INTRODUÇÃO ÀS OBRAS
MAIORES
CAPÍTULO 2
INTRODUÇÃO AO CAMINHO
DE PERFEIÇÃO
Frei Jesus Castellano Cervera, OCD
1. Um
livro acessível e pedagógico
Com
o livro de Santa Teresa que traz o sugestivo título de Caminho de Perfeição,
embora seja contemporâneo da redação última do Livro da Vida, nós encontramos
num momento e num clima diverso da autobiografia teresiana. A Santa já é
fundadora, mãe e mestra de uma comunidade de monjas às quais deve transmitir um
espírito, um carisma, como se diria hoje. Vive na paz do mosteiro de São José
onde compartilha com as monjas os momentos privilegiados da primeira fundação
na simplicidade e na luz dos inícios carismáticos; uma vida marcada por forte
carga carismática e evangélica, embebida de fioretti e de fervor singelo, anima
pelo amor à Igreja. Reina no mosteiro um profundo clima contemplativo e uma
sincera vida de fraternidade evangélica. Neste clima Teresa escreve o seu
segundo livro, o Caminho de Perfeição, livro que merece as nossas atenções por
muitas razões.
O
Caminho de perfeição é talvez o livro mais conhecido e acessível entre todos os
escritos teresianos. Recomenda-se por sua simplicidade e pelo caráter
pedagógico das suas páginas; não se encontram nele efusões místicas nem
fenômenos sobrenaturais; a Santa também nas explicações dos graus de oração se
reduz às formas mais simples, à soleira das orações místicas.
Ter
organizado boa parte do livro na pedagogia da oração com um comentário ao Pai
nosso tornou o livro mais próximo, mais impregnado de caráter evangélico; às
vezes o livro foi chamado de Livro do Pater noster, ou foi publicada som a
parte do Comentário ao Pai nosso. Costumeiramente foi lido nos círculos
teresiano mais do que os outros livros da Madre Teresa. Caracteriza-se,
portanto pelo estilo pedagógico, pelo seu conteúdo ascético sobre a vida
religiosa e sobre a oração; traz a marca do estilo tipicamente familiar de uma
conversação com as primeiras destinatárias, as monjas de São José de Ávila que
também foram as primeiras solicitantes e comitentes da obra. Dessa apresentação
inicial evidencia-se logo o seu caráter específico. É um livro ascético onde
Teresa expõe os inícios da vida espiritual com as exigências típicas da ascese
evangélica, especialmente na vida religiosa, comunitária e contemplativa. É também
um livro que transfunde a experiência da vida de oração da Santa, mas com uma
marcada acentuação familiar. É também um tratado sobre a vida cristã a partir
do caminho tipicamente teresiano que é o da oração.
Todavia
não é um livro simples. Melhor, as análises recentes do livro e do momento
histórico em que foi escrito, individuaram neste escrito, ingênuo na aparência,
um pequeno tratado polêmico, que se pronuncia sobre temas difíceis do momento
espiritual e sofre censuras; prova disso é a longa história redacional.
2. A
redação do livro
O
livro, como consta no prólogo original da primeira redação, foi escrito a
pedido do primeiro grupo de monjas de São José de Ávila onde Teresa era priora
nas primícias da vida do novo mosteiro do Carmelo reformado. As monjas vieram,
a saber, da composição do Livro da Vida onde a Santa tinha escrito alguns
capítulos sucosos sobre a vida de oração, eixo da vocação delas. Mas como o
livro não era acessível às monjas, melhor tinha de permanecer secreto, porque
não tinha de cair em mãos de outras pessoas, conforme o parecer dos teólogos,
as filhas espirituais tinham importunado a Madre para que escrevesse para elas
algo sobre temas de oração juntamente com alguns conselhos sobre a vida
espiritual. Contavam, como escreve Teresa, também com a aprovação do então
confessor, Frei Domingo Báñez, O.P. Este notável teólogo dominicano, apesar das
aparências, nunca foi leitor entusiasta dos livros teresianos. Seja como for o
nome de Báñez aparece no início e no fim do livro, ainda que não tenha lido
esta obra da santa. Certamente não é um dos censores do livro, como alguns tinham
acreditado.
Do
Caminho de perfeição temos duas redações autógrafas que agora recebem o nome
dos lugares onde se conservam: a primeira redação ou autógrafo do Caminho do El
Escorial (CE), biblioteca do mosteiro onde está atualmente; a segunda redação
ou Caminho de Valladolid (CV, conservado no mosteiro das Carmelitas Descalças).
Existem ademais três cópias “apógrafas”, revistas pela Santa, em Salamanca,
Madri, e Toledo; esta última destinada à primeira edição do livro feita em
Évora, Portugal, em 1583.
A. A
primeira redação (CE)
A
primeira redação ou CE foi composta pela santa pelos anos 1565-1566. Na cópia
de Salamanca, segundo o testemunho da jovem carmelitana Isabel Jimena, se
considera como data redacional do livro o ano de 1562; mas é evidente que
naquele ano Teresa não era priora do mosteiro de São José; de fato depois da
fundação teve de retornar ao seu mosteiro da Encarnação e só voltará a São José
alguns meses mais tarde, no começo de 1563. Nessa data, 1562, ainda não fora
composto de forma definitiva o livro da Vida com a história do mosteiro de São
José. Nesse momento, ano 1562, o número das monjas era exíguo, certamente não o
numero doze às quais faz alusão à autora no livro. Portanto com boa paz da
testemunha e de alguns autores antigos que confiaram no seu testemunho, a
composição do manuscrito deve ser fixada pelos anos 1565-1566, depois da
segunda redação do livro da Vida.
