VIVER EM OBSÉQUIO
DE JESUS CRISTO
OTC de Faro (Portugal)
1. A Pessoa de Jesus Cristo, centro
da vida carmelita
A adesão a
Deus, único Absoluto, como o Tudo da nossa vida (roteiro nº 5), traduz- se,
para todo e qualquer carmelita, na adesão total, livre, pessoal e amiga a Jesus
Cristo. A esmagadora maioria dos artigos
da ROTC gira em volta de Cristo, como vimos: seguimento e união a Cristo (art.
18- 19), mediante a conversão, purificação e transformação em Cristo, por ação
do Espírito Santo (art. 21- 23), a fim de participar na missão de Jesus (art.
24 -27), animando as realidades temporais com o Espírito de Cristo (art. 28 - 29).
Toda a
espiritualidade carmelita centra-se, pois, na pessoa de Jesus Cristo. Porque o cristianismo, mais do que uma
doutrina, é adesão a uma pessoa viva, a Jesus Cristo. O «vem e segue-me»
Inicial (Mt 19,21 par), acompanha o discípulo de Cristo ao longo de toda a vida
até à conclusão da sua caminhada sobre esta terra para celebrar o encontro
definitivo com o Mestre (cf. Jo 21,19.22), tal como S. Teresa de Ávila o
exprimiu, de forma tão bela, na véspera de expirar, a Jesus que vinha a ela no
Santíssimo Sacramento: «Meu Senhor e meu Esposo. Finalmente chegou a hora tão desejada.
Chegou, por fim, o momento de nos vermos, ó meu Amado e Senhor meu. Já é a hora
de caminhar. Partamos, pois, em tão
feliz ocasião. Seja feita a Vossa vontade. Eis que chegou a hora de eu sair
deste desterro e de a minha alma Vos poder gozar plenamente, a Vós, a Quem
tanto desejei» (3.10.1582).
A adesão a
Jesus Cristo exprime-se logo no início da Regra carmelita numa fórmula lapidar:
«Muitas vezes e de muitos modos os Santos Padres estabeleceram que, seja
qualquer for o estado de vida a que se pertence ou o modo de vida religiosa que
tiver escolhido, cada um deve viver em obséquio de Jesus Cristo e servi-lo
fielmente de coração puro e boa consciência» (R 2). O carmelita entende a sua
adesão, seguimento e união ao Senhor como um «viver em obséquio de Jesus
Cristo». Que quer isto dizer?
S. Alberto
de Jerusalém, nosso Legislador, escreve a «Fórmula de vida» carmelita entre
1206 e 1214, dentro do contexto sociocultural do feudalismo. Neste contexto o
servo entregava-se ao seu senhor, para viver no seu obséquio, ou seja, num
compromisso solene de servi-lo, pondo a própria vida à sua disposição, para
tudo o que ele quisesse, devendo o senhor, por sua vez, dar-lhe trabalho,
defendê-lo nos perigos e dele cuidar nas necessidades. Para os primeiros
carmelitas a expressão tinha um significado muito concerto, pois morando na
Terra Santa, a poucos quilômetros da linha da frente, sabiam que se expunham à
morte por causa da sua opção de vida por Cristo. Assim queriam «servi-lo
fielmente», com fé viva e amor dedicado. «De coração puro», esquecendo-se de si
mesmos, não interpondo obstáculos ou reservas, desculpas, limites ou condições,
insistindo em seguir o Senhor à sua maneira, segundo o seu gosto, inclinação e
modos de ver pessoais, mas antes seguindo o Senhor como Ele quer, segundo a Sua
vontade, guiado por Ele, deixando «Deus ser Deus» em toda a sua vida e
ser. E «de boa consciência», procurando
agradar-lhe em tudo, de coração dócil e pacífico, casto e reconciliado com Deus
e os irmãos (cf. Mt 5,21-30).
2. Pôr Jesus no centro, como único
Senhor da própria vida
Por isso a
ROTC 17 diz: «O caminho do Terceiro começa com o ato de fé que o faz acolher
Jesus e o acontecimento pascal como o sentido da sua vida, para se deixar
conduzir por Ele, pondo-o no centro da sua própria vida». O Terceiro só
caminha, então, quando Jesus, «Caminho, Verdade e Vida» (Jo 14,6) é o centro, a
fonte e o objetivo da própria vida.
Muitos
batizados pensam que para ser cristão basta ter a Cristo na própria vida. No
centro estão as suas preocupações pessoais; são o “Ego” (o “Eu”), com tudo o
que afetivamente faz parte dele: a família, o trabalho, a carreira ou mesmo
escravidões físicas ou sentimentais. Neste quadro Cristo aparece na vida, mas
não como o seu fundamento; Ele “funciona” antes como uma espécie de alavanca ou
pronto-socorro que se põe a um canto, sempre disponível para resolver os
problemas que entrem em conflito com os próprios interesses e necessidades
pessoais. Em vez disso, aceitar Jesus Cristo como o único Senhor de toda a vida
e pessoa significa entregar-se completamente a Ele, pondo-o no centro da
própria vida, que deixa de ser sua para ser toda dele.
Neste caso,
deixamos que fosse Jesus a conduzir a nossa vida, pondo-nos à sua disposição,
para que o Senhor se sirva de nós conforme o beneplácito do Pai. Viver em
obséquio de Jesus Cristo é, pois, ser todo de Jesus, para segui-lo, amar e
obedecer, não à nossa maneira, mas em tudo conforme a sua vontade, segundo o
Evangelho.
