SOLENIDADE
DA ASSUNÇÃO DA MÂE DE DEUS
São João Damasceno
Quem ama ardentemente
alguma coisa costuma trazer seu nome nos lábios e nela pensar noite e dia. Não
se me censure, pois, se pronuncio este terceiro panegírico da Mãe de meu Deus,
como oferenda em honra de sua partida. Isso não será favor para ela mas servirá
a mim mesmo e a vós, aqui presentes - divina e santa assembléia - como um
manjar salutar que, nesta noite sagrada, satisfaça nosso gosto espiritual.
Estamos sofrendo, como sabeis, de penúria de alimentos. Assim, improviso a
refeição; se não é suntuosa nem digna daquilo que no-la inspira, possa ao menos
acalmar-nos a fome. Sim, não é Maria que precisa de elogios, nós é que
precisamos de sua glória. Um ser glorificado, que glória pode receber ainda? A
fonte da luz, como será iluminada ainda? É pois para nós mesmos que fazemos a
coroa. "Vivo eu, diz o Senhor, e glorificarei os que me glorificam" .
(2Sm 2, 30)
O vinho
agrada sem dúvida, é deliciosa bebida, e o pão alimento nutritivo: um alegra, o
outro fortifica o coração do homem (Sl 104, 15). Mas que existe de mais suave
do que a Mãe de meu Deus? Ela cativou meu espírito, ela reina sobre minha
palavra, dia e noite sua imagem me é presente. Mãe do Verbo, dá-me de que
falar! Filha de mãe estéril, torna fecundas as almas estéreis! Eis aquela cuja
festa celebramos hoje em sua santa e divina Assunção.
Acorrei,
pois, e subamos a montanha mística. Ultrapassando as imagens da vida presente e
da matéria, penetrando na treva divina e incompreensível, ingressando na luz de
Deus, celebremos o seu infinito poder. Aquele que, de sua transcendência
superessencial e imaterial, desceu ao seio virgíneo para ser concebido e se encarnar,
sem deixar o seio do Pai; aquele que através da Paixão marchou voluntariamente
para a morte, conquistando pela morte a imortalidade e voltando ao Pai; como
não pôde ele atrair ao Pai sua Mãe segundo a carne? como não elevaria da terra
ao céu aquela que fora um verdadeiro céu sobre a terra?
Hoje a
escada espiritual e viva, pela qual o Altíssimo desceu, se fez visível e
conversou entre os homens (Baruc 3, 38), ei-la que sobe, pelos degraus da
morte, da terra ao céu.
Hoje a mesa
terrestre que, sem núpcias, trouxera o pão celeste da vida e a brasa da
divindade, foi levada da terra aos céus, e para a Porta oriental, para a Porta
de Deus, se ergueram as portas do céu.
Hoje, da
Jerusalém terrestre, a Cidade viva de Deus foi conduzida à Jerusalém do alto;
aquela que concebera como seu primogênito e unigênito o Primogênito de te da
criatura e o Unigênito do Pai, vem habitar na Igreja das primícias (Hb 12, 23);
a arca do Senhor, viva e racional, é transportada ao repouso de seu Filho (Sl
132, 8).
As portas
do paraíso se abrem para acolher a terra portadora de Deus, onde germinou a
árvore da vida eterna, redentora da desobediência de Eva e da morte infligida a
Adão. É o Cristo, causa da vida universal, quem recebe a gruta escondida, a
montanha não trabalhada, donde se destacou, sem intervenção humana, a pedra que
enche a terra.
Aquela que
foi o leito nupcial onde se deu a divina encarnação do Verbo, veio repousar em
túmulo glorioso, como em tálamo nupcial, para de lá se elevar até a câmara das
núpcias celestes, onde reina em plena luz com seu Filho e seu Deus,
deixando-nos também como lugar de núpcias seu túmulo sobre a terra. Lugar de
núpcias, esse túmulo? Sim, e o mais esplendoroso de todos, a refulgir não por
revérberos de ouro, de prata ou de gemas, porém pela divina luz, irradiação de
Espírito Santo. Proporciona, não uma união conjugal aos esposes da terra, mas a
vida santa às almas que se prendem pelos laços do Espírito, proporciona uma
condição junto de Deus, melhor e mais suave que outra qualquer.