Após
o pedido das monjas e a licença do confessor, a redação do livro orienta-se,
quase em continuidade com o magistério oral que a Santa como mãe e mestra do
grupo exerce, rumo a três linhas bem precisas:
-
justificação do estilo de vida religiosa contemplativa empreendido pelo grupo,
a serviço da Igreja;
-
exposição das exigências ascéticas da vida delas, quase um ensaio original
sobre a vida religiosa contemplativa;
-
tratado do caminho da oração a partir da mesma experiência da santa, mas desta
vez com o suporte de um método já experimentado em outros livros do tempo, o
comentário das palavras do Pai nosso; um recurso bastante clássico na Igreja
desde os tempos dos Padres e escritores eclesiásticos da antiguidade cristã
(Orígenes, Cipriano...).
Em
pouco tempo, atarefada pelas mil ocupações da vida doméstica do novo mosteiro,
a Santa redige com vigor o seu livro, com escritura fluente, apesar de às vezes
ser apressada, com a máxima espontaneidade que lhe permite o estilo coloquial e
a confiança das leitoras às quais se dirige. Provavelmente o seu projeto
original era escrever um comentário à Regra Carmelitana, assumida como regra de
vida, juntamente com as Constituições. Mas a Santa sentiu-se oprimida neste
projeto inicial e abriu o tratado a uma visão mais geral da vida ascética, com
especial atenção ao realismo da vida religiosa.
Em
poucos meses termina a sua obra mesmo sem conseguir cumprir o desejo de
comentar junto com o Pai nosso a Ave Maria, como tinha programado. Lástima! Ao
pôr-se a escrever este pequeno livro a Santa não pode evitar enfrentar alguns
temas quentes da teologia e da atualidade espiritual da época, temas que pediam
algumas elucidações para as suas monjas, empenhadas numa experiência alicerçada
sobre a oração, base da vida carmelitana; mas a oração, e mais ainda a oração
mental, era um tema polêmico no momento. Por isso em algumas páginas escritas
com corajosa sinceridade, o livro aparece como um parecer polêmico e incorre
nas iras da censura. E isso especialmente, como se pode verificar nas correções
existentes no autógrafo, para alguns temas fundamentais:
-
o valor apostólico da vida contemplativa e aptidão das mulheres para a oração
mental;
-
a necessária unidade entre oração vocal e mental;
-
a periculosidade que alguns veem nos livros que ensinam a oração mental.
Teólogos
como Melchor Cano OP e outros eram contrários aos livros de seus irmãos que tinham
escrito tratados sobre oração para mulheres “esposas de carpinteiros”. Ou colocavam
de sobreaviso contra a avidez das mulheres pela leitura da Bíblia.
Na
realidade a Santa entra corajosamente em pleno diálogo com a cultura do seu
tempo e com a atualidade espiritual do momento e diz a sua palavra sincera e
abalizada. A Santa, portanto põe-se a cutucar a onça com vara curta ao
enfrentar temas candentes. Por isso o seu livro não passará indene pela
censura. De fato o censor corrige implacável as páginas que parecem mais
polêmicas ao redor de temas da teologia tridentina, da espiritualidade, da interpretação
bíblica como a passagem relativa às mulheres (e critica os homens!), uma interpretação
do Salmo 8, as páginas relativas ao recolhimento e a quietude, uma afirmação geral
sobre a interpretação eucarística da petição do pão cotidiano, outra sobre a
união com Deus ou transformação em Deus; é censurada uma consideração sobre a
pouca consistência dos agravos que se fazem contra nós e também uma fervorosa
oração sobre o desejo de morrer...
O
censor, frei Garcia de Toledo, remete o livro à santa com a intimação de
corrigi e modificar, provavelmente com o desejo que a Inquisição não possa dar
um parecer negativo sobre certas páginas polêmicas que mais pareciam dirigidas
aos Inquisidores e à rígida atuação deles.
B. A
segunda redação (CV)
A
Santa retoma em mãos o trabalho, aceita a censura e se pões a fazer a nova redação,
levando em conta as correções introduzidas. Melhora a caligrafia, redige com
maior nitidez e escreve com renovada atenção, maior precisão, embora com menor
espontaneidade. Mas não só corrige, acrescenta e precisa alguns temas; entre
estes melhora a redação de algumas páginas referentes:
-
a liberdade de consciência e o verdadeiro amor pelos confessores;
-
a pedagogia do amor puro e a ascese da afetividade (tema delicado e ousado,
sobre os quais não encontramos referências nos livros do tempo);
-
as exigências e os requisitos para dar a profissão às monjas;
-
a oração de recolhimento e de quietude;
-
a eficácia santificante da oração perfeita;
Finalmente
divide melhor o livro em capítulos com os receptivos títulos, o que faltava na primeira
redação. Em síntese este é o juízo de valor sobre a segunda redação:
-
Sob o aspecto literário, reduz o tom polêmico, elimina alusões à própria
experiência, ou a torna mais subtil no anonimato, cancela e controla as efusões
lírico-místicas, diminui o tom familiar e espontâneo, com que se dirige ás suas
monjas;
-
Sob o aspecto doutrinal acrescenta alguns temas - acima destacados - e elabora novamente
algumas páginas, melhorando no conjunto a redação e a doutrina e introduzindo precisões
importantes.
Quando
se deu a segunda redação? Há polêmica entre os melhores especialistas. Frei
Efrém da Mãe de Deus, editor das obras pela BAC, pensa com outros autores
clássicos e modernos, que se trata de uma data bem posterior à primeira, quando
já são diversos os mosteiros fundados pela santa. Provavelmente no ano 1569.
