15 de
setembro
MEMÓRIA
DE NOSSA SENHORA DAS DORES
LECTIO DIVINA
Primeira Leitura - Hebreus 5, 7-9 - 7Nos
dias da sua vida mortal, Cristo dirigiu preces e súplicas, com grandes clamores
e lágrimas, Àquele que O podia livrar da morte e foi atendido por causa da sua
piedade. 8Apesar de ser Filho, aprendeu a obediência no sofrimento 9e,
tendo atingido a sua plenitude, tornou-Se para todos os que Lhe obedecem causa
de salvação eterna.
Este texto pequeno, mas deveras
impressionante – há mesmo estudiosos que o consideram um extracto de um antigo
hino a Cristo –, é tirado da parte central do célebre discurso, que é esta
epístola (Hebr 4, 14 – 7, 28), onde se desenvolve o tema do sacerdócio de
Cristo, o sumo sacerdote perfeito, que supera completamente o sacerdócio
levítico.
7 Este versículo parece evocar o relato da agonia de Jesus
no Jardim das Oliveiras (cf. Mt 26, 36-44). «Preces e súplicas»: estas duas
palavras sinónimas correspondem a uma expressão grega da época usada nos
pedidos a uma alta autoridade; o uso do plural sugere a insistência na oração,
segundo o «prolixius orabat» de Lc 22, 43. «Com um grande clamor e lágrimas»:
os ensinos rabínicos sobre a oração referem três graus ascendentes: a prece (em
silêncio), os gritos, e as lágrimas (como a forma mais elevada da oração). Os
Evangelhos só falam de um forte brado de Jesus, na Cruz (Lc 23, 46), mas é de supor
que se conhecessem pela tradição oral, pormenores da oração no horto que
justificariam tão impressionante expressão.
«Foi atendido»: em quê? É difícil
de dizer, a tal ponto que Harnack pensa numa corrupção do texto original: «não
foi atendido»; limitamo-nos a referir as explicações mais viáveis. Jesus não
obteve a libertação do cálice de amargura, mas alcançou a coragem para
enfrentar a sua Paixão identificando-se plenamente com a vontade do Pai. Ou
então, como pensam outros, Jesus foi atendido ao ser livre da morte pela sua
ressurreição, o que lhe permite exercer o seu sacerdócio eterno (cf. 7, 24; 10,
10), com efeito, «a sua morte era essencial para o seu sacerdócio, mas se Ele
não fosse salvo da morte pela ressurreição, não seria agora o sumo sacerdote do
seu povo» (J. H. Neyrey).
8 «Aprendeu a obediência no sofrimento», ou, melhor, «por
aquilo que sofreu», ou também, «aprendeu de quanto sofrera, o que é obedecer».
Trata-se de uma aprendizagem não teórica, mas experimental, existencial.
Aprender através do sofrimento era um lugar comum na literatura grega, e até
havia esta máxima: «os sofrimentos são lições». O que aqui há de particular é a
aplicação à aprendizagem da obediência. No entanto, a obediência de Jesus na
sua Paixão só é referida em mais dois lugares do N. T.: Rom 5, 19 e Filp 2, 8.
Não se pense que a Jesus, por ser Deus, Lhe custava menos o sofrimento, antes
pelo contrário, pois o sofrimento é directamente proporcional à dignidade da
pessoa que sofre.
9
«Tendo atingido a sua plenitude». Esta tradução não deixa ver uma das ideias
centrais da epístola, que é a de «perfeição», pelo que seria preferível a
tradução do Cón. Falcão, «chegado à perfeição» ou a da Difusora Bíblica,
«tornado perfeito». Note-se que a perfeição de que aqui se fala não é a do
amadurecimento na virtude, mas a que advém a Jesus pelo exercício do seu sumo
sacerdócio com a consumação da obra salvadora pela oferta do sacrifício da nova
aliança: «a obediência de Jesus leva-o à sua consagração sacerdotal, que, por
sua vez, O torna apto para salvar aqueles que Lhe obedecem» (The new Jerome
Biblical Commentary, p. 929).