Seu túmulo
é mais gracioso do que o Éden: neste, sem querermos repetir tudo o que lá se
passou, houve a sedução do inimigo, sua mentira apresentada como conselho
amigo, a fraqueza de Eva, sua credulidade, o engodo - doce e amargo - ao qual
seu espírito se deixou prender e pelo qual em seguida aliciou o marido; a
desobediência, a expulsão, a morte, mas - para não trazermos com tais
lembranças assunto de tristeza à nossa festa - houve o túmulo que elevou ao céu
o corpo de um mortal, ao contrário daquele primeiro jardim, que derrubou do céu
nosso primeiro pai. Pois não foi ali que o homem, feito à imagem divina, ouviu
a sentença: "tu és terra e em terra te hás de tornar"? (Gn 3, 19)
O túmulo de
Maria, mais precioso que o antigo tabernáculo, encerrou o candelabro espiritual
e vivo, brilhante de divina luz, a mesa portadora de vida, que recebeu, não os
pães da proposição, mas o pão celeste, não o fogo material mas o fogo imaterial
da divindade.
Esse túmulo
é mais feliz que a arca mosaica, pois teve por partilha a verdade, já não as
sombras e as figuras; acolheu a urna áurea do maná celeste, a mesa viva do
Verbo encarnado por obra do Espírito Santo, dedo onipotente de Deus, Verbo
subsistente; acolheu o altar dos perfumes, a brasa divina que aromatizou toda a
Criação.
Fujam portanto
os demônios, gemam os míseros nestorianos - como outrora os egípcios - com seu
chefe, o novo faraó, o cruel flagelo, o tirano, pois foram engolidos pelo
abismo da blasfêmia. Nós, porém, salvos, que atravessamos a pé enxuto o mar da
impiedade, cantemos à Mãe de Deus o canto do Êxodo. Miriam, que é a Igreja,
tome nas mãos o tamborim e entoe o hino de festa; saiam as jovens do Israel
espiritual com tamborins e coros (Ex 15, 20), exultando de alegria! Que os reis
da terra, os juízes e os príncipes, os jovens e as virgens, os velhos e as
crianças, celebrem a Mãe de Deus! Que reuniões e discursos de toda espécie,
raças e povos na diversidade de suas línguas, componham um cântico novo! Que o
ar ressoe de flautas e trombetas espirituais, inaugurando com brilho de fogos o
dia da salvação! Alegrai-vos, ó céus, e vós, nuvens, fazei chover a alegria!
Saltai, novilhos do rebanho eleito, apóstolos divinos que, como montanhas altas
e sublimes, aspirais às mais altas contemplações; e vós, também, ó cordeiros de
Deus, povo santo, filhos da Igreja, que pelo desejo vos alçais como colinas até
as altas montanhas!
Mas então?
Morreu a fonte da vida, a Mãe de meu Senhor? Sim, era preciso que o ser formado
da terra à terra voltasse, para dali subir ao céu, recebendo o dom da vida
perfeita e pura a partir da terra, após ter-lhe entregue seu corpo. Era preciso
que, como o ouro no crisol, a carne rejeitasse o peso da mortalidade e se
tornasse, pela morte, incorruptível, pura, e assim ressuscitasse do túmulo.
Começa hoje
para Maria uma segunda existência, recebida daquele que a fez nascer para a
primeira, como também ela mesma dera uma segunda existência - a vida corpórea -
àquele, cuja primeira existência, a eterna, não teve começo no tempo, embora
principiada no Pai como em sua divina causa.
Alegra-te,
Sião, montanha divina e santa, onde habitou a outra montanha divina, a montanha
vivente, a nova Betel, ungida na pedra, a natureza humana ungida pela
divindade. De ti, como de um jardim de oliveiras, e Filho se elevou às celestes
alturas. Que uma nuvem se componha, universal e cósmica, e que as asas dos
ventos tragam os apóstolos dos confins da terra até Sião!1 Quem são aqueles
que, como nuvens e águias, voam para o corpo - fonte de toda ressurreição, a
fim de cultuar a Mãe de Deus? Quem é a que sobe, na flor de sua alvura, toda
bela, brilhante como o sol? Que cantem as cítaras do Espírito, isto é, as
línguas dos apóstolos! Que ressoem os címbalos, isto é, os arautos eminentes da
palavra de Deus! Que esse vaso de eleição, Hieroteu (2), santificado pelo
Espírito Santo e pela união divina capacitado a sofrer as realidades divinas,
seja arrebatado do corpo, e em transportes de fervor entoe seus hinos! Que
todas as nações aplaudam e celebrem a Mãe de Deus! Que os anjos prestem culto
ao corpo mortal!
