábia da
pedagogia, convicção profunda com que Teresa convida a colher e a escutar todo
o ensinamento de Jesus sobre a oração.
-
A necessidade de sinceridade nas relações e dom do juízo dos outros: “Ninguém
nos conhece melhor do que os que convivem conosco, se têm para conosco uma
atitude de amor e um desejo de nos fazer o bem (V 17,7). É o princípio da
correção mútua na caridade que Teresa sabe aplicar a Deus na oração que de modo
implacável e “terrível” trata os seus amigos.
Poderiam
multiplicar-se os exemplos. Baste a tomada de consciência sobre um princípio:
na amizade humana Teresa pode colher o sentido da amizade divina; mas a
experiência de Deus Amigo superou a experiência e expectativa da amizade
humana. Coerentemente, Teresa vê a sua existência como uma experiência de um
Deus Amigo que lhe veio ao encontro, desde os primeiros anos da sua vida, que
não a abandonou nas crises da vida religiosa, que se lhe mostrou “amigo fiel”
até as mais imprevisíveis graças místicas. A oração é portanto para Teresa a
experiência deste amor preveniente de Deus “por quem sabemos ser amados”. Toda
a autobiografia teresiana, das primeiras páginas do prólogo às últimas do
epílogo, constitui testemunho prestado a este Deus que ama sem medidas. Pode
afirmar-se que a oração para santa Teresa é o âmbito onde se colhe ao vivo o
sentido da revelação de Deus como comunhão e comunicação, graça, aliança,
amizade. Portanto é na oração que se sintetiza de algum modo a história da
salvação individual, pessoal, e onde, como num cruzamento, convergem todas as
experiências pessoais à luz do Deus Amor.
B.
Personalismo e afetividade
Notou-se
que o conceito teresiano de oração acentua estes dois aspectos, assumindo uma fisionomia
característica nas muitas definições da oração dadas ao longo da história.
No
personalismo Teresa coloca em realce o encontro de Deus com o homem, onde prevalece
a atenção das pessoas mais do que as coisas a serem ditas ou as atitudes para expressar.
Diz-se que em Teresa é mais importante a relação de amizade como encontro pessoal
que a “elevatio mentis in Deum” e a “petítio decentium a Deo” que caracteriza
outras definições.
Mas
não se pode esquecer que também a definição teresiana encontra ressonâncias na
Tradição
da Igreja, na teologia de Clemente Alexandrino sobre a oração do amigo de Deus:
“O homem espiritual frequenta a Deus como um amigo íntimo, coração a
coração...” (Stromata VII PG 9,44). São João Crisóstomo escreve: “A oração ou
diálogo com Deus é um bem sumo. É de fato uma comunhão íntima com Deus...”
(Homilia sobre a oração, 6: PG 64,462). Gosto de frisar esta afinidade com
Clemente e especialmente como Crisóstomo, um padre da Igreja que
Teresa
amou particularmente e de quem recolheu algumas anotações de leitura nos
últimos anos de sua vida.
Toda
a pedagogia teresiana da oração indicará o caminho rumo ao encontro pessoal, profundo,
não superficial, sincero, no qual depois fluirão consequentemente todas as
formas do relacionamento de amizade, as atitudes orantes, semelhantes à da
oração bíblica, amplamente documentada em todas as páginas teresianas: louvor,
bênção, agradecimento, confissão arrependimento, intercessão. E neste encontro
tudo se tornará ocasião de relacionamento, as coisas de Deus e as do homem.
Garantido o fluxo do amor, tudo poderá ser expressão de amizade: o estar, o
olhar, a escuta, a presença silenciosa, o grito espontâneo, o caminhar na
presença de Deus, o trabalhar sentindo-se na companhia do Senhor que, como ensina
Teresa, “também entre as panelas da cozinha está presente a nós, ajudando-nos interiormente
e exteriormente” (F 5,8).
-
Na acentuação afetiva, Teresa ensina que a oração é um “negócio do coração”;
não tanto da sensibilidade quanto da vontade. Ela privilegia o coração sobre o
intelecto, o recolhimento sobre a meditação, o olhar cheio de amor mais do que as
considerações que correm o risco de “por de pernas para o ar a retórica”. Educa
ao amor na oração vocal, convicta como está de que na oração, como na vida, o
que importa é o amor; é um axioma, várias vezes repetido: “não está a coisa no
muito pensar, mas no muito amar”; um amor que se traduz em atitudes de busca da
vontade de Deus, de serviço na justiça, de amor e atividade pela Igreja, de dom
de si no amor do próximo,
É
acentuada também a gratuidade da oração, que não deve jamais ser interessada,
mas totalmente dirigia a Deus e aos seus interesses, à sua vontade por nós.
Obviamente
não se nega mas se subordina o conhecimento ao amor, a meditação à contemplação,
o pensar ao amar, o intelecto à vontade. Mas na experiência afetiva da oração nasce
o verdadeiro conhecimento de um Deus que se revela e fala ao coração do homem.
A riqueza do conhecimento de Deus é amplamente documentada ao longo de todos os
seus livros. Do encontro pessoal brotou a mais plena revelação de Deus, o mais
humilde e sincero conhecimento do homem, no socrático “conhece a ti mesmo” que
Teresa traduz como conhecimento de si para ser na verdade-humildade (1M 2,8; 6M
10,7).
3.