Frei Tomás Alvarez pensa numa data bem próxima da primeira redação,
provavelmente 1566. Estas são as razões aduzidas: não há na segunda redação a
perspectiva de que no momento haja outros mosteiros; é, portanto anterior à
fundação de Medina del Campo em 1567. Não faz alusão à visita do Padre Geral da
Ordem, acontecida nos primeiros meses de 1567; não há alusão a grande
experiência de amor eclesial suscitada pela visita de Fr. A. Maldonado OFM,
missionário da América, acontecida no outono de 1566. Essas perspectivas, bem
presentes no início do livro das Fundações, faltam nas páginas do Caminho de
Perfeição de Valladolid.
Também
esta edição passou por peripécias. Dois censores tiveram o cuidado de retocar
ou corrigir na margem do autógrafo algumas expressões, principalmente de
caráter teológico, referentes ao amor puro, à liberdade do amor nos perfeitos,
a visão beatífica, a grandeza dos merecimentos de Cristo e pequenez das nossas
obras, a consciência do estado de graça, a relação entre contemplação infusa e
o estado de pecado... Todos temas de certa delicadeza teológica. A Santa, ao
que parece do exame dos caderninhos autógrafos, aceitou a crítica, rasgou
algumas folhas e reescreveu algumas paginas para ir ao encontro das críticas de
algum teólogo a procura de parvoíces teológicas e com medo das interpretações
erradas do Concílio de Trento. Mas na realidade as correções foram poucas, se
levarmos em conta o tamanho da obra, e a substancia doutrinal dos temas
tratados, a originalidade da tratação e a perfeita sintonia teológica,
pedagógica e bíblica da exposição da Santa em temas como a oração ou a amizade.
C. As
peripécias do Caminho de perfeição.
A
Santa cuidou do seu livro até quase próxima da morte. Preparou a cópia de
Toledo. Por essa ocasião a Santa acrescentou a dedicatória que figura no início
do livro já em todas as edições. A primeira edição do livro saiu em Évora no
ano 1583, por interesse do Arcebispo, amigo da Santa. D. Teutônio de Bragança,
mas sem o capítulo 31 sobre a oração de recolhimento infuso, porque a doutrina
nele exposta era considerada doutrina perigosa.
Alguns
teólogos viam nas obras teresianas resquícios de heresias antigas dos
“messalianos” e dos “euquitos” (cultores da oração interior que davam muita
importância à experiência sobrenatural).
Nos
anos seguintes foram feitas mais duas edições, uma em Salamanca por obra de
Frei Graciano, e outra em Valência, sob o patrocínio de São João de Ribera. No
ano 1588 temos “edição príncepe” das obras completas realizada por frei Luís de
León.
Em
1883, terceiro centenário da primeira edição, publica-se em Valladolid a edição
fotolitográfica da primeira redação. Em 1965, quarto centenário da primeira
redação, é publicada a edição fac-símile da segunda redação pela Poliglota
Vaticana. A introdução ao livro de Frei Tomás Alvarez é imprescindível para
captar as peripécias do texto os problemas doutrinais nele presente.
O
Caminho de Perfeição continua sendo um ponto de referimento para a teologia da
vida religiosa e contemplativa, para a pedagogia da oração. Um livro que não
envelhece, acessível a todos mesmo que necessite sempre de um guia de leitura e
de uma introdução doutrinal. Um livro que também hoje se coloca como ponto de
confrontação com outros métodos de oração, para avaliar a autenticidade dos
endereços pedagógicos e os critérios de discernimento de toda autêntica busca
de Deus através dos caminhos da oração evangélica.
3. Temas
centrais e argumentos complementares do livro
Os
temas centrais do livro são a teologia e a pedagogia da oração cristã, como
aparecem no prólogo do livro (Pról. 1). Sobre este argumento já tinha escrito a
Santa o seu tratado (V 11-22). Desta vez a Santa não se repete; melhor, com uma
pitada de originalidade expõe a doutrina numa forma mais pedagógica e plana,
evitando penetrar nos graus místicos da oração como tinha feito em Vida, e
ilustra melhor a pedagogia, os frutos, as exigências da vida de oração, à luz
das precisas perspectivas da vida contemplativa de suas filhas, mas com respiro
mais amplo.
De
fato, partindo da tese que a vida de oração constitui o ideal da vida
contemplativa de suas monjas a serviço da Igreja, a Santa faz a sua apologia e
ilustra o fundamento eclesial dessa proposta de vida. E nesse ponto parece que
já existe uma tese original, agora já recebida pela Igreja, mas não muito clara
no tempo da Santa: o valor apostólico e eclesial da vida contemplativa. Isso,
porém não comporta somente o rezar, mas o ser contemplativos de verdade, “ser
tales”. Como consequência a vida de oração requer uma coerente vida de
santidade através da ascese totalitária da vida contemplativa. E dessas
coerentes exigências e frutos da vida contemplativa a Santa apresenta uma
síntese. Assim o Caminho de perfeição apresenta-se como livro sobre a oração e
livro de ascese e da vida religiosa, comunitária.
A
doutrina da vida religiosa não é centrada tanto sobre os votos, mas sobre
certas exigências fundamentais das virtudes evangélicas, de modo que a mensagem
adquire amplidão, com bonitas páginas sobre a pobreza, a amizade-caridade, a
humildade-obediência.
A
parte central do livro que trata da oração tem nesta estruturação uma
necessária premissa de vida ascética e uma parte de ampla explicação
pedagógica, centrada no comentário ao Pai nosso, que resulta assim um tratado
de oração e de vida.
O
tema central é portanto a oração. Oração que requer virtudes evangélicas,
sólidas e totalitárias. Mas juntamente a oração fecunda com a divina amizade
todo o exercício das virtudes e as torna finalmente sólidas e enraizadas na
vida. Neste contexto é necessário ler também alguns capítulos que servem de
ponte entre a tratação sobre a ascese das virtudes e os capítulos sobre a
oração e que oferecem uma síntese doutrinal mais que sobre a contemplação em
abstrato, sobre a pessoa que é verdadeiramente contemplativa.