Filhas de
Jerusalém, feitas cortejo da Rainha, e virgens suas companheiras, ide com ela
até o Esposo, levai-a à direita do Senhor! Desce, ó Soberano, vem pagar à tua
Mãe a dívida que ela merece por te haver nutrido! Abre tuas mãos divinas e
acolhe a alma de tua mãe, tu que sobre a cruz entregaste o espírito às mãos do
Pai! Dirige-lhe um suave apelo: vem, ó formosa, ó bem-amada, mais
resplandecente pela virgindade do que o sol, tu me partilhaste teus bens, vem
agora gozar junto de mim o que te pertence!
Aproxima-te,
ó Mãe, de teu Filhe, aproxima-te e participa do poder régio daquele que,
nascido de ti, contigo viveu na pobreza! Ascende, ó Soberana, ascende! Já não
vale a ordem dada a Moisés: "Sobe e morre..." (Dn 31, 48) Morre, sim,
mas eleva-te pela própria morte!
Entrega tua
alma às mãos de teu Filho e devolve à terra o que é da terra, pois mesmo isso
será carregado por ti.
Erguei
vossos olhos, Povo de Deus, alçai vosso olhar! Eis em Sião a arca do Senhor
Deus dos exércitos, à qual vieram pessoalmente prestar assistência os
apóstolos, tributando seu derradeiro culto ao corpo que foi princípio de vida e
receptáculo de Deus. Imaterialmente e invisivelmente os anjos o cercam com
respeito, como servidores da Mãe de seu Senhor. O próprio Senhor lá está, onipresente,
ele que tudo enche e abraça, que na verdade não está em lugar algum porque nele
tudo está como na causa que tudo criou e tudo encerra.
Eis a
Virgem, filha de Adão e Mãe de Deus: por causa de Adão entrega seu corpo à
terra, mas por causa de seu Filho eleva a alma aos tabernáculos celestes!
Santificada seja a Cidade santa, que acolhe mais essa bênção eterna! Que os
anjos precedam a passagem da divina morada e preparem seu túmulo, que o fulgor
do Espírito a decore! Preparai aromas para embalsamar o corpo imaculado e
repleto de delicioso perfume! Desça uma onda pura a fim de haurir a bênção da
fonte imaculada da bênção! Alegre-se a terra de receber o corpo e exulte o
espaço pela ascensão do espírito! Soprem as brisas, suaves como o orvalho e
cheias de graça! Que toda a criação celebre a subida da Mãe de Deus: os grupos
de jovens em sua alegria, a boca dos oradores em seus panegíricos, o coração
dos sábios em suas dissertações sobre essa maravilha, os velhos de veneráveis
cãs em suas contemplações. Que todas as criaturas se associem nessa homenagem,
que ainda assim não seria suficiente. Todos, pois, deixemos em espírito este
mundo com aquela que dele parte. Sim, todos, pelo fervor do coração, desçamos
com a que desce à sepultura e ali nos coloquemos. Cantemos hinos sacros e
nossas melodias se inspirem nas palavras: "Ave, cheia de graça, o Senhor é
contigo!" Permanece na alegria, tu que foste predestinada a ser Mãe de
Deus. Permanece na alegria, tu que foste eleita antes dos séculos por um desígnio
de Deus, germe divino da terra, habitação do fogo celeste, obra-prima do
Espírito Santo, fonte de água viva, paraíso da árvore da vida, ramo vivo que
portas o divino fruto, donde fluem o néctar e a ambrosia, rio de aromas do
Espírito, terra produtora da divina espiga, rosa resplandecente da virgindade,
donde emana o perfume da graça, lírio da veste real, ovelha que geras o
Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, instrumento de nossa salvação,
superior às potências angélicas, serva e Mãe!
Vinde,
enfileiremo-nos em torno ao túmulo imaculado para dali sorvermos a divina
graça! Vinde, abracemos em espírito o corpo virginal. Entremos no sepulcro e
morramos nele, rejeitando as paixões da carne, vivendo uma vida sem
concupiscência e sem mácula. Escutemos os hinos divinos, cantados
imaterialmente pelos anjos. Entremos para adorar, aprendamos a conhecer o
mistério inaudito: como esse corpo foi elevado às alturas, arrebatado ao céu,
como a Virgem foi posta junto de seu Filho acima dos coros angélicos, de sorte
que nada se interpusesse entre Mãe e Filho.
