«Não é um Deus de mortos, mas de
vivos»
Depois
dos fariseus e dos escribas, aparecem novos adversários a Jesus: os saduceus.
Estes negavam a ressurreição, considerando-a pura quimera humana e adotaram
contra Jesus uma nova estratégia de confronto. Querendo limitar a atuação de
Jesus e o seu crescente protagonismo - que poderia resultar num confronto
político com as autoridades romanas – procuram uma forma de descredibilizar
Jesus, narrando uma história possível, cuja resposta fundamenta o sentido
profundo da nossa fé: Deus não é um Deus de mortos, mas de vivos!
Pe
Tarcízio Morais, sdb
Evangelho
segundo S. Lucas - Naquele tempo, aproximaram-se de Jesus alguns Saduceus – que negam a
ressurreição – e fizeram-lhe a seguinte pergunta: «Mestre, Moisés deixou-nos
escrito: “Se morrer a alguém um irmão, que deixe mulher, mas sem filhos, esse
homem deve casar com a viúva, para dar descendência a seu irmão”. Ora havia
sete irmãos. O primeiro casou-se e morreu sem filhos. O segundo e depois o
terceiro desposaram a viúva; e o mesmo sucedeu aos sete, que morreram e não
deixaram filhos. Por fim, morreu também a mulher. De qual destes será ela
esposa na ressurreição, uma vez que os sete a tiveram por mulher?». Disse-lhes
Jesus: «Os filhos deste mundo casam-se e dão-se em casamento. Mas aqueles que
forem dignos de tomar parte na vida futura e na ressurreição dos mortos, nem se
casam nem se dão em casamento. Na verdade, já não podem morrer, pois são como
os Anjos e, porque nasceram da ressurreição, são filhos de Deus. E que os
mortos ressuscitam, até Moisés o deu a entender no episódio da sarça-ardente,
quando chama ao Senhor ‘o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacob’.
Não é um Deus de mortos, mas de vivos, porque para Ele todos estão vivos».
Naquele
tempo, aproximaram-se de Jesus alguns Saduceus – que negam a ressurreição – e
fizeram-lhe a seguinte pergunta…
Os
saduceus eram os líderes mais conservadores no judaísmo da época de Jesus. Para
eles não existia outra vida: a única vida existente era a presente e nela eles
eram os privilegiados; por isso, não havia por que esperar outra, na
“ressurreição”. Astutamente, apresentam um caso para justificar a sua falta de
fé na ressurreição e, sobretudo, para pôr à prova o Mestre.
Ontem,
como hoje, são muitos os que questionam este mistério: que viveremos no além da
vida? Em que consiste a proclamada “ressurreição dos mortos”? Jesus responde no
seu Evangelho dizendo-nos que Deus não pode abandonar o homem ao poder da
morte. O seu amor maior não limita o nosso existir a esta realidade, mas
oferece-nos a possibilidade de um amor que o contempla, na Páscoa de cada
homem, à vida que não tem fim. Que devemos esperar então? Esse amor que nos
torna únicos e incondicionalmente amados. Agora e no tempo sem fim. Porque tudo
converge para o amor de Deus. Vida nova. Vida sem fim. Vida eternamente
transformada no amor eterno de Deus por cada um de nós.
«Mestre,
Moisés deixou-nos escrito: “Se morrer a alguém um irmão, que deixe mulher, mas
sem filhos, esse homem deve casar com a viúva, para dar descendência a seu
irmão”. Ora havia sete irmãos. O primeiro casou-se e morreu sem filhos. O
segundo e depois o terceiro desposaram a viúva; e o mesmo sucedeu aos sete, que
morreram e não deixaram filhos. Por fim, morreu também a mulher. De qual destes
será ela esposa na ressurreição, uma vez que os sete a tiveram por mulher?».
O
caso seria possível no contexto judaico. Na lei de Moisés, para dar
continuidade à descendência, para que a “vida” não tivesse um “fim”, com
descendência (também para que os próprios bens permanecessem na família,
perpetuando um nome, um patrimônio, uma família) era dever desposar a viúva do
irmão sem descendência. Mas o exemplo tem um ponto débil: retém que esta vida e
aquela depois da morte são a mesma coisa; como se funcionassem do mesmo modo,
segundo os mesmos parâmetros, propondo a mesma vida depois da “passagem”. Mas
uma nova “páscoa” se abre: a que Jesus oferece como fundamento da nossa fé – a
sua própria ressurreição.
Na
verdade, a fé na ressurreição não é fruto da minha necessidade de existir
depois da morte, mas diz respeito à necessidade de Deus em dar continuamente
vida. Os que ressuscitam, não terão esposa, nem marido - diz Jesus. Serão
protagonistas de um amor distinto: porque amar é a plenitude de Deus. E nesse
amor existimos, vivemos e nos movemos. Para a plenitude desse amor, que é Deus,
por essência e para sempre. Com a morte a vida não termina: transforma-se no
amor de Deus, vínculo eterno de frescura, primavera, Páscoa eterna de amor e
vida nova. Para todos os crentes. Para todos os que amarem na forma do amor de
Deus.
Disse-lhes
Jesus: «Os filhos deste mundo casam-se e dão-se em casamento. Mas aqueles que
forem dignos de tomar parte na vida futura e na ressurreição dos mortos, nem se
casam nem se dão em casamento…
Jesus
não responde diretamente à questão levantada pelos saduceus. Mas, como muitas
vezes faz, convida-os a olhar mais além do “muro” que colocaram diante de si,
abrindo uma janela que os convida a ver uma perspectiva completamente nova. Não
são as mesmas as prerrogativas no para além da vida. É outro o grau de
existência. Outros os fins e os princípios. Outra a matéria e a realidade.
