quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Sábado XXXIII do Tempo Comum

São Clemente I, papa e mártir
 
1ª Leitura (Ap 11,4-12):
Foi-me dito a mim, João: «Eu mandarei as minhas duas testemunhas para profetizarem. São as duas oliveiras e os dois candelabros, que estão diante do Senhor de toda a terra. Se alguém lhes quiser fazer mal, sairá fogo das suas bocas para devorar os seus inimigos; se alguém lhes quiser fazer mal, assim deve perecer. Elas têm o poder de fechar o céu, para que a chuva não caia durante os dias em que profetizarem. Têm também o poder de transformar as águas em sangue e de ferir a terra com toda a espécie de flagelos, todas as vezes que quiserem. Mas quando terminarem o seu testemunho, o Monstro que sobe do abismo há-de fazer-lhes guerra, há-de vencê-las e matá-las. E os seus cadáveres ficarão estendidos na praça da grande cidade, que se chama simbolicamente Sodoma e Egipto, onde o seu Senhor foi crucificado. Homens de vários povos, tribos, línguas e nações olharão para esses cadáveres durante três dias e meio, sem que seja permitido dar-lhes sepultura. Os habitantes da terra alegrar-se-ão pela sua morte e felicitar-se-ão, enviando presentes uns aos outros, porque estes dois profetas tinham atormentado os habitantes da terra. Passados, porém, três dias e meio, entrou neles um sopro de vida, que veio de Deus, e eles puseram-se de pé, com grande espanto dos que os olhavam. Ouviram então uma voz forte vinda do Céu, que dizia: «Subi para aqui». E eles subiram para o Céu numa nuvem, à vista dos seus inimigos.
 
Salmo Responsorial: 143
R. Bendito seja o Senhor, rochedo do meu refúgio.
 
Bendito seja o Senhor, o rochedo do meu refúgio, que adestra as minhas mãos para a luta e os meus dedos para o combate.
 
O Senhor é meu amparo e minha cidadela, meu baluarte e meu libertador. Ele é meu escudo e meu abrigo e submete os povos ao meu poder.
 
Hei de cantar-Vos, meu Deus, um cântico novo, hei de celebrar-Vos ao som da harpa, a Vós que dais aos reis a vitória e salvastes David, vosso servo.
 
Aleluia. Jesus Cristo, nosso Salvador, destruiu a morte e fez brilhar a vida por meio do Evangelho. Aleluia.
 
Evangelho (Lc 20,27-40): Naquele tempo, aproximaram-se de Jesus alguns saduceus, os quais negam a ressurreição, e lhe perguntaram: «Mestre, Moisés deixou-nos escrito: Se alguém tiver um irmão casado e este morrer sem filhos, deve casar-se com a mulher para dar descendência ao irmão. Ora, havia sete irmãos. O primeiro casou e morreu, sem deixar filhos. Também o segundo e o terceiro se casaram com a mulher. E assim os sete: todos morreram sem deixar filhos. Por fim, morreu também a mulher. Na ressurreição, ela será esposa de qual deles? Pois os sete a tiveram por esposa». Jesus respondeu-lhes: «Neste mundo, homens e mulheres casam-se, mas os que forem julgados dignos de participar do mundo futuro e da ressurreição dos mortos não se casam; e já não poderão morrer, pois serão iguais aos anjos; serão filhos de Deus, porque ressuscitaram. Que os mortos ressuscitam, também foi mostrado por Moisés, na passagem da sarça ardente, quando chama o Senhor de Deus de Abraão, Deus de Isaac e Deus de Jacó. Ele é Deus não de mortos, mas de vivos, pois todos vivem para ele». Alguns escribas responderam a Jesus: «Mestre, falaste muito bem». E não mais tinham coragem de lhe perguntar coisa alguma.
 
«Ele é Deus não de mortos, mas de vivos, pois todos vivem para ele»
 
Rev. D. Ramon CORTS i Blay (Barcelona, Espanha)

Hoje, a Palavra de Deus nos fala do tema capital da ressurreição dos mortos. Curiosamente, como os saduceus, também nós não nos cansamos de formular perguntas inúteis e fora do lugar. Queremos solucionar as coisas do além com os critérios daqui de baixo, quando no mundo que está por vir tudo será diferente: «mas os que serão julgados dignos do século futuro e da ressurreição dos mortos não terão mulher nem marido». (Lc 20,35). Partindo de critérios errados chegamos a conclusões errôneas.
 
Se nos amassemos mais e melhor, não estranharíamos que no céu não houvesse a exclusividade do amor que vivemos na terra, totalmente compreensível devido à nossa limitação, que nos dificulta o poder sair de nossos círculos mais próximos. Mas no céu nos amaremos todos e com um coração puro, sem invejas, nem receios e, não somente ao esposo ou à esposa, aos filhos ou aos do nosso sangue, mas sim a todo o mundo, sem exceções, nem discriminações de língua, nação, raça ou cultura, uma vez que o «amor verdadeiro alcança uma grande força» (São Paulino de Nola).
 
Faz-nos muito bem escutar essas palavras da Escritura que saem dos lábios de Jesus. Faz-nos bem, porque nos poderia suceder que, agitados por tantas coisas que não nos deixam nem tempo para pensar e influenciados por uma cultura ambiental que parece negar a vida eterna, chegássemos a estar tocados pela dúvida com respeito a ressurreição dos mortos. Sim, nos faz um grande bem que o Senhor mesmo seja quem nos diga que existe um futuro além da destruição do nosso corpo e deste mundo que passa: «Por outra parte, que os mortos hão de ressuscitar é o que Moisés revelou na passagem da sarça ardente (Ex 3,6), chamando ao Senhor: Deus de Abraão, Deus de Isaac, Deus de Jacó» (Lc 20,37-38).
 
Pensamentos para o Evangelho de hoje
«Se eu ressuscitar num corpo aéreo, já não serei mais eu quem ressuscitará: como poderia haver uma verdadeira ressurreição, se a minha carne não fosse uma verdadeira carne?» (São Gregório Magno)
 
«Já nesta terra, na oração, nos Sacramentos, na fraternidade, encontramos Jesus e o seu amor, e assim podemos antecipar a vida ressuscitada» (Francisco)
 
«O que é ressuscitar?(…). Deus, na sua omnipotência, restituirá definitivamente a vida incorruptível aos nossos corpos, unindo-os às nossas almas pela virtude da ressurreição de Jesus» (Catecismo da Igreja Católica, nº 997)
 
Reflexões de Frei Carlos Mesters, O.Carm.
 
*
O evangelho de hoje traz a discussão dos Saduceus com Jesus sobre a fé na ressurreição.
 
* Lucas 20,27: A ideologia dos Saduceus. O evangelho de hoje começa com esta afirmação: “Os saduceus afirmam que não existe ressurreição”. Os saduceus eram uma elite aristocrata de latifundiários e comerciantes. Eram conservadores. Não aceitavam a fé na ressurreição. Naquele tempo, esta fé começava a ser valorizada pelos fariseus e pela piedade popular. Ela animava a resistência do povo contra a dominação tanto dos romanos como dos sacerdotes, dos anciãos e dos próprios saduceus. Para os saduceus, o reino messiânico já estava presente na situação de bem-estar que eles estavam vivendo. Eles seguiam a assim chamada “Teologia da Retribuição” que distorcia a realidade. Segundo esta teologia, Deus retribui com riqueza e bem-estar os que observam a lei de Deus, e castiga com sofrimento e pobreza os que praticam o mal. Assim, se entende por que os saduceus não queriam mudanças. Queriam que a religião permanecesse tal como era, imutável como o próprio Deus. Por isso, para criticar e ridicularizar a fé na ressurreição, contavam casos fictícios para mostrar que a fé na ressurreição levaria a pessoa ao absurdo.
 
* Lucas 20,28-33: O caso fictício da mulher que se casou sete vezes. Conforme a lei da época, se o marido morre sem filhos, o irmão dele deve casar-se com a viúva do falecido. Era para evitar que, caso alguém morresse sem descendência, a propriedade dele passasse para outra família (Dt 25,5-6). Os saduceus inventaram a história de uma mulher que enterrou sete maridos, irmãos um do outro, e ela mesma acabou morrendo sem filho. E eles perguntam a Jesus: “E agora, na ressurreição, de quem a mulher vai ser esposa? Todos os sete se casaram com ela!" Caso inventado para mostrar que a fé na ressurreição cria situações absurdas.
 
* Lucas 20,34-38: A resposta de Jesus que não deixa dúvida. Na resposta de Jesus transparece a irritação de quem não aguenta fingimento. Jesus não aguenta a hipocrisia da elite que manipula e ridiculariza a fé em Deus para legitimar e defender seus próprios interesses. A sua resposta tem duas partes: 1) vocês não entendem nada de ressurreição: "Nesta vida, os homens e as mulheres se casam, mas os que Deus julgar dignos da ressurreição dos mortos e de participar da vida futura, não se casarão mais, porque não podem mais morrer, pois serão como os anjos. E serão filhos de Deus, porque ressuscitaram” (vv. 34-36). Jesus explica que a condição das pessoas depois da morte será totalmente diferente da condição atual. Depois da morte já não haverá mais casamento, mas todas serão como os anjos no céu. Os saduceus imaginavam a vida no céu igual à vida aqui na terra. 2) vocês não entendem nada de Deus: “E que os mortos ressuscitam, já Moisés indica na passagem da sarça, quando chama o Senhor de 'o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó'. Deus não é Deus de mortos, mas de vivos, pois todos vivem para ele." No fim, Jesus conclui: “Nosso Deus não é um Deus de mortos, mas sim de vivos! Vocês estão muito errados!” Os discípulos e as discípulas, que estejam de sobreaviso e aprendam! Quem estiver do lado destes saduceus estará do lado oposto de Deus!
 
* Lucas 20,39-40: A reação dos outros frente à resposta de Jesus.  “Alguns doutores da Lei disseram a Jesus: "Foi uma boa resposta, Mestre." E ninguém mais tinha coragem de perguntar coisa nenhuma a Jesus”.  Muito provavelmente, estes doutores da lei eram dos fariseus, pois os fariseus acreditavam na ressurreição (cf Atos 23,6).
 
