terça-feira, 11 de setembro de 2012

15 de setembro
MEMÓRIA DE NOSSA SENHORA DAS DORES
 
LECTIO DIVINA
 
Primeira Leitura - Hebreus 5, 7-9 - 7Nos dias da sua vida mortal, Cristo dirigiu preces e súplicas, com grandes clamores e lágrimas, Àquele que O podia livrar da morte e foi atendido por causa da sua piedade. 8Apesar de ser Filho, aprendeu a obediência no sofrimento 9e, tendo atingido a sua plenitude, tornou-Se para todos os que Lhe obedecem causa de salvação eterna.
     Este texto pequeno, mas deveras impressionante – há mesmo estudiosos que o consideram um extracto de um antigo hino a Cristo –, é tirado da parte central do célebre discurso, que é esta epístola (Hebr 4, 14 – 7, 28), onde se desenvolve o tema do sacerdócio de Cristo, o sumo sacerdote perfeito, que supera completamente o sacerdócio levítico.
       7 Este versículo parece evocar o relato da agonia de Jesus no Jardim das Oliveiras (cf. Mt 26, 36-44). «Preces e súplicas»: estas duas palavras sinónimas correspondem a uma expressão grega da época usada nos pedidos a uma alta autoridade; o uso do plural sugere a insistência na oração, segundo o «prolixius orabat» de Lc 22, 43. «Com um grande clamor e lágrimas»: os ensinos rabínicos sobre a oração referem três graus ascendentes: a prece (em silêncio), os gritos, e as lágrimas (como a forma mais elevada da oração). Os Evangelhos só falam de um forte brado de Jesus, na Cruz (Lc 23, 46), mas é de supor que se conhecessem pela tradição oral, pormenores da oração no horto que justificariam tão impressionante expressão.
     «Foi atendido»: em quê? É difícil de dizer, a tal ponto que Harnack pensa numa corrupção do texto original: «não foi atendido»; limitamo-nos a referir as explicações mais viáveis. Jesus não obteve a libertação do cálice de amargura, mas alcançou a coragem para enfrentar a sua Paixão identificando-se plenamente com a vontade do Pai. Ou então, como pensam outros, Jesus foi atendido ao ser livre da morte pela sua ressurreição, o que lhe permite exercer o seu sacerdócio eterno (cf. 7, 24; 10, 10), com efeito, «a sua morte era essencial para o seu sacerdócio, mas se Ele não fosse salvo da morte pela ressurreição, não seria agora o sumo sacerdote do seu povo» (J. H. Neyrey). 
        8 «Aprendeu a obediência no sofrimento», ou, melhor, «por aquilo que sofreu», ou também, «aprendeu de quanto sofrera, o que é obedecer». Trata-se de uma aprendizagem não teórica, mas experimental, existencial. Aprender através do sofrimento era um lugar comum na literatura grega, e até havia esta máxima: «os sofrimentos são lições». O que aqui há de particular é a aplicação à aprendizagem da obediência. No entanto, a obediência de Jesus na sua Paixão só é referida em mais dois lugares do N. T.: Rom 5, 19 e Filp 2, 8. Não se pense que a Jesus, por ser Deus, Lhe custava menos o sofrimento, antes pelo contrário, pois o sofrimento é directamente proporcional à dignidade da pessoa que sofre.
     9 «Tendo atingido a sua plenitude». Esta tradução não deixa ver uma das ideias centrais da epístola, que é a de «perfeição», pelo que seria preferível a tradução do Cón. Falcão, «chegado à perfeição» ou a da Difusora Bíblica, «tornado perfeito». Note-se que a perfeição de que aqui se fala não é a do amadurecimento na virtude, mas a que advém a Jesus pelo exercício do seu sumo sacerdócio com a consumação da obra salvadora pela oferta do sacrifício da nova aliança: «a obediência de Jesus leva-o à sua consagração sacerdotal, que, por sua vez, O torna apto para salvar aqueles que Lhe obedecem» (The new Jerome Biblical Commentary, p. 929).
Evangelho - São João 19, 25-27
Naquele tempo, 25estavam junto à cruz de Jesus sua Mãe, a irmã de sua Mãe, Maria, mulher de Cléofas, e Maria Madalena. 26Ao ver sua Mãe e o discípulo predilecto, Jesus disse a sua Mãe: «Mulher, eis o teu filho». 27Depois disse ao discípulo: «Eis a tua Mãe». E a partir daquela hora, o discípulo recebeu-a em sua casa.
 
