SERMOS CARMELITAS
É O NOSSO MODO DE SERMOS IGREJA
Do roteiro formativo da OTC de
Faro, Portugal
A NOSSA VOCAÇÃO É O CRISTO TOTAL
“Nossa”, i.e., de cada cristão,
Terceiro, família, Sodalício ou comunidade cristã. A vocação cristã não é apenas
pessoal, mas também comunitária, eclesial. Porque Cristo não é só o indivíduo
Jesus de Nazaré; mas é o Senhor, morto e ressuscitado, que, no mistério pascal,
nos uniu a si e consigo nos introduziu nos céus, como membros do Corpo do qual
Ele é a Cabeça. A nossa vocação é Jesus Cristo, Cabeça e Corpo, ou seja: o Cristo
total. Por isso, S. Paulo quando falava da Igreja dizia “Cristo”: «como
o corpo é um só e tem muitos membros, e todos os membros do corpo, apesar de serem
muitos, constituem um só corpo, assim também Cristo» (1Cor 12,12;
cf.1,13). “Cristo”: entenda-se “a Igreja, unida a Cristo”, com a qual Jesus se
identificou quando chamou Paulo às portas de Damasco: «”Quem és tu, Senhor?” “Eu sou
Jesus, a Quem tu persegues”» (At 9,4s; 22,7s). É nesta linha que a ROTC
afirma que o chamamento do Terceiro a viver em obséquio de Jesus Cristo se
traduz na plena inserção na Igreja: «O chamamento do Pai para o seguimento de
Cristo pela obra vivificante do Espírito Santo, realiza-se na plena pertença à Igreja»
(n. 20).
A IGREJA,
CORPO DE CRISTO, SACRAMENTO DE SALVAÇÃO UNIVERSAL
O tema “Igreja” por si só
comportaria todo um tratado de teologia1. A Igreja é o
Corpo do qual nós somos os membros, é na medida em que nos inserimos nela, que
nos incorporamos em Cristo e participamos da plenitude da sua graça (cf. Ef
1,23; Cl 2,9) a fim de vivermos a nossa vocação cristã. Não é possível ser de Cristo
a não ser formando Igreja. A Igreja, de fato, faz parte do desígnio salvífico
de Deus, pois é nela que ele se concretiza, como nos recorda o Vaticano II na Lumen
gentium: «a Igreja é como que o sacramento, ou o sinal e o instrumento da íntima
união com Deus e da unidade de todo o gênero humano em Cristo» (LG1). Entende-se
aqui por “Igreja”, a Igreja concreta, real, ao mesmo tempo santa e pecadora, formada
por todos aqueles que são de Cristo, membros do Seu Corpo. Essa Igreja, da qual
fazemos parte, é que é o Corpo de Cristo. Foi por ela que Cristo deu a sua vida:
«Cristo
amou a Igreja e entregou-se por ela, para santificá-la, purificando-a, no banho
da água, pela Palavra, a fim de a apresentar a si mesmo toda bela,
sem mancha nem ruga ou qualquer outro defeito, mas santa e imaculada» (Ef
5,27ss). É este mistério de amor total de Cristo à sua Igreja e de consumação
da união esponsal de Cristo com a sua Igreja na santidade perfeita, que todos os
carmelitas, ao longo dos tempos, contemplaram, celebraram e viveram no seio da
própria comunidade concreta de que faziam parte (comunidade local, Província, sodalício,
família, paróquia, Diocese, etc.) entregando-se também por ela, intimamente
unidos a Cristo, fazendo-se tudo para todos, a fim de ganhar alguns para Cristo
e participar da Sua plenitude (cf. 1Cor 9,22s). Basta pensar em S. Maria
Madalena de Pazzi, que ofereceu a sua vida pela renovação e dilatação da
Igreja; em S. Teresa de Ávila, que fundou Carmelos em favor da santidade da
Igreja e morreu, dizendo: “Enfim, Senhor, sou filha da Igreja”;
em S. Teresa do Menino Jesus, que descobriu que a vocação do Carmelo é, no
coração da Igreja, ser o Amor, tendo-se oferecido a si mesma como vítima de
holocausto ao Amor misericordioso de Deus, para bem da Igreja, continuando no céu
a fazer o bem sobre a terra; no B. Francisco Palau, que se apaixonou pela beleza
da Igreja, etc. Todos eles viveram a sua vocação cristã em plenitude porque viveram
animados do mais profundo sentido (sentimento/amor) eclesial, pois sabiam que não
se pode amar a Cristo, nem amar como Cristo amou, sem amar a Igreja concreta,
sua Esposa,do mesmo modo que Ele a amou!
