Santo
Alberto de Jerusalém: um pai para o Carmelo
Por Pe. Giovanni Grosso, O.Carm.
Sto Alberto entre São Brocardo e São Bertoldo |
Assim
morreu o patriarca Alberto, vítima de seu compromisso com uma igreja fiel ao
Evangelho. Descendente dos Avogrado, de uma família de classe média, nascera
uns 60 anos antes, por volta do ano 1150, provavelmente em Castel Gualtieri, na
que hoje é província de Regio Emilia,
naquele tempo território piemontês identificado com vários nomes: Lombardia,
Itália… Sendo um jovem de 20 anos, depois de acabar os primeiros estudos de
direito, optou pela vida religiosa: não por uma carreira eclesiástica cômoda,
prometedora e remunerativa, mas pela austera vida comunitária dos Cônegos
Regulares de Mortara, que se ocupavam da vida comunitária de pobreza e de
oração litúrgica coral unida ao serviço pastoral. Tornou-se um intérprete
autorizado se sua regra de vida, até ao ponto de obter a confiança de seus
superiores e dos irmãos para converter-se em mestre de noviços e,
posteriormente, prior, em 1180.
A
fama de Alberto cresceu até ao ponto de, em 1184, ter sido eleito bispo de
Bobbio, onde só permaneceu alguns meses, já que, no ano seguinte, foi destinado
a presidir a igreja de Vercelli, onde permaneceu uns vinte anos. Este período
foi rico em atividade pastoral e diplomática, aspectos fortemente unidos em sua
vida. De fato, ele não só presidia a diocese, mas também representava o
imperador, em cujo nome governava o condado de Vercelli. Sendo bispo acompanhou
a igreja eusebiana na celebração de um sínodo diocesano (1191), no qual
nasceram novos estatutos, fruto, ao menos em boa parte, da clarividência e da
competência do próprio bispo. Esta antiga legislação, desafortunadamente
desaparecida, esteve em vigor ao menos até o início do século XVII, sendo
modelo de concreção e flexibilidade. Alberto teve outra preocupação, a formação
do clero diocesano. Foi muito valorizado pelos papas, os quais enviaram-no como
mediador para dirimir desavenças entre os bispos e os capítulos dos cônegos ou
entre as dioceses vizinhas. Estes foram também anos de intensa atividade política: como bispo-conde manteve
sempre boas relações com os imperadores Frederico I “Barbarocha” e seu filho
Henrique IV, a quem acompanhou muitas vezes em suas viagens para Itália. Não
foi fácil a relação com o município de
Vercelli, cuja conhecida notoriedade ia crescendo. A sabedoria e a competência
jurídica de Alberto também tornaram-se visíveis por ocasião da reforma dos
estatutos dos capítulos dos Cônegos de Biella e Santa Ágata e Santa Maria
Maggiore de Vercelli. O bispo também foi requerido para colaborar na revisão
das constituições dos Humilhados, a nova ordem religiosa composta por leigos em
continência e sacerdotes.
Todas
estas atividades, junto com sua fama de homem espiritual, fizeram que os
cônegos do capítulo do Santo Sepulcro sugerissem o seu nome ao papa para ser
patriarca de Jerusalém. Inocêncio III (1198-1216) acolheu a proposta e, depois
de vencer sua resistência como candidato, enviou-o como patriarca de Jerusalém
e legado papal para a província da Terra Santa. Nos primeiros meses de 1206,
Alberto permaneceu em São João de Acre, sede provisória do patriarcado, por
estar impedida a entrada e a residência em Jerusalém, que estava em mãos dos
sarracenos. Em seguida, ocupou-se em melhorar a situação da Igreja latina na
Terra Santa. Como legado papal interviu no nomeamento de bispos e fomentou o
diálogo com os sarracenos e entre os diversos grupos e autoridades cristãs.
Nessa
ocasião, o reino latino de Jerusalém se limitava a pouco mais da costa do golfo
de Haifa aos territórios libaneses e à ilha de Chipre. Depois da batalha de
Hattin (1187) o domínio sarraceno fora restabelecido em quase toda a Terra
Santa. Entre os territórios dominados pelos “francos” ficou o promotório do Carmelo. Justamente em sua
vertente ocidental sul, no vale do Peregrino (la Wadi‘ain es Siah), nas ruínas
da antiga capela bizantina, depois de 1189, estabeleceu-se um grupo de
peregrinos latinos que se propuseram viver como eremitas em santa penitência.