Para um confronto pessoal
1. Como hoje os grupos de poder imitam os saduceus e armam ciladas para impedir mudanças no mundo e na igreja?
2. Você acredita na ressurreição? Dizendo que crê na ressurreição, você pensa em algo do passado, do presente ou do futuro? Já aconteceu alguma vez uma experiência de ressurreição em sua vida?

quarta-feira, 20 de novembro de 2024

Sexta-feira da 33ª semana do Tempo Comum

Santa Cecilia, virgem e mártir
 
1ª Leitura (Ap 10,8-11):
A voz do Céu, que eu, João, tinha ouvido, falou-me novamente, dizendo: «Vai buscar o livro aberto da mão do Anjo que está de pé sobre o mar e sobre a terra». Fui ter com o Anjo e pedi-lhe que me desse o pequeno livro. Ele disse-me: «Toma-o e come-o: no estômago, ele será amargo, mas na boca, ele será doce como o mel». Tomei o pequeno livro da mão do Anjo e comi-o: na minha boca era doce como o mel; mas depois de o engolir, amargou-me no estômago. Então disseram-me: «Tens de profetizar novamente contra muitos povos, nações, línguas e reis».
 
Salmo Responsorial: 118
R. As vossas palavras, Senhor, são mais doces que o mel.
 
Sinto mais alegria em seguir as vossas ordens do que em todas as riquezas. As vossas ordens são as minhas delícias e os vossos decretos meus conselheiros.
 
Para mim vale mais a lei da vossa boca do que milhões em prata e ouro. Como são doces ao meu paladar as vossas palavras, mais que o mel para a minha boca.
 
As vossas ordens são a minha herança eterna, são elas que dão alegria ao meu coração. Eu abro a minha boca e aspiro, porque estou ávido dos vossos mandamentos.
 
Aleluia. As minhas ovelhas escutam a minha voz, diz o Senhor; Eu conheço as minhas ovelhas e elas seguem-Me. Aleluia.
 
Evangelho (Lc 19,45-48): Naquele tempo, Jesus entrou no templo e começou a expulsar os que ali estavam vendendo. E disse: «Está escrito: Minha casa será casa de oração. Vós, porém, fizestes dela um antro de ladrões». Todos os dias, ele ficava ensinando no templo. Os sumos sacerdotes, os escribas e os notáveis do povo procuravam um modo de matá-lo. Mas não sabiam o que fazer, pois o povo todo ficava fascinado ao ouvi-lo falar.
 
«Minha casa será casa de oração»
 
P. Josep LAPLANA OSB Monje de Montserrat (Montserrat, Barcelona, Espanha)
 
Hoje, o gesto de Jesus é profético. À maneira dos antigos profetas, realiza uma ação simbólica, cheia de significado face ao futuro. Ao expulsar do templo os mercadores, que faziam negócio com as vítimas destinadas a servir de oferenda, e ao indicar que «a casa de Deus será casa de oração» (Is 56,7), Jesus anunciava a nova situação, que Ele vinha inaugurar, em que os sacrifícios de animais já não tinham lugar. São João definirá a nova relação de culto como uma «adoração ao Pai em espírito e verdade» (Jo 4,24). A figura deve dar lugar à realidade. Santo Tomás de Aquino dizia poeticamente «Et antiquum documentum / novo cedat ritui (Que o Antigo Testamento ceda o lugar ao Novo Rito)».
 
O Novo Rito é a palavra de Jesus. Por isso, São Lucas associou à cena da purificação do templo a apresentação de Jesus, nele pregando cada dia. O novo culto centra-se na oração e na escuta da Palavra de Deus. Mas, na realidade, o centro do centro da instituição cristã é a própria pessoa viva de Jesus, com a sua carne entregue e o seu sangue derramado na cruz e oferecidos na Eucaristia. Também Santo Tomás o destaca de modo muito belo: «Recumbens com fratribus (...) se dat suis manibus» («Sentado à mesa com os irmãos (...) dá-se a si mesmo com as suas próprias mãos»).
 
No Novo Testamento, inaugurado por Jesus, já não são necessários nem bois nem vendedores de cordeiros. Tal como «todo o povo ficava fascinado ao ouvi-lo falar» (Lc 19,48), também nós não temos de ir ao templo para imolar vítimas, mas para receber Jesus, o autêntico cordeiro imolado por nós, de uma vez para sempre (cf. He 7,27), e para unir a nossa vida à de Jesus.
 
Pensamentos para o Evangelho de hoje
«Correi todos juntos até Jesus Cristo como ao único templo de Deus, como ao único altar: Ele é um, e procedente do único Pai, permaneceu unido a Ele, e a Ele voltou na unidade» (Santo Inácio de Antioquia)
 
«O Templo com o seu culto ficou “demolido” na crucificação de Cristo; no seu lugar agora está a Arca da Aliança viva de Jesus Cristo crucificado e ressuscitado» (Bento XVI)
 
«Jesus subiu ao Templo como quem sobe ao lugar privilegiado de encontro com Deus. O templo é para Ele a casa do seu Pai (…). Depois da ressurreição, os Apóstolos guardaram para com o Templo um respeito religioso (cf. At 2,46)» (Catecismo da Igreja Católica, nº 584)
 
Reflexões de Frei Carlos Mesters, O.Carm.
 
*
O evangelho de hoje descreve como Jesus entrou no Templo e expulsou de lá os vendedores. A religião era usada para explorar o povo e enriquecer uma elite.
 
* Lucas 19,45: A expulsão dos vendedores do templo. Chegando no Templo, Jesus faz um gesto violento: “Começou a expulsar os vendedores”.  No evangelho de Marcos se diz que “derrubou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos vendedores de pombas. Ele não deixava ninguém carregar nada através do Templo” (Mc 11,15-16). E no evangelho de João chegou a usar um chicote de cordas para ameaçar o pessoal (Jo 2,15). Conforme o gesto simbólico de Jesus, descrito por Marcos (Mc 11,12-14), o Templo de Jerusalém, do jeito que estava funcionando, não passava de uma árvore frondosa, bonita, cheia de folhas, mas sem oferecer fruto para o povo faminto que buscava o Deus da vida. Por isso, num gesto violento de autoridade, Jesus declara encerrado o expediente do Templo e põe fim ao culto da maneira como este estava sendo realizado. Já não tinha mais sentido: “Nunca mais ninguém coma do teu fruto!” (Mc 11,14.20).
 
* Lucas 19,46:  O que estava errado no culto do Templo? E disse: "Está nas Escrituras: 'Minha casa será casa de oração'. No entanto, vocês fizeram dela um antro de ladrões." Jesus cita dois profetas: Isaías e Jeremias. Isaías dizia que o Templo devia ser uma casa de oração para todos os povos (Is 56,7). A realidade, porém, era outra. Estrangeiros, mulheres e pessoas consideradas impuras não podiam entrar no templo. Eram excluídas. Por meio deste texto de Isaías, Jesus ensina que o Templo deve ser não um lugar de exclusão, mas sim de inclusão. Deve estar aberto para todos. Jeremias dizia que o Templo tinha sido transformado num “covil de ladrões” (Jr 7,11). O mesmo estava acontecendo no tempo de Jesus. Assim, citando Jeremias, Jesus denuncia o mau uso do Templo. A religião não pode ser usada para explorar o povo nem para sustentar e legitimar os privilégios da classe dirigente.
 
* Lucas 19,47-48: As autoridades decidem matar Jesus. Os chefes dos sacerdotes, os doutores e os anciãos, incomodados pelo gesto de Jesus, decidem matá-lo. Mas eles têm medo do povo que estava maravilhado com o ensinamento de Jesus. À tardezinha, diante das ameaças das autoridades, Jesus sai de novo da cidade e volta para Betânia, o nome significa Casa da Pobreza.
 
* A contradição do Templo: casa de oração e covil de ladrões. Na festa de Páscoa o povo romeiro vinha caminhando, dos lugares mais distantes para encontrar-se com Deus no Templo. O Templo ficava no alto de um pequeno morro na zona norte-nordeste da cidade, chamado Monte Sião. O povo observava a beleza do Templo, a firmeza das muralhas e a grandeza das montanhas ao redor. Esse conjunto imponente fazia lembrar a proteção de Deus. Por isso rezava: "Aqueles que confiam em Javé são como o monte Sião: ele nunca se abala, está firme para sempre. Jerusalém é rodeada de montanhas, assim Javé envolve o seu povo, desde agora e para sempre" (Sl 125,1-2). Em Jerusalém estavam também a sede do Governo, o palácio dos chefes e a casa dos sacerdotes e doutores. Todos estes diziam exercer o poder em nome de Javé, mas na realidade, muitos deles exploravam o povo com tributos e impostos. Usavam a religião como instrumento para se enriquecer e para fortalecer a sua dominação sobre a consciência do povo. Transformaram o Templo, a Casa de Deus, num “covil de ladrões” (Jr 7,11; cf. Lc 19,46; Mc 11,17). Uma contradição pesava sobre o Templo. De um lado, lugar de encontro e de reabastecimento da consciência e da fé. De outro lado, fonte de alienação e de exploração do povo. Hoje também permanece a mesma contradição: de um lado, devemos contribuir para a conservação das igrejas e a digna manutenção do culto. De outro lado, tem gente que se aproveita disso para se enriquecer. A expulsão dos vendedores ajuda a compreender o motivo pelo qual os homens do poder decidiram matar Jesus. O Templo, aquela figueira bonita e frondosa, deveria dar fruto, mas não estava dando, pois uma elite de sacerdotes, anciãos e escribas tinha-se apoderado dele e o tinha transformado numa fonte de lucro e num instrumento de dominação das consciências (cf. Mc 11,13-14). O comércio dos animais, destinados aos sacrifícios no Templo, era controlado pelas famílias dos Sumos Sacerdotes a um preço mais alto do que no mercado comum na cidade. Só na noite de páscoa, eram imolados milhares e milhares de ovelhas! Com este lucro injusto eles faziam caridade para os pobres! O Reino anunciado por Jesus coloca um ponto final a esta exploração, simbolizada pelos vendedores, compradores e cambistas do Templo: “Ninguém jamais coma do teu fruto!” Jesus traz um novo tipo de religião, em que o acesso a Deus se faz através da fé (Mc 11,22-23), da oração (Mc 11,24) e da reconciliação (Mc 11,15-26). Por isso mesmo, os chefes não gostaram da ação de Jesus e decidiram eliminá-lo.
 
