segunda-feira, 20 de outubro de 2014

V Centenário Teresiano

INTRODUÇÃO ÀS OBRAS MAIORES
CAPÍTULO 2
INTRODUÇÃO AO CAMINHO DE PERFEIÇÃO
Frei Jesus Castellano Cervera, OCD

1. Um livro acessível e pedagógico

Com o livro de Santa Teresa que traz o sugestivo título de Caminho de Perfeição, embora seja contemporâneo da redação última do Livro da Vida, nós encontramos num momento e num clima diverso da autobiografia teresiana. A Santa já é fundadora, mãe e mestra de uma comunidade de monjas às quais deve transmitir um espírito, um carisma, como se diria hoje. Vive na paz do mosteiro de São José onde compartilha com as monjas os momentos privilegiados da primeira fundação na simplicidade e na luz dos inícios carismáticos; uma vida marcada por forte carga carismática e evangélica, embebida de fioretti e de fervor singelo, anima pelo amor à Igreja. Reina no mosteiro um profundo clima contemplativo e uma sincera vida de fraternidade evangélica. Neste clima Teresa escreve o seu segundo livro, o Caminho de Perfeição, livro que merece as nossas atenções por muitas razões.

O Caminho de perfeição é talvez o livro mais conhecido e acessível entre todos os escritos teresianos. Recomenda-se por sua simplicidade e pelo caráter pedagógico das suas páginas; não se encontram nele efusões místicas nem fenômenos sobrenaturais; a Santa também nas explicações dos graus de oração se reduz às formas mais simples, à soleira das orações místicas.

Ter organizado boa parte do livro na pedagogia da oração com um comentário ao Pai nosso tornou o livro mais próximo, mais impregnado de caráter evangélico; às vezes o livro foi chamado de Livro do Pater noster, ou foi publicada som a parte do Comentário ao Pai nosso. Costumeiramente foi lido nos círculos teresiano mais do que os outros livros da Madre Teresa. Caracteriza-se, portanto pelo estilo pedagógico, pelo seu conteúdo ascético sobre a vida religiosa e sobre a oração; traz a marca do estilo tipicamente familiar de uma conversação com as primeiras destinatárias, as monjas de São José de Ávila que também foram as primeiras solicitantes e comitentes da obra. Dessa apresentação inicial evidencia-se logo o seu caráter específico. É um livro ascético onde Teresa expõe os inícios da vida espiritual com as exigências típicas da ascese evangélica, especialmente na vida religiosa, comunitária e contemplativa. É também um livro que transfunde a experiência da vida de oração da Santa, mas com uma marcada acentuação familiar. É também um tratado sobre a vida cristã a partir do caminho tipicamente teresiano que é o da oração.

Todavia não é um livro simples. Melhor, as análises recentes do livro e do momento histórico em que foi escrito, individuaram neste escrito, ingênuo na aparência, um pequeno tratado polêmico, que se pronuncia sobre temas difíceis do momento espiritual e sofre censuras; prova disso é a longa história redacional.

2. A redação do livro

O livro, como consta no prólogo original da primeira redação, foi escrito a pedido do primeiro grupo de monjas de São José de Ávila onde Teresa era priora nas primícias da vida do novo mosteiro do Carmelo reformado. As monjas vieram, a saber, da composição do Livro da Vida onde a Santa tinha escrito alguns capítulos sucosos sobre a vida de oração, eixo da vocação delas. Mas como o livro não era acessível às monjas, melhor tinha de permanecer secreto, porque não tinha de cair em mãos de outras pessoas, conforme o parecer dos teólogos, as filhas espirituais tinham importunado a Madre para que escrevesse para elas algo sobre temas de oração juntamente com alguns conselhos sobre a vida espiritual. Contavam, como escreve Teresa, também com a aprovação do então confessor, Frei Domingo Báñez, O.P. Este notável teólogo dominicano, apesar das aparências, nunca foi leitor entusiasta dos livros teresianos. Seja como for o nome de Báñez aparece no início e no fim do livro, ainda que não tenha lido esta obra da santa. Certamente não é um dos censores do livro, como alguns tinham acreditado.

Do Caminho de perfeição temos duas redações autógrafas que agora recebem o nome dos lugares onde se conservam: a primeira redação ou autógrafo do Caminho do El Escorial (CE), biblioteca do mosteiro onde está atualmente; a segunda redação ou Caminho de Valladolid (CV, conservado no mosteiro das Carmelitas Descalças). Existem ademais três cópias “apógrafas”, revistas pela Santa, em Salamanca, Madri, e Toledo; esta última destinada à primeira edição do livro feita em Évora, Portugal, em 1583.

A. A primeira redação (CE)
A primeira redação ou CE foi composta pela santa pelos anos 1565-1566. Na cópia de Salamanca, segundo o testemunho da jovem carmelitana Isabel Jimena, se considera como data redacional do livro o ano de 1562; mas é evidente que naquele ano Teresa não era priora do mosteiro de São José; de fato depois da fundação teve de retornar ao seu mosteiro da Encarnação e só voltará a São José alguns meses mais tarde, no começo de 1563. Nessa data, 1562, ainda não fora composto de forma definitiva o livro da Vida com a história do mosteiro de São José. Nesse momento, ano 1562, o número das monjas era exíguo, certamente não o numero doze às quais faz alusão à autora no livro. Portanto com boa paz da testemunha e de alguns autores antigos que confiaram no seu testemunho, a composição do manuscrito deve ser fixada pelos anos 1565-1566, depois da segunda redação do livro da Vida.