     v.25-27. Repare-se na solenidade deste relato: é uma cena central entre as cinco relatadas por João no Calvário; a Virgem Maria é mencionada 6 vezes em 3 versículos, e há o recurso a uma fórmula solene de revelação («ao ver… disse… eis…»). Isto deixa ver que não se trata dum simples gesto de piedade filial de Jesus para com a sua Mãe a fim de não a deixar ao desamparo, mas que o Evangelista lhe atribui um significado simbólico profundo; com efeito, chegada a hora de Jesus, é a hora de Ela assumir (cf. Jo 2, 4) o seu papel de nova Eva (cf. Gn 3, 15) na obra redentora. A designação de «Mulher» assume, na boca do Redentor, o novo Adão, o sentido da missão corredentora de Maria: não é chamada Mãe, mas sim Mulher, como nova Eva, Mãe da nova humanidade, por alusão à «mulher» da profecia messiânica de Gn 3, 15. Por outro lado, Ela é a mulher que simboliza a Igreja (cf. Apoc 12, 1-18), a mãe dos discípulos de Jesus representados no discípulo amado, que «a acolheu como coisa própria». A tradução mais corrente deste inciso (seguida pela tradução litúrgica) é: «recebeu-a em sua casa», mas esta forma de tradução empobrece de modo notável o rico sentido originário da expressão grega «élabon eis tà idía», uma expressão usada mais quatro vezes em S. João, mas nunca neste sentido; com efeito, a expressão tà idía – «as coisas próprias» – significa muito mais do que a própria casa, indica tudo o que é próprio da pessoa, a sua intimidade.
     É também de notar que S. João, ao contrário dos restantes Evangelistas, nunca se refere a Nossa Senhora com o nome de Maria; sempre a designa como a Mãe (de Jesus), um indício de ser tratada realmente como mãe; com efeito, ninguém jamais nomeia a própria mãe com o nome dela: para o filho a mãe é simplesmente a mãe!

 
Em vez do Evangelho precedente, pode ler-se o seguinte:
São Lucas 2, 33-35
     Naquele tempo, o pai e a mãe do Menino Jesus estavam admirados com o que se dizia d’Ele. Simeão abençoou-os e disse a Maria, sua Mãe: «Este Menino foi estabelecido para que muitos caiam ou se levantem em Israel e para ser sinal de contradição– e uma espada trespassará a tua alma – assim se revelarão os pensamentos de todos os corações».
 
     v.33-34 «Simeão», de quem não temos mais notícias, aparece como um dos «piedosos» do judaísmo que esperava não um messias revolucionário (como os zelotas) mas o verdadeiro Salvador, «a consolação de Israel» (v. 25). Apesar do que se diz no v. 34, não parece ser sacerdote, não estando no serviço do templo, mas tendo vindo lá «movido pelo Espírito» (v. 27).
A naturalidade com que S. Lucas chama a S. José «pai de Jesus» não implica qualquer contradição com o que antes afirmou em 1, 26-38. Aqui visa o poder e missão paterna, de modo nenhum a ascendência carnal. «A ‘espada’ de dor pré-anunciada a Maria anuncia essa outra oblação, perfeita e única, da cruz, que trará a salvação que Deus ‘preparou diante de todos os povos’(v. 31)» (Catecismo da Igreja Católica, nº 529).
     v.35 «Assim se revelarão os pensamentos de todos os corações». Estas palavras ligam-se a «sinal de contradição». É que, diante de Jesus, não há lugar para a neutralidade: a sua pessoa, a sua obra e a sua mensagem fazem com que os homens revelem o seu interior, tomando uma atitude pró ou contra; a aceitação e a fé será, para muitos, motivo de salvação, ou «ressurgimento espiritual»: de que «se levantem»; ao passo que a rejeição culpável será motivo de que muitos se condenem: de que «muitos caiam».
A nossa transfiguração
     Os místicos têm cantado o sofrimento, colaborador luminoso da redenção. Mas importa saber crer. A fé deve tomar consigo o coração, iluminar a alma e alimentar a consciência, como o vento faz às árvores quando não se limita a acariciar as folhas mas investe contra o tronco, sacode as raízes e lança a copa para o céu.
     Creio que a dor é o baptismo heróico de todos nós, que o sofrimento constitui a certeza resplandecente de todas as almas, as tribulações florescem em todas as veredas e todas as penas escondem uma pérola preciosa.
     A dor é um espanto que defende e pode tomar mais belas as flores das nossas virtudes.
    O Senhor ensina-nos: «Bem-aventurados os que choram porque serão consolados».
     O sofrimento unido à Cruz é a força mais poderosa para salvar a humanidade, as tribulações de certa duração acordam energias latentes em cada um de nós tornando-as cooperadoras valiosas do nosso progresso moral.
     O sofrimento pesa o nosso coração e mede os nossos passos, incendeia a alma e ilumina a consciência.
     Olha a cruz, pensa nas dores da Virgem mãe, contempla a Senhora da Piedade, cerra os olhos e medita as trevas, a ausência de luz, vai ao campo das doloridas ausências, descobre os lugares vazios, os lares onde medram os lutos, tantos jovens corações sem o calor da presença da protecção materna; e verás que as lágrimas chegam, molham lenços e deslizam nas faces.
    Daí S. Agostinho nos dizer que a Cruz mais terrível é a pretensão de alguém querer viver sem Cruz; ou tirar a dor à vida ser como tirar o sal aos alimentos – lá se vai o sabor.
    Só depois de haver chorado é que os olhos aprendem a ver melhor e mais longe.
    Se ainda não choraste as tuas faltas, se nunca derramaste uma lágrima por alguém, se nunca sentiste uma dor silenciosa, a tua vida é vã.
     Os que choram são os que sabem, viver e chorar é próprio dos que vivem neste vale de lágrimas.