Temas
complementares do livro seriam relativos à ascese na vida religiosa; alguns
deles tratados com especial clarividência e ousadia como todo o tema da amizade
e do amor puro na vida comunitária. Tema tabu naqueles tempos, talvez também
nos nossos, mas necessário para uma educação à maturidade afetiva e um
crescimento na verdadeira comunhão, entre dois excessos: a frieza nas relações
(ignorar-se!), e a morbidade das amizades infantis e sensíveis. O tema, às
vezes lido com inicial reserva, permanece sempre válido para colocação positiva
dada pela Santa à teologia da caridade, à análise de caráter psicológico do
amor recíproco, ao delineamento sereno e positivo da pedagogia progressiva do
amor e da amizade rumo à maturidade das relações (CV 4-7).
Neste
contexto inserem-se outras exigências evangélicas totalitárias que falam do desapego,
da humildade, da obediência, e que devem ser vistas como pedagogia totalitária rumo
à aquisição da liberdade do espírito e que mira fundamentalmente sobre a
escolha total de Cristo (C 8-9). Disso brotam o fino humanismo e a afabilidade
apostólica que estão na base da verdadeira experiência da contemplação e da
caridade necessária no apostolado (C 41).
4.
Divisão do livro e guia de leitura
Em
síntese o Caminho de perfeição, tomando como ponto de referência a segunda redação,
pode ser dividida nestes blocos:
Capítulos
1-4: o ideal da vida contemplativa a serviço da igreja.
Capítulos
4-16: Ascese e virtudes necessárias para a vida de oração.
Capítulos
16-42: O caminho da oração;
*
capítulos 16-26: exigências dos contemplativos e senso da oração.
*
capítulos 27-42: O caminho da oração no comentário do Pai nosso.
Nesta
visão deve observar-se alguns capítulos de fronteira como o capítulo 4 que
conclui um argumento e inicia outro; ou também os capítulos 16-18 que
personificam o tema da contemplação falando das exigências dos contemplativos:
ou o capítulo 26 que propões o método da oração e se abre à meditação das
palavras do Senhor no pai nosso. Para facilitar a leitura dos argumentos
centrais das partes do livro e de cada um dos capítulos oferecemos esta breve
síntese temática, tendo sempre presente o CV.
Título
Argumento
geral (haurido código apógrafo de Toledo)
Submissão
à Igreja
Prólogo
I. O
IDEAL DA VIDA CONTEMPLATIVA (capítulos 1-4)
1.
Para o bem da Igreja: seguimento e serviço de Cristo.
2.
O caminho da pobreza evangélica
3.
Sentir a Igreja e rezar por ela
4.
Programa exigente de virtudes evangélicas
II.
CAMINHO DE ASCESE E DE COMUNHÃO (capítulos 5-15)
5.
Amor pelos confessores
6.
À procura da amizade e do amor perfeito
7.
Pedagogia do amor de comunhão
8.
O radicalismo da abnegação evangélica
9.
Desapego dos familiares
10.
Desapego de si mesmo
11.
Desapego na doença
12.
Humildade radical
13.
Pontos de honra e a verdadeira humildade e caridade
14.
Exigências radicais da vocação contemplativa
15.
Humildade e obediência
III. AS
GRANDES VIRTUDES DA VIDA CONTEMPLATIVA (capítulos 16-18)
16.
Oração, contemplação, virtude.
17.
Unidade de vida: oração e serviço
18.
As grandes e soberanas virtudes evangélicas dos contemplativos
IV. O
CAMINHO DA ORAÇÃO: PREMISSAS (capítulos 19-26)
19.
A oração: símbolo da água viva
20.
Convite universal à contemplação
21.
Polêmica sobre a oração: firme decisão
22.
O que é oração menta
23.
Perseverança na oração
24.
Oração vocal e mensal ao mesmo tempo
25.
Ao lado do Mestre; valor santificante da oração.
26.
Método teresiano de oração: fitar o Cristo
V. O
CAMINHO DA ORAÇÃO: COMENTÁRIO AO PAI NOSSO (capítulos 27-42).
27.
“Pai”, dimensão filial e trinitária da oração.
28.
“Que estais nos céus”. Somos o templo de Deus
29.
Rumo ao recolhimento
30.
“Seja santificado o teu nome, venha ao teu reino”.
31.
O Reino de Deus dentro de nós: oração de quietude
32.
“Seja feita a vossa vontade”: o preço da oração
33.
“Dai-nos hoje o nosso pão”: A Eucaristia
34.
Comunhão eucarística e recolhimento
35.
Uma oração eucarística teresiana
36.
“Perdoai as nossas dívidas, como nós...”: o amor que perdoa.
37.
A oração transforma a vida
38.
“Não nos deixeis cair em tentação”: as nossas tentações
39.
Verdadeira e falsa humildade
40.
Viver na liberdade com amor e temor
41.
Vencer o temor humano com o amor: abertura apostólica
42.
“Livrai-nos do mal”. Amém.
5. Temas
do caminho de perfeição
Muitas
são as temáticas que se podem verificar no Caminho de perfeição. Propomos algumas
delas sob chave de leitura. À luz da cristologia, o Caminho de perfeição seria
o código do seguimento, da sequela Christi, traço fundamental da Regra do Carmelo,
à qual se inspira a Santa ao delinear os valores da nova vida contemplativa a
serviço da Igreja.