Após o pedido das monjas e a licença do confessor, a redação do livro orienta-se, quase em continuidade com o magistério oral que a Santa como mãe e mestra do grupo exerce, rumo a três linhas bem precisas:
- justificação do estilo de vida religiosa contemplativa empreendido pelo grupo, a serviço da Igreja;
- exposição das exigências ascéticas da vida delas, quase um ensaio original sobre a vida religiosa contemplativa;
- tratado do caminho da oração a partir da mesma experiência da santa, mas desta vez com o suporte de um método já experimentado em outros livros do tempo, o comentário das palavras do Pai nosso; um recurso bastante clássico na Igreja desde os tempos dos Padres e escritores eclesiásticos da antiguidade cristã (Orígenes, Cipriano...).

Em pouco tempo, atarefada pelas mil ocupações da vida doméstica do novo mosteiro, a Santa redige com vigor o seu livro, com escritura fluente, apesar de às vezes ser apressada, com a máxima espontaneidade que lhe permite o estilo coloquial e a confiança das leitoras às quais se dirige. Provavelmente o seu projeto original era escrever um comentário à Regra Carmelitana, assumida como regra de vida, juntamente com as Constituições. Mas a Santa sentiu-se oprimida neste projeto inicial e abriu o tratado a uma visão mais geral da vida ascética, com especial atenção ao realismo da vida religiosa.

Em poucos meses termina a sua obra mesmo sem conseguir cumprir o desejo de comentar junto com o Pai nosso a Ave Maria, como tinha programado. Lástima! Ao pôr-se a escrever este pequeno livro a Santa não pode evitar enfrentar alguns temas quentes da teologia e da atualidade espiritual da época, temas que pediam algumas elucidações para as suas monjas, empenhadas numa experiência alicerçada sobre a oração, base da vida carmelitana; mas a oração, e mais ainda a oração mental, era um tema polêmico no momento. Por isso em algumas páginas escritas com corajosa sinceridade, o livro aparece como um parecer polêmico e incorre nas iras da censura. E isso especialmente, como se pode verificar nas correções existentes no autógrafo, para alguns temas fundamentais:
- o valor apostólico da vida contemplativa e aptidão das mulheres para a oração mental;
- a necessária unidade entre oração vocal e mental;
- a periculosidade que alguns veem nos livros que ensinam a oração mental.

Teólogos como Melchor Cano OP e outros eram contrários aos livros de seus irmãos que tinham escrito tratados sobre oração para mulheres “esposas de carpinteiros”. Ou colocavam de sobreaviso contra a avidez das mulheres pela leitura da Bíblia.

Na realidade a Santa entra corajosamente em pleno diálogo com a cultura do seu tempo e com a atualidade espiritual do momento e diz a sua palavra sincera e abalizada. A Santa, portanto põe-se a cutucar a onça com vara curta ao enfrentar temas candentes. Por isso o seu livro não passará indene pela censura. De fato o censor corrige implacável as páginas que parecem mais polêmicas ao redor de temas da teologia tridentina, da espiritualidade, da interpretação bíblica como a passagem relativa às mulheres (e critica os homens!), uma interpretação do Salmo 8, as páginas relativas ao recolhimento e a quietude, uma afirmação geral sobre a interpretação eucarística da petição do pão cotidiano, outra sobre a união com Deus ou transformação em Deus; é censurada uma consideração sobre a pouca consistência dos agravos que se fazem contra nós e também uma fervorosa oração sobre o desejo de morrer...

O censor, frei Garcia de Toledo, remete o livro à santa com a intimação de corrigi e modificar, provavelmente com o desejo que a Inquisição não possa dar um parecer negativo sobre certas páginas polêmicas que mais pareciam dirigidas aos Inquisidores e à rígida atuação deles.

B. A segunda redação (CV)
A Santa retoma em mãos o trabalho, aceita a censura e se pões a fazer a nova redação, levando em conta as correções introduzidas. Melhora a caligrafia, redige com maior nitidez e escreve com renovada atenção, maior precisão, embora com menor espontaneidade. Mas não só corrige, acrescenta e precisa alguns temas; entre estes melhora a redação de algumas páginas referentes:
- a liberdade de consciência e o verdadeiro amor pelos confessores;
- a pedagogia do amor puro e a ascese da afetividade (tema delicado e ousado, sobre os quais não encontramos referências nos livros do tempo);
- as exigências e os requisitos para dar a profissão às monjas;
- a oração de recolhimento e de quietude;
- a eficácia santificante da oração perfeita;

Finalmente divide melhor o livro em capítulos com os receptivos títulos, o que faltava na primeira redação. Em síntese este é o juízo de valor sobre a segunda redação:
- Sob o aspecto literário, reduz o tom polêmico, elimina alusões à própria experiência, ou a torna mais subtil no anonimato, cancela e controla as efusões lírico-místicas, diminui o tom familiar e espontâneo, com que se dirige ás suas monjas;
- Sob o aspecto doutrinal acrescenta alguns temas - acima destacados - e elabora novamente algumas páginas, melhorando no conjunto a redação e a doutrina e introduzindo precisões importantes.