Fala o Santo Padre João Paulo II, Angelus, Domingo, 15 de Setembro de 2002
 
«Ninguém melhor do que a Virgem Maria nos pode ensinar a amar a Cruz.»
     Caríssimos Irmãos e Irmãs Depois da festa da Exaltação da Santa Cruz, que comemorámos ontem, celebra-se hoje a memória de Nossa Senhora das Dores. Duas festas litúrgicas, que nos convidam a realizar uma peregrinação espiritual até ao Calvário. Elas estimulam-nos a unir-nos à Virgem Maria na contemplação do mistério da Cruz.
     O Cristianismo tem na Cruz o seu símbolo principal. Onde quer que o Evangelho ganhou raízes, a Cruz está a indicar a presença dos cristãos. Nas igrejas e nas casas, nos hospitais, nas escolas e nos cemitérios a Cruz tornou-se o sinal por excelência de uma cultura que tira da mensagem de Cristo verdade e liberdade, confiança e esperança.
     No processo de secularização, que distingue uma boa parte do mundo contemporâneo, é importante como nunca que os crentes fixem o olhar neste sinal central da Revelação e captem o seu significado originário e autêntico.
Também hoje, na escola dos antigos Padres, a Igreja apresenta ao mundo a Cruz como «árvore da vida», da qual se pode colher o sentido último e pleno de cada existência e de toda a história humana.
     A partir do momento em que Jesus fez dela o instrumento da salvação universal, a Cruz já não é sinónimo de maldição mas, ao contrário, de bênção. Ao homem atormentado pela dúvida e pelo pecado, ela revela que «Deus amou de tal modo o mundo que lhe deu o Seu Filho único, para que todo o que n'Ele crer não pereça, mas tenha a vida eterna» (Jo 3, 16). Numa palavra, a Cruz é o símbolo supremo do amor.
     Por isso, os jovens cristãos levam-na com orgulho pelas estradas do mundo, confiando a Cristo todas as suas preocupações e expectativas de liberdade, justiça e paz. […]
     A Virgem Maria, aos pés da Cruz, perfeitamente unida ao Filho, pôde partilhar de maneira singular a profundidade de sofrimento e de amor do seu sacrifício. Ninguém melhor do que ela pode ensinar a amar a Cruz. Confiamos à Virgem das Dores os jovens e as famílias, as nações e toda a humanidade. De modo especial invocamo-la em favor dos doentes e os que sofrem, para as vítimas inocentes da injustiça e da violência, dos cristãos perseguidos devido à sua fé. A Cruz gloriosa de Cristo seja para todos penhor de esperança, de resgate e de paz.