Evangelho - São João 19, 25-27
Naquele tempo, 25estavam
junto à cruz de Jesus sua Mãe, a irmã de sua Mãe, Maria, mulher de Cléofas, e
Maria Madalena. 26Ao ver sua Mãe e o discípulo predilecto, Jesus
disse a sua Mãe: «Mulher, eis o teu filho». 27Depois disse ao
discípulo: «Eis a tua Mãe». E a partir daquela hora, o discípulo recebeu-a em
sua casa.
v.25-27. Repare-se na solenidade deste relato: é uma cena central
entre as cinco relatadas por João no Calvário; a Virgem Maria é mencionada 6
vezes em 3 versículos, e há o recurso a uma fórmula solene de revelação («ao
ver… disse… eis…»). Isto deixa ver que não se trata dum simples gesto de
piedade filial de Jesus para com a sua Mãe a fim de não a deixar ao desamparo,
mas que o Evangelista lhe atribui um significado simbólico profundo; com
efeito, chegada a hora de Jesus, é a hora de Ela assumir (cf. Jo 2, 4) o seu
papel de nova Eva (cf. Gn 3, 15) na obra redentora. A designação de «Mulher»
assume, na boca do Redentor, o novo Adão, o sentido da missão corredentora de
Maria: não é chamada Mãe, mas sim Mulher, como nova Eva, Mãe da nova
humanidade, por alusão à «mulher» da profecia messiânica de Gn 3, 15. Por outro
lado, Ela é a mulher que simboliza a Igreja (cf. Apoc 12, 1-18), a mãe dos
discípulos de Jesus representados no discípulo amado, que «a acolheu como coisa
própria». A tradução mais corrente deste inciso (seguida pela tradução
litúrgica) é: «recebeu-a em sua casa», mas esta forma de tradução empobrece de
modo notável o rico sentido originário da expressão grega «élabon eis tà idía»,
uma expressão usada mais quatro vezes em S. João, mas nunca neste sentido; com
efeito, a expressão tà idía – «as coisas próprias» – significa muito mais do
que a própria casa, indica tudo o que é próprio da pessoa, a sua intimidade.
É também de notar que S. João, ao
contrário dos restantes Evangelistas, nunca se refere a Nossa Senhora com o
nome de Maria; sempre a designa como a Mãe (de Jesus), um indício de ser
tratada realmente como mãe; com efeito, ninguém jamais nomeia a própria mãe com
o nome dela: para o filho a mãe é simplesmente a mãe!
Em vez do Evangelho precedente, pode ler-se o seguinte:
São Lucas 2, 33-35
Naquele tempo, o pai e a mãe do
Menino Jesus estavam admirados com o que se dizia d’Ele. Simeão abençoou-os e
disse a Maria, sua Mãe: «Este Menino foi estabelecido para que muitos caiam ou
se levantem em Israel e para ser sinal de contradição– e uma espada trespassará
a tua alma – assim se revelarão os pensamentos de todos os corações».
v.33-34 «Simeão», de quem não temos mais notícias, aparece como
um dos «piedosos» do judaísmo que esperava não um messias revolucionário (como
os zelotas) mas o verdadeiro Salvador, «a consolação de Israel» (v. 25). Apesar
do que se diz no v. 34, não parece ser sacerdote, não estando no serviço do
templo, mas tendo vindo lá «movido pelo Espírito» (v. 27).
A naturalidade com que S. Lucas
chama a S. José «pai de Jesus» não implica qualquer contradição com o que antes
afirmou em 1, 26-38. Aqui visa o poder e missão paterna, de modo nenhum a
ascendência carnal. «A ‘espada’ de dor pré-anunciada a Maria anuncia essa outra
oblação, perfeita e única, da cruz, que trará a salvação que Deus ‘preparou
diante de todos os povos’(v. 31)» (Catecismo da Igreja Católica, nº 529).
v.35 «Assim se revelarão os pensamentos de todos os
corações». Estas palavras ligam-se a «sinal de contradição». É que, diante de
Jesus, não há lugar para a neutralidade: a sua pessoa, a sua obra e a sua
mensagem fazem com que os homens revelem o seu interior, tomando uma atitude
pró ou contra; a aceitação e a fé será, para muitos, motivo de salvação, ou
«ressurgimento espiritual»: de que «se levantem»; ao passo que a rejeição
culpável será motivo de que muitos se condenem: de que «muitos caiam».