Ressonâncias bíblicas da oração teresiana
A
atualidade da mensagem teresiana sobre a oração deriva da sua forte raiz
bíblica que hoje se coloca muito em relevo nos estudos da sua doutrina. Por isso
quero colher algumas acentuações ou ressonâncias bíblicas que estão à base do
conceito de oração que expusemos.
A. Uma
ressonância global: o Deus Amigo revelado em Cristo
No
centro da oração teresiana esta a revelação fundamental do N.T.: “Deus é amor”
(1Jo
4,16);
que Teresa traduz concretamente com a expressão: “Deus é Amigo”; ou melhor: “Deus
é-nos Amigo”. Resumindo de fato as motivações do colóquio com Deus em plena
familiaridade, recorda os títulos com que se reveste o amor de Deus na
revelação: “Conversem com Ele como se fala com um Pai, como com um Irmão, como
com um Senhor, como com um Esposo” (C 28,3). Captam-se aqui os acentos da
condescendência de Deus, tão queridos à Santa; do Deus que tem suas delícias
com os filhos dos homens ou que fala como os homens como com amigos e se
entretém com eles” (Cfr. Prov 8,31; Bar 3,38; Ex 33,11); é a mesma revelação de
Jesus: “Não vos chama mais servos mas amigos” (cfr. Jo 15,14-15). Teresa falará
de comunhão e de conversa com Deus (1M 1,3.6). Mas não se pode esquecer que no
próprio centro da oração teresiana se encontra a relação de filiação, expresso
por Cristo na invocação inicial do Pai nosso e que Teresa comenta com fortes
acentuações bíblicas, até envolver na oração, em dimensão trinitária, o Pai, o
Filho e o Espírito Santo (C 27,7). Pressuposta a iniciativa de Deus, ‘por quem
sabemos ser amados’, a oração teresiana é vista como uma resposta ao amor, uma
acentuação do diálogo no qual Deus tem a iniciativa.
Podem
assim captar-se as sintonia da oração teresiana com as que foram definidas as
“leis estruturais do diálogo com Deus” na Bíblia, estabelecendo, apesar das
críticas de intimismo feitas à oração teresiana, uma perfeita sintonia entre a
oração bíblica e a oração teresiana, caracterizada esta pela relação de amizade
com todas as suas consequências.
A
atualidade desta colocação da relação com Deus na existência cristã, e portanto
na oração, foi colocada em realce também pelo teólogo evangélico J. Moltmann
que insiste na oportunidade de apresentar a categoria bíblica do Deus Amigo dos
homens e da oração como relação de amizade com este Deus que se aproxima do
homem. Escreve Moltmann: “A comunhão que Jesus traz aos homens e a comunhão
entre os homens a que nos convida apareceriam unilaterais no caso em que não
recorrêssemos, para descrevê-las, a outro título que ilustra o íntimo
relacionamento existente seja na comunhão com Deus seja na comunhão com os
homens. E este título é o de amigo” (Iv. pág. 158); e conclui: De Santo
Ambrósio, Agostinho até Tomás de Aquino o amor cristão foi sempre qualificado
em termos de amizade: amor é a amizade do homem com Deus e com todas as suas
criaturas” (J. MOLTMANN. A Igreja na força do Espírito, Brescia, Queriniana
1976, pg 158-166).
Nesta
linha coloca-se toda a teologia teresiana. O teólogo evangélico demonstrou toda
a sua simpatia por Teresa e confirmou a sua ideia de centralidade do tema da
amizade com Deus, na sua teologia.
B. Uma
ressonância específica: a oração de Cristo
Como
já relevamos, os olhos de Teresa estão fixos em Cristo quando recomenda reza na
solidão, pois este conselho nasce do seu ensinamento específico sobre a oração
(cfr. Mt 6,6) e do seu exemplo de rezar em lugares solitários e desertos, como
testemunham os evangelistas (cfr. Mc 1,35; 6,46; Lc 1,1). É a essa oração de
Jesus, pessoal, silenciosa, prolongada, solitária que remete em primeira
instância o ensinamento específico de Teresa, até poder encontrar uma secreta
sintonia entre o que Teresa diz sobre a oração e o que Jesus fazia quando
orava, dirigindo-se com confiança ao Pai: estar em comunhão de amor,
entretendo-se muitas vezes, na solidão, com Aquele pelo qual sabia de ser
amado, o Pai. De fato, na sua exposição sobre a oração Teresa não substitui o
Mestre da oração, mas o indica “único Mestre e Modelo”. Na sua explicação do
Pai nosso, apoia-se no ensinamento fundamental de Jesus, acolhe cada palavra do
ensinamento do Mestre como brota atualmente “daquela boca divina”, e interpreta
as petições do Pai-nosso como oração do próprio Cristo, dirigida em nome nosso
ao Pai (C 27).
C. Uma
premissa necessária: orar na verdade
Na
relação de amizade com Deus que é a oração, Teresa frisa frequentemente a necessidade
absoluta de orar na verdade que brota do conhecimento de si, na radical humildade
que é caminho na verdade, partindo do conhecimento de si e do abismo que nos separa
de Deus. No contexto mesmo da definição da oração tinha escrito: “Sim, para que
o amor seja verdadeiro e a amizade duradoura, é necessário que haja igualdade
de condições, mas nós sabemos que enquanto nosso Senhor não pode ter algum
defeito, nós somos viciosos, sensuais e ingratos, e por isso não podemos amá-Lo
como ele merece.