NÃO BASTA
«ESTAR NA IGREJA», É PRECISO «SER IGREJA»
«Igreja» vem de ekklesia, termo
grego que significa uma “assembleia” de cidadãos, com direito à palavra, que
são convocados para se pronunciarem sobre os assuntos que dizem respeito à vida
e interesses da comunidade a que pertencem. Analogamente, embora a Igreja seja composta
por todos os batizados, nem todos têm disso consciência: estão na Igreja, mas
não se dizem Igreja, não querem ser Igreja. Pelo contrário, os que são células da
Igreja, os que «são Igreja», sabem-se membros de Cristo, interessando-se e
sentindo-se responsáveis pelo seu bem: o bem de todo o Corpo, que querem que
cresça e se desenvolva em toda a parte em plena fidelidade à vontade do Senhor;
e o bem dos seus membros concretos, em particular daqueles com quem convivem, porque
sentem que «somos membros uns dos outros» (Ef 4,25; cf.Rm 12,5). A Igreja,
Corpo Místico de Cristo e sua Esposa, Templo do Espírito Santo, Povo de Deus
que caminha rumo à pátria celeste (cf. 2Pd 3,13), é, porém, um mistério, cuja
beleza só se pode ver à luz do Espírito Santo: Este povo messiânico tem por
cabeça, Cristo; por condição, a dignidade e a liberdade dos filhos de Deus, em
cujos corações o Espírito Santo habita como num templo; por Lei, o mandamento
novo, o de amar assim como o próprio Cristo nos amou; e por fim o Reino de
Deus, o qual, começado na terra pelo próprio Deus, se deve desenvolver até ser
também por ele consumado no fim dos séculos, quando Cristo, nossa vida, aparecer
(cf. Cl 3,4) [...] Por isso é que este povo messiânico, embora de fato não
abranja todos os homens [...] é, contudo, para todo o gênero humano, o mais
firme gérmen de unidade, de esperança e de salvação. Estabelecido por Cristo
como comunhão de vida, de caridade e de verdade, é também por Ele assumido como
instrumento de redenção universal e enviado a toda a partecomo luz do mundo e
sal da terra(LG 9).
É na Igreja que Deus dá aos homens a salvação,
pois ninguém se salva sozinho. De fato, o plano de Deus é a salvação universal,
que consiste na participação do homem na própria vida divina (cf.2Pd 1,4). Este
projeto de Deus teria fracassado pelo pecado de Adão, se, na plenitude dos
tempos, não tivesse enviado o seu Filho que por nós morreu na cruz, derramando
o seu Sangue para nos libertar do pecado, o obstáculo que nos separava de Deus
e uns dos outros. Tendo ressuscitado, Ele subiu aos céus e introduziu-nos na
comunhão plena com Deus, fazendo-nos participar da vida divina: «Deus,
que é rico em misericórdia, pelo grande amor com que nos amou, a nós que
estávamos mortos pelas nossas faltas, deu-nos a vida com Cristo – é pela graça
que fostes salvos – com Ele nos ressuscitou e nos sentou no alto dos Céus, em
Cristo. Pelo amor que tem para connosco, em Cristo Jesus, quis assim mostrar,
nos tempos futuros, a extraordinária riqueza da sua graça» (Ef 2,4-7).
A missão de Cristo foi restaurar tudo o que
se tinha perdido pelo pecado, reconciliando a criatura com o Criador e a
comunhão dos homens uns com os outros, fazendo-nos participar da vida divina,
instaurando o Reino dos céus, «reino de verdade e de vida, de santidade e
de graça, de justiça, de amor e de paz » (Prefácio de Cristo-Rei). Por
isso S. Cipriano, aludindo à comunhão eclesial, pela qual estamos em comunhão
com Cristo, dizia que «fora da Igreja não há salvação».
O BATISMO, DOM E MISSÃO
A participação na vida divina é-nos concedida
por Cristo no Batismo mediante o dom do Espírito Santo, que nos insere na
Igreja, distribuindo a cada um os seus dons, conforme a sua vontade, em ordem
ao bem comum, para continuarmos a obra de Cristo e prosseguirmos a Sua missão: o
Espírito Santo não só santifica e conduz o Povo de Deus por meio dos sacramentos
e dos ministérios e o adorna com virtudes, mas «repartindo os seus dons como lhe
apraz» (1Cor 12,11), distribui também carismas entre os fiéis de todas
as classes, os quais os tornam aptos e dispostos a tomar diversas obras e
encargos, proveitosos para a renovação e cada vez mais ampla edificação da
Igreja, segundo as palavras: «a cada um se concede a manifestação do
Espírito para o bem comum» (1Cor 12,7) (LG 12).