De
fato o ideal de vida proposto pela Santa diretamente às suas filhas, é
alicerçado sobre a aquisição da maturidade da vida consagrada como emerge logo
dos primeiros capítulos do livro. Ele se baseia sobre uma harmoniosa síntese de
valores e aspectos fundamentais:
-
o radicalismo evangélico no seguimento e na praxe dos conselhos evangélicos;
-
a componente comunitária da vida religiosa, com forte acentuação da comunhão
entre as irmãs;
-
a orientação eclesial da vida, como forma de serviço com a santidade da vida e
o valor da oração como intercessão pela Igreja;
-
o valor central da oração como amizade cm Deus, enquanto projeto de vida, de
oração e praxe concreta, exercício vital;
-
o senso humanístico da vida consagrada com algumas características: alegria,
suavidade, amizade.
Tudo
obviamente fundado sobre grandes valores da vida carmelitana como o senso
mariano, a redescoberta da tradição dos Padres do Monte Carmelo, a harmonia
entre solidão e vida comunitária.
E
tudo é sustentado por uma forte personalização do ideal na pessoa de Cristo. Por
Ele faz-se a opção total: é seguido e servido na estrada dos conselhos
evangélicos e das grandes virtudes, com Ele se vive através da experiência da
oração, para ser a serviço da Igreja que é como que a continuidade mesma de
Cristo, o seu Reino aqui na terra.
A. As
grandes opções do seguimento de Cristo.
No
início do livro, na perspectiva dos grandes males que afligem a Igreja de
então, a difusão do protestantismo e a laceração da Igreja, Teresa sente-se
interpelada a doar a sua resposta pessoal; mas a única resposta possível então
para a sua condição de mulher e o seu estado de monja, no seu desejo de servir
o Senhor consiste no fazer o pouco que lhe é permitido: “seguir os conselhos
evangélicos com a máxima perfeição possível”, junto com suas filhas “para ajuda
na maneira que a nós é possível este meu Senhor” (C 1,2).
São
as ideias do serviço e do seguimento, ou seja, o “obsequio de Jesus Cristo” do
ideal da vida religiosa carmelitana (Regra do Carmelo). Teresa interpreta-as
com a escolha do ideal: ser contemplativas para a Igreja, em coerência de vida
e em forte tensão de intercessão, a serviço de Cristo e do seu Reino.
A
componente comunitária e eclesial do seguimento é importante, pois caracteriza
o grupo em três níveis:
-
evangélico, porque a norma de vida é o Evangelho;
-
cristocêntrico, pelo profundo senso da comunhão ao redor do Mestre;
-
apostólico, pelo ideal eclesial: uma vida a serviço do Reino.
A
este senso profundo do seguimento Teresa acrescenta também o senso esponsal da consagração
religiosa, alicerçado no batismo, primeiras bodas de Deus com o cristão, como garantem
os Padres da Igreja. Teresa repete-o na primeira redação do Caminho (“Pelo
batismo desposamo-nos com Deus”). A nível existencial trata-se de levar a sério
o valor esponsal da consagração religiosa, a dignidade desta vida, o sentido
profundo de se pertencer a Alguém, em que temos de fixar sempre o olhar: “Os
olhos no vosso Esposo!” (Cv 22,7-8; 23,1-3; 26,4).
B. As
grandes virtudes evangélicas do cristão.
Para
compreender o sentido da pedagogia e ascese das virtudes que apresenta a Santa
no Caminho, deve-se ter em conta a tripla orientação dada às virtudes do
seguimento: pobreza, caridade, desapego e humildade.
-
O sentido perfeitamente evangélico e
cristocêntrico de cada uma das virtudes: alicerçam-se nas palavras do
Senhor, segue-se o seu exemplo, têm a força de conformar-nos a Cristo. Isso
vale para a pobreza, para o verdadeiro amor, para o desapego, para a humildade
e a obediência.
-
A dimensão comunitária: as grandes
virtudes constroem a comunidade e ajudam a manter a paz e a concórdia.
-
A perspectiva eclesial: a perfeição
evangélica edifica a Igreja, é testemunho vivo para os outros; os
contemplativos trazem quais bandeiras desfraldadas, os ideais da vida
evangélica; a intercessão dos amigos de Deus é eficaz para o bem da Igreja.
Estas
são as grandes virtudes de que fala Teresa.
A pobreza
pelo Reino (C 2).
Pobreza baseada nos critérios evangélicos da confiança na Providência,
liberdade interior e independência do exterior, trabalho como forma de pobreza
e de comunhão recíproca. Conversão a Cristo pobre e amor pelos pobres (Relação
nº 2).
O amor
recíproco (C 4-7).
Lei evangélica fundamental, mas também exigência humana e fundamento do
conviver junto (C 4,10-11). Ao amor perfeito chega-se através de uma pedagogia
concreta e progressiva, feita de compaixão, de serviço, de compreensão, de amor
verdadeiro. Esse amor garante a presença do Senhor na comunidade (C 7,10), é
fonte de paz e de harmonia, de unidade e de alegria.
A
abnegação evangélica
(C 8-11). Medida positiva e totalitária do dom: “Doar-nos todas ao Todo sem
dividir-nos!” (C 8,11), mas abraçando antes o Cristo em quem se encontra tudo
(C 9,5). Abnegação de si mesmos especialmente.
A
humildade (C
12-15). Atitude fundamental, imitação de Cristo na obediência (C 15,4), sem se
desculpar, vivendo em radical humildade, contra toda a tentação de valorizar os
títulos e os pontos de honra, que eram então perniciosa praga dos mosteiros.
C.
Imagens ideais dos verdadeiros contemplativos amigos de Cristo.
A
Santa resume em poucas pinceladas todo o sentido da contemplação quando nos
oferece aquelas que podemos chamar as imagens ideais dos amigos de Cristo, os
contemplativos; são os cristãos maduros no ser e no agir, homens e mulheres do
Evangelho vivido, com profunda humildade, disponibilidade e capacidade de
efetivo serviço. Destes contemplativos, Teresa oferece um sugestivo retrato
falado ou retrato ideal.