Para um confronto pessoal
1. Você conhece casos de pessoas ou de instituições que se aproveitam da religião para se enriquecer ou para levar uma vida mais fácil? Qual tem sido a sua reação diante destes abusos?
2. Se Jesus aparecesse hoje e se entrasse na igreja ou no templo da nossa comunidade, o que diria e faria?

terça-feira, 19 de novembro de 2024

Quinta-feira da 33ª semana do Tempo Comum

Apresentação de Nossa Senhora
 
1ª Leitura (Ap 5,1-10):
Eu, João, vi na mão direita d’Aquele que estava sentado no trono um livro escrito por dentro e por fora, selado com sete selos. Vi também um Anjo poderoso, que proclamava em alta voz: «Quem é digno de abrir o livro e quebrar os seus selos?». Mas ninguém, nem no céu, nem na terra, nem debaixo da terra, podia abrir o livro nem olhar para ele. Eu chorava muito, porque não se encontrava ninguém que fosse digno de abrir o livro nem de olhar para ele. Disse-me então um dos Anciãos: «Não chores! O leão da tribo de Judá, o descendente de David, alcançou a vitória; Ele abrirá o livro e os seus sete selos». Vi então, entre o trono e os quatro Seres Vivos e os Anciãos, um Cordeiro de pé, que parecia ter sido imolado. Tinha sete chifres e sete olhos, que são os sete Espíritos de Deus, enviados por toda a terra. O Cordeiro foi receber o livro da mão direita d’Aquele que estava sentado no trono. Quando o Cordeiro recebeu o livro, os quatro Seres Vivos e os vinte e quatro Anciãos prostraram-se diante d’Ele, cada um com uma harpa e taças de ouro cheias de perfumes, que são as orações dos santos. E cantavam um cântico novo, dizendo: «Sois digno de receber o livro e de abrir os selos, porque fostes imolado e resgatastes para Deus, com o vosso sangue, homens de toda a tribo, língua, povo e nação, e fizestes deles, para o nosso Deus, um reino de sacerdotes, que reinarão sobre a terra».
 
Salmo Responsorial: 149
R. Fizestes de nós, para Deus, um reino de sacerdotes.
 
Cantai ao Senhor um cântico novo, cantai ao Senhor na assembleia dos santos. Alegre-se Israel em seu Criador, rejubilem os filhos de Sião em seu Rei.
 
Louvem o seu nome com danças, cantem ao som do tímpano e da cítara, porque o Senhor ama o seu povo, coroa os humildes com a vitória.
 
Exultem de alegria os fiéis, cantem jubilosos em suas casas; em sua boca os louvores de Deus. Esta é a glória de todos os seus fiéis.
 
Aleluia. Se hoje ouvirdes a voz do Senhor, não fecheis os vossos corações. Aleluia.
 
Evangelho (Lc 19,41-44): Quando Jesus se aproximou de Jerusalém e viu a cidade, começou a chorar. E disse: «Se tu também compreendesses hoje o que te pode trazer a paz! Agora, porém, está escondido aos teus olhos!. Dias virão em que os inimigos farão trincheiras, te sitiarão e te apertarão de todos os lados. Esmagarão a ti e a teus filhos, e não deixarão em ti pedra sobre pedra, porque não reconheceste o tempo em que foste visitada».
 
«Se (...) tu compreendesses hoje o que te pode trazer a paz!»
 
Rev. D. Blas RUIZ i López (Ascó, Tarragona, Espanha)
 
Hoje, a imagem que nos apresenta o Evangelho é a de um Jesus que «chorou» (Lc 19,41) pela sorte da cidade escolhida, que não reconheceu a presença do seu Salvador. Conhecendo as notícias que se deram nos últimos tempos, seria fácil para nós aplicar essa lamentação à cidade que é —à vez— santa e fonte de divisões.
 
Mas, olhando mais para a frente, podemos identificar esta Jerusalém com o povo escolhido, que é a Igreja, e —por extensão— com o mundo em que esta levará a termo a sua missão. Se assim o fazemos, encontraremos uma comunidade que, ainda que tenha alcançado o topo no campo da tecnologia e da ciência, geme e chora, porque vive rodeada pelo egoísmo dos seus membros, porque levantou ao seu redor os muros da violência e do desordem moral, porque atira no chão os seus filhos, arrastando-os com as cadeias de um individualismo desumanizador. Definitivamente, o que encontraremos é um povo que não soube reconhecer o Deus que o visitava (cf. Lc 19,44).
 
Porém, nós os cristãos, não podemos ficar na pura lamentação, não devemos ser profetas de desventuras, mas homens de esperança. Conhecemos o final da história, sabemos que Cristo fez cair os muros e rompeu as cadeias: as lágrimas que derrama neste Evangelho prefiguram o sangue com o qual nos salvou.
 
De fato, Jesus está presente na sua Igreja, especialmente através daqueles mais necessitados. Temos de advertir esta presença para entender a ternura que Cristo tem por nós: é tão excelso o seu amor, diz-nos Santo Ambrósio, que Ele se fez pequeno e humilde para que cheguemos a ser grandes; Ele deixou-se amarrar entre as fraldas como um menino para que nós sejamos liberados dos laços do pecado; Ele deixou-se cravar na cruz para que nós sejamos contados entre as estrelas do céu... Por isso, temos de dar graças a Deus, e descobrir presente no meio de nós aquele que nos visita e nos redime
 
Pensamentos para o Evangelho de hoje
«Fico horrorizado ao pensar no perigo de que algum dia, por falta de consideração ou por estar absorvido em coisas vãs, eu esqueça o amor de Deus e seja para Cristo motivo de vergonha e opróbrio» (São Basílio Magno)
 
«O verdadeiro Deus vem ao nosso encontro com a mansidão "desarmante" do amor» (Bento XVI)
 
«(…) Quando [Jesus] já avista Jerusalém, chora sobre ela (324) e exprime, uma vez mais, o desejo do seu coração: ‘Se neste dia também tu tivesses conhecido o que te pode trazer a paz! Mas agora isto está oculto aos teus olhos’ (Lc 19, 42)» (Catecismo da Igreja Católica, nº 558)
 
Reflexões de Frei Carlos Mesters, O.Carm.
 
*
O evangelho de hoje informa como Jesus, chegando perto de Jerusalém, ao ver a cidade, começou a chorar e pronunciou palavras que faziam ver um futuro muito sombrio para a cidade, capital do seu povo.
 
* Lucas 19,41-42 Jesus chora sobre Jerusalém. “Jesus se aproximou, e quando viu a cidade, começou a chorar. E disse: "Se também você compreendesse hoje o caminho da paz! Agora, porém, isso está escondido aos seus olhos!”. Jesus chora, pois ama a sua pátria, o seu povo, a capital da sua terra, o Templo. Chora, porque sabe que tudo vai ser destruído por culpa do próprio povo que não soube perceber nem avaliar o apelo de Deus dentro dos fatos. O povo não percebeu o caminho que pudesse levar à Paz, Shalom. Agora, porém, isso está escondido aos seus olhos!  Esta afirmação evoca a crítica de Isaías à pessoa que adorava ídolos: “Esse homem se alimenta de cinza. Sua mente enganada o iludiu, de modo que ele não consegue salvar a própria vida e nem é capaz de dizer: Não será mentira isso que tenho nas mãos?" (Is 44,20). A mentira estava nos olhos deles e, por isso, tornaram-se incapazes de perceber a verdade. Como diz São Paulo: “Eles se revoltam e rejeitam a verdade, para obedecerem à injustiça” (Rm 2,8). A verdade ficou prisioneira da injustiça. Numa outra ocasião, Jesus lamentou que Jerusalém não soube perceber nem acolher a visita de Deus: "Jerusalém, Jerusalém, você que mata os profetas e apedreja os que lhe foram enviados! Quantas vezes eu quis reunir seus filhos, como a galinha reúne os pintinhos debaixo das asas, mas você não quis! Eis que a casa de vocês ficará abandonada” (Lc 13,34-35).
 
* Lucas 19,43-44 Anúncio da destruição de Jerusalém. “Vão chegar dias em que os inimigos farão trincheiras contra você, a cercarão e apertarão de todos os lados. Eles esmagarão você e seus filhos, e não deixarão em você pedra sobre pedra". Jesus descreve o futuro que vai acontecer com a Jerusalém. Usa as imagens de guerra que eram comuns naquele tempo quando um exército atacava uma cidade: trincheiras, cerco fechado ao redor, matança do povo e destruição total das muralhas e das casas. Assim, no passado, Jerusalém foi destruída por Nabucodonosor. Assim, as legiões romanas costumavam fazer com as cidades rebeldes e assim seria feito novamente, quarenta anos depois, com a própria cidade de Jerusalém. De fato, no ano 70, Jerusalém foi cercada e invadida pelos exércitos romanos. Tudo foi destruído. Diante deste pano de fundo histórico, o gesto de Jesus se torna uma advertência muito séria a todos que pervertem o sentido da Boa Nova de Deus. Eles devem ouvir a advertência final: “Porque você não reconheceu o tempo em que Deus veio para visitá-la”. Nesta advertência, todo o trabalho de Jesus é definido como uma “visita de Deus”
 
Para um confronto pessoal
1) Você chora sobre a situação do mundo? Olhando a situação do mundo, será que Jesus iria chorar? A previsão é sombria. Do ponto de vista da ecologia, já passamos do limite. A previsão é trágica.
2) O trabalho de Jesus é visto como uma visita de Deus. Você já recebeu alguma visita de Deus em sua vida?