Tal é,
depois de outros dois, o terceiro discurso que compus acerca de tua partida, ó
Mãe de Deus, em honra e amor da Trindade, cuja cooperadora foste, por
benevolência do Pai e por virtude do Espírito, quando recebeste o Verbo sem
princípio, a Sabedoria onipotente, a Força de Deus. Aceita, pois, minha boa
vontade, maior do que minha capacidade, e dá-me a salvação, a libertação das
paixões da alma, o alívio das doenças dos corpos, a salvação das dificuldades,
a vida de paz, a luz do Espírito. Inflama nosso amor por teu Filho, regula
nossa conduta sobre o que lhe apraz, a fim de que, na posse da bem-aventurança
do alto, e vendo-te refulgir com a glória de teu Filho, façamos ressoar hinos
sagrados, na eterna alegria, na assembléia dos que celebram, em festa digna do
Espírito, aquele que por ti opera nossa salvação, o Cristo Filho de Deus e
nosso Deus, a quem pertence a glória e o poder, com o Pai sem princípio e o
Espírito Santo e vivificador, agora e sempre pelos séculos. Amém.
Deus te salve, Maria. cheia de graça.
Mais gloriosa que os Serafins,
mais santa que os santos;
a mais venerada de todas as criaturas.
Mais gloriosa que os Serafins,
mais santa que os santos;
a mais venerada de todas as criaturas.
Salve, PomBa mensageira que levas o ramo de oliva
e anuncias o porto salvador.
Tuas asas prateadas refletem a luz divina do Espírito.
e anuncias o porto salvador.
Tuas asas prateadas refletem a luz divina do Espírito.
Salve, solitário e atraente jardim de Deus,
plantado ao sol e cultivado cuidadosamente pelo Senhor,
perfumado de lírios e exuberante de rosas sempre delicadas,
que nos livram das tristezas e angústias nascidas de nossa solidão; jardim onde cresce a árvore que vivifica e dá a imortalidade.
plantado ao sol e cultivado cuidadosamente pelo Senhor,
perfumado de lírios e exuberante de rosas sempre delicadas,
que nos livram das tristezas e angústias nascidas de nossa solidão; jardim onde cresce a árvore que vivifica e dá a imortalidade.
Salve palácio do Rei dos Reis, obra de arquitetura
divina,
palácio resplandecente e puro, com belos adornos,
que acolhem a quantos batem às suas portas
e é esplêndido em refrigérios místicos;
palácio onde o Verbo enamorado cobriu a pobre natureza humana
e onde, unida em núpcias a ela,
acolhe sem cessar aos pródigos,
a fim de mostrar-lhes o caminho de retorno à casa do Pai.
palácio resplandecente e puro, com belos adornos,
que acolhem a quantos batem às suas portas
e é esplêndido em refrigérios místicos;
palácio onde o Verbo enamorado cobriu a pobre natureza humana
e onde, unida em núpcias a ela,
acolhe sem cessar aos pródigos,
a fim de mostrar-lhes o caminho de retorno à casa do Pai.
Salve montanha frondosa
em cuja sombra o Cordeiro de Deus cresceu
para revestir-se um dia com nossos pecados e fraquezas;
montanha da qual desprendeu-se a pedra
que rolou sobre os altares dos falsos deuses
e, para a admiração de todos, tornou-se a pedra angular.
em cuja sombra o Cordeiro de Deus cresceu
para revestir-se um dia com nossos pecados e fraquezas;
montanha da qual desprendeu-se a pedra
que rolou sobre os altares dos falsos deuses
e, para a admiração de todos, tornou-se a pedra angular.
Salve, trono santo de Deus, tesouro escondido,
ornamento propiciatório de todo o Universo;
céu ao alcance de nossas mãos.
ornamento propiciatório de todo o Universo;
céu ao alcance de nossas mãos.
Salve, relicário de ouro trabalhado à mão
onde é guardado o verdadeiro maná
Cristo Nosso Senhor, pão doce e terno.
onde é guardado o verdadeiro maná
Cristo Nosso Senhor, pão doce e terno.
Ó Virgem pura e digna de ser louvada sem cessar,
templo dedicado a Deus, terra virgem,
prado não cultivado, videira frondosa,
fonte que mana, virgem e mãe,
tesouro escondido, sacrário da virtude!
templo dedicado a Deus, terra virgem,
prado não cultivado, videira frondosa,
fonte que mana, virgem e mãe,
tesouro escondido, sacrário da virtude!
Com tuas súplica e teu poder de mãe,
tão eficaz diante de Deus, Senhor, Criador, ... e teu Filho,
faz com que os bispos, sacerdotes e diáconos e religiosos
compreendas sua missão de guias e dá-lhes a paz.
tão eficaz diante de Deus, Senhor, Criador, ... e teu Filho,
faz com que os bispos, sacerdotes e diáconos e religiosos
compreendas sua missão de guias e dá-lhes a paz.
São Germano de Constantinopla
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