A nossa transfiguração
Os místicos têm cantado o
sofrimento, colaborador luminoso da redenção. Mas importa saber crer. A fé deve
tomar consigo o coração, iluminar a alma e alimentar a consciência, como o
vento faz às árvores quando não se limita a acariciar as folhas mas investe
contra o tronco, sacode as raízes e lança a copa para o céu.
Creio que a dor é o baptismo
heróico de todos nós, que o sofrimento constitui a certeza resplandecente de
todas as almas, as tribulações florescem em todas as veredas e todas as penas
escondem uma pérola preciosa.
A dor é um espanto que defende e
pode tomar mais belas as flores das nossas virtudes.
O Senhor ensina-nos:
«Bem-aventurados os que choram porque serão consolados».
O sofrimento unido à Cruz é a
força mais poderosa para salvar a humanidade, as tribulações de certa duração
acordam energias latentes em cada um de nós tornando-as cooperadoras valiosas
do nosso progresso moral.
O sofrimento pesa o nosso coração
e mede os nossos passos, incendeia a alma e ilumina a consciência.
Olha a cruz, pensa nas dores da
Virgem mãe, contempla a Senhora da Piedade, cerra os olhos e medita as trevas,
a ausência de luz, vai ao campo das doloridas ausências, descobre os lugares
vazios, os lares onde medram os lutos, tantos jovens corações sem o calor da
presença da protecção materna; e verás que as lágrimas chegam, molham lenços e
deslizam nas faces.
Daí S. Agostinho nos dizer que a
Cruz mais terrível é a pretensão de alguém querer viver sem Cruz; ou tirar a
dor à vida ser como tirar o sal aos alimentos – lá se vai o sabor.
Só depois de haver chorado é que
os olhos aprendem a ver melhor e mais longe.
Se ainda não choraste as tuas
faltas, se nunca derramaste uma lágrima por alguém, se nunca sentiste uma dor
silenciosa, a tua vida é vã.
Os que choram são os que sabem,
viver e chorar é próprio dos que vivem neste vale de lágrimas.
Fala o Santo Padre João Paulo II, Angelus, Domingo, 15 de Setembro de 2002
O Cristianismo tem na Cruz o seu
símbolo principal. Onde quer que o Evangelho ganhou raízes, a Cruz está a
indicar a presença dos cristãos. Nas igrejas e nas casas, nos hospitais, nas
escolas e nos cemitérios a Cruz tornou-se o sinal por excelência de uma cultura
que tira da mensagem de Cristo verdade e liberdade, confiança e esperança.
No processo de secularização, que
distingue uma boa parte do mundo contemporâneo, é importante como nunca que os
crentes fixem o olhar neste sinal central da Revelação e captem o seu
significado originário e autêntico.
Também hoje, na escola dos antigos
Padres, a Igreja apresenta ao mundo a Cruz como «árvore da vida», da qual se
pode colher o sentido último e pleno de cada existência e de toda a história
humana.
A partir do momento em que Jesus
fez dela o instrumento da salvação universal, a Cruz já não é sinónimo de
maldição mas, ao contrário, de bênção. Ao homem atormentado pela dúvida e pelo
pecado, ela revela que «Deus amou de tal modo o mundo que lhe deu o Seu Filho
único, para que todo o que n'Ele crer não pereça, mas tenha a vida eterna» (Jo
3, 16). Numa palavra, a Cruz é o símbolo supremo do amor.
Por isso, os jovens cristãos
levam-na com orgulho pelas estradas do mundo, confiando a Cristo todas as suas
preocupações e expectativas de liberdade, justiça e paz. […]
A Virgem Maria, aos pés da Cruz,
perfeitamente unida ao Filho, pôde partilhar de maneira singular a profundidade
de sofrimento e de amor do seu sacrifício. Ninguém melhor do que ela pode
ensinar a amar a Cruz. Confiamos à Virgem das Dores os jovens e as famílias, as
nações e toda a humanidade. De modo especial invocamo-la em favor dos doentes e
os que sofrem, para as vítimas inocentes da injustiça e da violência, dos
cristãos perseguidos devido à sua fé. A Cruz gloriosa de Cristo seja para todos
penhor de esperança, de resgate e de paz.