segunda-feira, 18 de novembro de 2024

Quarta-feira da 33ª semana do Tempo Comum

São Félix de Valois, presbítero
 
1ª Leitura (Ap 4,1-11):
Eu, João, vi uma porta aberta no Céu e a voz que antes ouvira falar-me como uma trombeta, dizia: «Sobe até aqui e eu te mostrarei o que vai acontecer depois disto». Imediatamente caí em êxtase e vi um trono colocado no Céu, sobre o qual Alguém estava sentado. Aquele que estava sentado tinha o aspecto resplandecente como a pedra de jaspe e cornalina e um arco-íris circundava o trono, com reflexos de esmeralda. À volta deste trono, havia vinte e quatro tronos, em que estavam sentados vinte e quatro anciãos, vestidos de branco e com coroas de ouro na cabeça. Do trono saíam relâmpagos, vozes e trovões e diante dele brilhavam sete lâmpadas de fogo, que são os sete Espíritos de Deus. Diante do trono havia como que um mar transparente como o cristal. No meio do trono e ao seu redor, vi quatro Seres Vivos cheios de olhos à frente e atrás. O primeiro Ser Vivo era semelhante a um leão, o segundo a um novilho, o terceiro tinha o rosto como o de um homem e o quarto era semelhante a uma águia em pleno voo. Cada um dos quatro Seres Vivos tinha seis asas e estavam cheios de olhos a toda a volta e por dentro. E não cessavam de clamar dia e noite: «Santo, Santo, Santo, Senhor Deus omnipotente, Aquele que é, que era e que há-de vir!». E sempre que os Seres Vivos dão glória, honra e ação de graças Àquele que está sentado no trono e que vive pelos séculos dos séculos, os vinte e quatro anciãos prostram-se diante d’Aquele que está sentado no trono, adoram Aquele que vive pelos séculos dos séculos e depõem as suas coroas diante do trono, dizendo: «Sois digno, Senhor, nosso Deus, de receber a honra, a glória e o poder, porque fizestes todas as coisas e pela vossa vontade existem e foram criadas».
 
Salmo Responsorial: 150
R. Santo, santo, santo, Senhor Deus do universo.
 
Louvai o Senhor no seu santuário, louvai-O no seu majestoso firmamento. Louvai-O pela grandeza das suas obras, louvai-O pela sua infinita majestade.
 
Louvai-O ao som da trombeta, louvai-O ao som da lira e da cítara. Louvai-O com o tímpano e com a dança, louvai-O ao som da harpa e da flauta.
 
Louvai o Senhor, louvai-O com címbalos sonoros. Louvai-O com címbalos retumbantes. Tudo quanto respira louve o Senhor.
 
Aleluia. Eu vos escolhi do mundo, para que vades e deis fruto e o vosso fruto permaneça, diz o Senhor. Aleluia.
 
Evangelho (Lc 19,11-28): Naquele tempo, enquanto estavam escutando, Jesus acrescentou uma parábola, porque estava perto de Jerusalém e eles pensavam que o Reino de Deus ia se manifestar logo. Disse: «Um homem nobre partiu para um país distante, a fim de ser coroado rei e depois voltar. Chamou então dez dos seus servos, entregou a cada um uma bolsa de dinheiro e disse: Negociai com isto até que eu volte. Seus concidadãos, porém, tinham aversão a ele e enviaram uma embaixada atrás dele, dizendo: Não queremos que esse homem reine sobre nós. Mas o homem foi nomeado rei e voltou. Mandou chamar os servos, aos quais havia dado o dinheiro, a fim de saber que negócios cada um havia feito. O primeiro chegou e disse: Senhor, a quantia que me deste rendeu dez vezes mais. O homem disse: Parabéns, servo bom. Como te mostraste fiel nesta mínima coisa, recebe o governo de dez cidades. O segundo chegou e disse: Senhor, a quantia que me deste rendeu cinco vezes mais. O homem disse também a este: Tu, recebe o governo de cinco cidades. Chegou o outro servo e disse: Senhor, aqui está a quantia que me deste: eu a guardei num lenço, pois eu tinha medo de ti, porque és um homem severo. Recebes o que não deste e colhes o que não semeaste. O homem disse: Servo mau, eu te julgo pela tua própria boca. Sabias que sou um homem severo, que recebo o que não dei e colho o que não semeei. Então, por que não depositaste meu dinheiro no banco? Ao chegar, eu o retiraria com juros. Depois disse aos que estavam aí presentes: Tirai dele sua quantia e dai àquele que fez render dez vezes mais. Os presentes disseram: Senhor, esse já tem dez vezes a quantia! Ele respondeu: Eu vos digo: a todo aquele que tem, será dado, mas àquele que não tem, até mesmo o que tem lhe será tirado. E quanto a esses meus inimigos, que não queriam que eu reinasse sobre eles, trazei-os aqui e matai-os na minha frente». Depois dessas palavras, Jesus caminhava à frente dos discípulos, subindo para Jerusalém.
 
«Negociai com isto até que eu volte»
 
P. Pere SUÑER i Puig SJ (Barcelona, Espanha)
 
Hoje, o Evangelho propõe-nos a parábola das minas: uma quantidade de dinheiro que aquele nobre repartiu entre seus servos, antes de partir de viagem. Primeiro fixemo-nos na ocasião que provoca a parábola de Jesus. Ele ia subindo para Jerusalém, onde o esperava a paixão e a consequente ressurreição. Os discípulos «pensavam que o Reino de Deus ia se manifestar logo» (Lc 19,11). É nessas circunstâncias que Jesus propõe esta parábola. Com ela, Jesus ensina-nos que temos que fazer render os dons e qualidades que Ele nos deu, isto é, que nos deixou a cada um. Não são nossos de maneira que possamos fazer com eles o que queiramos. Ele deixou-nos esses dons para que os façamos render. Os que fizeram render as minas - mais ou menos - são louvados e premiados pelo seu Senhor. É o servo preguiçoso, que guardou o dinheiro num lenço sem o fazer render, é o que é repreendido e condenado.
 
O cristão, pois, tem que esperar, claro está, o regresso do seu Senhor, Jesus. Mas com duas condições, se quer que o encontro seja amigável. A primeira condição é que afaste a curiosidade doentia de querer saber a hora da solene e vitoriosa volta do Senhor. Virá, diz em outro lugar, quando menos o pensemos. Fora, por tanto, as especulações sobre isto! Esperamos com esperança, mas numa espera confiada sem doentia curiosidade. A segunda condição, é que não percamos o tempo. A esperança do encontro e do final gozoso não pode ser desculpa para não tomarmos a sério o momento presente. Precisamente, porque a alegria e o gozo do encontro final serão tanto melhor quanto maior for a colaboração que cada um tiver dado pela causa do reino na vida presente.
 
Não falta, também aqui, a grave advertência de Jesus aos que se revelam contra Ele: «E quanto a esses meus inimigos, que não queriam que eu reinasse sobre eles, trazei-os aqui e matai-os na minha frente» (Lc 19,27)
 
Pensamentos para o Evangelho de hoje
«Quando o cristão mata o seu tempo na terra, põe-se em perigo de matar o seu céu» (São Josemaria)
 
«Qualquer ambiente, mesmo o mais distante e impraticável, pode tornar-se um lugar onde os talentos podem atuar. Não há situações ou lugares excluídos da presença e do testemunho cristão» (Francisco)
 
«(…) Cada homem é constituído 'herdeiro', recebe 'talentos' que enriquecem a sua identidade e cujos frutos deve desenvolver (3). Com toda a razão, cada um é devedor de dedicação às comunidades de que faz parte (…)» (Catecismo da Igreja Católica, nº 1.880)
 
Reflexões de Frei Carlos Mesters, O.Carm.

* O evangelho de hoje traz a Parábola dos Talentos, na qual Jesus fala dos dons que as pessoas recebem de Deus.
Toda pessoa tem alguma qualidade, recebe algum dom ou sabe alguma coisa que ela pode ensinar aos outros. Ninguém é só aluno, ninguém é só professor. Aprendemos uns dos outros.
 
* Lucas 19,11: A chave para entender a história da parábola. Para introduzir a parábola Lucas diz o seguinte: “Tendo eles ouvido isso, Jesus acrescentou uma parábola, porque estava perto de Jerusalém, e eles pensavam que o Reino de Deus ia chegar logo”. Nesta informação inicial, Lucas destaca três motivações que levaram Jesus a contar a parábola: (1) A acolhida a ser dada aos excluídos, pois, dizendo “tendo eles ouvido isso”, ele se refere ao episódio de Zaqueu, o excluído, que foi acolhido por Jesus. (2) A proximidade da paixão, morte e ressurreição, pois dizia que Jesus estava perto de Jerusalém  onde seria preso e morto em breve. (3) A chegada iminente do Reino de Deus, pois as pessoas que acompanhavam Jesus pensavam que o Reino de Deus ia chegar logo.
 
* Lucas 19,12-14: O início da Parábola.  “Um homem nobre partiu para um país distante a fim de ser coroado rei, e depois voltar. Chamou então dez dos seus empregados, entregou cem moedas de prata para cada um, e disse: 'Negociem até que eu volte”. Seus concidadãos, porém, o odiavam, e enviaram uma embaixada atrás dele, dizendo: 'Não queremos que esse homem reine sobre nós'. Alguns estudiosos acham que, nesta parábola, Jesus se refere a Herodes que, setenta anos antes (40 aC), tinha ido para Roma a fim de receber o título e o poder de Rei da Palestina. O povo não gostava de Herodes e não queria que ele se tornasse rei, pois a experiência que tiveram com ele como comandante para reprimir as rebeliões na Galileia contra Roma foi trágica e dolorosa. Por isso diziam: “Não queremos que esse homem reine sobre nós”. A este mesmo Herodes se aplicaria a frase final da parábola: “E quanto a esses inimigos, que não queriam que eu reinasse sobre eles, tragam aqui, e matem na minha frente”.  De fato, Herodes matou muita gente.
 
* Lucas 19,15-19: Prestação de conta dos primeiros empregados que receberam cem moedas de prata. A história informa ainda que Herodes recebeu a realeza e voltou para a Palestina para assumir o poder. Na parábola, o rei chamou os empregados aos quais tinha dado cem moedas de prata, a fim de saber quanto haviam lucrado. O primeiro chegou, e disse: 'Senhor, as cem moedas renderam dez vezes mais'. O homem disse: 'Muito bem, empregado bom. Como você foi fiel em coisas pequenas, receba o governo de dez cidades'. O segundo chegou, e disse: 'Senhor, as cem moedas renderam cinco vezes mais'. O homem disse também a este: 'Receba também você o governo de cinco cidades”. De acordo com a história, tanto Herodes Magno como seu filho Herodes Antipas, ambos sabiam lidar com dinheiro e promover as pessoas que os ajudavam. Na parábola, o rei deu dez cidades ao empregado que multiplicou por dez as cem moedas que tinha recebido, e cinco cidades a quem as multiplicou por cinco.
 