Formavam
uma de tantas comunidades nascidas durante aqueles anos na terra fecunda de uma
sociedade em movimento e de uma Igreja em efervescência pelos interrogantes
sobre a essencialidade, a simplicidade e a radicalidade de vida. A sociedade
ocidental estava em profunda transformação: as antigas estruturas feudais,
fechadas e baseadas numa agricultura de subsistência como mínimas mudanças
sociais, iam dando espaço a novas aglomerações urbanas cujo centro vital era o
mercado, o bispado, a administração municipal e inclusive a universidade. Novos
grupos sociais compostos por mercadores, artesãos, profissionais, iam
substituindo as antigas estratificações sociais dos cavaleiros e camponeses.
Inclusive na própria Igreja, pululavam os movimentos de opção pela pobreza e os
“evangélicos”, que eram pregadores populares que com frequência percorriam
amplas regiões, alimentando a fome da Palavra de Deus; além desses, ainda havia
os eremitas solitários e em grupo, que se estabeleciam em lugares desérticos,
passando a ser um atrativo para muita gente. O desejo espiritual de uma vida
cristã mais substancial e baseada no Evangelho mesclou-se com a explosão
demográfica, o crescimento da riqueza e, como causa disto, as diferenças
sociais, o aumento da cultura universitária, a mobilidade social e outros
fatores, provocando uma imponente marcha à Terra Santa, o que levou às
cruzadas. O desejo de trasladar-se àquela Terra para encontrar o Senhor,
visitando os lugares de sua vida terrena, provocara efetivamente um movimento
intenso no povo, que se transformou na peregrinação armada chamada cruzada.
Neste
contexto nasceu a comunidade dos Irmãos Eremitas do Carmelo. Alberto lhes
escreveu a Fórmula de Vida, autêntica coluna vertebral da vida carmelitana, que
passou a ser a Regra Carmelita. Uma breve carta na qual se descrevia em poucas
linhas seu propósito, ou seja, a vida e a fisionomia por as quais o grupo se
decidira. Pretendiam ser uma fraternidade de eremitas obedientes ao prior,
reunidos em torno de Jesus Cristo, em contínua e orante meditação de sua
Palavra, alimentados pela Eucaristia, em silêncio, trabalho, pobreza,
discernimento e diálogo fraterno.
Nela
aparece, pela primeira vez, o DNA do
grupo, ou seja, o carisma. Este era formado por
dois elementos essenciais da vida cristã e religiosa, porém combinados
de uma maneira original. Caridade, oração, centralidade de Cristo, serviço e
algum outro elemento da vida espiritual,
tudo isto articulado de maneira harmoniosa tal que proporcionava ao
grupo e aos seus membros a graça de permanecerem em constante busca do rosto de
Cristo, para serem transformados pelo Espírito e viverem em plena comunhão com
o Pai e também com os irmãos. O ícone ideal da primeira comunidade de Jerusalém,
como é descrito nos Atos dos Apóstolos ( 2,42-47; 4,32-35; 5, 12-16) constituía
a firme referência estrutural dos primeiros Carmelitas. É difícil saber se a
ideia foi sugerida por eles ou por Alberto, porém é certo que a composição da
Fórmula de Vida e a articulação dos elementos são do patriarca.
Alberto,
sem que saibamos de que modo, porém certamente em diálogo com os próprios
irmãos, conseguiu harmonizar as diversas aspirações que aparecem na Fórmula de
Vida. Antes de tudo, aparece o forte chamado a seguir Jesus justamente ali onde
ele viveu, consumou seu sacrifício e ofereceu a vida por sua ressurreição: este
era o ideal da peregrinação a Jerusalém, contido na tradição cristã. Tratava-se
de um caminho de transformação contínua, que conduzia os eremitas a fazer a
experiência de ressuscitar da morte, a passar da vida carnal à espiritual.
Deste modo, os carmelitas se fizeram irmãos, capazes de construir uma
comunidade na qual é possível encontrar o Senhor e estar dispostos para servir
os irmãos e irmãs do povo de Deus. Tinham o desejo de seguir Jesus na pobreza
apostólica, como sinal da essencialidade da vida e da radical dependência de
Deus, próprio de muitos movimentos do tempo que optavam pela pobreza. Havia um
chamado à solidão do deserto, mesmo que mitigado por elementos comunitários e
cenobíticos, que expressava o desejo de buscar o Senhor como o absoluto, para
permanecer na intimidade com Ele. Havia a exigência da luta espiritual expressa
no convite a revestir-se da armadura espiritual (Ef 6,11-17): uma interessante
releitura da mentalidade do momento imbuída dos ideais cavalheirescos e do
espírito da cruzada. O desejo de contribuir com a reforma da Igreja se
expressou na escolha por venerar a Maria, a Mãe do Senhor, a Senhora do Lugar,
ou seja do próprio Carmelo e da Terra Santa, conquistada pelo sangue de seu
Filho: a ela foi dedicada a capela construída no meio das celas dos irmãos.