São
pessoas que fizeram a opção total pelo Cristo: “Este Rei da glória não se doa a
não ser a quem totalmente se doa a Ele” (C 16,5). Deus requer as grandes
virtudes e não doa totalmente a não ser que nos doemos totalmente (C 16,9 e
cfr. C 28,12).
Pessoas
unificadas na contemplação e no serviço: trata-se de viver a contemplação de Maria
e o serviço de Marta, porque tudo o que se faz por amor, a contemplação e o
serviço, são dom e serviço do Senhor (cfr. todo o bonito capítulo 17).
Servo
do amor e servos por amor. Título de honra para o discípulo é o serviço. O contemplativo
é aquele que está presente e tem vontade de servir (cfr. C 18,4); os amigos verdadeiros
e firmes de Deus são pessoas que deixaram para trás os presentes e as honras e ama
a cruz, o servir por amor (C 18,2).
Porta-bandeira
dos ideais cristãos. Os contemplativos são os “abandeirados”, os alferes dos grandes
valores cristãos para encorajar os outros no serviço do Senhor (C 18,5). São
gente humilde e obediente a Deus, que serve com entusiasmo e dá exemplo das
grandes virtudes do evangelho (C 18,7-8).
6. O
caminho da oração evangélica
Para
entrar de modo total nos caminhos e exigências deste ideal evangélico faz-se
mister entrar pelo caminho da oração. E da oração Teresa faz a apologia mais
bonita, como absolutamente necessária para a vida cristã, acessível a todos,
embora naquele momento, quando a polêmica suscitava muitos adversários da
oração mental, tais afirmações podiam parecer arriscadas pela suspeita de um
“cristianismo interior”, todo centrado na oração mental. Melhor, Teresa mantém
uma posição equilibrada entre Erasmo que despreza a oração vocal, em prol da
interioridade, e os teólogos que têm medo dos caminhos da oração interior. Acolhe
o convite de Cristo dirigido a todos e chama todos à água viva da contemplação. Eis,
portanto, uma chave de leitura dos capítulos dedicados por Teresa à oração
mental.
A. Orar
como o Senhor e com o Senhor.
A
opção pedagógica pela oração como elemento unificador da vida é sustentada pela
leitura assídua dos Evangelhos onde nos fala o Mestre da sabedoria, o mestre
celeste (C 21,4).
O
modo de orar tem como modelo e Mestre Jesus em oração, na solidão, onde
conversa com o Pai (C 224,4). Orar é colocar-se ao lado do Mestre, escutar no
silêncio as palavras de sua boca, experimentar que ele ensina sem barulho de
palavras e fala ao coração. Quem ora assim tem a garantia de tornar-se
discípulo e receber uma fundamental e pessoal instrução do próprio Cristo que é
Mestre de oração (cfr.: 24,4-5; 25,2; 26,10).
B. Um método simples
de oração evangélica.
Para
que a oração seja frutuosa e simples Teresa ensina o seu modo de oração,
expresso fundamentalmente no capítulo 26 do Caminho de Perfeição. A oração na
presença de Cristo, dirigindo o olhar para ele, acompanhando-O na meditação dos
episódios de sua vida.
Todo
o sentido da oração Teresiana agora se exprime nesta relação pessoal com o
Mestre:
-
procurar a sua companhia e habituar-se à sua presença sempre e em todos os
lugares (C 26,1-2);
-
concentrar a oração no olhar (C 26,3);
-
habituar-se a contemplar a sua alegria na nossa alegria: a meditação da
ressurreição de Cristo (C 26,3);
-
e saber encontrar consolo nos seus sofrimentos, numa sentida e participada
meditação da sua paixão (C 26,4-8).
Para
despertar o sentido da presença, Teresa dá os seguintes conselhos:
-
servir-se da ajuda de uma imagem do Cristo que o torna como que presente e
próximo para fitá-lo interiormente (C 26,9);
-
ajudar-se também com um bom livro para alimentar a oração e esconjurar as distrações
(C 26,10).
O
importante é manter viva a amizade e o contato com o Senhor para facilitar o
retorno à oração e a continuidade da relação com o Senhor.
É
fundamental esta atitude para pôr-se a meditar e aprender com Ele o sentido da
oração, escutando as palavras de sua boca e os ensinamentos do Pai nosso (C
26,10). Desse modo a Santa introduz o seu original Comentário ao Pai-nosso,
síntese de pedagogia e de vida.
7. A
Oração do Senhor como caminho de oração e de vida
No
seu ensinamento sobre a oração Teresa não teve a menor ideia de substituir o
Mestre da oração, nem distanciar-se do ensinamento essencial para o cristão
contido nas palavras do Senhor.
Na
esteira da grande tradição Patrística Teresa quis também dizer a sua comentando
as palavras do Pai nosso e deixando um ensinamento por muitos aspectos
original. Também nisso Teresa manifesta a sua fina sensibilidade evangélica e
ao mesmo tempo a ousadia de compor um comentário espiritual - ela mulher e
iletrada! - de um trecho fundamental da pregação evangélica.
Procuremos
colher em síntese o significado dessa exegese e de percorrer com Teresa as etapas
da oração no comentário das palavras do Senhor.
A.
Traços de originalidade.
Ao
empreender o comentário do Pai nosso, Teresa é envolvida numa série de
motivações um pouco singulares.
Partindo
do realismo e do bom senso, afirma que, como o cristão é chamado a rezar vocalmente
com a oração do Senhor deve também saber com quem fala e o que diz, para que a
oração manifeste a fé e o amor e torne-se logicamente autêntica meditação e
contemplação (C 24,2).