* Lucas 19,20-23: Prestação de conta do empregado que não lucrou nada. O terceiro empregado chegou e disse: 'Senhor, aqui estão as cem moedas que guardei num lenço. Pois eu tinha medo de ti, porque és um homem severo. Tomas o que não deste, e colhes o que não semeaste'. Nesta frase transparece uma ideia errada de Deus que é criticada por Jesus. O empregado vê Deus como um patrão severo. Diante de um Deus assim, o ser humano sente medo e se esconde atrás da observância exata e mesquinha da lei. Ele pensa que, agindo assim, não será castigado pela severidade do legislador. Na realidade, uma pessoa assim já não crê em Deus, mas crê apenas em si mesma, na sua própria observância da lei. Ela se fecha em si, desliga de Deus e já não consegue preocupar-se com os outros. Torna-se incapaz de crescer como pessoa livre. Esta imagem falsa de Deus isola o ser humano, mata a comunidade, acaba com a alegria e empobrece a vida. O rei responde: 'Empregado mau, eu julgo você pela sua própria boca. Você sabia que eu sou um homem severo, que tomo o que não dei, e colho o que não semeei. Então, por que você não depositou meu dinheiro no banco? Ao chegar, eu o retiraria com juros'. O empregado não foi coerente com a imagem que tinha de Deus. Se ele imaginava Deus tão severo, deveria ao menos ter colocado o dinheiro no banco. Ele é condenado não por Deus, mas pela ideia errada que tinha de Deus e que o deixou mais medroso e mais imaturo do que devia ser. Uma das coisas que mais influi na vida da gente é a ideia que nós fazemos de Deus. Entre os judeus da linha dos fariseus, alguns imaginavam Deus como um Juiz severo que os tratava de acordo com o mérito conquistado pelas observâncias. Isto produzia medo e impedia as pessoas de crescer. Sobretudo, impedia que elas abrissem um espaço dentro de si para acolher a nova experiência de Deus que Jesus comunicava.
 
* Lucas 19,24-27: Conclusão para todos. “Depois disse aos que estavam aí presentes: Tirem dele as cem moedas, e deem para aquele que tem mil. Os presentes disseram: Senhor, esse já tem mil moedas! Ele respondeu: Eu digo a vocês: a todo aquele que já possui, será dado mais ainda. Mas daquele que nada tem, será tirado até mesmo o que tem”. O senhor mandou tirar dele as cem moedas e dar àquele que já tinha mil, pois “a todo aquele que já possui, será dado mais ainda. Mas daquele que nada tem, será tirado até mesmo o que tem. Nesta frase final está a chave que esclarece a parábola. No simbolismo da parábola, as moedas de prata do rei são os bens do Reino de Deus, isto é, tudo aquilo que faz a pessoa crescer e revela a presença de Deus: amor, serviço, partilha. Quem se fecha em si com medo de perder o pouco que tem, este vai perder até o pouco que tem. A pessoa, porém, que não pensa em si mas se doa aos outros, esta vai crescer e receber de volta, de maneira inesperada, tudo que entregou e muito mais: “cem vezes mais, com perseguições” (Mc 10,30). “Perde a vida quem quer segurá-la, ganha a vida quem tem coragem de perdê-la” (Lc 9,24; 17,33; Mt 10,39;16,25;Mc 8,35). O terceiro empregado teve medo e não fez nada. Não quis perder nada e, por isso, não ganhou nada. Perdeu até o pouco que tinha. O Reino é risco. Quem não quer correr risco, perde o Reino!
 
* Lucas 19,28: Voltando à tríplice chave inicial. No fim, Lucas encerra o assunto com esta informação: Depois de dizer essas coisas, Jesus partiu na frente deles, subindo para Jerusalém. Esta informação final evoca a tríplice chave dada no início: acolhida a ser dada aos excluídos, proximidade da paixão, morte e ressurreição de Jesus em Jerusalém e a ideia da chegada iminente do Reino. Aos que pensavam que o Reino de Deus estivesse para chegar, a parábola manda mudar os olhos. O Reino de Deus chega sim, mas através da morte e ressurreição de Jesus que vai acontecer em breve em Jerusalém. E o motivo da morte foi a acolhida que ele, Jesus, dava aos excluídos como Zaqueu e tantos outros. Incomodou os grandes e eles o eliminaram condenando-o à morte de cruz,
 
Para um confronto pessoal
1. Na nossa comunidade, procuramos conhecer e valorizar os dons de cada pessoa? Às vezes, os dons de uns geram inveja e competição nos outros. Como reagimos?
2. Nossa comunidade é um espaço, onde as pessoas podem desenvolver seus dons?

domingo, 17 de novembro de 2024

Terça-feira da 33ª semana do Tempo Comum

S. Rafael de São José Kalinowski, presbítero de nossa Ordem
S. Roque González, Sto. Afonso Rodríguez e S. João Del Castillo, presbíteros e mártires do Rio Grande do Sul.
Sta Mectildes, virgem
 
1ª Leitura (Ap 3,1-6.14-22):
Eu, João, ouvi o Senhor que me dizia: «Ao Anjo da Igreja de Sardes, escreve: ‘Eis o que diz Aquele que tem os sete Espíritos de Deus e as sete estrelas: Conheço as tuas obras. És considerado vivo, mas estás morto. Desperta e reanima esses restos de vida moribunda, pois verifico que as tuas obras não são perfeitas aos olhos do meu Deus. Lembra-te como aceitaste a palavra que ouviste; guarda-a e arrepende-te. Se não despertares, virei como o ladrão, sem que saibas a hora em que virei ao teu encontro. Todavia, tens em Sardes algumas pessoas que não mancharam as suas vestes: elas Me acompanharão, vestidas de branco, porque são dignas. O vencedor será revestido de vestes brancas; não apagarei o seu nome do livro da vida, mas reconhecê-lo-ei diante de meu Pai e dos seus Anjos’. Quem tem ouvidos ouça o que o Espírito diz às Igrejas. Ao Anjo da Igreja de Laodiceia, escreve: ‘Assim fala o Amém, a Testemunha fiel e verdadeira, o Princípio das criaturas de Deus: Conheço as tuas obras: não és frio nem quente; antes fosses frio ou quente. Mas porque és morno, isto é, nem frio nem quente, estou quase a vomitar-te da minha boca. Tu dizes: “Sou rico, tenho fortuna e não preciso de nada”, e não sabes que és infeliz, pobre, cego e nu. Aconselho-te a comprar de Mim ouro purificado pelo fogo para te enriqueceres, roupas brancas para te cobrires e ocultares a tua vergonhosa nudez e colírio para ungires os olhos e recuperares a vista. Eu repreendo e castigo aqueles que amo. Sê zeloso e arrepende-te. Eu estou à porta e chamo. Se alguém ouvir a minha voz e Me abrir a porta, entrarei em sua casa, cearei com ele e ele comigo. Ao vencedor fá-lo-ei sentar-se comigo no meu trono, como Eu também fui vencedor e estou sentado com meu Pai no seu trono’. Quem tem ouvidos ouça o que o Espírito diz às Igrejas».
 
Salmo Responsorial: 14
R. O vencedor sentar-se-á comigo no meu trono.
 
O que vive sem mancha e pratica a justiça e diz a verdade que tem no seu coração e guarda a sua língua da calúnia.
 
O que não faz mal ao seu próximo, nem ultraja o seu semelhante, o que tem por desprezível o ímpio, mas estima os que temem o Senhor.
 
O que não falta ao juramento mesmo em seu prejuízo e não empresta dinheiro com usura, nem aceita presentes para condenar o inocente. Quem assim proceder jamais será abalado.
 
Aleluia. Deus amou-nos e enviou o seu Filho, como vítima de expiação pelos nossos pecados. Aleluia.
 
Evangelho (Lc 19,1-10): Naquele tempo, Jesus tinha entrado em Jericó e estava passando pela cidade. Havia ali um homem chamado Zaqueu, que era chefe dos publicanos e muito rico. Ele procurava ver quem era Jesus, mas não conseguia, por causa da multidão, pois era baixinho. Então ele correu à frente e subiu numa árvore para ver Jesus, que devia passar por ali. Quando Jesus chegou ao lugar, olhou para cima e disse: «Zaqueu, desce depressa! Hoje eu devo ficar na tua casa. Ele desceu depressa, e o recebeu com alegria. Ao ver isso, todos começaram a murmurar, dizendo: «Foi hospedar-se na casa de um pecador!». Zaqueu pôs-se de pé, e disse ao Senhor: «Senhor, a metade dos meus bens darei aos pobres, e se prejudiquei alguém, vou devolver quatro vezes mais». Jesus lhe disse: «Hoje aconteceu a salvação para esta casa, porque também este é um filho de Abraão. Com efeito, o Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido».
 
«O Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido»
 
Rev. D. Enric RIBAS i Baciana (Barcelona, Espanha)
 
Hoje, Zaqueu sou eu. Esse personagem era rico e chefe dos publicanos; eu tenho mais do que necessito e também muitas vezes atuo como um publicano e esqueço-me de Cristo. Jesus, entre a multidão, procura Zaqueu; hoje, no meio deste mundo, precisamente procura-me a mim: «Desce depressa! Hoje eu devo ficar na tua casa»(Lc 19,5).
 
Zaqueu deseja ver a Jesus; não o conseguirá sem esforçar-se e sobe a árvore. Quisera eu ver tantas vezes a ação de Deus! Mas não sei se estou verdadeiramente disposto a fazer o ridículo obrando como Zaqueu. A disposição do chefe de publicanos de Jericó é necessária para que Jesus possa agir; se não se apressa, pode perder a única oportunidade de ser tocado por Deus e assim, ser salvado. Possivelmente, eu tive muitas ocasiões de encontrar-me com Jesus, e talvez vendo que já era hora de ser corajoso, de sair de casa, de encontrar-me com Ele e de convidá-lo a entrar no meu interior, para que Ele possa dizer também de mim: «Hoje aconteceu a salvação para esta casa, porque também este é um filho de Abraão. Com efeito, o Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido» (Lc 19,9-10).
 