Todavia
considerando quanto vos seja vantajoso tê-lo por amigo e quanto ele vos ame,
suportai também a pena de estar demoradamente com quem sentis tão diferente de
vós” (V 8,5). Na humildade e na conversão está a contínua oportunidade de
estabelecer o relacionamento justo com Deus na verdade. Por isso Teresa indica
com frequência no publicano da parábola sobre a verdadeira oração o modelo do
verdadeiro orante (V 15,19; C 31,6; 7M 3,14).
D. Um
convicção básica: Deus presente
O
tema da presença de Deus no homem, o conceito antropológico de templo de Deus e
de morada de Deus, são essenciais na teologia da oração segundo Santa Teresa.
Do viver na presença do Senhor ao procurá-Lo nas mediações em que se revela a
sua presença; de uma imagem da natureza até o mistério da inabitação da
Trindade no coração do cristão que vive na graça, temos toda uma série de
motivações que provocam a possibilidade e a necessidade de uma resposta de
amizade a um Deus Amigo e presente. Santa Teresa desenvolveu este grande tema
bíblico da presença de Jahvé aplicando-a a uma pedagogia concreta da oração-amizade
que é a oração de recolhimento. E propôs no livro das Moradas o longo caminho
de interiorização que vai da presença de Deus no homem à presença do homem em
Deus (CI 1M 1,1). A presença torna a amizade uma relação imediata, possível
sempre, e o diálogo um fácil e suave entrar em si mesmo no meio das ocupações.
O
Deus amigo é também o Deus próximo da Bíblia, a comunhão e a aliança são
correlativas à presença e à “morada” de Deus no coração do homem... Teresa
entenderá a oração também como este “entrar em si mesmos”, no castelo da própria
alma, através da porta da oração, como exigência fundamental do encontro
pessoal com Deus.
Essas
simples observações “atualizadoras” da mensagem teresiana permitem-nos concluir
com duas alusões à doutrina do Vaticano II que tornaram muito interessantes em
nível de teologia e de catequese, de espiritualidade e também de antropologia
cristã, a mensagem teresiano sobre a oração.
A
primeira é o princípio antropológico: o homem encontra a razão mais alta da sua
dignidade na vocação à comunhão com Deus (GS 19). A mensagem teresiana quer
abrir o homem a esta sublime dignidade.
A
segunda é a importância do conceito de revelação como manifestação de Deus ao homem
(DV 2 e 5). A oração teresiana, como forma global de resposta, quer colocar em realce
como a acolhida pessoal da revelação da salvação e a sua história passem
necessariamente por uma relação de amizade: a oração-vida.
II. O
DINAMISMO DA AMIZADE COM DEUS POR UM CAMINHO DE ORAÇÃO
O
conceito de oração proposto por Teresa é rico e dinâmico como a amizade mesma
de Deus; abre as portas a uma aventura, a um caminho que deve ser percorrido
junto com Deus, ao desenvolver-se de uma história de salvação que é, como foi
escrito, com sentido pessoal e dinâmico, “uma história de amizade”.
Procuramos
evidenciar alguns traços característicos da oração teresiana, partindo da categoria
da amizade ou encontro, com estes qualificativos que servem para sintetizar
muito bem toda a experiência e doutrina teresiana sobre a oração: encontro
interpessoal, teologal, dinâmico, transformante.
1.
Encontro interpessoal
À
oração Teresa de Jesus confere o sentido personalista do encontro com o outro, aprendido
na escola da amizade humana mas aperfeiçoada ainda na escola da amizade divina.
Na
doutrina e na pedagogia da oração Teresa põe o acento sobre as pessoas e sobre
o relacionamento que nasce do estar com, da procura da presença e da atenção ao
interlocutor.
Instintivamente
foi levada a procurar em Cristo o rosto amigo do Deus da revelação e a rejeitar
métodos e propostas de oração evanescentes que podiam fazer naufragar a certeza
de um encontro com o Outro.
Também
para a oração vocal, o primeiro conselho será o da consciência de saber com quem
falamos e que é Deus a quem nos dirigimos; primeira das fórmulas, a vida;
primeira das orações, a oração como relacionamento pessoal. É a necessária
passagem da oração vocal à mental (C 22-23).
Isso
eleva o valor do estar com Deus na oração até e um novo parâmetro para julgar o
valor desta atenção do coração, também quando as distrações parecem comprometer
a beleza do encontro com Deus. Estar na presença de Deus, mesmo em meio às
distrações, quando é o coração que o quer, faz sempre bem; e Deus aceita de bom
grado (2M 1,2; 7M 4,10).
Na
emergência das pessoas faz-se mister uma confrontação na verdade. Para o homem
é a capacidade de ser verdadeiro diante de Deus, de partir humildemente do
conhecimento de si, e de deixar-se iluminar na luz de Deus para compreender
finalmente a sua vocação e o seu destino juntamente com a sua realidade atual.
Nesta operação de verdade, Deus é implacável; e a oração torna-se, pela luz que
Deus projeta sobre o homem, o cadinho de um conhecimento de si que desengonça o
homem, cava também os estrados mais subtilmente escondidos, purifica os mais
leves traços do pecado. A oração é um caminho do conhecimento de si, provocado
por Deus que é Amigo na verdade e leva o homem até as mais profundas confrontações
com a sua realidade diante de Deus.
Na
fidelidade a esta operação-verdade, a esperança de um verdadeiro caminho de
amizade.