Trata-se de
uma resposta livre de amor, fundada sobre uma verdadeira amizade, que, enquanto
tal, assenta na mútua liberdade: «Já não vos chamo servos, mas amigos, porque
vos dei a conhecer tudo o que ouvi ao meu Pai. Não fostes vós que me
escolhestes, fui Eu que vos escolhi e vos destinei para irdes e a dardes fruto
e para que o vosso fruto permaneça» (Jo 15,15s). O Terceiro responde livre e
amorosamente ao chamamento à amizade e intimidade com o Senhor, porque também
se sente gratuita, intima e indivisivelmente amado por Ele (ler Rm 8,28-39).
O Terceiro
vive desta forma total, confiada e amorosamente abandonado ao Senhor e atento à
Sua voz, para seguir os seus passos, obedecendo-lhe e agradando-lhe em tudo o
que Lhe aprouver (cf. Lc1, 38). Como S. Teresinha afirmou: «Meu Deus, eu
escolho tudo. Não quero ser uma santa pela metade; não tenho medo de sofrer por
Vós; só tenho medo de uma coisa: de conservar a minha vontade. Tomai-a porque
eu escolho tudo o que Vós quereis» (MA10v). Uma entrega que se traduziu na
oferta incondicional de si mesma ao Senhor: «Há algum tempo tinha-me oferecido
ao Menino Jesus para ser o seu brinquedinho. Tinha-lhe dito para não me usar
como um brinquedo caro, que as crianças só podem olhar, sem ousar tocar, mas
como uma bola sem valor que podia atirar ao chão, dar pontapés, furar, largar
num cantinho ou apertar contra seu coração conforme achasse melhor; numa
palavra, queria divertir o Menino Jesus, agradar-lhe, queria entregar-me aos
seus caprichos infantis. Ele aceitou a minha oferta» (MA 64r).
3. Viver com Jesus para viver como
Ele e tê-lo como a própria vida
A resposta
ao apelo do Senhor para viver em Seu obséquio, aceitando o convite de entrar na
sua amizade, traduz-se na vida do Terceiro carmelita no compromisso de viver
sempre com Ele, na Sua presença: «Represente-se a pessoa diante de Cristo e
acostume-se a enamorar-se da Sua sagrada Humanidade, trazendo-o sempre consigo,
falando com Ele, pedindo-lhe ajuda nas suas necessidades, queixando-se dos seus
sofrimentos, alegrando-se com Ele nas suas alegrias, d’Ele não se esquecendo em
tais ocasiões, sem procurar orações já feitas, mas preferindo palavras que
expressem os seus desejos e necessidades. Este é um excelente meio de progredir
com rapidez... útil em todos os estados e um meio seguríssimo para progredir
nos graus de oração, bem como ... para caminharmos com segurança, nos últimos
graus de oração, livres dos perigos que o diabo possa pôr» (S. Teresa de Jesus,
Vida 12,2-3).
O Terceiro
carmelita vive com Jesus para ser como Jesus. Isto só é possível se estiver
enxertado n’Ele, permanecendo em constante união com Ele e com todos aqueles
que n’Ele estão, tal como o ramo na videira (cf. Jo 15,1-17), para que o
Espírito Santo dele faça como que uma extensão de Cristo, tal como pediu Isabel
da Trindade: «Ó meu Cristo amado, crucificado por amor, quisera ser uma esposa
para o vosso coração, quisera cobrir-vos de glória, amar-vos... até morrer de
amor! Sinto, porém, a minha impotência e peço-vos para me revestir dês de vós
mesmo, identificando a minha alma com todos os movimentos da vossa,
submergindo-me, invadindo-me, substituindo-vos a mim, para que minha vida seja
uma verdadeira irradiação da vossa. Vinde a mim como Adorador, Reparador e
Salvador. Ó Verbo eterno, Palavra do meu Deus, quero passar a minha vida a
escutar-vos, quero ser de uma docilidade absoluta para tudo aprender de vós.
Depois, através de todas as noites, de todos os vazios, de todas as
impotências, quero ter os olhos sempre fixos
em vós e ficar sob vossa grande luz. Ó meu Astro amado, fascinai-me de
modo que não me seja possível sair da vossa irradiação. Ó Fogo devorador,
Espírito de amor: “vinde a mim”, para que se opere na minha alma como que uma
encarnação do Verbo: que eu seja para ele uma humanidade de acréscimo na qual
ele renove todo o seu Mistério. E vós, Pai, inclinai-vos sobre esta vossa pobre
e pequena criatura e cobri-a com a vossa sombra, nela vendo só o Bem-Amado, no
qual puseste todas as vossas complacências».
A nossa
vocação é, pois, Jesus Cristo: «O Espírito de Cristo deve imbuir a pessoa do
Terceiro a ponto de poder repetir com S.Paulo, “já não sou eu que vivo, é
Cristo que vive em mim”, de modo que todo o seu proceder seja feito “sob sua
Palavra”» (ROTC 18; cf. Gl 2,20; R15).
Os meios
para que isto se torne uma realidade são-nos apontados logo depois: «Jesus deve
tornar-se progressivamente a Pessoa mais importante da sua existência. Isto
significa ter uma relação pessoal, calorosa, afetuosa, constante com Jesus. Tal
relação é nutrida pela Eucaristia, a vida litúrgica, a Sagrada Escritura e
pelas várias formas de oração, induzindo o Terceiro a reconhecer Jesus no
próximo e nos acontecimentos quotidianos e levando-o a testemunhar, pelas
estradas do mundo, a marca indelével de Sua presença» (ROTC 19).
Assim o
Terceiro será como a Virgem Maria, cristóforo (“portador de Cristo”), testemunhando
gozosamente o Seu amor e anunciando profeticamente a Sua presença no meio dos
homens (cf. Lc 1,39-56).
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