Outra a participação no mistério de Deus. Por isso, na passagem do tempo à
eternidade, permanece o bem, o mal cai. O amor permanece.
Ao
ser humano (portanto, a cada um de nós…) incomoda o fato de não conhecer o que se
passa “no além da vida”. Gostaríamos de dominar daqui o mistério que permanece
mais além, e isso, não nos é concedido. Viver por amor a Deus e por todos é o
que nos faz entrar no tempo sem fim. Viver desse amor que nos faz irmãos, que
nos compromete à partilha do ser, da vida, do tempo e da eternidade. Numa
lógica diferente da nossa. Num amor que superabunda em graça e vida de
abundância. Nesse tempo, nesse espaço, nessa vida onde só o amor permanece. Só
o amor de Deus é vida. Só Deus é vida e eternidade. Jesus não fala de
“sobreviver” ou “reviver”: fala de ressurreição – outro grau de existência.
Porque a morte não é a última coisa que pode acontecer a um crente, mas a porta
que o abre à eternidade do amor de Deus.
Na
verdade, já não podem morrer, pois são como os Anjos e, porque nasceram da
ressurreição, são filhos de Deus.
A
realidade escatológica, da vida para além do que vivemos, oferece-nos uma “vida
nova”, de ressuscitados. Nessa nova realidade, viveremos à luz de Deus: tudo
converge para Deus, numa nova existência, numa nova realidade. Viveremos como
os “anjos”, nascidos da ressurreição de Cristo, filhos, portanto, no Filho. Por
isso, a vida humana deve ser assumida em vista desta comunhão com Deus. Desta
vida nova. Desta vida em Deus. Como filhos.
Chegou
o momento, estimulados sempre pela Palavra de Deus, de pensar a nossa vida
dando sentido às nossas escolhas, à nossa quotidianidade. Sonhando com um mundo
melhor onde somos protagonistas como filhos, nascidos da ressurreição de Jesus.
De coração e olhos novos, porque amamos como o Senhor nos amou e olhamos o mundo
com o olhar compassivo de Jesus. Capaz de lhe oferecer testemunhos de esperança
e vida nova. Superando os silêncios que nos afastam do Deus vivo. Superando o
limite do nosso tempo dando eternidade ao nosso amar. Construindo pontes rumo
ao mundo novo de Deus. Como filhos.
E
que os mortos ressuscitam, até Moisés o deu a entender no episódio da
sarça-ardente, quando chama ao Senhor ‘o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o
Deus de Jacob’.
O
testemunho da ressurreição ganha raízes na tradição judaica. Abraão, Isaac,
Jacob, homens que acreditaram num “Deus conosco” (com eles), um Deus que entra
em comunhão profunda com a sua história e a do seu povo. Homens que
experimentaram na sua vida a possibilidade de superar os limites da morte
acreditando e fixando-se na promessa de Deus. Porque eles, como todos aqueles
que confiaram em Deus, viveram para Ele, deram a vida por Ele, e por Ele
continuam vivos, na ressurreição. Uma lógica distinta e distintiva dos que amam
a Deus. E fazem a diferença no seu existir. Ganhando eternidade, ressuscitando
para o Deus da Vida.
Jesus
quer assegurar o processo da nova Aliança que N’Ele a humanidade viverá. Daqui
a pouco, no contexto do Evangelho de Lucas, Jesus dará a sua vida por amor da
humanidade para que o homem graças ao seu amor, possa viver para sempre. Para
uma nova criação, superando o limite da morte. Por isso dizia Mons. Romero: “Na
Igreja, é clássico este movimento que se expressa com estas palavras: «já e
ainda não», como um pêndulo de um relógio: «já e ainda não», «já e ainda não».
Assim é o cristianismo: já, já devo viver como se vivesse no céu; ainda não,
porque não se manifestou o que sou; já, sinto o meu compromisso com este
Cristo, encarnando-se no povo a quem sirvo e a quem dou a vida, ainda que não
veja o esplendor da glória que levo escondida em mim mesmo. Vivamos já em
«reino dos céus»”.
Não
é um Deus de mortos, mas de vivos, porque para Ele todos estão vivos.
A
resposta final de Jesus, como sempre, é genial e contundente. O Mestre não se
deixa embrulhar no arrazoado dos saduceus, não responde com o mesmo tom e
método, mas desloca o problema. Para resolver um problema sobre o homem,
convida a olhar para Deus. Se Deus é o Deus dos vivos, porque então haveria de
nos abandonar na morte? Se Deus é o Deus do Amor, porque então haveria de
condenar ao vazio do nada as suas criaturas que ama? Deus, não é um Deus de
mortos, mas de vivos, porque para Ele, todos estamos vivos!
Deus
vivo. Deus vivente, vivendo em nós. Deus que ama a vida, Aquele que nos ama.
Entrar em relação com Ele significa iniciar uma vida que se torna cada vez mais
intensa, quanto mais nos abandonarmos nele. Uma vida que se torna eterna quando
é totalmente de Deus. Que sentido teria, de fato, experimentar a vida, nascendo
e crescendo, amando e partilhando, se tudo, mas exatamente tudo, acabasse com a
nossa morte? Que sentido teria a bondade, a alegria, as fadigas e as ânsias, o
nosso afã de cada dia, se depois se revelasse só uma breve, muito breve,
experiência sobre esta terra? Somos crentes num Deus vivo: não um Deus de
mortos, mas de vivos, porque para Ele todos estão (estamos e estaremos) vivos.
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