A
experiência teresiana da oração, narrada no livro da Vida, tem no livro das
Moradas a correspondência deste caminho do homem que se realiza na medida em
que acolhe a força do tu revelador de Deus que o acompanha na verificação de
si, como acontece por exemplos nas terceiras moradas do Castelo Interior. Uma
bela oração teresiana, no ponto crucial das terceiras moradas, indica bem a
necessidade extrema de verdade que prova o homem diante da implacável
purificação de Deus: “Prova-nos, tu Senhor, que conheces as (nossas) verdades, para
que nos conheçamos verdadeiramente” (3M 1,9). Mas o dom da amizade de Deus é o progressivo
manifestar-se e doar-se da sua pessoa; é a irrupção de Deus como pessoa que provoca
e realiza o encontro interpessoal através da progressiva revelação de tudo o
que ele é.
Na
autobiografia teresiana pode seguir-se este caminho de revelação e dom com que
Deus se manifesta em Cristo, revela o mistério da Igreja a Teresa, a introduz
ativamente na aventura da salvação. Mas também fora da experiência,
propriamente mística, a oração gera um desejo de conhecimento de Deus, um amor
grande por sua palavra, uma necessidade de penetrar nos mistérios de Deus que
se vai desenvolvendo numa penetração sapiencial da revelação. Cresce, portanto
o conhecimento mútuo entre Deus e o homem no relacionamento da amizade. Ao ser,
pois, um encontro interpessoal que não comporta somente conhecimento mas também
dom recíproco a oração desenvolve ao máximo o dinamismo da doação pessoal, da
procura da vontade de Deus. É um axioma teresiano, diversas vezes repetido, que
“Deus não se doa completamente enquanto nós não nos doamos totalmente a Deus”
(C 28,12; 5M1,3). Põe-se em movimento com a oração o desejo do encontro-dom, de
render-se diante de Deus e às suas exigências. Mas tudo se transforma em
preparação ou disposição para que se possa realizar em plenitude o dom total de
Deus ao homem através de um lento caminho de revelação. No dom de Deus
interior, transformante, fortificante, a manifestação de si até a revelação do
próprio Deus no mistério da Trindade; a penetração da comunicação de Deus no homem
é extremamente dolorosa, purificadora, faz ranger até as engrenagens da psique humana,
como nas purificações, iluminações e êxtases das sextas Moradas; mas uma comunicação
conformante à imagem de Cristo (7M 4,4 e ss.).
Na
teologia da oração como encontro pessoal, Teresa parte de uma premissa de base:
a iniciativa da amizade é de Deus. Procuramos aquele que nos procura, fitamos
aquele que nos guarda, encontramos aquele que já está presente a nós por seu
amor. A oração torna-se assim uma resposta pessoal a Deus que se revela e se
doa em Cristo. O caminho da oração será por sua vez a progressiva e dinâmica
resposta de Deus ao homem que se insere na história da sua amizade.
2.
Encontro teologal
Na
perspectiva de nossa explicação da oração teresiana, esta não é uma ocupação marginal,
mas um ponto de convergência da própria experiência cristã. Quis ver-se na
própria definição as ressonâncias implícitas de um encontro plenamente
teologal; a oração torna-se então o exercício da fé, da esperança e da
caridade, e portanto um momento qualificado de vida teologal e fator de
crescimento nas virtudes teologais. A forma mais autêntica para qualificar a
oração é próprio a de carregá-la, para poder depois qualificar na verdade, de energias
teologais, para ser vida cristã em ato e em dinamismo.
Essas
ressonâncias, sem dúvida se encontram na oração teresiana.
- Um
encontro de fé que faz crescer a fé.
Para Teresa é essencial na oração dirigir-se ao Deus que “sabemos” nos ama.
Nesse sabemos está a densidade da fé que nasce da palavra e se consolida na
progressiva experiência cristã da oração; um movimento de adesão na fé, mesmo
nas escuridões das ausências de Deus, na apaixonada procura de muitos anos de aridez,
na fiel expectativa daquele que crê no amor de Deus. E com a adesão da fé o seu
crescimento, numa procura mais profunda da revelação de Deus na Escritura, num
apego mais radical à fé da Igreja. Uma fé, enfim, que dirigida a Deus torna-se
contínua confissão das maravilhas que Ele cumpre e estupor que admite que Deus
pode cumprir coisas ainda maiores (7M 1,1).
- Uma
experiência de pobreza na esperança.
Igualmente, na oração teresiana, há o sentido da esperança que nasce da pobreza
e da inadequação: “suportar também a pena de estar demoradamente com alguém que
sentis tão diferente de vós” (V 8,5). O “saber que Deus nos ama” gera o
movimento da esperança, convalidado em Teresa pela constatação que Deus a esperou
por tanto tempo sem por isso ficar cansado com ela (Exclamação 4; V 14,10.12).
Assim a oração alimenta a esperança e a fortalece em diferentes níveis:
confiança em Deus aumentada pela experiência de sua misericórdia; audácia que
ousa esperar tudo de Deus, até a recuperação do tempo perdido; desejo
irrefreável de ver a Deus que desencadeia o sentido escatológico da vida
cristã, tencionada ao encontro definitivo com Cristo de quem a oração faz
pré-saborear a certeza e desejar a estabilidade (5M 2,8-14). Mas na oração se
forja a esperança ativa que é desejo de servir, como forma concreta de aguardar
o Reino e trabalhar por Cristo.
- Um
crescimento no amor de Deus e do próximo. A oração teresiana, nós o vimos, por seu caráter
afetivo privilegia o aspecto do amor como atitude da vontade. Na amizade divina
a caridade teologal coloca-se como resposta do homem a Deus que é seu Amigo.
