O ANTIGO
TESTAMENTO
Pe. Ney Brasil
Pereira,
Professor de
Exegese Bíblica na FACASC/ITESC
email:
ney.brasil@itesc.org.br
Já
vimos, até aqui, os três primeiros capítulos do documento conciliar que estamos
estudando: o primeiro capítulo, sobre “a Revelação como tal”; o segundo, sobre
“a transmissão da Divina Revelação”; e o terceiro, sobre “a Inspiração divina
da Sagrada Escritura e sua Interpretação”. O capítulo quarto, que agora
veremos, aborda o “Antigo Testamento”. A propósito, tem-se vulgarizado
ultimamente a designação de “Primeiro” Testamento, em vez de “Antigo”, por
motivos alegadamente ecumênicos. Acontece que a contraposição entre “Antigo” e
“Novo” não é invenção pós-bíblica, mas se encontra explicitamente no próprio
“Antigo Testamento”, no famoso texto de Jeremias sobre a “Nova” Aliança. E
esta, exatamente por ser “nova”, é
anunciada contrapondo-se à “Antiga” (Jr 31,31). Para nós, cristãos, essa contraposição está claramente afirmada
na segunda carta aos coríntios (2Cor
3,6.14) e, com insistência, na carta aos hebreus (Hb 8,6-7.13), além de
ser proclamada pelo próprio Senhor, na sua palavra sobre “o cálice da Nova Aliança” (1Cor 11,25). Mas
retornemos à Dei Verbum.
1) A história da Salvação
Sintetizando
o conteúdo dos livros do Antigo Testamento, os Padres conciliares começam
recordando como Deus, “ao buscar e preparar a salvação de toda a humanidade,
escolheu para si um povo, ao qual queria confiar as suas promessas. Contraída a
aliança com Abraão e, através de Moisés, com esse mesmo povo, revelou-se por
palavras e ações como o único Deus verdadeiro…” (cf DV n.14, no início). Ainda
no mesmo parágrafo aparece a expressão “economia da salvação”, que significa o
processo, a “história”, da realização do plano salvífico de Deus. Os Padres
conciliares continuam: Essa “economia”, “prenunciada, narrada e explicada pelos
autores sagrados – narradores, legisladores, sábios, profetas – encontra-se
como verdadeira palavra de Deus nos livros do Antigo Testamento”. Por isso,
“esses livros, divinamente inspirados, conservam para nós um valor perene”.
2) Valor perene do Antigo Testamento
Quanto
a esse “valor perene”, não devemos esquecer
que, enquanto se redigiam os atuais livros do Novo Testamento, a Bíblia
era constituída só pelos livros do Antigo Testamento, aos quais os
apóstolos se referiam como “as
Escrituras”, as únicas que havia. Ao lado delas, porém, e levando-as à
perfeição (cf Mt 5,17), eles proclamaram a Palavra do Senhor Jesus, em cartas e
evangelhos que aos poucos constituíram o “Novo Testamento”. Completado este,
veio a proposta de alguns, em meados do século II, de abandonar de vez o Antigo
Testamento. Mas essa proposta não prevaleceu, pois a Igreja, conduzida pelo
Espírito Santo, percebeu que é impossível
entender o Novo Testamento sem o Antigo, e toda a espiritualidade do próprio
Senhor Jesus e dos Apóstolos está profundamente enraizada nos livros do Antigo
Testamento.
3) Coisas imperfeitas e transitórias
Uma
das afirmações mais surpreendentes da Dei Verbum é a que encontramos no n. 15 do capítulo que estamos estudando, no
qual os Padres conciliares, ao falarem do caráter “preparatório” do Antigo
Testamento, assim dizem, textualmente: “Esses livros, embora contenham também
coisas imperfeitas e transitórias, manifestam contudo a verdadeira pedagogia
divina” (DV n.15). Quais seriam essas “coisas imperfeitas”? Por exemplo, a
violência e crueldade de tantas passagens? E “coisas transitórias”? As inúmeras
prescrições rituais, relativas aos sacrifícios? Tudo isso, porém, “manifestando verdadeira pedadogia” da parte de Deus,
incansável em educar o seu povo. A propósito, essas “coisas imperfeitas” nos
advertem que a Bíblia não é, em si, um “livro edificante”, como o é a “Imitação
de Cristo”. É um livro realista. Que propõe, sim, a fé em Deus, mas não
esconde, antes, expõe o pecado humano.
4) Um vivo senso de Deus
Bela
síntese do Antigo Testamento é a que nos propõem os Padres Conciliares
nesta afirmação: “Por isso” – porque
esses livros “manifestam a pedagogia divina” – eles “devem ser devotamente recebidos pelos cristãos”, pois
“exprimem um vivo senso de Deus”. E explicam: Eles “contêm sublimes
ensinamentos sobre o próprio Deus, e uma salutar sabedoria concernente à vida
do ser humano e, ainda, admiráveis tesouros de preces, nos quais está latente o
mistério da nossa salvação” (DV n.15, no final). Quanto ao testemunho sobre
Deus, cuja presença encontra-se em cada página da Bíblia, penso dever
ressaltar-se a primeira afirmação do livro do Gênesis: “No princípio, Deus
criou os céus e a terra” (Gn 1,1). A aceitação de um Deus criador é a base da
nossa cosmovisão de fé. Quanto à “sabedoria”, encontramo-la concentrada nos
livros sapienciais, a começar dos Provérbios. Finalmente, os “tesouros de
preces” são os que estão à nossa disposição no Livro dos Salmos.
5) Unidade dos dois Testamentos
O
capítulo IV encerra-se com um breve mas denso parágrafo sobre a “unidade dos
dois Testamentos”, de ambos os quais “o mesmo Deus é inspirador e autor”. Essa
unidade se manifesta no fato de que, como o observou Santo Agostinho, “o Novo
Testamento está latente no Antigo, e o Antigo Testamento se tornou patente no
Novo”. A propósito, os Padres conciliares explicam: “Com efeito, embora Cristo
tenha fundado a Nova Aliança no seu sangue (cf 1Cor 11,25), contudo, os livros
todos do Antigo Testamento, recebidos íntegros na pregação evangélica, alcançam
e manifestam seu sentido completo no Novo Testamento (cf Mt 5,17), e por sua
vez o iluminam e explicam” (DV n.16). Isto é, os livros do Antigo Testamento,
para nós, cristãos, embora alcancem seu sentido completo no Novo, este, por sua
vez, precisa ser iluminado e explicado pelo Antigo.
Para refletir:
1. Que dizer da nova designação de
“Primeiro” e “Segundo” Testamento?
2. Por que é que o Antigo Testamento
não foi eliminado pelo Novo, e continua a ter valor para nós, cristãos?
3. Como entender as “coisas
imperfeitas e transitórias” do Antigo Testamento?
4. Qual a importância, decisiva, da
primeira frase da Bíblia?
5. Que significa a “latência” do Novo
Testamento no Antigo, e a “patência” do Antigo Testamento no Novo?
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