“Estar diante do rosto de Deus vivo, esta é nossa vocação”, dizia Edith Stein.
Buscar o rosto de Deus... Poucas frases têm tantas raízes bíblicas como esta. Todo o Antigo Testamento não é mais que uma busca incansável do rosto de Deus. Aí está expresso o profundo desejo do israelita por conhecer a Deus, sua identidade entrar em sua intimidade e participa em sua glória. Será o desejo de Moisés, apesar de que Deus lhe diga: “Meu rosto não podeis ver”(Ex 32,20), a chamada à conversão dos profetas, como Amós que diz: “Buscai o rosto de Deus e vivereis”, o desejo dos sábios em sua busca da sabedoria e a felicidade para o ser humano; porém será sobretudo o grito orante do salmista que uma vez ou outra pede e deseja “ter a visão do rosto de Deus”, que “seu rosto nos ilumine” ou, ao contrário, que “não se afaste de nós seu rosto”.
E quando este rosto apareça e brilhe no de Jesus, nascerá o Novo Testamento e o Cristianismo e o monacato para continuar com mais insistência e mais afinco esta busca incansável. Porque nesta busca do rosto autêntico de Deus em Jesus está em jogo o próprio futuro deste cristianismo. Diz-nos, de uma maneira indireta, o Concílio Vaticano II, quando ao falar das causas do ateísmo afirma audazmente: “nesta gênese do ateísmo, grande parte podem ter os crentes, enquanto negligenciando a educação da fé, ou por uma exposição falaz da doutrina, ou por faltas na sua vida religiosa, moral e social, se poderia dizer deles que mais escondem que manifestam a face genuína de Deus e da religião” (GS, 19)
A mesma fundamentação bíblica podemos encontrar para a segunda parte de nossa oração-definição: “ser no mundo testemunhas do teu amor”. Poder-se-ia dizer que toda a Bíblia e em particular o Novo Testamento não é mais que uma exposição de como cada um é testemunho do amor de Deus. Jesus é o testemunho do amor de Deus por excelência e esta será a missão de seus seguidores, testemunhas de sua ressurreição... em definitivo de seu amor. Assim poderíamos dizer que nesta oração está condensada toda a Bíblia.
Dir-se-á, então, que esta é a tarefa de todo religioso, mais ainda, de todo cristão. Por estar correta tal afirmativa é que nós, os carmelitas, necessitamos concretizar esta busca e ser testemunhos com a luz que projeta o ícone de Elias, que é o que inspira esta oração que rezamos todos os dias.
Somente algumas pinceladas. É bem sabido que a tradição eliano-profética está nas origem do Carmelo; porém esta tradição recebeu nova orientação com Teresa e João da Cruz, com os reformadores de Torenne. Elias já não será simplesmente o modelo de ermitão, centrando-se sobretudo em sua imitação no retiro da fonte de Carit, como faz A instituição dos primeiros monges. Elias, “guia e pai” dos carmelitas será aquele que vai do córrego Carit ao monte Horeb, passando pelo Carmelo, o vinhedo de Nabot e ao longo caminhar pelo deserto; ou seja, abarca toda a vida do profeta contemplando-lhe, sobretudo, quando chega ao alto na visão de Deus no “sussurro da brisa suave”, como faz São João da Cruz que dos seis textos que falam do profeta, cinco deles nos falam desta visão do Horeb, e de “assobio/cantar dos ares amorosos”.
Tudo isto resume muito bem neste pensamento: “Entre os veneráveis personagens bíblicos, rendamos culto especial ao profeta Elias, que contempla ao Deus vivo e se abrasa no zelo de sua glória, como inspirador do Carmelo, e consideramos seu carisma profético como ideal de nosso chamamento à escuta e proclamação da palavra de Deus.”
Elias, nesta dupla faceta se tem convertido hoje para muitos, não só para os carmelitas, em modelo do que se tem começado a chamar “espiritualidade do deserto”, que reflete muito bem a situação na qual se encontra a igreja na atualidade.
Há vários anos apareceu na Alemanha um livro que tem este título Espiritualidade do deserto. O autor é um dos teólogos Comunidade Santa Edith Stein mais destacados no panorama atual da teologia; teólogo de altos vôos, de raça, diriam alguns, quando se atreve escrever um trabalho tão volumoso sobre o mistério trinitário e depois saber divulgá-lo de uma maneira muito simples ao alcance de qualquer cristão. Estou me referido a Gisbert Greshake. Alguns anos antes tinham aparecidos, na Holanda, dois livros, um com o titulo "Oásis no Deserto:. Espaços vitais para a fé" e o outro, "Quarenta palavras no deserto", ambos do mesmo autor: Bernard Rootmensen.
Neste livro, Espiritualidade do deserto, Greshake dedica um capítulo completo ao Carmelo:
“A espiritualidade Eliana do deserto no Carmelo”. É por tal razão que volto a recordar: “Vive o Senhor, o Deus de Israel, ante cuja presença estou”. Aí está resumida a espiritualidade Eliana do deserto: estar frente ao rosto de Deus, buscar continuamente sua presença, para isto se vai ao deserto. Daí, desta imediatez da presença de Deus brotará “seu zelo, sua paixão por Deus” contra todos os ídolos com uma radicalidade absoluta. O carmelita viverá isto desde a meditação da Palavra de Deus dia e noite seguindo a indicação da Regra e o anseio de encontrar o rosto de Deus se converterá no núcleo da experiência contemplativa.
Teresa de Jesus e João da Cruz e todo o Carmelo assumem a divisa de Elias “Me consome o zelo, a paixão pelo Senhor” e concretizarão sua radicalidade absoluta nas formulações marcadas por estas mesmas características. Teresa dirá: “Só Deus basta” e João da Cruz : “Tudo ou Nada” que levará a uma paixão absoluta pelo Deus da união mística e a luta sem quartel contra todos os ídolos, com a mesma força e intensidade que Elias no Carmelo e no Horeb.
Assim, Elias se converte no arquétipo ideal do carmelita, que poderíamos apresentar em breve resumo, assim:
Elias é o profeta solitário que tem sede de Deus vivo e vive em sua presença (1R 17,1);
É um místico que depois de uma longa e esgotadora viagem pelo deserto aprende a lei e descobre a nova presença de Deus no sussurro do silêncio (1Rs 19, 1-18).
É o homem contemplativo a quem lhe consome uma paixão avassaladora por Deus, uma paixão transborda para os demais (2Rs 18, 20-46).
É o profeta que se preocupa pela vida do povo, que luta contra os falsos deuses e conduz o povo ao verdadeiro Deus. É o homem solidário com os pobres e o os abandonados (1Rs 17, 8-24) e que defende aqueles que sofrem a opressão e a injustiça (1Rs 21, 17-29).
Este é o modelo que se apresenta hoje aos carmelitas nesta espiritualidade do deserto, uma espiritualidade que como sinal dos tempos, parece estar chamando às portas do Carmelo
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