Mas a oração que é alicerçada sobre o “muito amar” faz crescer a própria
experiência do amor de Deus. A experiência concreta que Teresa faz na sua vida:
primeira é a libertação afetiva que a torna capaz de concentrar todas as suas
energias em Deus, depois o crescimento da caridade no seu coração, pela efusão
do Espírito Santo como consequência do encontro com Cristo. Mas paralelamente
desenvolvem-se as ânsias de servir o Senhor, concentra-se a atenção sobre a Igreja,
dilata-se a capacidade de amar o próximo. Na oração cresce a caridade que se concentra
no amor dos irmãos até o esquecimento de si, até deixar o Deus da oração pelo Deus
que está presente e é servido nos irmãos (C 17,5-7; 7M 3 e 4).
3. Um
encontro dinâmico
A
amizade é uma relação dinâmica, aberta a uma evolução e a uma história. Quando
é Deus que faz amizade, supõe-se que seja Ele quem abre as estradas deste
caminho e trace as etapas desta história de salvação. Um Deus inesgotável,
perene novidade, - e um homem aberto ao dinamismo desta aventura. A oração
teresiana como experiência está toda marcada pelo dinamismo da divina amizade.
Teresa, após tantas resistências, inicia a sua marcha rumo ao infinito. O
dinamismo, ou, se queremos, a historização salvífica da sua experiência de vida
cristã é tão evidente que todos os seus livros, testemunho e mensagem de
oração, tem irrefreável força dinâmica.
-
O livro da Vida enquanto relata a sua experiência, testemunha a força dinâmica
do encontro com Cristo na oração. Abre-se para Teresa uma aventura de etapas
imprevisíveis e de crescente comunicação com Deus. A nível doutrinal o
dinamismo da oração é expresso com o pequeno tratado sobre a oração, baseado
sobre a imagem do horto ou do jardim do Senhor no qual crescem as flores das
virtudes desde o contato com a água viva haurida na oração. As quatro formas de
irrigar o horto-paraíso do Senhor marcam a progressividade metódica e a eficácia
crescente da comunicação de Deus: a água haurida fadigosamente de um poço; água
metodicamente haurida com a ajuda de uma nora; água viva que vem da torrente,
suavemente endereçada a irrigar o horto; água abundante da chuva que embebe
toda a terra e a torna fecunda (V 11-21). Na imagem literária resplandece a
experiência do dinamismo da oração.
No
Caminho de perfeição coloca em realce o dinamismo metódico da oração que de
oração vocal torna-se meditação, recolhimento, quietude. É o caminho rumo à
água viva que Teresa ousadamente propõe a todos em nome de Cristo (C 19,21). Ma
na explicação do Pai nosso como método e conteúdos da oração cristã, temos todo
o dinamismo original da exegese teresiana: da soleira da oração cristã que é a
graça da filiação divina (Pai nosso!), ao termo da vida cristã que é a
escatologia: o desejo de morar junto de Deus na glória, já libertados de todo o
mal (livra-nos de todo o mal!). E neste dinamismo um caminho rumo à
interioridade onde finalmente o homem se dobra amorosamente à vontade de Deus
(Seja feita a tua vontade!), e um caminho rumo ao irmão, até o amor
misericordioso no perdão das ofensas e uma vida marcada pelo amor e pelo temor
de Deus.
O
Castelo Interior marca a progressividade da oração e da vida cristã na síntese
melhor lograda. Há dinamismo na própria elaboração da teologia do Castelo
Interior que parte de três conceitos chaves da teologia bíblica: o homem criado
a imagem e semelhança de Deus, o homem templo e morda de Deus, o homem aberto e
chamado à comunicação com Deus. Na tensão entre a vocação do homem expressa
nesses conceitos e a sua realidade radical de pecado (é esta a elaboração
apresentada nos capítulos 1 e 2 das primeiras Moradas), o caminho da vida
cristã alcança a imagem ideal de cristão; à oração é confiado este processo de crescimento
e de realização do homem, tendo chegado às sétimas Moradas, será perfeita imagem
e semelhança de Deus em Cristo, com o os santos; viverá então em Deus, como na
sua mais verdadeira morada; terá total comunhão com Deus no mistério da
Trindade (7M 1-4). Eis em síntese a proposta teresiana da oração no seu
desenvolver-se.
Podemos
ilustrar também este dinamismo da oração de outro ponto de vista. Inspirando-nos
no texto da Carta aos Efésios 5,13 podemos dizer que a oração de Santa Teresa
atingiu as quatro dimensões do amor de Cristo. E nestas quatro dimensões pode
operar-se um dinamismo crescente da amizade divina.
-
Crescimento
em cumprimento: a oração é caminho de crescimento cristão. Teresa
assinala as etapas: luta, provações, graça, união com Deus que se desenvolve
até a transformação. Um percurso linear que se cumpre com a oração, na qual e
deve verificar as etapas do caminho conforme as exigências de Deus. A vida de
oração torna-se caminho de maturidade cristã. É este um ensinamento
característico de Santa Teresa, mestre em descrever estes passos sucessivos da
experiência de Deus, como faz magistralmente no Castelo Interior.
-
Abertura em
largura: na oração, conforme a experiência teresiana, existe a
capacidade de uma abertura de horizontes, de ampla compreensão da realidade da
Igreja, de inserção na história. No mesmo ritmo abrem-se na oração teresiana,
como: em círculos concêntricos as realidades que constituem os interesses de
Deus: na oração a sensibilidade e a capacidade de abraçá-los como motivação à
santidade e empenho de intercessão. O olhar torna-se universal, o amor
ecumênico (5M 2,10).