Zaqueu deixa entrar a Jesus na sua casa e no seu coração, ainda que não se sente digno dessa visita. Nele a conversão é total: começa pela renúncia à ambição de riquezas, continua com o propósito de partilhar os seus bens e termina com uma vontade firme de fazer justiça, corrigir os pecados que cometeu. Pode que Jesus me este pedindo algo parecido desde faz tempo, mas eu não quero escutar e faço ouvidos surdos; necessito converter-me.
 
Dizia São Máximo: «Nada há mais querido e agradável a Deus como a conversão dos homens a Ele com um arrependimento sincero». Que Ele me ajude hoje a fazê-lo realidade.
 
Pensamentos para o Evangelho de hoje
«O que se faz com uma disposição de ânimo triste e forcado não merece gratidão nem nobreza. Assim, quando façamos o bem, devemos fazê-lo, não tristes, mas com alegria» (São Gregório de Nissa)
 
«” Vida eterna” tenta de dar um nome a essa “desconhecida realidade conhecida”. Seria o momento de se submergir no oceano do Amor infinito. Podemos unicamente tentar de pensar que este momento é a vida em sentido pleno. Temos que pensar nesta línea se nós quisermos entender o objetivo da esperança Cristiana» (Bento XVI)
 
«A Comunhão afasta-nos do pecado. O corpo de Cristo que recebemos na Comunhão é “entregue por nós” e o sangue que nós bebemos é “derramado pela multidão, para remissão dos pecados”. É por isso que a Eucaristia não pode unir-nos a Cristo sem nos purificar, ao mesmo tempo, dos pecados cometidos, e nos preservar dos pecados futuros» (Catecismo da Igreja Católica, n° 1393)
 
Reflexões de Frei Carlos Mesters, O.Carm.
 
* No evangelho de hoje, estamos chegando ao fim da longa viagem que começou no capítulo 9 (Lc 9,51).
Durante a viagem, não se sabia bem por onde Jesus andava. Só se sabia que ele ia em direção a Jerusalém. Agora, no fim, a geografia fica clara e definida. Jesus chegou em Jericó, a cidade das palmeiras, no vale do Jordão. Última parada dos peregrinos, antes de subir para Jerusalém! Foi em Jericó, que terminou a longa caminhada do êxodo de 40 anos pelo deserto. O êxodo de Jesus também está terminando. Na entrada de Jericó, Jesus encontrou um cego que queria vê-lo (Lc 18,35-43). Agora, na saída da cidade, ele encontra Zaqueu, um publicano, que também queria vê-lo. Um cego e um publicano. Os dois eram excluídos. Os dois incomodavam o povo: o cego com seus gritos, o publicano com seus impostos. Os dois são acolhidos por Jesus, cada um a seu modo.
 
* Lucas 19,1-2: A situação. Jesus entrou em Jericó e atravessava a cidade. "Havia ali um homem, chamado Zaqueu, muito rico, chefe dos publicanos". Publicano era a pessoa que cobrava o imposto público sobre a circulação da mercadoria. Zaqueu era o chefe dos publicanos da cidade. Sujeito rico e muito ligado ao sistema de dominação dos romanos. Os judeus mais religiosos argumentavam assim: “O rei do nosso povo é Deus. Por isso, a dominação romana sobre nós é contra Deus. Quem colabora com os romanos peca contra Deus!” Assim, soldados que serviam no exército romano e cobradores de impostos, como Zaqueu, eram excluídos e evitados como pecadores e impuros.
 
* Lucas 19,3-4: A atitude de Zaqueu. Zaqueu quer ver Jesus. Sendo pequeno, corre na frente, sobe numa árvore e aguarda Jesus passar. É muita vontade de ver Jesus! Anteriormente, na parábola do pobre Lázaro e do rico sem nome (Lc 16,19-31), Jesus mostrava como é difícil um rico se converter e abrir a porta de separação para acolher o pobre Lázaro. Aqui aparece o caso de um rico que não se fecha na sua riqueza. Zaqueu quer algo mais. Quando um adulto, pessoa de destaque na cidade, trepa numa árvore, é porque já nem liga para a opinião dos outros. Algo mais importante o move por dentro. Ele está querendo abrir a porta para o pobre Lázaro.
 
* Lucas 19,5-7: Atitude de Jesus, reação do povo e de Zaqueu. Chegando perto e vendo Zaqueu na árvore, Jesus não pergunta nem exige nada. Apenas responde ao desejo do homem e diz: "Zaqueu, desça depressa! Hoje devo ficar em sua casa!" Zaqueu desceu e recebeu Jesus em sua casa, com muita alegria. Todos murmuravam: "Foi hospedar-se na casa de um pecador!" Lucas diz que todos murmuravam! Isto significa que Jesus estava ficando sozinho na sua atitude de dar acolhida aos excluídos, sobretudo aos colaboradores do sistema. Mas Jesus não se importa com as críticas. Ele vai na casa de Zaqueu e o defende contra as críticas. Em vez de pecador, o chama de “filho de Abraão” (Lc 19,9).

* Lucas 19,8: Decisão de Zaqueu. "Dou a metade dos meus bens aos pobres e restituo quatro vezes o que roubei!" Esta é a conversão, produzida em Zaqueu pela acolhida que Jesus lhe deu. Restituir quatro vezes era o que a lei mandava em alguns casos (Ex 21,37; 22,3). Dar a metade dos bens aos pobres era a novidade que o contato com Jesus nele produziu. Era a partilha acontecendo de fato!

* Lucas 19,9-10: Palavra final de Jesus.
"Hoje, a salvação entrou nesta casa, porque ele também é um filho de Abraão!" A interpretação da Lei pela Tradição antiga excluía os publicanos da raça de Abraão. Jesus diz que veio procurar e salvar o que estava perdido. O Reino é para todos. Ninguém pode ser excluído. A opção de Jesus é clara, seu apelo também: não é possível ser amigo de Jesus e continuar apoiando um sistema que marginaliza e exclui tanta gente. Denunciando as divisões injustas, Jesus abre o espaço para uma nova convivência, regida pelos novos valores da verdade, da justiça e do amor.
 
* Filho de Abraão. "Hoje, a salvação entrou nesta casa, porque ele também é um filho de Abraão!" Através da descendência de Abraão, todas as nações da terra serão benditas (Gn 12,3; 22,18). Para as comunidades de Lucas, formadas por cristãos tanto de origem judaica como de origem pagã, a afirmação de Jesus chamando Zaqueu de “filho de Abraão”, era muito importante. Nela encontravam a confirmação de que, em Jesus, Deus estava cumprindo as promessas feitas a Abraão, dirigidas a todas as nações, tanto judeus como gentios. Estes são também filhos de Abraão e herdeiros das promessas. Jesus acolhe os que não eram acolhidos. Oferece lugar aos que não tinham lugar. Recebe como irmão e irmã as pessoas que a religião e o governo excluíam e rotulavam como:
*  imorais: prostitutas e pecadores (Mt 21,31-32; Mc 2,15; Lc 7,37-50; Jo 8,2-11),
*  hereges: pagãos e samaritanos (Lc 7,2-10; 17,16; Mc 7,24-30; Jo 4,7-42),
*  impuras: leprosos e possessos (Mt 8,2-4; Lc 17,12-14; Mc 1,25-26),
*  marginalizadas: mulheres, crianças e doentes (Mc 1,32; Mt 8,16;19,13-15; Lc 8,2-3),
*  pelegos: publicanos e soldados (Lc 18,9-14;19,1-10);
*  pobres: o povo da terra e os pobres sem poder (Mt 5,3; Lc 6,20; Mt 11,25-26).
 
Para um confronto pessoal
1. Como nossa comunidade acolhe as pessoas desprezadas e marginalizadas? Somos capazes, como Jesus, de perceber os problemas das pessoas e dar atenção a elas?
2. Como percebemos a salvação entrando hoje na nossa casa e na nossa comunidade? A ternura acolhedora de Jesus provocou uma mudança total na vida de Zaqueu. A ternura acolhedora da nossa comunidade está provocando alguma mudança no bairro? Qual?

19 de novembro

São Rafael de São José (Kalinowski)
Presbítero de nossa Ordem
 
Oriundo de uma família polaca, nasceu em Vilna em 1835. Por ter participado no movimento de libertação da Polônia, foi condenado a dez anos de trabalhos forçados na Sibéria. Em 1877 ingressou nos Carmelitas Descalços, onde se ordenou sacerdote em 1882. Distinguiu-se no zelo pela unidade da Igreja e pela incansável dedicação ao ministério de confessor e diretor espiritual. Restaurou a Ordem na Polônia, desempenhando lá vários cargos de governo. Morreu em Wadovice em 1907. Foi beatificado em 22 de junho de 1983 e canonizado em 17 de novembro de 1991.
 
Salmodia, leitura, responsório breve e preces do dia corrente.

Oração
Senhor, que concedestes a São Rafael o espírito de fortaleza nas adversidades e um extraordinário zelo de caridade em benefício da unidade da Igreja, concedei, por sua intercessão, que, sendo fortes na fé e amando-nos uns aos outros, colaboremos generosamente na unidade de todos os fiéis em Cristo. Ele que é Deus, e convosco vive e reina, na unidade do Espírito Santo.

sexta-feira, 15 de novembro de 2024

Segunda-feira da 33ª semana do Tempo Comum

1ª Leitura (Ap 1,1-4; 2,1-5a):
Revelação de Jesus Cristo, que Deus Lhe concedeu para mostrar aos seus servos o que há de acontecer muito em breve. Ele deu-o a conhecer ao seu servo João, pelo Anjo que enviou, e João confirma a palavra de Deus e o testemunho de Jesus Cristo, em tudo o que viu. Feliz de quem ler e dos que ouvirem as palavras desta profecia e observarem o que nela está escrito, porque o tempo está próximo. João às sete Igrejas da Ásia: A graça e a paz vos sejam dadas por Aquele que é, que era e que há de vir, e pelos sete Espíritos que estão diante do seu trono. Eu ouvi o Senhor que me dizia: «Ao Anjo da Igreja de Éfeso, escreve: ‘Eis o que diz Aquele que tem as sete estrelas na sua mão direita e caminha no meio dos sete candelabros de ouro: Conheço as tuas obras, o teu trabalho e a tua perseverança. Sei que não podes suportar os maus, que puseste à prova aqueles que se dizem apóstolos sem o serem e descobriste que eram mentirosos. Tens perseverança e sofreste pelo meu nome, sem desanimar. Mas tenho contra ti que perdeste a tua caridade primitiva. Lembra-te de onde caíste, arrepende-te e pratica as obras anteriores’».
 
