A
VIRADA DA LUMEN GENTIUM
Publicado
por admin em 6 de julho de 2012 em » Pe. Vitor
Galdino Feller, LUMEN GENTIUM (LG)
A
mudança eclesiológica acionada na Constituição Dogmática Lumen Gentium sobre a
Igreja só pode ser entendida dentro da mudança histórica querida pelo Concílio
Vaticano II. O novo paradigma da Lumen Gentium está na inserção,
deliberadamente trabalhada, da imagem da Igreja como povo de Deus, como
comunidade de crentes, em sua igualdade fundamental.
A
elaboração deste documento central do Concílio Vaticano II foi marcada por
momentos polêmicos. De início, foi rejeitado o esquema apresentado pela
comissão preparatória, por parecer por demais assemelhado à eclesiologia que
vigorava desde o Concílio de Trento, uma eclesiologia feita a partir da
instituição e não a partir da vida, a partir da visibilidade jurídica e não a
partir do mistério.
Os
bispos do Concílio quiseram que a Igreja manifestasse mais explicitamente seu
rosto divino, sua origem trinitária. Foi então elaborado o primeiro capítulo,
sobre o mistério da Igreja. Nele são apresentados os seguintes temas:
a)
as relações da Igreja com cada uma das pessoas divinas;
b)
a relação da Igreja com o Reino de Deus, do qual ela é apresentada como sinal e
instrumento;
c)
as imagens bíblicas da Igreja;
d)
a Igreja como Corpo de Cristo;
e)
a complexidade visível-invisível da Igreja.
É
interessante observar que neste primeiro capítulo, em que se busca salientar a
origem divina da Igreja, há uma significativa insistência na dimensão histórica
da Igreja. O mistério da Igreja nunca é mostrado como algo sobrenatural,
distante do mundo, desligado da história, mas sempre em relação íntima com a
história. Na lógica da encarnação, a Igreja é uma só realidade complexa, humana
e divina, visível e invisível, histórica e mistérica. Chave de leitura para
todo este capítulo é a seguinte citação: “(A Igreja) é, por isso, mediante uma
não medíocre analogia, comparada ao mistério do Verbo encarnado. Pois como a
natureza humana, assumida indissoluvelmente unida a ele, serve ao Verbo divino
como órgão vivo de salvação, semelhantemente o organismo social da Igreja serve
ao Espírito de Cristo que o vivifica para o aumento do corpo” (LG 8). Vê-se que
o mistério é visto dentro e a partir da história, como se pode conferir nos
itens a seguir.
Nos
números 2 a 4 de Lumen Gentium, a Igreja é apresentada como prefigurada na
história do povo de Israel, inaugurada no ministério, na morte e na
ressurreição de Jesus de Nazaré, enviada ao mundo pela força do Espírito Santo,
sendo por ele hoje e sempre sustentada. Nestes itens, as três pessoas divinas
são vistas em sua relação histórica com a vida concreta das pessoas e dos
povos.
A
relação da Igreja com o Reino (LG 5) tem por fundamento a pregação e o
ministério de Jesus de Nazaré. A missão da Igreja deve continuar a missão de
Jesus, na caridade, humildade e abnegação, no caminho da cruz.
Tampouco
a imagem de Corpo de Cristo é vista em sua sobrenaturalidade mística, mas em
sua inserção histórica. Ela é vista como sacramento enquanto e tão-somente está
unida a Cristo, sendo este lembrado em sua encarnação histórica. Somos membros
do Corpo de Cristo, enquanto “peregrinando ainda na terra, palmilhando em seus
vestígios na tribulação e na perseguição, associamo-nos às suas dores como o
corpo à Cabeça” (LG 7).
A
Igreja deve comunicar Jesus Cristo, perseguido, amigo dos pobres, crucificado.
Ela vive entre sombras, manifestando a plena luz (LG 8). Assim como Jesus Cristo
foi enviado pelo Pai a evangelizar, também a Igreja tem como razão essencial de
sua existência o chamado à salvação do sofredor.
A
Igreja é entendida como mistério, não no sentido de fuga da realidade, mas,
pelo contrário, como engajamento ainda maior e mais comprometido com a vida do
povo. Em outras palavras, só se pode entender o mistério como encarnação de
Deus no mundo, sendo a cruz de Jesus a maior prova do amor de Deus e da
manifestação do seu poder.
Como
se vê, o primeiro capítulo tem um corte profundamente histórico, ainda que seu
conteúdo fosse o mistério da Igreja e sua origem divina. Desse modo, o primeiro
capítulo prepara e introduz o capítulo central do documento, o capítulo
segundo, sobre a Igreja como povo de Deus. É este capítulo segundo, que fala da
Igreja como povo de Deus o ponto de partida para a interpretação e a recepção
de toda a teologia e eclesiologia conciliar. Povo de Deus foi um tema
propositadamente buscado e inserido no documento sobre a eclesiologia. Assim,
este conceito de povo de Deus é a luz que serve para ler tanto o primeiro
capítulo (o mistério da Igreja) como todos os seguintes, sobre a hierarquia
(cap. III), o laicato (cap. IV), a santidade (cap. V), a vida religiosa (cap.
VI), a caminhada da Igreja (cap. VII) e a missão de Maria na história da
salvação (cap. VIII).
Há
em Lumen Gentium uma proposta de mudança histórica no modo de se entender e
viver a Igreja. Da imagem da Igreja como sociedade perfeita, em sua dimensão
jurídica e institucional, passa-se para a imagem da Igreja como povo de Deus
inserido na história.
Leia,
abaixo, a Lectio Divina da Terça-Feira da 1ª Semana do Tempo Comum.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
DEIXE AQUI SEU SUA SUGESTÃO