-
Penetração
em profundidade: o dinamismo da oração tem também no ensinamento de
Santa
Teresa um típico aspecto de “psicologia cristã” na percepção do homem interior
e das suas possibilidades, dos seus abismos onde Deus está presente e se doa,
da progressiva integração e sanação que na oração alcança o homem espiritual. A
interioridade é característica da oração teresiana: o entrar dento de si
mesmos, a premissa para conduzir-nos ao nosso centro de gravidade. A oração é
também, mas não exclusivamente, este caminho rumo ao profundo, através
simplificações da oração e forças interiorizantes da graça, até o encontro, no
mais profundo de nós mesmos, da realidade que sustenta a nossa existência, até a
morada onde habita Deus. O caminho rumo a este encontro interior é equilibrado
no pensamento teresiano por um constate referimento ao exterior, numa harmonia
de introversão e extroversão, e por uma unidade de vida que recolhe a nativa
dispersão numa forte unidade espiritual e psicológica (7M 2,10-14; 4,10-11).
-
Elevação
para as realidades sobrenaturais: através da oração, ou por
experiência mística ou por sensibilidade de fé, alcança-se o sublime
conhecimento do mundo sobrenatural. Teresa aparece nos seus escritos como uma
cosmonauta do Espírito, que gira ao redor da órbita de Deus, é testemunha do
mistério e contempla, das alturas sublimes de Deus, as realidades deste mundo.
A narração das graças místicas do Livro da Vida são o testemunho deste desabrochar-se
diante de seus olhos do vasto mundo sobrenatural: Deus, Cristo, a Igreja, os santos...
Vê tudo do alto, como uma cosmonauta do espírito (V 40,21-22).
Se
é verdade que nem todos são chamados a este dinamismo da oração, é todavia verdadeiro
que em certa medida e analogia o dinamismo da amizade com Deus conduz a ser participantes
destas dimensões da experiência cristã. A oração, para ser autêntica, deve, portanto,
ser capaz de inserir-se no vasto dinamismo de Deus que atua na história e deve oferecer
à verificação do relacionamento com Deus a real densidade de uma existência que
vive a história dos homens que é história de Deus. Em Teresa de Jesus
encontramos o exemplo e o ensinamento deste dinamismo da oração-vida.
4. Um
encontro transformante
Na
apologia da oração, citada no início do nosso trabalho, há uma consciência
básica: a oração é caminho para alcançar os bens de Deus; estrada de salvação e
caminho real de santificação. Teresa pode afirmá-lo por experiência própria. A
perseverança na oração floresceu numa conversão sobrenatural e tornou-se uma
“vida nova”, a vida de Deus nela, a experiência de ser já vivida interiormente
por outro (V 23,1).
No
começo da amizade há também a lógica consequência da identificação; torna-se
“da condição de Deus”, porque Ele é quem dita a lei da identificação. Para
Teresa porém é certo que Deus por primeiro “se fez da nossa condição”, na
humanidade sacratíssima de Cristo e veio ao encontro dela na sua fraqueza, para
iniciar a configuração transformante à imagem do Filho.
Todos
os livros teresianos que falam da oração coincidem em algumas teses que constituem
os axiomas do pensamento teológico da Santa no campo da oração. Dois princípios
complementares, quase paradoxais são estes:
-
O exercício da oração requer a coerência da vida, o exercício das virtudes.
-
A oração autêntica produz furtos, deixa novas virtudes; a graça da oração
interior, e especialmente da oração mística, é um fator de santificação
interior.
Nesses
dois princípios encontramos o dinamismo de coerência da amizade com Deus, perseguida
tenazmente pela oração que não pode ser reduzida à exercitação acadêmica de diálogo
com Deus, nem a simples elevação do coração. Frisa-se o aspecto de escuta, de
olhar, de submissão, para adequar-se à vontade de Deus Amigo e encontrar no
Cristo a resposta exata às atitudes evangélicas que devem guiar a conduta do
cristão. Mas, à medida que cresce a amizade com Deus, florescem as virtudes;
consolidam-se, resgatam-se energias adormecidas ou represadas pelo pecado;
nascem novas energias para o dinamismo transformante da comunicação de Deus.
No
primeiro momento têm-se as exigências fundamentais da oração, apesar da
fragilidade e ambiguidade das virtudes adquiridas pelo homem com a graça de
Deus. No segundo momento realça a eficácia da presença de Deus que renova as
virtudes do homem, cria novas energias de fé, esperança e de amor.
Entre
as virtudes características que Teresa propõe para um caminho de oração eis algumas:
humildade, determinação, desapego, amor, verdade. Mas os esforços do homem na sua
ascese do coração (a isto tende a oração teresiana, mais do que à uma ascese
externa ou penitencial), são retribuídos pelo dom mesmo de Deus que faz crescer
novas virtudes no jardim da alma. É a admirada constatação de Teresa: “ela
parece estar admirada por ver que o Senhor é um jardineiro tão bom e que não
quer que ela tenha trabalho, mas que se deleite em começar a aspirar o perfume
das flores... As virtudes ficam agora mais fortes... Ela começa a realizar
grandes coisas ao odor que as flores exalam, pois o Senhor deseja que estas desabrochem
para que ela veja que tem virtudes, embora bem consciente de não as podia - nem
pôde - obter em muitos anos, enquanto naquele pouco tempo, as recebeu do jardineiro
celestial. Aqui, a humildade em que alma fica é muito maior e mais profunda do
que antes; ela vê com mais clareza que a única coisa que fez foi consentir que
o Senhor lhe concedesse favores e que a vontade os abraçasse” (V 17,2-3). Uma
página emblemática que se repete sempre da colocação teresiana.