Quando se deu a segunda redação? Há polêmica entre os melhores especialistas. Frei Efrém da Mãe de Deus, editor das obras pela BAC, pensa com outros autores clássicos e modernos, que se trata de uma data bem posterior à primeira, quando já são diversos os mosteiros fundados pela santa. Provavelmente no ano 1569. Frei Tomás Alvarez pensa numa data bem próxima da primeira redação, provavelmente 1566. Estas são as razões aduzidas: não há na segunda redação a perspectiva de que no momento haja outros mosteiros; é, portanto anterior à fundação de Medina del Campo em 1567. Não faz alusão à visita do Padre Geral da Ordem, acontecida nos primeiros meses de 1567; não há alusão a grande experiência de amor eclesial suscitada pela visita de Fr. A. Maldonado OFM, missionário da América, acontecida no outono de 1566. Essas perspectivas, bem presentes no início do livro das Fundações, faltam nas páginas do Caminho de Perfeição de Valladolid.

Também esta edição passou por peripécias. Dois censores tiveram o cuidado de retocar ou corrigir na margem do autógrafo algumas expressões, principalmente de caráter teológico, referentes ao amor puro, à liberdade do amor nos perfeitos, a visão beatífica, a grandeza dos merecimentos de Cristo e pequenez das nossas obras, a consciência do estado de graça, a relação entre contemplação infusa e o estado de pecado... Todos temas de certa delicadeza teológica. A Santa, ao que parece do exame dos caderninhos autógrafos, aceitou a crítica, rasgou algumas folhas e reescreveu algumas paginas para ir ao encontro das críticas de algum teólogo a procura de parvoíces teológicas e com medo das interpretações erradas do Concílio de Trento. Mas na realidade as correções foram poucas, se levarmos em conta o tamanho da obra, e a substancia doutrinal dos temas tratados, a originalidade da tratação e a perfeita sintonia teológica, pedagógica e bíblica da exposição da Santa em temas como a oração ou a amizade.

C. As peripécias do Caminho de perfeição.
A Santa cuidou do seu livro até quase próxima da morte. Preparou a cópia de Toledo. Por essa ocasião a Santa acrescentou a dedicatória que figura no início do livro já em todas as edições. A primeira edição do livro saiu em Évora no ano 1583, por interesse do Arcebispo, amigo da Santa. D. Teutônio de Bragança, mas sem o capítulo 31 sobre a oração de recolhimento infuso, porque a doutrina nele exposta era considerada doutrina perigosa.

Alguns teólogos viam nas obras teresianas resquícios de heresias antigas dos “messalianos” e dos “euquitos” (cultores da oração interior que davam muita importância à experiência sobrenatural).

Nos anos seguintes foram feitas mais duas edições, uma em Salamanca por obra de Frei Graciano, e outra em Valência, sob o patrocínio de São João de Ribera. No ano 1588 temos “edição príncepe” das obras completas realizada por frei Luís de León.

Em 1883, terceiro centenário da primeira edição, publica-se em Valladolid a edição fotolitográfica da primeira redação. Em 1965, quarto centenário da primeira redação, é publicada a edição fac-símile da segunda redação pela Poliglota Vaticana. A introdução ao livro de Frei Tomás Alvarez é imprescindível para captar as peripécias do texto os problemas doutrinais nele presente.

O Caminho de Perfeição continua sendo um ponto de referimento para a teologia da vida religiosa e contemplativa, para a pedagogia da oração. Um livro que não envelhece, acessível a todos mesmo que necessite sempre de um guia de leitura e de uma introdução doutrinal. Um livro que também hoje se coloca como ponto de confrontação com outros métodos de oração, para avaliar a autenticidade dos endereços pedagógicos e os critérios de discernimento de toda autêntica busca de Deus através dos caminhos da oração evangélica.

3. Temas centrais e argumentos complementares do livro

Os temas centrais do livro são a teologia e a pedagogia da oração cristã, como aparecem no prólogo do livro (Pról. 1). Sobre este argumento já tinha escrito a Santa o seu tratado (V 11-22). Desta vez a Santa não se repete; melhor, com uma pitada de originalidade expõe a doutrina numa forma mais pedagógica e plana, evitando penetrar nos graus místicos da oração como tinha feito em Vida, e ilustra melhor a pedagogia, os frutos, as exigências da vida de oração, à luz das precisas perspectivas da vida contemplativa de suas filhas, mas com respiro mais amplo.

De fato, partindo da tese que a vida de oração constitui o ideal da vida contemplativa de suas monjas a serviço da Igreja, a Santa faz a sua apologia e ilustra o fundamento eclesial dessa proposta de vida. E nesse ponto parece que já existe uma tese original, agora já recebida pela Igreja, mas não muito clara no tempo da Santa: o valor apostólico e eclesial da vida contemplativa. Isso, porém não comporta somente o rezar, mas o ser contemplativos de verdade, “ser tales”. Como consequência a vida de oração requer uma coerente vida de santidade através da ascese totalitária da vida contemplativa. E dessas coerentes exigências e frutos da vida contemplativa a Santa apresenta uma síntese. Assim o Caminho de perfeição apresenta-se como livro sobre a oração e livro de ascese e da vida religiosa, comunitária.

A doutrina da vida religiosa não é centrada tanto sobre os votos, mas sobre certas exigências fundamentais das virtudes evangélicas, de modo que a mensagem adquire amplidão, com bonitas páginas sobre a pobreza, a amizade-caridade, a humildade-obediência.

A parte central do livro que trata da oração tem nesta estruturação uma necessária premissa de vida ascética e uma parte de ampla explicação pedagógica, centrada no comentário ao Pai nosso, que resulta assim um tratado de oração e de vida.

O tema central é portanto a oração. Oração que requer virtudes evangélicas, sólidas e totalitárias. Mas juntamente a oração fecunda com a divina amizade todo o exercício das virtudes e as torna finalmente sólidas e enraizadas na vida. Neste contexto é necessário ler também alguns capítulos que servem de ponte entre a tratação sobre a ascese das virtudes e os capítulos sobre a oração e que oferecem uma síntese doutrinal mais que sobre a contemplação em abstrato, sobre a pessoa que é verdadeiramente contemplativa.