Salmo Responsorial: 1
R. Ao vencedor darei a comer da árvore da vida.
 
Feliz o homem que não segue o conselho dos ímpios, nem se detém no caminho dos pecadores, mas antes se compraz na lei do Senhor, e nela medita dia e noite.
 
É como árvore plantada à beira das águas: dá fruto a seu tempo e sua folhagem não murcha. Tudo quanto fizer será bem-sucedido.
 
Bem diferente é a sorte dos ímpios: são como palha que o vento leva. O Senhor vela pelo caminho dos justos, mas o caminho dos pecadores leva à perdição.
 
Aleluia. Eu sou a luz do mundo, diz o Senhor; quem Me segue terá a luz da vida. Aleluia.
 
Evangelho (Lc 18,35-43): Naquele tempo, quando Jesus se aproximou de Jericó, um cego estava sentado à beira do caminho, pedindo esmola. Ouvindo a multidão passar, perguntou o que estava acontecendo. Disseram-lhe: «Jesus Nazareno está passando». O cego então gritou: «Jesus, Filho de Davi, tem compaixão de mim!» As pessoas que iam na frente mandavam que ele ficasse calado. Mas ele gritava mais ainda: «Filho de Davi, tem compaixão de mim!» Jesus parou e mandou que lhe trouxessem o cego. Quando ele chegou perto, Jesus perguntou: «Que queres que eu te faça?» O cego respondeu: «Senhor, que eu veja». Jesus disse: «Vê! A tua fé te salvou». No mesmo instante, o cego começou a enxergar de novo e foi seguindo Jesus, glorificando a Deus. Vendo isso, todo o povo deu glória a Deus».

«A tua fé te salvou»
 
Rev. D. Antoni CAROL i Hostench (Sant Cugat del Vallès, Barcelona, Espanha)
 
Hoje o cego Bartimeu (cf. Mc 10,46) dá-nos toda uma lição de fé, manifestada com franca simplicidade perante Cristo. Quantas vezes nos seria útil repetir a mesma exclamação de Bartimeu!: «Jesus, Filho de Davi, tem compaixão de mim!» (Lc 18,37). É tão proveitoso para a nossa alma sentir-nos indigentes! O fato é que o somos, mas, infelizmente, poucas vezes o reconhecemos de verdade. E..., claro está: fazemos o ridículo. São Paulo adverte-nos: «Que tens que não tenhas recebido? Mas, se recebeste tudo que tens, por que, então, te glorias, como se não o tivesses recebido?» (1Cor 4,7).
 
Bartimeu não tem vergonha de se sentir assim. Em não poucas ocasiões, a sociedade, a cultura do politicamente correto querem fazer-nos calar: com Bartimeu não o conseguiram. Ele não se encolheu. Apesar de o «mandarem ficar calado, (...) ele gritava mais ainda: Filho de Davi, tem compaixão de mim!» (Lc 18,39). Que maravilha! Apetece dizer: —Obrigado, Bartimeu, por esse exemplo.
 
E vale a pena fazê-lo como ele, porque Jesus ouve. E ouve sempre!, Por mais confusão que alguns organizem à nossa roda. A confiança simples -sem preconceitos- de Bartimeu desarma Jesus e rouba-lhe o coração: «Mandou que lhe trouxessem o cego e (...) perguntou-lhe: «Que queres que eu te faça?» (Lc 18,40-41). Perante tanta fé, Jesus não anda com rodeios! E Bartimeu também não: «Senhor, que eu veja!». (Lc 18,41). Dito e feito: «Vê! A tua fé te salvou» (Lc 18,42). Assim, pois, —a fé, se é forte, defende toda a casa— (Santo Ambrósio), quer dizer, tudo pode.
 
Ele é tudo; Ele dá-nos tudo. Então, que outra coisa podemos fazer perante Ele, se não lhe dar uma resposta de fé? E esta resposta de fé equivale a deixar-se encontrar por este Deus que —movido pelo afeto de Pai— nos procura sempre. Deus não se impõe, mas passa frequentemente muito perto de nós: aprendamos a lição de Bartimeu e ... Não o deixemos passar ao largo!
 
Pensamentos para o Evangelho de hoje
«Através da oração podemos estar com Deus. A oração é segurança para os navegadores» (S. Gregório de Nisa)
 
«Quando o grito da humanidade, como o de Bartimeu, se repete ainda mais alto, não há outra opção senão tornar nossas as palavras de Jesus e, sobretudo, imitar o seu coração. Hoje é tempo de misericórdia» (Francisco)
 
«A fé faz que saboreemos, como que de antemão, a alegria e a luz da visão beatifica, termo da nossa caminhada nesta Terra. Então veremos Deus face a face´ (1 Cor 13, 12),tal como Ele é´ (1 Jo 3, 2). A fé, portanto, é já o princípio da vida eterna (...)» (Catecismo da Igreja Católica, nº 163)
 
Reflexões de Frei Carlos Mesters, O.Carm.
 
* O evangelho de hoje descreve a chegada de Jesus em Jericó.
É a última parada antes da subida para Jerusalém, onde será realizado o “êxodo” de Jesus conforme tinha sido anunciado na sua Transfiguração (Lc 9,31) e nos avisos ao longo da caminhada até Jerusalém (Lc 9,44; 18,31-33).
 
* Lucas 18,35-37: O cego à beira da estrada. “Quando Jesus se aproximava de Jericó, um cego estava sentado à beira do caminho, pedindo esmolas. Ouvindo a multidão passar, ele perguntou o que estava acontecendo. Disseram-lhe que Jesus Nazareno passava por ali”. No evangelho de Marcos, o cego se chama Bartimeu (Mc 10,46). Por ser cego, ele não podia participar da procissão que acompanhava Jesus. Naquele tempo, havia muitos cegos na Palestina, pois o sol forte que bate na terra pedregosa embranquecida fazia mal aos olhos sem proteção.
 
* Lucas 18,38-39: O grito do cego e a reação do povo. “Então o cego gritou: "Jesus, filho de Davi, tem piedade de mim!" Ele invoca Jesus sob o título de “Filho de Davi”. O catecismo daquela época ensinava que o messias seria da descendência de Davi, “filho de Davi”, messias glorioso. Jesus não gostava deste título. Citando o salmo messiânico, ele chegou a perguntar: “Como é que o messias pode ser filho de Davi se até o próprio Davi o chama de “meu Senhor”? (Lc 20,41-44) O grito do cego incomodava o povo que acompanhava Jesus. Por isso, “as pessoas que iam na frente mandavam que ele ficasse quieto. Elas tentavam abafar o grito. Mas ele gritava mais ainda: "Filho de Davi, tem piedade de mim!" Até hoje, o grito dos pobres incomoda a sociedade estabelecida: migrantes, aidéticos, mendigos, refugiados, tantos!
 
* Lucas 18,40-41: A reação de Jesus diante do grito do cego. E Jesus, o que faz? “Parou, e mandou que levassem o cego até ele. Os que queriam abafar o grito incômodo do pobre, agora, a pedido de Jesus, são obrigados a ajudar o pobre a chegar até Jesus. O evangelho de Marcos acrescenta que o cego largou tudo e foi até Jesus. Não tinha muito. Apenas um manto. Mas era o que tinha para cobrir o seu corpo (cf. Ex 22,25-26). Era a sua segurança, o seu chão! Também hoje Jesus escuta o grito calado dos pobres que nós, às vezes, não queremos escutar. Quando o cego chegou perto, Jesus perguntou: "O que quer que eu faça por você?" Não basta gritar. Tem que saber por que grita!  O cego respondeu: "Senhor, eu quero ver de novo."
 
* Lucas 18,42-43: “Veja! Sua fé curou você!” ”Jesus disse: "Veja. A sua fé curou você." No mesmo instante, o cego começou a ver e seguia Jesus, glorificando a Deus. Vendo isso, todo o povo louvou a Deus”. O cego tinha invocado Jesus com ideias não inteiramente corretas, pois o título “Filho de Davi” não era muito bom. Mas ele teve mais fé em Jesus, do que nas suas próprias ideias sobre Jesus. Assinou em branco. Não fez exigências como Pedro (Mc 8,32-33). Soube entregar sua vida aceitando Jesus sem impor condições. A cura é fruto da sua fé em Jesus. Curado, ele segue Jesus e sobe com ele para Jerusalém. Deste modo, tornou-se discípulo modelo para todos nós que queremos “seguir Jesus no caminho” em direção a Jerusalém: acreditar mais em Jesus do que nas nossas ideias sobre Jesus! Nesta decisão de caminhar com Jesus está a fonte da coragem e a semente da vitória sobre a cruz. Pois a cruz não é uma fatalidade, nem uma exigência de Deus. Ela é a consequência do compromisso de Jesus, em obediência ao Pai, de servir aos irmãos e de recusar o privilégio.
 
* A fé é uma força que transforma as pessoas. A Boa Nova do Reino anunciada por Jesus era como um fertilizante. Fazia crescer a semente da vida que estava escondida no povo, escondida como fogo debaixo das cinzas das observâncias sem vida. Jesus soprou nas cinzas e o fogo acendeu, o Reino desabrochou e o povo se alegrou. A condição era sempre a mesma: crer em Jesus. A cura do cego esclarece um aspecto muito importante da nossa fé. Mesmo invocando Jesus com ideias não inteiramente corretas, o cego teve fé e foi curado! Converteu-se, largou tudo e seguiu Jesus no caminho para o Calvário! A compreensão plena do seguimento de Jesus não se obtém pela instrução teórica, mas sim pelo compromisso prático, caminhando com ele no caminho do serviço, desde a Galileia até Jerusalém. Quem insiste em manter a ideia de Pedro, isto é, do Messias glorioso sem a cruz, nada vai entender de Jesus e nunca chegará a tomar a atitude do verdadeiro discípulo. Quem souber crer em Jesus e fazer a entrega de si (Lc 9,23-24), aceitar ser o último (Lc 22,26), beber o cálice e carregar sua cruz (Mt 20,22; Mc 10,38), este, como o cego, mesmo tendo ideias não inteiramente corretas, conseguirá enxergar e “seguirá Jesus no caminho” (Lc 18,43). Nesta certeza de caminhar com Jesus está a fonte da coragem e a semente da vitória sobre a cruz.
 