Por
isso Teresa propõe constantemente, ao longo do caminho da vida espiritual, a verificação
do cumprimento da vontade de Deus como critério de assimilação a Cristo na oração
(1M 22,17; 2M 1,8; 3M 2,10; 5M 3,4-12).
Mas
é também consciente de que mais ela se adéqua à vontade de Deus, mas esta se imprime
no coração, é interiorizada pelo amor e pela presença ativa do Espírito Santo.
Uma tese forte do pensamento teresiano a respeito da oração é que, quando esta
se acompanha com o fiel, ativo e perseverante cumprimento da vontade de Deus,
pode alcançar-se por graça de Deus a total comunhão com Ele (5M 3,6.12). No
homem de oração, o “contemplativo”, segunda a expressão de Teresa, constata-se
pela maturidade da sua vida cristã, a profunda transformação que nele se
realizou. Como o bicho-da-seda que se transforma em borboleta, assim o homem
carnal torna-se homem espiritual, o homem velho criatura nova, numa transformação
que precisas características cristológicas, eclesiais e antropológicas.
Mas
sobre o rosto do cristão perfeito que alcançou os cumes da comunhão com Deus
são visíveis os traços próprios do Cristo, na espessura da caridade vivida até
o esquecimento de si, o amor dos inimigos, o serviço desinteressado à Igreja e
aos irmãos na unidade de vida entre ação e contemplação (7M 3).
No
auge do dinamismo da oração alcança-se o seu objetivo: tornar o homem
semelhante a Cristo, tornar-se como Ele o “Servo” que dá a vida para o
cumprimento da vontade do Pai e pela salvação do mundo.
Na
transformação realizada pela oração reside o dinamismo de uma santidade eficaz
e significativa pela Igreja: “A isto tende o matrimônio espiritual: produzir
obras, obras...” (7M, 4,6). “Não deveis fazer consistir o vosso fundamento
somente no rezar e contemplar, porque se não procurais adquirir as virtudes e
não vos exercitais nelas, permanecereis sempre anãs” (7M 4,9). Nas palavras de
Teresa há uma mensagem e um desafio: não tornar vã a oração não torná-la
deformação espiritual e humana. Sobre o rosto do verdadeiro homem de oração, à confirmação
da sua ação assimilante e transformante, aparece o rosto do Cristo, a sua
amável humanidade, a sua total dedicação às coisas do Pai celeste (7M 4,4-8).
CONCLUSÃO:
Atualidade da mensagem teresiana
Eis
uma breve síntese do ensinamento de Teresa sobre a essência da oração cristã
como amizade com Deus. Na síntese a fraqueza da exposição e o necessário envio
à leitura da Santa com este esboço oferecido para uma renovada compreensão da
sua mensagem no hoje da Igreja.
Na
amplidão das perspectivas, a consciência de que a Teresa foi doado por Deus o
carisma da oração evangélica, compreendida como amizade divina, a capacidade de
oferecer uma síntese harmônica, coerente, dinâmica da mensagem evangélica a
partir da oração que, ao ser amizade divina, se resolve , como todas as
palavras do Evangelho, na caridade.
Por
isso a sua mensagem é atual como o próprio Evangelho e tem a autoridade que
nasce da palavra mesma de Deus de quem Teresa tornou-se “evangelista” para a
boa nova da oração cristã, com o olhar fixo em Cristo, que para Teresa é o
Mestre e o Modelo da oração, mas também o termo de comparação e de assim ilação
desta aventura da amizade com Deus.
O
magistério teresiano sobre a oração e sobre a vida mística continua sendo ponto
de referimento abalizado na Igreja, como tinha auspiciado o Papa Paulo VI.
Seria prolixo recordar aqui o contínuo referimento que à doutrina da Santa
fazem o magistério da Igreja, os pastores, os fiéis, os teólogos e os espirituais.
Mas é necessário fazer referimento a dois abalizados e recentes documentos da
Igreja nos quais de modo explícito e implícito se recorre à autoridade magistral
da nossa Santa no âmbito da oração, da contemplação e da mística.
Em
primeiro lugar é oportuno recordar o recurso à autoridade magistral da santa de
Ávila no documento da Congregação para a Doutrina da Fé, a Carta aos bispos da
Igreja católica sobre alguns aspectos da meditação cristã, documento que traz a
data da sua festa, 15 de outubro de 1989.
Sabemos
que este documento importante quis esclarecer alguns aspectos da meditação cristã,
especialmente em relação às métodos orientais, com o cuidado de salvaguardar a intrínseca
relação entre fé e oração, entre crescimento na oração e abertura ao mistério cristão
em toda a sua extensão.
A
autoridade da Santa é citada nas notas em diferentes passagens decisivas do
documento.