Temas complementares do livro seriam relativos à ascese na vida religiosa; alguns deles tratados com especial clarividência e ousadia como todo o tema da amizade e do amor puro na vida comunitária. Tema tabu naqueles tempos, talvez também nos nossos, mas necessário para uma educação à maturidade afetiva e um crescimento na verdadeira comunhão, entre dois excessos: a frieza nas relações (ignorar-se!), e a morbidade das amizades infantis e sensíveis. O tema, às vezes lido com inicial reserva, permanece sempre válido para colocação positiva dada pela Santa à teologia da caridade, à análise de caráter psicológico do amor recíproco, ao delineamento sereno e positivo da pedagogia progressiva do amor e da amizade rumo à maturidade das relações (CV 4-7).

Neste contexto inserem-se outras exigências evangélicas totalitárias que falam do desapego, da humildade, da obediência, e que devem ser vistas como pedagogia totalitária rumo à aquisição da liberdade do espírito e que mira fundamentalmente sobre a escolha total de Cristo (C 8-9). Disso brotam o fino humanismo e a afabilidade apostólica que estão na base da verdadeira experiência da contemplação e da caridade necessária no apostolado (C 41).

4. Divisão do livro e guia de leitura

Em síntese o Caminho de perfeição, tomando como ponto de referência a segunda redação, pode ser dividida nestes blocos:
Capítulos 1-4: o ideal da vida contemplativa a serviço da igreja.
Capítulos 4-16: Ascese e virtudes necessárias para a vida de oração.
Capítulos 16-42: O caminho da oração;
* capítulos 16-26: exigências dos contemplativos e senso da oração.
* capítulos 27-42: O caminho da oração no comentário do Pai nosso.

Nesta visão deve observar-se alguns capítulos de fronteira como o capítulo 4 que conclui um argumento e inicia outro; ou também os capítulos 16-18 que personificam o tema da contemplação falando das exigências dos contemplativos: ou o capítulo 26 que propões o método da oração e se abre à meditação das palavras do Senhor no pai nosso. Para facilitar a leitura dos argumentos centrais das partes do livro e de cada um dos capítulos oferecemos esta breve síntese temática, tendo sempre presente o CV.

Título
Argumento geral (haurido código apógrafo de Toledo)
Submissão à Igreja

Prólogo
I. O IDEAL DA VIDA CONTEMPLATIVA (capítulos 1-4)
1. Para o bem da Igreja: seguimento e serviço de Cristo.
2. O caminho da pobreza evangélica
3. Sentir a Igreja e rezar por ela
4. Programa exigente de virtudes evangélicas

II. CAMINHO DE ASCESE E DE COMUNHÃO (capítulos 5-15)
5. Amor pelos confessores
6. À procura da amizade e do amor perfeito
7. Pedagogia do amor de comunhão
8. O radicalismo da abnegação evangélica
9. Desapego dos familiares
10. Desapego de si mesmo
11. Desapego na doença
12. Humildade radical
13. Pontos de honra e a verdadeira humildade e caridade
14. Exigências radicais da vocação contemplativa
15. Humildade e obediência

III. AS GRANDES VIRTUDES DA VIDA CONTEMPLATIVA (capítulos 16-18)
16. Oração, contemplação, virtude.
17. Unidade de vida: oração e serviço
18. As grandes e soberanas virtudes evangélicas dos contemplativos

IV. O CAMINHO DA ORAÇÃO: PREMISSAS (capítulos 19-26)
19. A oração: símbolo da água viva
20. Convite universal à contemplação
21. Polêmica sobre a oração: firme decisão
22. O que é oração menta
23. Perseverança na oração
24. Oração vocal e mensal ao mesmo tempo
25. Ao lado do Mestre; valor santificante da oração.
26. Método teresiano de oração: fitar o Cristo

V. O CAMINHO DA ORAÇÃO: COMENTÁRIO AO PAI NOSSO (capítulos 27-42).
27. “Pai”, dimensão filial e trinitária da oração.
28. “Que estais nos céus”. Somos o templo de Deus
29. Rumo ao recolhimento
30. “Seja santificado o teu nome, venha ao teu reino”.
31. O Reino de Deus dentro de nós: oração de quietude
32. “Seja feita a vossa vontade”: o preço da oração
33. “Dai-nos hoje o nosso pão”: A Eucaristia
34. Comunhão eucarística e recolhimento
35. Uma oração eucarística teresiana
36. “Perdoai as nossas dívidas, como nós...”: o amor que perdoa.
37. A oração transforma a vida
38. “Não nos deixeis cair em tentação”: as nossas tentações
39. Verdadeira e falsa humildade
40. Viver na liberdade com amor e temor
41. Vencer o temor humano com o amor: abertura apostólica
42. “Livrai-nos do mal”. Amém.

5. Temas do caminho de perfeição

Muitas são as temáticas que se podem verificar no Caminho de perfeição. Propomos algumas delas sob chave de leitura. À luz da cristologia, o Caminho de perfeição seria o código do seguimento, da sequela Christi, traço fundamental da Regra do Carmelo, à qual se inspira a Santa ao delinear os valores da nova vida contemplativa a serviço da Igreja.

