ANIMAÇÃO CRISTÃ DO MUNDO
Do
roteiro formativo da OTC de Faro, Portugal
1. Pelo Batismo cada cristão participa,
graças ao Espírito Santo, da missão sacerdotal, profética e real de Cristo. A
finalidade primordial desta missão, confiada pelo Senhor à sua Igreja, «é
tornar todos os homens participantes da redenção salvadora e, por eles, ordenar
efetivamente a Cristo o universo inteiro, dilatando pelo mundo o seu reino para
glória de Deus Pai» (AA 2; cf. ROTC 46). Ora, a glória de Deus é o
homem vivo (S. Ireneu), regenerado por Cristo a fim de se tornar «participante
da natureza divina» (cf. 2 Pd 1,4) e gozar da visão de Deus, pelo dom «da
íntima união com Deus e da unidade de todo o gênero humano em Cristo» (LG 1).
Todos os cristãos – hierarquia, consagrados
e leigos – são chamados a esta obra e responsáveis por esta ela. Por isso toda
a vocação cristã é, por sua própria natureza, vocação apostolado. Esta vocação
é exercida segundo o estado, índole, formação, capacidade, dons e
possibilidades de cada um, tendo em conta o seu próprio ofício, as exigências
da época e as necessidades do meio onde vive. Se a hierarquia (bispos,
presbíteros e diáconos) tem a missão de ensinar, orientar e santificar a
Igreja, os leigos são chamados, em estreita união com o Senhor, a participar
também na sua obra, evangelizando todos os homens e animando todas as
realidades temporais com o Espírito de Deus, a fim de tudo conduzir a Cristo.
A característica particular do terceiro
leigo carmelita é, deste modo, a secularidade, ou seja, o âmbito da sua missão
é o de informar as realidades temporais onde atua (família, trabalho,
sociedade, política, relações internacionais, saúde, educação, cultura, artes,
ciência, investigação, tecnologia, etc.) com o Evangelho como luz, sal e
fermento, segundo o carisma do Carmelo. Diz a ROTC 28: «Todos os carmelitas estão no
mundo, em certo sentido, mas a vocação dos leigos é a de transformar o mundo
secular. Portanto, os terceiros como leigos comprometidos, caracterizam-se pela
secularidade, sendo chamados a tratar corretamente com as coisas do mundo e a
ordená-las segundo a vontade de Deus. Vivem no século no meio do povo,
dedicados às ocupações e ofícios do mundo, nas condições ordinárias e
peculiares da família e da sociedade. São, portanto, convidados por Deus a
contribuir para a santificação do mundo, empenhando-se no seu trabalho com o
espírito do Evangelho e animados pela espiritualidade carmelita como guia. A
sua vocação é iluminar e ordenar as atividades do mundo, de modo que se
realizem segundo Cristo e assim sejam o louvor da glória do Criador».