No
nº 11, nota 11, quando se fala de alguns modos e métodos errôneos da oração,
como busca do vazio mental e a rejeição das mediações sensíveis, como as
imagens; são métodos já a seu tempo reprovados pela Santa. No número 11, nota
12, encontramos também uma importante citação do Papa João Paulo II que no seu
discurso de Ávila, na comemoração do IV Centenário da morte da Santa tinha
indicado o caminho autêntico da oração cristã com forte insistência sobre a
necessidade a centralidade da humanidade de Cristo, caminho, verdade e vida da
autêntica oração cristã. Ainda no nº 23 quando se fala da gratuidade da
experiência mística que é sempre dom e não técnica humana, recorda-se o dito
teresiano, tantas vezes repetido: Deus concede seus dons a quem quer, como quer
e quando quer, manifestando assim a sua infinita liberdade e a absoluta
gratuidade da mística. Finalmente, no nº 28 é resumida uma das afirmações
basilares da Santa sobre o influxo da oração na vida e na missão, quando
afirma: “A oração autêntica de fato, como sustentam os grandes mestres
espirituais, desperta nos orantes ardente caridade que os impulsiona a
colaborar na missão da Igreja e no serviço dos irmãos para a maior glória de
Deus”. Na nota 35 cita-se a notíssima passagem da Santa no Castelo interior 7M
4,6.
Outro
documento importante que apela para a autoridade magistral de Teresa é o Catecismo
da Igreja Católica. A presença da Santa neste importante compêndio da fé
católica, vai além das simples cinco ou seis citações explícitas que se
encontram no índice dos autores citados, para colher a sua presença implícita
em todo o discurso sobre a oração na quarta parte do Catecismo dedicada à
oração.
De
fato no nº 227 o Catecismo conclui as considerações sobre a confiança em Deus
com o noto texto teresiano: “Nada te perturbe”. No nº 1011 recolhe-se o grito
teresiano de intenso sabor escatológico do desejo de Deus: “Quero ver Deus!”.
No nº 1821 o texto da Exclamação 15 frisa a esperança que não decepciona.
Mas
é sobretudo nos nº 2704 e 2709 que se recorda a doutrina da santa sobre a
oração como relação de comunhão e de amizade com o Senhor, quase marcando o
profundo sentido teológico e psicológico da oração cristã, como exposta ao
longo de toda a quarta parte do catecismo.
Queremos
todavia neste contexto fazer referência a outras duas passagens fundamentais do
Catecismo onde, mesmo não sendo presente uma citação da Santa, encontra-se a
plena sintonia com o seu magistério com dois grandes capítulos da sua doutrina:
o senso religioso do homem que aspira à comunhão com Deus e o senso profundo da
mística cristã.
O
Catecismo da Igreja Católica abre as suas considerações sobre a fé na primeira
seção da primeira parte com um capítulo de título sugestivo: O homem é “capaz
de Deus”.
Os
temas da revelação e da fé são estruturados a partir de uma das mais sugestivas
pesquisas filosóficas e existenciais: o desejo de Deus, que se torna desejo de
bem-aventurança (n. 27- 30).
A
primeira citação do Vaticano II que oferece espessura ao tema é um texto
clássico da Gaudium et Spes n. 19, de fino sabor teresiano: A razão mais alta
da dignidade do ser humano consiste na sua vocação à comunhão com Deus. Desde o
seu nascer, o homem é convidado ao diálogo com Deus: existe, de fato, somente
porque criado por amor de Deus, por ele sempre por amor conservado, nem vive
plenamente segundo verdade se não o reconhece livremente e não se abandona ao
seu criador”.
O
Catecismo oferece assim uma espécie de princípio e fundamento da reflexão sobre
a antropologia cristã na qual se delineia a chamada universal ao diálogo com
Deus, melhor à comunhão de vida com Deus.
Esta
apresentação do Catecismo encontra concreta aplicação na quarta parte, onde se
fala da oração cristã. De fato nos n. 2566-2567 fala-se do chamado universal à
oração e recordam-se os dois grandes princípios que estão na base do diálogo
com Deus. O Homem está à procura de Deus. Traz consigo, melhor é em si mesmo, a
imagem e a semelhança de Deus. Deus por primeiro chama o homem ao diálogo com
ele. O chamado de Deus e a resposta da pessoa humana entrelaçam o diálogo da
oração cristã.
Uma
leitura teresiana destes textos do Catecismo da Igreja Católica colhe logo a
sintonia com o início do Castelo Interior de Teresa de Jesus, onde a santa de
Ávila prospecta uma espécie de antropologia religiosa, aberta à plena
realização da vocação do homem em Cristo. E confere logo um dinamismo religioso
à existência humana, aberta ao sobrenatural, e, portanto, ao diálogo com Deus
através da oração e à perfeita comunhão com ele ao longo do itinerário da
perfeição cristã.
Em
sintonia com o esboço do Catecismo podemos colher em realidade o princípio fundamental
da antropologia cristã que Teresa propõe e desenvolve no Castelo Interior: a vocação
à comunhão com Deus. Estamos diante de um dos conceitos mais fortemente
frisados pela teologia moderna da revelação, como presente na Dei Verbum n. 2:
Deus se autocomunica à pessoa humana numa doação de verdade e de vida: “Deus no
seu imenso amor fala aos homens como a amigos e se entretém com eles, para
convidá-los e admiti-los à comunhão consigo”. Nesta linha de progressiva
comunhão de Deus com o homem realiza-se, como história de salvação, a
progressiva experiência do Castelo Interior até à plena comunhão com a
Trindade.
Bibliografia
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Castelo. Il cammino della preghiera in Santa Teresa d’Avila, Firenze, Edizioni
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1973.
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experiência, doctrina, Madrid EDE, 2004.
C. M. MARTINI em AA.VV. “Solo Dios basta”.
La preghiera nella vita del pastore, Milano, Ancora, 1995.
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