Na mesma linha se pronuncia a ROTC 20, por
outras palavras: “O Terceiro recebe o chamamento à santidade pelo sacramento do Batismo que
incorpora as pessoas no Corpo Místico de Cristo. A sua maior dignidade consiste
exatamente na fruição da própria vida divina e do amor de Deus derramado no seu
coração pelo Espírito (Rm 5,5). Deste modo, em companhia dos demais, segundo a
vocação e os dons de cada um, pode contribuir para a [...] edificação do único
Corpo de Cristo (cf. Rm 2,3-8; LG 32). O Batismo, não é, pois, só um
estado, mas também dom e missão: a de testemunhar Jesus Cristo e edificar o seu
Corpo, que é a Igreja, segundo o mandamento novo do amor. Isto é «ser Igreja». E,
para nós, sermos carmelitas é o nosso modo de sermos Igreja. Como?
“SER IGREJA» SEGUNDO O
MODELO DA IGREJA PRIMITIVA DE JERUSALÉM
Os
primeiros carmelitas tinham ido para a Palestina animados pelo «espírito
da [...] peregrinação à Terra Santa e da comunidade primitiva de Jerusalém.
Impelidos "pelo amor à Terra Santa, nela consagraram-se Àquele que a tinha
conquistado com a efusão do seu sangue, para servi-lo... permanecendo "em
santa penitência" e formando uma comunidade fraterna» (Const. N.O.
8). O ideal da peregrinação a Jerusalém realizava-se para eles na vivência de
uma comunhão fraterna, animada pela fé, alimentada pela Palavra, vivificada pela
oração, nutrida pela Eucaristia e expressa na partilha fraterna, segundo o
modelo da comunidade primitiva de Jerusalém: «Eram assíduos ao ensino dos Apóstolos,
à comunhão fraterna, à fração do pão e às orações. Todos os dias frequentavam o
Templo e partiam o pão pelas casas, tomando o alimento com alegria e
simplicidade de coração, louvando a Deus e gozando da simpatia do povo... Tinham
um só coração e uma só alma. Tudo entre eles era comum. Os Apóstolos davam
testemunho da ressurreição do Senhor Jesus com grande poder» (At 2,42. 46s;
4,32s). É esta Igreja que vive segundo o desígnio de Deus, aberta ao Senhor e
aos irmãos, assistida pelos dons do Espírito, que todos queremos construir. É a
Igreja que cresce e que, apesar de ser bimilenária, permanece uma e sempre a
mesma. De fato, não há diferença entre a Igreja primitiva e a Igreja de hoje:
os Sodalícios, como na Igreja de Jerusalém, vivem no meio de um mundo
pluralista, pagão e paganizante, descrente de Deus, correndo atrás de valores
terrenos, que não dão a felicidade plena ao coração do homem. Nele, nós,
Terceiros carmelitas, reunidos em pequenos grupos, vivemos aqui e acolá,
testemunhando a presença de Deus no mundo, esforçando-os por amá-lo e servir
bem, fascinados pelo que Deus é em si mesmo: amor que se dá que nos une a Ele e
uns aos outros e que transborda, para chegar aos irmãos. A isso é que o
Terceiro foi chamado pelo batismo: para viver em comunidade, no sodalício,
segundo o modelo da Igreja de Jerusalém, do jeito de Jesus e de Maria com os
Apóstolos, para nele se empenhar a amar bem a Deus e aos irmãos, vivendo em
fraternidade.
A vocação universal à santidade que
recebemos no Batismo, é reavivada quando , como Terceiros, nos reunimos para
rezar, escutar a Palavra, participar da Eucaristia, crescer na fé e tratar dos
interesses do sodalício. Estas reuniões ajudam-nos a «ser Igreja», uma
comunidade de irmãos que se amam e sentem um a só família, dando testemunho ao mundo
de hoje de que é no amor de Cristo e pela fé n’Ele que se encontra a salvação,
que nos faz sentir e ser a sua Igreja.
1- A ROTC refere-se à Igreja como sendo o âmbito em
que se insere a vocação do Terceiro (art. 1-4, 37, 42, 52, 57, 76), porque é
nela que se prolonga a missão de Cristo (24, 26), que levamos a cabo, segundo o
exemplo de Maria (34, 40), contribuindo assim para o bem da Igreja (43, 46, 50,
91). Para mais noções sobre a Igreja, ver Catecismo da Igreja Católica, 748-975
ou o Compêndio (do mesmo), 147-199.
Leia, abaixo, a Lectio Divina do sábado da segunda semana da Páscoa.
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