2. Esta obra é possível, pois, embora
vivamos numa sociedade que se pretende construir «sem Deus e sem Cristo», dando
mesmo por vezes a impressão de que se deve organizar «contra Deus e contra
Cristo», se quer fazer prevalecer a sua liberdade e a autonomia das realidades
temporais. Por isso o Concílio Vaticano II, na constituição dogmática Gaudium
et spes, diz: «Muitos dos nossos contemporâneos parecem temer que a íntima ligação
entre a atividade humana e a religião constitua um obstáculo para a autonomia
dos homens, das sociedades ou das ciências. Se por autonomia das realidades
terrenas se entende que as coisas criadas e as próprias sociedades têm leis e
valores próprios, que o homem irá gradualmente descobrindo, utilizando e
organizando, é perfeitamente legítimo exigir tal autonomia. Para além de ser
uma exigência dos homens do nosso tempo, trata-se de algo inteiramente de
acordo com a vontade do Criador. Pois, em virtude do próprio fato da criação,
todas as coisas possuem consistência, verdade, bondade e leis próprias, que o
homem deve respeitar, reconhecendo os métodos peculiares de cada ciência e
arte. Por esta razão, a investigação metódica em todos os campos do saber,
quando levada a cabo de um modo verdadeiramente científico e segundo as normas
morais, nunca será realmente oposta à fé, já que as realidades profanas e as da
fé têm origem no mesmo Deus… Se, porém, com as palavras “autonomia das
realidades temporais” se entende que as criaturas não dependem de Deus e que o
homem pode usar delas sem as ordenar ao Criador, ninguém que acredite em Deus
deixa de ver a falsidade de tais afirmações. Pois, sem o Criador, a criatura
não subsiste. De resto, todos os crentes, de qualquer religião, sempre souberam
ouvir a sua voz e manifestação na linguagem das criaturas. Antes, se se esquece
Deus, a própria criatura obscurece-se» (GS 36). Na mesma linha pronuncia-se a
ROTC 29,: «Não deve haver conflito entre o bem temporal e a realização do Reino
de Deus, uma vez que tanto a ordem natural, como a ordem espiritual derivam de
Deus».
3. No entanto, dada a complexidade cada vez
maior das realidades temporais, o ritmo acelerado das descobertas científicas e
invenções tecnológicas, assim como a natureza profunda das transformações que
caracterizam o nosso tempo, bem como o fato de o coração humano estar ferido
pelo pecado, não sendo de fato «contra os homens que temos de lutar, mas
contra os Principados, as Autoridades, os Dominadores deste mundo de trevas, e
contra os espíritos do mal» (Ef 6,12), que procuram desviar as
sociedades e os povos de Cristo e do seu Evangelho, torna-se necessário não só
um sábio discernimento, sólida e profunda formação, um constante diálogo e
cooperação com os homens de boa vontade, mas também uma genuína santidade de
vida. Esta só é possível através de uma união vital com Cristo, constantemente
alimentada, apoiada e fortalecida pela vida comunitária no seio da Igreja.
Assim, se por um lado a ROTC 29 continua
afirmando que «todavia existe o risco de se fazer um mau uso dos bens temporais. Por
essa razão devem perseguir o ideal de orientar as descobertas da ciência e da
tecnologia para o aperfeiçoamento material e espiritual da vida humana»,
a mesma Regra no nº 49 mostra o contributo específico que o terceiro carmelita
– e com ele todo o Carmelo – devem dar nesta mesma missão, levando os homens e
mulheres do nosso tempo não só a tudo orientarem para Deus por meio de Cristo,
mas também a levar a cabo esta obra a partir de uma profunda experiência da
união com Deus: «Os terceiros reconhecem e mostram com a vida que as atividades
temporais e o próprio trabalho material são participações na obra sempre
criadora e transformadora do Pai, verdadeira oferta de serviço aos irmãos e
autêntica promoção humana. Testemunhas num mundo que não assimila plenamente
ou, rejeita integralmente a união intima e vital com Deus na sua realidade
quotidiana, conhecem ou partilham com simpatia as suas esperanças e as suas
aspirações mais intimas, porque, chamados a ser “sal da terra” e “luz do
mundo”, anunciam ao povo a ciência da salvação (Lc 1,77)».
4. O apostolado do terceiro carmelita será
tanto mais fecundo, quanto mais estiver vitalmente unido a Cristo: «Quem
permanece em Mim e Eu nele, este dá muito fruto, porque sem mim nada podeis
fazer!» (Jo, 15,5). Deve, pois, existir uma verdadeira coerência entre
palavras e obras e uma profunda unidade de vida no terceiro carmelita, homem e
mulher de Deus, imbuído de um profundo espírito de oração, sempre à escuta da
Palavra de Deus, sempre disponível para segui-la e sempre pronto para pô-la em
prática. Esta união vital com Deus depende basicamente do modo como participa e
se nutre da Liturgia e dos Sacramentos, como já vimos.