De fato o ideal de vida proposto pela Santa diretamente às suas filhas, é alicerçado sobre a aquisição da maturidade da vida consagrada como emerge logo dos primeiros capítulos do livro. Ele se baseia sobre uma harmoniosa síntese de valores e aspectos fundamentais:
- o radicalismo evangélico no seguimento e na praxe dos conselhos evangélicos;
- a componente comunitária da vida religiosa, com forte acentuação da comunhão entre as irmãs;
- a orientação eclesial da vida, como forma de serviço com a santidade da vida e o valor da oração como intercessão pela Igreja;
- o valor central da oração como amizade cm Deus, enquanto projeto de vida, de oração e praxe concreta, exercício vital;
- o senso humanístico da vida consagrada com algumas características: alegria, suavidade, amizade.

Tudo obviamente fundado sobre grandes valores da vida carmelitana como o senso mariano, a redescoberta da tradição dos Padres do Monte Carmelo, a harmonia entre solidão e vida comunitária.

E tudo é sustentado por uma forte personalização do ideal na pessoa de Cristo. Por Ele faz-se a opção total: é seguido e servido na estrada dos conselhos evangélicos e das grandes virtudes, com Ele se vive através da experiência da oração, para ser a serviço da Igreja que é como que a continuidade mesma de Cristo, o seu Reino aqui na terra.

A. As grandes opções do seguimento de Cristo.
No início do livro, na perspectiva dos grandes males que afligem a Igreja de então, a difusão do protestantismo e a laceração da Igreja, Teresa sente-se interpelada a doar a sua resposta pessoal; mas a única resposta possível então para a sua condição de mulher e o seu estado de monja, no seu desejo de servir o Senhor consiste no fazer o pouco que lhe é permitido: “seguir os conselhos evangélicos com a máxima perfeição possível”, junto com suas filhas “para ajuda na maneira que a nós é possível este meu Senhor” (C 1,2).

São as ideias do serviço e do seguimento, ou seja, o “obsequio de Jesus Cristo” do ideal da vida religiosa carmelitana (Regra do Carmelo). Teresa interpreta-as com a escolha do ideal: ser contemplativas para a Igreja, em coerência de vida e em forte tensão de intercessão, a serviço de Cristo e do seu Reino.

A componente comunitária e eclesial do seguimento é importante, pois caracteriza o grupo em três níveis:
- evangélico, porque a norma de vida é o Evangelho;
- cristocêntrico, pelo profundo senso da comunhão ao redor do Mestre;
- apostólico, pelo ideal eclesial: uma vida a serviço do Reino.

A este senso profundo do seguimento Teresa acrescenta também o senso esponsal da consagração religiosa, alicerçado no batismo, primeiras bodas de Deus com o cristão, como garantem os Padres da Igreja. Teresa repete-o na primeira redação do Caminho (“Pelo batismo desposamo-nos com Deus”). A nível existencial trata-se de levar a sério o valor esponsal da consagração religiosa, a dignidade desta vida, o sentido profundo de se pertencer a Alguém, em que temos de fixar sempre o olhar: “Os olhos no vosso Esposo!” (Cv 22,7-8; 23,1-3; 26,4).

B. As grandes virtudes evangélicas do cristão.
Para compreender o sentido da pedagogia e ascese das virtudes que apresenta a Santa no Caminho, deve-se ter em conta a tripla orientação dada às virtudes do seguimento: pobreza, caridade, desapego e humildade.
- O sentido perfeitamente evangélico e cristocêntrico de cada uma das virtudes: alicerçam-se nas palavras do Senhor, segue-se o seu exemplo, têm a força de conformar-nos a Cristo. Isso vale para a pobreza, para o verdadeiro amor, para o desapego, para a humildade e a obediência.
- A dimensão comunitária: as grandes virtudes constroem a comunidade e ajudam a manter a paz e a concórdia.
- A perspectiva eclesial: a perfeição evangélica edifica a Igreja, é testemunho vivo para os outros; os contemplativos trazem quais bandeiras desfraldadas, os ideais da vida evangélica; a intercessão dos amigos de Deus é eficaz para o bem da Igreja.

Estas são as grandes virtudes de que fala Teresa.
A pobreza pelo Reino (C 2). Pobreza baseada nos critérios evangélicos da confiança na Providência, liberdade interior e independência do exterior, trabalho como forma de pobreza e de comunhão recíproca. Conversão a Cristo pobre e amor pelos pobres (Relação nº 2).
O amor recíproco (C 4-7). Lei evangélica fundamental, mas também exigência humana e fundamento do conviver junto (C 4,10-11). Ao amor perfeito chega-se através de uma pedagogia concreta e progressiva, feita de compaixão, de serviço, de compreensão, de amor verdadeiro. Esse amor garante a presença do Senhor na comunidade (C 7,10), é fonte de paz e de harmonia, de unidade e de alegria.
A abnegação evangélica (C 8-11). Medida positiva e totalitária do dom: “Doar-nos todas ao Todo sem dividir-nos!” (C 8,11), mas abraçando antes o Cristo em quem se encontra tudo (C 9,5). Abnegação de si mesmos especialmente.
A humildade (C 12-15). Atitude fundamental, imitação de Cristo na obediência (C 15,4), sem se desculpar, vivendo em radical humildade, contra toda a tentação de valorizar os títulos e os pontos de honra, que eram então perniciosa praga dos mosteiros.

C. Imagens ideais dos verdadeiros contemplativos amigos de Cristo.
A Santa resume em poucas pinceladas todo o sentido da contemplação quando nos oferece aquelas que podemos chamar as imagens ideais dos amigos de Cristo, os contemplativos; são os cristãos maduros no ser e no agir, homens e mulheres do Evangelho vivido, com profunda humildade, disponibilidade e capacidade de efetivo serviço. Destes contemplativos, Teresa oferece um sugestivo retrato falado ou retrato ideal.