Com
sentido polêmico, recrimina os teólogos que não queriam que o povo e, em
especial, as mulheres aprendessem a oral mentalmente; eles dizem: “Basta rezar
o Pai nosso e a Ave Maria”,
Teresa
aceita o desafio. Ensinará a rezar oferecendo a sua pedagogia até a oração de recolhimento,
explicando as palavras do Senhor; e ainda, com uma pitada de ironia e de polêmica,
desafia os teólogos que proibiam os livros de oração, dizendo que o Pai nosso é
um livro que encerra todo o evangelho e ninguém pode tirá-lo! (cfr. C 21).
Mas
prevalece o senso evangélico: é a oração que o Mestre ensinou e faz-se
necessário colocar-se ao lado dele para escutar de seus lábios o significado
destas palavras que são expressão do amor que o Cristo tem por cada um de seus
discípulos dos quais ele se torna Mestre interior (C 26,10).
No
seu longo comentário ao Pai nosso descobre admirada a riqueza das palavras do
Mestre e expõe os temas da oração, as atitudes orantes, os graus progressivos,
os empenhos de vida, o significado de cada palavra, proporcionando-nos a sua
própria contemplação do mistério da oração do Senhor.
Favorece
também um modo de recitar o Pai nosso que responda a uma metodologia contemplativa:
escutar as palavras do próprio Mestre da oração, saborear, frase após frase, cada
uma das invocações, para aprender a repeti-las passo a passo no coração até
captar todas as ressonâncias; com uma única frase se pode chegar à
contemplação. Trata-se, pois, conforme suas palavras, de uma arte da oração.
É
também singular um aspecto da exegese teresiana. O Pai nosso torna-se um
caminho de oração e de vida, verdadeira peregrinação orante. Somos elevados até
o céu com a primeira palavra: Pai! Se desce ao mais profundo de nós mesmos ao
considerar a segunda palavra: “que estais nos céus”, porque nós somos a morada
de Deus; aprofunda-se o sentido do Reino de Deus que está dentro de nós até
dobrar-nos completamente no cumprimento da vontade do Pai. Quando atingimos
este aprofundamento, somos reconduzidos a nós, à vida de cada um pelas
invocações da segunda parte do Pai nosso... Progressivamente se descobre que a
oração ao partir da simples oração vocal torna-se pouco a pouco: meditação,
contemplação, recolhimento, oração de quietude, oração de união. A
progressividade é característica do caminho da oração interior segundo Santa
Teresa.
Finalmente
deve reconhecer a nossa autora no final do seu comentário que “esta oração evangélica
encerra em si todo o caminho espiritual e torna-se o modelo para poder rezar, como
se deve, com as outras fórmulas da Igreja (Caminho 42,5).
Sabemos
que ela queria comentar também a Ave Maria, mas não teve tempo a disposição,
pois teve de ocupar-se com a nova redação do Caminho de Perfeição que os
censores, por acenos polêmicos, tinham censurado em algumas páginas mais
significativas.
Podemos
dizer que o pequeno tratado da oração a comentário do Pai nosso é uma verdadeira
joia da espiritualidade cristã e encerra, além de uma impecável exegese dos
textos bíblicos, uma original proposta pedagógica: a que no Pai nosso descobre
o “código” da oração evangélica, a síntese dos graus da oração, o caminho da
vida espiritual que parte da oração para tornar-se empenho concreto de vida
evangélica.
B.
As linhas mestras do Comentário ao “Pai nosso”.
Somente
numa breve síntese podemos traçar o fio que liga o comentário teresiano a cada uma
das petições do Pai nosso. Mas pode ser suficiente para colher o sentido
evangélico da oração-vida num comento que a Santa de Ávila desenvolve por 16
capítulos breves do seu livro, do 27 ao 42, ambos inclusos.
Pai
nosso! A soleira da
oração cristã é a consciência da paternidade de Deus, a alegria contemplativa
de dizer com Cristo: Abbá, Pai e tirar todas as consequências desta verdade: confiança
em Deus, comunhão com Cristo que se torna irmão nosso no orar, igualdade e comunhão
fraterna entre os cristãos; e enfim a gozosa descoberta que “entre tal Pai e
tal Filho por força temos de encontrar mo Espírito Santo”, alma da oração e do
amor no qual oramos (Caminho, 27).
Que
estais nos céus! As
palavras de Cristo convidam a procurar o Pai dentro de nós, visto que o homem é
morada e paraíso; Deus mora dentro de nós e nesta interioridade podemos iniciar
com ele um diálogo como com um Pai, um Amigo, um Irmão, um Esposo. O convite ao
recolhimento como pedagogia da oração: encontrar Deus dentro de nós,
recolhendo-nos interiormente; exercício psicológico, certamente, mas que supõe
uma atitude espiritual de “dosar-se totalmente a Deus” (Ib. 28-29).
Seja
santificado o vosso nome, venha o vosso reino! Teresa junta as duas invocações; na
oração profunda onde Deus se faz presente e se revela encontra-se já o reino de
Deus dentro de nós. E nesta atitude interior torna-se profundamente sentido o
desejo de bendizer, glorificar, magnificar, agradecer o Senhor e o seu santo
nome, como os Santos já o fazem na glória (Ib. 30-31). Estamos na oração
sobrenatural, que Teresa chama de “quietude” mas que supõe esta interiorização
da graça.
Seja
feita a vossa vontade...!
Parece que todo o caminho do Pai nosso se oriente para esta petição. Só quando
Deus nos tomou interiormente na oração e nos armou a arapuca do amor, o ser
humano é capaz de dizer que seja feita a sua vontade numa adesão totalitária em
que o próprio Cristo empenhou por nós sua palavra. A oração torna-se empenho
total de vida na obediência ao Pai e em comunhão com Cristo (Ib. 32).