 
AS DORES DE MARIA
Frei Gabriel de Santa Maria Madalena, OCD
 
1 - A primeira declaração explícita da parte que Maria Santíssima havia de ter na Paixão de Jesus, encontramo-Ia na profecia do velho Simeão: «uma espada trespassará a tua alma (Le. 2, 35); profecia que teve a sua plena realização no Calvário. «Sim, ó Mãe bem-aventurada - comenta S. Bernardo - verdadeiramente uma espada trespassou a vossa alma. Porque só passando por ela pôde penetrar na carne do vosso Filho. Depois que o vosso Jesus entregou o espírito, a lança cruel, abrindo-Lhe o lado, não chegou à Sua alma, mas trespassou a vossa. Com efeito, a Sua alma já lá não estava, mas a vossa não podia desprender-se dali» (BR).
        Bela interpretação que nos faz compreender como Maria, enquanto Mãe esteve intimamente associada à Paixão do Filho. O Evangelho não nos diz que Maria tivesse estado presente nos momentos gloriosos da vida de Jesus, mas diz-nos que esteve presente no Calvário: «estavam de pé junto à cruz de Jesus Sua Mãe e Maria, mulher de Cléofas e Maria Madalena» (Jo. 19, 25). Ninguém a tinha podido impedir de correr ao lugar onde o seu Filho havia de ser justiçado; o seu amor dá-lhe coragem para estar aIi, de pé, junto à cruz, para assistir à dolorosíssima agonia e morte daquele a quem amava sobre todas as coisas, pois era ao mesmo tempo seu Filho e seu Deus. Do mesmo modo que um dia aceitou ser sua Mãe, agora aceita vê-lo martirizado dos pés à cabeça, aceita ver que lho arrancam por uma morte cruel.
        E não só aceita, mas oferece. Jesus tinha ido espontaneamente para a Paixão, e Maria oferece voluntàriamente o seu Filho diletos para glória da Santíssima Trindade e salvação dos homens. O sacrifício de Jesus torna-se, por isso, o sacrifício de Maria, não só porque Maria oferece juntamente com ele e nele o Filho que lhe pertence, mas porque, com este oferecimento, a Virgem realiza o holocausto mais completo de si mesma, pois Jesus é o centro de todos os seus afetos, de toda a sua vida.  Deus que lhe dera este Filho divino, pede-lho agora no Calvário e Maria oferece-lho com todo o amor do seu coração, com a mais inteira conformidade com a vontade divina.
         2 - A liturgia põe nos lábios da Virgem dolorosa estas comovedoras palavras: «Ó vós que passais no caminho, parai e vede se há dor semelhante à minha dor» (MR.). Sim, a sua dor é incomensurável, mas o seu amor é muito maior, tão grande que pode conter todo aquele mar de dor; de nenhuma criatura, como de Maria, se pode dizer que o seu amor é mais forte que a morte, pois, de fato, tornou-a capaz de suportar a dolorosíssima morte de Jesus. «Quem poderá ficar impassível ao contemplar a Mãe de Cristo sofrendo com o Filho?», canta o Stabat Mater, e prossegue: «Ó Mãe, fazei-me sentir a veemência da vossa dor, a fim de que chore convosco.  Fazei que eu leve no meu coração as chagas de Cristo, fazei-me participante da sua Paixão, fazei que eu seja inebriado pela cruz e pelo Sangue do vosso Filho». Respondendo ao convite da Igreja, contemplemos e compadeçamo-nos das dores de Maria, peçamos-lhe a grande graça de com ela tomarmos parte na Paixão de Jesus. Lembremo-nos de que esta participação não deve ficar no campo do sentimento - embora sejam sentimentos bons e santos- mas deve conduzir-nos à verdadeira compaixão, isto é, a sofrer juntamente com Jesus e Maria. Para esse fim nos são dados os sofrimentos que encontramos na nossa vida.
         A visão da Senhora ao pé da cruz torna-nos menos dura e amarga a lição da cruz: o seu exemplo maternal dá-nos coragem para sofrer, torna mais suave o caminho do Calvário. Vamos, pois, com Maria ao encontro de Jesus Cristo no Calvário, saiamos com Ela ao encontro da cruz e, amparados por Ela, abracemos voluntariamente essa cruz para a oferecermos ao Pai com a do seu Filho.

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