São pessoas que fizeram a opção total pelo Cristo: “Este Rei da glória não se doa a não ser a quem totalmente se doa a Ele” (C 16,5). Deus requer as grandes virtudes e não doa totalmente a não ser que nos doemos totalmente (C 16,9 e cfr. C 28,12).

Pessoas unificadas na contemplação e no serviço: trata-se de viver a contemplação de Maria e o serviço de Marta, porque tudo o que se faz por amor, a contemplação e o serviço, são dom e serviço do Senhor (cfr. todo o bonito capítulo 17).

Servo do amor e servos por amor. Título de honra para o discípulo é o serviço. O contemplativo é aquele que está presente e tem vontade de servir (cfr. C 18,4); os amigos verdadeiros e firmes de Deus são pessoas que deixaram para trás os presentes e as honras e ama a cruz, o servir por amor (C 18,2).

Porta-bandeira dos ideais cristãos. Os contemplativos são os “abandeirados”, os alferes dos grandes valores cristãos para encorajar os outros no serviço do Senhor (C 18,5). São gente humilde e obediente a Deus, que serve com entusiasmo e dá exemplo das grandes virtudes do evangelho (C 18,7-8).

6. O caminho da oração evangélica

Para entrar de modo total nos caminhos e exigências deste ideal evangélico faz-se mister entrar pelo caminho da oração. E da oração Teresa faz a apologia mais bonita, como absolutamente necessária para a vida cristã, acessível a todos, embora naquele momento, quando a polêmica suscitava muitos adversários da oração mental, tais afirmações podiam parecer arriscadas pela suspeita de um “cristianismo interior”, todo centrado na oração mental. Melhor, Teresa mantém uma posição equilibrada entre Erasmo que despreza a oração vocal, em prol da interioridade, e os teólogos que têm medo dos caminhos da oração interior. Acolhe o convite de Cristo dirigido a todos e chama todos à água viva da contemplação. Eis, portanto, uma chave de leitura dos capítulos dedicados por Teresa à oração mental.

A. Orar como o Senhor e com o Senhor.
A opção pedagógica pela oração como elemento unificador da vida é sustentada pela leitura assídua dos Evangelhos onde nos fala o Mestre da sabedoria, o mestre celeste (C 21,4).

O modo de orar tem como modelo e Mestre Jesus em oração, na solidão, onde conversa com o Pai (C 224,4). Orar é colocar-se ao lado do Mestre, escutar no silêncio as palavras de sua boca, experimentar que ele ensina sem barulho de palavras e fala ao coração. Quem ora assim tem a garantia de tornar-se discípulo e receber uma fundamental e pessoal instrução do próprio Cristo que é Mestre de oração (cfr.: 24,4-5; 25,2; 26,10).

B. Um método simples de oração evangélica.
Para que a oração seja frutuosa e simples Teresa ensina o seu modo de oração, expresso fundamentalmente no capítulo 26 do Caminho de Perfeição. A oração na presença de Cristo, dirigindo o olhar para ele, acompanhando-O na meditação dos episódios de sua vida.

Todo o sentido da oração Teresiana agora se exprime nesta relação pessoal com o Mestre:
- procurar a sua companhia e habituar-se à sua presença sempre e em todos os lugares (C 26,1-2);
- concentrar a oração no olhar (C 26,3);
- habituar-se a contemplar a sua alegria na nossa alegria: a meditação da ressurreição de Cristo (C 26,3);
- e saber encontrar consolo nos seus sofrimentos, numa sentida e participada meditação da sua paixão (C 26,4-8).

Para despertar o sentido da presença, Teresa dá os seguintes conselhos:
- servir-se da ajuda de uma imagem do Cristo que o torna como que presente e próximo para fitá-lo interiormente (C 26,9);
- ajudar-se também com um bom livro para alimentar a oração e esconjurar as distrações (C 26,10).

O importante é manter viva a amizade e o contato com o Senhor para facilitar o retorno à oração e a continuidade da relação com o Senhor.

É fundamental esta atitude para pôr-se a meditar e aprender com Ele o sentido da oração, escutando as palavras de sua boca e os ensinamentos do Pai nosso (C 26,10). Desse modo a Santa introduz o seu original Comentário ao Pai-nosso, síntese de pedagogia e de vida.

7. A Oração do Senhor como caminho de oração e de vida

No seu ensinamento sobre a oração Teresa não teve a menor ideia de substituir o Mestre da oração, nem distanciar-se do ensinamento essencial para o cristão contido nas palavras do Senhor.

Na esteira da grande tradição Patrística Teresa quis também dizer a sua comentando as palavras do Pai nosso e deixando um ensinamento por muitos aspectos original. Também nisso Teresa manifesta a sua fina sensibilidade evangélica e ao mesmo tempo a ousadia de compor um comentário espiritual - ela mulher e iletrada! - de um trecho fundamental da pregação evangélica.

Procuremos colher em síntese o significado dessa exegese e de percorrer com Teresa as etapas da oração no comentário das palavras do Senhor.

A. Traços de originalidade.
Ao empreender o comentário do Pai nosso, Teresa é envolvida numa série de motivações um pouco singulares.

Partindo do realismo e do bom senso, afirma que, como o cristão é chamado a rezar vocalmente com a oração do Senhor deve também saber com quem fala e o que diz, para que a oração manifeste a fé e o amor e torne-se logicamente autêntica meditação e contemplação (C 24,2).