Os cuidados da família, o exercício da
profissão, as ocupações eclesiais, sociais e humanitárias, os tempos de
trabalho, de convívio e de lazer, nada o deve impedir de buscar e aprofundar
esta união vital com o Senhor em todas as circunstâncias da vida, que ele vive
com um profundo espírito de fé, esperança e caridade. Guiado pelo Espírito de
Cristo, o leigo carmelita age como fermento na massa, santificando-se levando
Cristo aos homens, dando-lhes testemunho de vida cristã pela sua fé inabalável,
pela esperança imbatível, pelo amor a toda prova.
O leigo carmelita, pela sua própria
vocação, santifica-se e leva os irmãos a santificarem-se a si mesmos e a todas
as coisas, ordenando-as para Cristo e para Deus. Pela fé, ele encontra-se com
Deus; "n'Ele vivemos, nos movemos e somos" (At. 17, 28);
pela fé conseguimos ver Cristo nos irmãos; pela fé damos o devido valor às
pessoas e às coisas; estas realidades, longe de serem obstáculos, constituem
valioso auxílio para se chegar a Deus. Pela fé, o leigo carmelita dá o que pode
de si mesmo pela expansão do Reino, anima e aperfeiçoa a ordem natural das
coisas, é pessoa corajosa e vive da mesma fé, sempre reforçada pela esperança.
Consequentemente o leigo carmelita é pessoa
de caridade; ele não é clérigo, não é religioso, que vive enclausurado num
convento; ele vive no mundo e no meio de seus negócios seculares ou temporais e
terrenos, e é exatamente neste meio ambiente que ele vive segundo a caridade
para com Deus, caridade esta que ele transfere sem nenhum egoísmo à caridade e
prática de todo o bem a favor de seus irmãos.
Ele será pobre como Cristo, sem ambição nenhuma, sempre contente e
satisfeito com o que Deus lhe deu e muito paciente nas provações; ele será
sóbrio, fazendo bom uso dos bens que recebeu da prodigalidade do Pai, pensando
muito seriamente nos irmãos que pouco ou nada têm e partilhando com eles de
maneira pródiga e generosa, sem mesquinhez e regateio. Será humilde com Cristo,
que nunca ambicionou as glórias vãs.
Viver assim nos dias de hoje, quando há
tantas aspirações de galgar os níveis, pondo-se sempre ao serviço do irmão,
sincero, honesto e amigo de todos. Estando sempre voltado para Deus, é uma
pessoa equilibrada, sabe o que quer na vida e sabe muito bem para que vive. É
um verdadeiro apóstolo do e no próprio ambiente: na família, no trabalho, na
Igreja, na sociedade; pois para isso foi chamado por Deus: para desenvolver a
missão da Igreja e ser fermento cristão nas atividades temporais, nas quais se
acha envolvido. Guiado pelo espírito evangélico, age como fermento na massa,
levando Cristo aos homens, dando-lhes testemunho da vida cristã pela sua fé
inabalável, esperança imbatível e amor a toda prova.
O leigo carmelita, pela sua própria
vocação, santifica-se e leva os irmãos a santificarem-se a si mesmos e a todas
as coisas, ordenando-as para Cristo e para Deus. «Exortamos-vos, irmãos […]: Sede
sempre alegres. Orai sem cessar. Em tudo dai graças, pois esta é a vontade de
Deus a vosso respeito em Jesus Cristo. Não apagueis o Espírito. Não desprezeis
as profecias. Examinai tudo, guardai o que é bom. Afastai-vos de toda a espécie
de mal. Que o Deus da paz vos santifique totalmente, e todo o vosso ser –
espírito, alma e corpo – se conserve irrepreensível para a vinda de Nosso
Senhor Jesus Cristo. Fiel é aquele que vos chama: Ele há de realizá-lo» (1 Ts
5,14-23).
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