Dai-nos
hoje o nosso pão...!
O comentário teresiano é netamente eucarístico e une juntos o sentido da
comunhão com Cristo na Eucaristia e adesão à sua vontade. A Eucaristia torna-se
síntese da oração: momento da mais intensa comunhão com Deus, da presença de
Cristo dentro de nós que convida ao recolhimento; diante da Eucaristia - que
Teresa contempla especialmente neste capítulo como presença, comunhão,
sacrifício - a síntese dos empenhos de fé e de amor do cristão. Na grande
oração Eucarística que encerra a exposição, temos uma “oração anafórica
sacerdotal” de Teresa pela presença de Cristo na Eucaristia e pela Igreja que na
Eucaristia encontra a sua razão de ser; agradecimento, oferta, intercessão
brotam do coração eclesial de Teresa que vive os eventos eclesiais do seu tempo
(Ib. 33-35).
Perdoai-nos
as nossas dívidas como nós as perdoamos...! O caminho da oração encontra já empenhos concretos
para viver a vontade do Pai: no amor até o dom de si, na misericórdia até o
perdão das ofensas, a exigência fundamental da vida cristã, o verdadeiro sinal
de uma contemplação que se exprime em amor até a misericórdia e o perdão. Assim
a oração forja desde dentro atitudes de maturidade cristã e o cristão torna-se
“contemplativo”, isto é, cristão empenhado com Deus e com os irmãos, consumido
no amor (Ib. 36-37).
Não nos
deixeis cair em tentação!
Na vida cristã que é luta e está cheia de perigos pelas tentações, o mal, o
pecado, a oração torna fonte de fortaleza para enfrentar o mal e vencê-lo com a
força de Deus; humildade para manter-se sempre na medida de verdade diante de
Deus (Ib 38-39). Como numa síntese de vida cristã que deve guiar o serviço
eclesial e o amor do próximo, Teresa encerra no amor e no temor de Deus a
posição do cristão. Com o amor contempla otimisticamente tudo o que é bom e
justo e dá-lhes sua adesão; adquire a liberdade de espírito e a “afabilidade
apostólica”, para tornar-se tudo a todos e assim ganhar todos para Cristo; o
temor gera a humildade no conhecimento de si e na precariedade da vida com as
suas tentações e dificuldades (Ib. 40-41).
Mas
liberta-nos do mal.
Amém! Na última petição do Pai nosso explode poderosa a orientação escatológica
do cristão que deseja adquirir a verdadeira liberdade de poder amar a Deus sem
o risco de perdê-lo. A esperança cristã aponta para a vida eterna e para o
desejo de ver Deus para ficar nele livres, porque já libertos de qual
possibilidade de ser alcançados pelo mal (Ib. 42).
Como
se pode constatar e apreciar nesta síntese, mesmo que rápida, mas que pode ser uma
trilha conduzindo à leitura do texto Teresiano, estamos diante de um itinerário
de oração e de vida. A nossa autora sintetizou convicções que se encontram
espalhadas aqui e acolá nos outros escritos. A convicção, alvo de insistência,
contínua sendo o cumprimento da vontade de Deus, como expressão característica
de amor pelo próximo e de resposta vital a Deus que se revela na oração e que
se encontra na meditação e na contemplação. Nisso ecoa a cordial adesão de
Teresa às palavras do Mestre: “Não quem diz Senhor, Senhor, mas quem faz a vontade
do meu Pai que está nos céus...” (Mt 7,21).
Esta
chave de leitura não esgota a riqueza dos conteúdos do livro que foi estudado
sob diferentes pontos de vista, especialmente da ascese, da vida religiosa e da
pedagogia da oração.
Concluindo.
O Caminho de perfeição é um livro rico e estimulante. Ajuda a colher as exigências
da vida cristã através do caminho da oração, a estrada da oração evangélica.
Torna acessível a mensagem contida em nível autobiográfico no livro da Vida.
Ajuda a compreender o sentido do itinerário espiritual das mansões do Castelo
Interior.
Bibliografia
Camino de Perfección. Edição fac-símil,
Tipografia Poligotta Vaticana, 1965. Importante a introdução de Frei Tomás
Alvarez D. De Pablo, Camino de Perfección, em AA.VV., Introducción a la lectura
da santa Teresa, pág.s 269-310.
M. Herraiz, Introducción a Camino de Perfección
de santa Teresa de Jesús, Castellón 1981.
T. Alvarez, Sentido polémico del Caminho de
Perfección, em Santa Teresa e la Iglesia, Burgos, Ed. Monte Carmelo, 1980,
113-145.
Id., Paso a paso, Leyendo com Teresa su
Camino de Perfección, Burgos, Ed. Monte Carmelo,
1995.
Sobre
temas de ascese teresiana, vida religiosa, espiritualidade no Caminho de
perfeição:
Cfr. AA.VV., Teresa di Gesú Maestra di
santità, Roma, Teresianum, 1982.
Cfr.: M. Herraiz, Solo Dios basta. Claves
de la espiritualidad teresiana. Madrid, EDE 1981.
Sobre
a oração:
T. Alvarez - Jesús Castellano, Teresa de
Jesús, enséñanos a orar, Burgos , Ed. Monte Carmelo, 1981.
M. Herraiz, La oración, história de
amistad, Madrid EDE, 1981.
D. De Pablo Maroto, Oración Teresiana.
Balance y nuevas perspectivas, em Teresianum 33(1982) pág.s 233-281.
Id., Dinámica de la oración. Madrid. EDE,
1973.
Id., Teresa en oración Madrid, Ede, 2004.
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