Com sentido polêmico, recrimina os teólogos que não queriam que o povo e, em especial, as mulheres aprendessem a oral mentalmente; eles dizem: “Basta rezar o Pai nosso e a Ave Maria”,

Teresa aceita o desafio. Ensinará a rezar oferecendo a sua pedagogia até a oração de recolhimento, explicando as palavras do Senhor; e ainda, com uma pitada de ironia e de polêmica, desafia os teólogos que proibiam os livros de oração, dizendo que o Pai nosso é um livro que encerra todo o evangelho e ninguém pode tirá-lo! (cfr. C 21).

Mas prevalece o senso evangélico: é a oração que o Mestre ensinou e faz-se necessário colocar-se ao lado dele para escutar de seus lábios o significado destas palavras que são expressão do amor que o Cristo tem por cada um de seus discípulos dos quais ele se torna Mestre interior (C 26,10).

No seu longo comentário ao Pai nosso descobre admirada a riqueza das palavras do Mestre e expõe os temas da oração, as atitudes orantes, os graus progressivos, os empenhos de vida, o significado de cada palavra, proporcionando-nos a sua própria contemplação do mistério da oração do Senhor.

Favorece também um modo de recitar o Pai nosso que responda a uma metodologia contemplativa: escutar as palavras do próprio Mestre da oração, saborear, frase após frase, cada uma das invocações, para aprender a repeti-las passo a passo no coração até captar todas as ressonâncias; com uma única frase se pode chegar à contemplação. Trata-se, pois, conforme suas palavras, de uma arte da oração.

É também singular um aspecto da exegese teresiana. O Pai nosso torna-se um caminho de oração e de vida, verdadeira peregrinação orante. Somos elevados até o céu com a primeira palavra: Pai! Se desce ao mais profundo de nós mesmos ao considerar a segunda palavra: “que estais nos céus”, porque nós somos a morada de Deus; aprofunda-se o sentido do Reino de Deus que está dentro de nós até dobrar-nos completamente no cumprimento da vontade do Pai. Quando atingimos este aprofundamento, somos reconduzidos a nós, à vida de cada um pelas invocações da segunda parte do Pai nosso... Progressivamente se descobre que a oração ao partir da simples oração vocal torna-se pouco a pouco: meditação, contemplação, recolhimento, oração de quietude, oração de união. A progressividade é característica do caminho da oração interior segundo Santa Teresa.

Finalmente deve reconhecer a nossa autora no final do seu comentário que “esta oração evangélica encerra em si todo o caminho espiritual e torna-se o modelo para poder rezar, como se deve, com as outras fórmulas da Igreja (Caminho 42,5).

Sabemos que ela queria comentar também a Ave Maria, mas não teve tempo a disposição, pois teve de ocupar-se com a nova redação do Caminho de Perfeição que os censores, por acenos polêmicos, tinham censurado em algumas páginas mais significativas.

Podemos dizer que o pequeno tratado da oração a comentário do Pai nosso é uma verdadeira joia da espiritualidade cristã e encerra, além de uma impecável exegese dos textos bíblicos, uma original proposta pedagógica: a que no Pai nosso descobre o “código” da oração evangélica, a síntese dos graus da oração, o caminho da vida espiritual que parte da oração para tornar-se empenho concreto de vida evangélica.

B. As linhas mestras do Comentário ao “Pai nosso”.
Somente numa breve síntese podemos traçar o fio que liga o comentário teresiano a cada uma das petições do Pai nosso. Mas pode ser suficiente para colher o sentido evangélico da oração-vida num comento que a Santa de Ávila desenvolve por 16 capítulos breves do seu livro, do 27 ao 42, ambos inclusos.

Pai nosso! A soleira da oração cristã é a consciência da paternidade de Deus, a alegria contemplativa de dizer com Cristo: Abbá, Pai e tirar todas as consequências desta verdade: confiança em Deus, comunhão com Cristo que se torna irmão nosso no orar, igualdade e comunhão fraterna entre os cristãos; e enfim a gozosa descoberta que “entre tal Pai e tal Filho por força temos de encontrar mo Espírito Santo”, alma da oração e do amor no qual oramos (Caminho, 27).

Que estais nos céus! As palavras de Cristo convidam a procurar o Pai dentro de nós, visto que o homem é morada e paraíso; Deus mora dentro de nós e nesta interioridade podemos iniciar com ele um diálogo como com um Pai, um Amigo, um Irmão, um Esposo. O convite ao recolhimento como pedagogia da oração: encontrar Deus dentro de nós, recolhendo-nos interiormente; exercício psicológico, certamente, mas que supõe uma atitude espiritual de “dosar-se totalmente a Deus” (Ib. 28-29).

Seja santificado o vosso nome, venha o vosso reino! Teresa junta as duas invocações; na oração profunda onde Deus se faz presente e se revela encontra-se já o reino de Deus dentro de nós. E nesta atitude interior torna-se profundamente sentido o desejo de bendizer, glorificar, magnificar, agradecer o Senhor e o seu santo nome, como os Santos já o fazem na glória (Ib. 30-31). Estamos na oração sobrenatural, que Teresa chama de “quietude” mas que supõe esta interiorização da graça.

Seja feita a vossa vontade...! Parece que todo o caminho do Pai nosso se oriente para esta petição. Só quando Deus nos tomou interiormente na oração e nos armou a arapuca do amor, o ser humano é capaz de dizer que seja feita a sua vontade numa adesão totalitária em que o próprio Cristo empenhou por nós sua palavra. A oração torna-se empenho total de vida na obediência ao Pai e em comunhão com Cristo (Ib. 32).