Esta devoção mariana inicial continha todos os elementos que se desenvolveram
ao longo da multissecular história da Ordem. À semelhança da escolha do modelo
ideal do profeta Elias, ao qual estava unido o lugar no qual se estabeleceram
os eremitas – “junto à fonte”, chamada
popularmente de Fonte Elias -, a devoção mariana passou a ser motivo de
identificação e chamado à dimensão profética ou seja, ao anúncio livre e
visível do quanto Deus quer para a história humana.
Alguns
autores têm tentado definir a contribuição específica de Alberto e seu papel na
fundação do Carmelo; porém são somente hipóteses baseadas em provas
frequentemente frágeis e não sempre suficientemente verificadas. Se bem que
seja plausível atribuir a Alberto a redação da carta que contém a Fórmula de
Vida (isto nunca foi posto em dúvida pelas fontes), e, além disso, se possa
atribuir a Alberto as citações bíblicas diretas ou indiretas (são tantas que
alguém chegou a dizer que a Fórmula de Vida se apresenta como fruto de uma
lectio divina), sem embargo não se pode afirmar com certeza que partes ou que
conselhos são fruto exclusivo da mente e do coração do patriarca e quais do
desejo dos próprios eremitas. De fato, estes já viviam no Carmelo e haviam dado
uma forma inicial a seu "propositum" (Regra 3). Ainda assim, creio que se pode
atribuir à experiência de Alberto, cônego da Santa Cruz de Mortara, ao menos a
indicação de São Paulo como modelo (Regra 20): um dom específico do patriarca
Alberto aos Carmelitas. A menção do apóstolo foi, de maneira mais ou menos
consciente, de grande ajuda para os irmãos na hora de orientar-se para o
apostolado explícito e direto, sem que por isso fosse desprezada a dimensão
contemplativa carismática, originária e própria. Por outra parte, o mesmo Paulo foi também um
místico (cfr. 2Cor 12,1-10) e um homem de profunda oração (Rom 16,25-27; 2Cor
2,1; Ef. 3,14-21). Da mesma maneira se pode manter que é uma herança de Alberto
a forte dimensão eclesial que percorre o texto da Fórmula de Vida, a qual
conservou em todo tempo o esforço dos Carmelitas a favor da vida eclesial e da
evangelização.
Tudo
isto permitiu à comunidade eremítica do Carmelo não encerrar-se em si mesma num
narcisismo conservador da própria escolha e do próprio estilo de vida. Os
irmãos se abriram ao mundo e à história, sem perder, por isso, as próprias
origens, seu DNA. Instigados pelo
aumento de membros da comunidade, pela
pressão sarracena e pela insegurança do lugar, decidiram iniciar a migração
para o Ocidente, do qual procediam os primeiros peregrinos penitentes. Desta
maneira, além das fundações na Terra Santa e em Chipre, formaram-se Carmelos na
Sicília e na Itália (Messina e, depois, Pisa), na Inglaterra (Aylesford, em
Kent, e Hulne, em Northumberland), em Provenza (Les Aygalades e Valenciennes),
e na Alemanha (Colônia).
A
Fórmula de Vida de Santo Alberto continuou modelando a vida dos irmãos e passou
a ser Regra reconhecida e aprovada, com alguns importantes acréscimos e
modificações do papa Inocêncio IV (01 de outubro de 1247). A essencialidade, a
flexibilidade e o dinamismo deste tesouro fizeram dele uma referência capaz de
oferecer alimento e inspiração a muitos grupos de fiéis, religiosos e leigos,
que constituem a Família Carmelitana.
A
carta entregue por Alberto aos irmãos eremitas que viviam junto à fonte de
Elias completa agora mais de 800 anos, porém não perdeu absolutamente seu
frescor, e, como um fruto em tempos de mudança, conseguiu adaptar-se a
situações sempre novas, abertas à esperança de
Deus para os homens.
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