AS DORES DE MARIA
Frei Gabriel de Santa Maria Madalena, OCD
1
- A primeira declaração explícita da parte que Maria Santíssima havia de ter na
Paixão de Jesus, encontramo-Ia na profecia do velho Simeão: «uma espada
trespassará a tua alma (Le. 2, 35); profecia que teve a sua plena realização no
Calvário. «Sim, ó Mãe bem-aventurada - comenta S. Bernardo - verdadeiramente
uma espada trespassou a vossa alma. Porque só passando por ela pôde penetrar na
carne do vosso Filho. Depois que o vosso Jesus entregou o espírito, a lança
cruel, abrindo-Lhe o lado, não chegou à Sua alma, mas trespassou a vossa. Com
efeito, a Sua alma já lá não estava, mas a vossa não podia desprender-se dali»
(BR).
Bela interpretação que nos faz
compreender como Maria, enquanto Mãe esteve intimamente associada à Paixão do
Filho. O Evangelho não nos diz que Maria tivesse estado presente nos momentos
gloriosos da vida de Jesus, mas diz-nos que esteve presente no Calvário:
«estavam de pé junto à cruz de Jesus Sua Mãe e Maria, mulher de Cléofas e Maria
Madalena» (Jo. 19, 25). Ninguém a tinha podido impedir de correr ao lugar onde
o seu Filho havia de ser justiçado; o seu amor dá-lhe coragem para estar aIi,
de pé, junto à cruz, para assistir à dolorosíssima agonia e morte daquele a
quem amava sobre todas as coisas, pois era ao mesmo tempo seu Filho e seu Deus.
Do mesmo modo que um dia aceitou ser sua Mãe, agora aceita vê-lo martirizado
dos pés à cabeça, aceita ver que lho arrancam por uma morte cruel.
E não só aceita, mas oferece. Jesus
tinha ido espontaneamente para a Paixão, e Maria oferece voluntàriamente o seu
Filho diletos para glória da Santíssima Trindade e salvação dos homens. O
sacrifício de Jesus torna-se, por isso, o sacrifício de Maria, não só porque
Maria oferece juntamente com ele e nele o Filho que lhe pertence, mas porque,
com este oferecimento, a Virgem realiza o holocausto mais completo de si mesma,
pois Jesus é o centro de todos os seus afetos, de toda a sua vida. Deus que lhe dera este Filho divino, pede-lho
agora no Calvário e Maria oferece-lho com todo o amor do seu coração, com a
mais inteira conformidade com a vontade divina.
2
- A liturgia põe nos lábios da Virgem dolorosa estas comovedoras palavras: «Ó
vós que passais no caminho, parai e vede se há dor semelhante à minha dor»
(MR.). Sim, a sua dor é incomensurável, mas o seu amor é muito maior, tão
grande que pode conter todo aquele mar de dor; de nenhuma criatura, como de
Maria, se pode dizer que o seu amor é mais forte que a morte, pois, de fato,
tornou-a capaz de suportar a dolorosíssima morte de Jesus. «Quem poderá ficar
impassível ao contemplar a Mãe de Cristo sofrendo com o Filho?», canta o Stabat
Mater, e prossegue: «Ó Mãe, fazei-me sentir a veemência da vossa dor, a fim de
que chore convosco. Fazei que eu leve no
meu coração as chagas de Cristo, fazei-me participante da sua Paixão, fazei que
eu seja inebriado pela cruz e pelo Sangue do vosso Filho». Respondendo ao
convite da Igreja, contemplemos e compadeçamo-nos das dores de Maria,
peçamos-lhe a grande graça de com ela tomarmos parte na Paixão de Jesus. Lembremo-nos
de que esta participação não deve ficar no campo do sentimento - embora sejam
sentimentos bons e santos- mas deve conduzir-nos à verdadeira compaixão, isto
é, a sofrer juntamente com Jesus e Maria. Para esse fim nos são dados os
sofrimentos que encontramos na nossa vida.
A visão da Senhora ao pé da cruz
torna-nos menos dura e amarga a lição da cruz: o seu exemplo maternal dá-nos
coragem para sofrer, torna mais suave o caminho do Calvário. Vamos, pois, com
Maria ao encontro de Jesus Cristo no Calvário, saiamos com Ela ao encontro da
cruz e, amparados por Ela, abracemos voluntariamente essa cruz para a
oferecermos ao Pai com a do seu Filho.
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