Dai-nos hoje o nosso pão...! O comentário teresiano é netamente eucarístico e une juntos o sentido da comunhão com Cristo na Eucaristia e adesão à sua vontade. A Eucaristia torna-se síntese da oração: momento da mais intensa comunhão com Deus, da presença de Cristo dentro de nós que convida ao recolhimento; diante da Eucaristia - que Teresa contempla especialmente neste capítulo como presença, comunhão, sacrifício - a síntese dos empenhos de fé e de amor do cristão. Na grande oração Eucarística que encerra a exposição, temos uma “oração anafórica sacerdotal” de Teresa pela presença de Cristo na Eucaristia e pela Igreja que na Eucaristia encontra a sua razão de ser; agradecimento, oferta, intercessão brotam do coração eclesial de Teresa que vive os eventos eclesiais do seu tempo (Ib. 33-35).

Perdoai-nos as nossas dívidas como nós as perdoamos...! O caminho da oração encontra já empenhos concretos para viver a vontade do Pai: no amor até o dom de si, na misericórdia até o perdão das ofensas, a exigência fundamental da vida cristã, o verdadeiro sinal de uma contemplação que se exprime em amor até a misericórdia e o perdão. Assim a oração forja desde dentro atitudes de maturidade cristã e o cristão torna-se “contemplativo”, isto é, cristão empenhado com Deus e com os irmãos, consumido no amor (Ib. 36-37).

Não nos deixeis cair em tentação! Na vida cristã que é luta e está cheia de perigos pelas tentações, o mal, o pecado, a oração torna fonte de fortaleza para enfrentar o mal e vencê-lo com a força de Deus; humildade para manter-se sempre na medida de verdade diante de Deus (Ib 38-39). Como numa síntese de vida cristã que deve guiar o serviço eclesial e o amor do próximo, Teresa encerra no amor e no temor de Deus a posição do cristão. Com o amor contempla otimisticamente tudo o que é bom e justo e dá-lhes sua adesão; adquire a liberdade de espírito e a “afabilidade apostólica”, para tornar-se tudo a todos e assim ganhar todos para Cristo; o temor gera a humildade no conhecimento de si e na precariedade da vida com as suas tentações e dificuldades (Ib. 40-41).

Mas liberta-nos do mal. Amém! Na última petição do Pai nosso explode poderosa a orientação escatológica do cristão que deseja adquirir a verdadeira liberdade de poder amar a Deus sem o risco de perdê-lo. A esperança cristã aponta para a vida eterna e para o desejo de ver Deus para ficar nele livres, porque já libertos de qual possibilidade de ser alcançados pelo mal (Ib. 42).

Como se pode constatar e apreciar nesta síntese, mesmo que rápida, mas que pode ser uma trilha conduzindo à leitura do texto Teresiano, estamos diante de um itinerário de oração e de vida. A nossa autora sintetizou convicções que se encontram espalhadas aqui e acolá nos outros escritos. A convicção, alvo de insistência, contínua sendo o cumprimento da vontade de Deus, como expressão característica de amor pelo próximo e de resposta vital a Deus que se revela na oração e que se encontra na meditação e na contemplação. Nisso ecoa a cordial adesão de Teresa às palavras do Mestre: “Não quem diz Senhor, Senhor, mas quem faz a vontade do meu Pai que está nos céus...” (Mt 7,21).

Esta chave de leitura não esgota a riqueza dos conteúdos do livro que foi estudado sob diferentes pontos de vista, especialmente da ascese, da vida religiosa e da pedagogia da oração.

Concluindo. O Caminho de perfeição é um livro rico e estimulante. Ajuda a colher as exigências da vida cristã através do caminho da oração, a estrada da oração evangélica. Torna acessível a mensagem contida em nível autobiográfico no livro da Vida. Ajuda a compreender o sentido do itinerário espiritual das mansões do Castelo Interior.

Bibliografia
Camino de Perfección. Edição fac-símil, Tipografia Poligotta Vaticana, 1965. Importante a introdução de Frei Tomás Alvarez D. De Pablo, Camino de Perfección, em AA.VV., Introducción a la lectura da santa Teresa, pág.s 269-310.
M. Herraiz, Introducción a Camino de Perfección de santa Teresa de Jesús, Castellón 1981.
T. Alvarez, Sentido polémico del Caminho de Perfección, em Santa Teresa e la Iglesia, Burgos, Ed. Monte Carmelo, 1980, 113-145.
Id., Paso a paso, Leyendo com Teresa su Camino de Perfección, Burgos, Ed. Monte Carmelo,
1995.
Sobre temas de ascese teresiana, vida religiosa, espiritualidade no Caminho de perfeição:
Cfr. AA.VV., Teresa di Gesú Maestra di santità, Roma, Teresianum, 1982.
Cfr.: M. Herraiz, Solo Dios basta. Claves de la espiritualidad teresiana. Madrid, EDE 1981.
Sobre a oração:
T. Alvarez - Jesús Castellano, Teresa de Jesús, enséñanos a orar, Burgos , Ed. Monte Carmelo, 1981.
M. Herraiz, La oración, história de amistad, Madrid EDE, 1981.
D. De Pablo Maroto, Oración Teresiana. Balance y nuevas perspectivas, em Teresianum 33(1982) pág.s 233-281.
Id., Dinámica de la oración. Madrid. EDE, 1973.
Id., Teresa en oración Madrid, Ede, 2004.

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