Para um confronto pessoal
1) Como vejo e sinto o grito dos pobres: migrantes, negros, aidéticos, mendigos, refugiados, tantos?
2) Como é a minha fé: fixo-me mais nas minhas ideias sobre Jesus ou em Jesus?

XXXIII Domingo do Tempo Comum

Santa Isabel da Hungria, viúva
 
1ª Leitura (Dan 12,1-3):
Naquele tempo, surgirá Miguel, o grande chefe dos Anjos, que protege os filhos do teu povo. Será um tempo de angústia, como não terá havido até então, desde que existem nações. Mas nesse tempo, virá a salvação para o teu povo, para aqueles que estiverem inscritos no livro de Deus. Muitos dos que dormem no pó da terra acordarão, uns para a vida eterna, outros para a vergonha e o horror eterno. Os sábios resplandecerão como a luz do firmamento e os que tiverem ensinado a muitos o caminho da justiça brilharão como estrelas por toda a eternidade.
 
Salmo Responsorial: 15
R. Defendei-me, Senhor: Vós sois o meu refúgio.
 
Senhor, porção da minha herança e do meu cálice, está nas vossas mãos o meu destino. O Senhor está sempre na minha presença, com Ele a meu lado não vacilarei.
 
Por isso o meu coração se alegra e a minha alma exulta e até o meu corpo descansa tranquilo. Vós não abandonareis a minha alma na mansão dos mortos, nem deixareis o vosso fiel sofrer a corrupção.
 
Dar-me-eis a conhecer os caminhos da vida, alegria plena em vossa presença, delícias eternas à vossa direita.
 
2ª Leitura (Heb 10,11-14.18): Todo o sacerdote da antiga aliança se apresenta cada dia para exercer o seu ministério e oferecer muitas vezes os mesmos sacrifícios, que nunca poderão perdoar os pecados. Cristo, ao contrário, tendo oferecido pelos pecados um único sacrifício, sentou-Se para sempre à direita de Deus, esperando desde então que os seus inimigos sejam postos como escabelo dos seus pés. Porque, com uma única oblação, tornou perfeitos para sempre os que Ele santifica. Onde há remissão dos pecados, já não há necessidade de oblação pelo pecado.
 
Aleluia. Vigiai e orai em todo o tempo, para poderdes comparecer diante do Filho do homem. Aleluia.
 
Evangelho (Mc 13,24-32): Naquele tempo, Jesus disse aos discípulos: «Mas, naqueles dias, depois daquela aflição, o sol ficará escuro e a lua perderá sua claridade, as estrelas cairão do céu e as potências celestes serão abaladas. Então verão o Filho do Homem vindo nas nuvens com grande poder e glória. Ele enviará os anjos para reunir os seus eleitos dos quatro cantos da terra, da extremidade da terra à extremidade do céu. Aprendei da figueira a lição: quando seus ramos vicejam e as folhas começam a brotar, sabeis que o verão está perto. Vós, do mesmo modo, quando virdes acontecer estas coisas, ficai sabendo que está próximo, às portas. Em verdade vos digo: esta geração não passará até que tudo isso aconteça. O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não passarão. Ora, quanto àquele dia ou hora, ninguém tem conhecimento, nem os anjos do céu, nem mesmo o Filho. Só o Pai».
 
«Está próximo»
 
Rev. D. Pedro IGLESIAS Martínez (Ripollet, Barcelona, Espanha)
 
Hoje, recordamos como a Igreja nos preparava, ao começar o ano litúrgico, para a primeira vinda de Cristo, que nos traz a salvação. A duas semanas do final do ano, prepara-nos para a segunda vinda, aquela em que se pronunciará a última e definitiva palavra sobre cada um de nós.
 
Perante o Evangelho de hoje podemos pensar que ainda vem longe, mas «Ele está próximo» (Mc 13,29). E, contudo, na nossa sociedade é incômodo -até incorreto!- aludir à morte. Porém, não podemos falar de ressurreição sem pensar que temos de morrer. O fim do mundo, para cada um de nós, ocorre no dia em que falecermos, momento em que terminará o tempo que nos foi dado para optar. O Evangelho é sempre uma Boa Nova e o Deus de Cristo é Deus de Vida: por que esse medo?; talvez pela nossa falta de esperança?
 
Diante da rapidez com que esse juízo chegará, temos de saber converter-nos em juízes severos, não dos outros, mas de nós próprios. Não cair no engano da autojustificação, do relativismo ou do -eu não acho que seja assim-... Jesus Cristo se nos dá através da Igreja e, com Ele, os meios e recursos para que esse juízo universal não seja o dia da nossa condenação, mas um espetáculo muito interessante, em que finalmente, se tornarão públicas as verdades mais ocultas dos conflitos que tanto atormentaram os homens.
 
A Igreja anuncia que temos um salvador, Cristo, o Senhor. Menos medos e mais coerência na nossa atuação, de acordo com aquilo em que cremos! «Quando chegarmos à presença de Deus, nos perguntarão duas coisas: se estávamos na Igreja e se trabalhávamos na Igreja; Tudo o resto não tem valor» (São J.H. Newman). A Igreja não só nos ensina uma forma de morrer, mas também uma de forma de viver para poder ressuscitar. Porque o que prega não é a sua mensagem, mas a Daquele cuja palavra é fonte de vida. Só partindo desta esperança enfrentaremos com serenidade o juízo de Deus.
 
O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não passarão.
 
D. António Couto
 
*
O melhor conhecimento da linguagem apocalíptica, construída de imagens e recursos simbólicos para falar do fim do mundo, permite-nos hoje escutar a mensagem esperançosa de Jesus, sem cair na tentação de semear angústia e terror nas consciências.
 
* Um dia a história apaixonante do ser humano sobre a terra chegará ao seu final. Esta é a convicção firme de Jesus. Esta é, também, a previsão da ciência atual. O mundo não é eterno. Esta vida terminará. O que será das nossas lutas e trabalhos, dos nossos esforços e aspirações?
 
* Jesus fala com sobriedade. Não deseja alimentar nenhuma curiosidade mórbida. Corta pela raiz qualquer intenção de especular com cálculos, datas ou prazos. “Ninguém sabe o dia ou a hora..., somente o Pai”. Nada de psicose perante o final. O mundo está em boas mãos. Não caminhamos para o caos. Podemos confiar em Deus, nosso Criador e Pai.
 
* A partir desta confiança total, Jesus expõe a sua esperança: a criação atual terminará, porém será para deixar lugar a uma nova criação, a qual terá Cristo ressuscitado como centro. É possível crer em algo tão grandioso? Podemos falar assim antes que alguma coisa tenha acontecido?
 
* Jesus recorre a imagens que todos podem entender. Um dia o sol e a lua que hoje iluminam a terra e tornam possível a vida, apagar-se-ão. O mundo ficará às escuras. A história da Humanidade também se apagará? Terminarão, assim, as nossas esperanças?
 
* Segundo a versão de Marcos, no meio dessa noite poder-se-á ver o “Filho do Homem”, quer dizer, Cristo ressuscitado que virá “com grande poder e glória”. A sua luz salvadora iluminará tudo. Ele será o centro de um mundo novo, o princípio de uma humanidade renovada para sempre.
 
* Jesus sabe que não é fácil crer nas suas palavras. Como pode provar que as coisas acontecerão assim? Com uma simplicidade surpreendente, convida a viver esta vida como uma primavera. Todos conhecem a experiência: a vida que parecia morta durante o inverno começa a despertar; nos galhos da figueira brotam de novo pequenas folhas. Todos sabem que o Verão está próximo.
 
* Esta vida que agora conhecemos é como a primavera. Todavia, não é possível a colheita. Não podemos obter sucessos definitivos. Porém, há pequenos sinais de que a vida está em gestação. Os nossos esforços por um mundo melhor não se perderão. Ninguém sabe o dia, mas Jesus virá. Com a sua vinda revelar-se-á o mistério último da realidade que os crentes chamam de Deus.
 
* Como conclusão reflexiva podemos dizer o seguinte. O discurso apocalíptico que encontramos em Marcos quer oferecer algumas convicções para alimentar a esperança daqueles (e de nós) cristãos. Não o devemos interpretar em sentido literal mas tentar descobrir a fé contida nessas imagens e símbolos que para nós não são fáceis de entender e são até um pouco estranhos.
 
* Primeira convicção. A história apaixonante da Humanidade chegará um dia ao seu fim. O “sol” que assinala a sucessão dos anos apagar-se-á. A “lua” que marca o ritmo dos meses já não brilhará. Não haverá dias nem noites. Também as “estrelas cairão do céu”, a distância entre o céu e a terra desaparecerá, já não haverá espaço. Esta vida que agora vivemos não será para sempre. Um dia chegará a Vida definitiva, sem espaço nem tempo Viveremos no Mistério de Deus.
 
* Segunda convicção. Jesus voltará e os seus seguidores poderão ver finalmente o seu rosto: “verão o Filho do Homem vir”. O sol, a lua e os astros apagar-se-ão mas o mundo não ficará sem luz. Será Jesus quem o iluminará para sempre instaurando a verdade, a justiça e a paz na história humana tão escrava hoje de abusos, injustiças e mentiras.
 
* Terceira convicção. Jesus trará consigo a salvação de Deus. Chega com o poder grande e salvador do Pai. Não se apresenta com aspecto ameaçador. O evangelista evita falar aqui de juízos e de condenações. Jesus vem “reunir os seus eleitos”, os que esperam com fé a sua salvação.
 
* Quarta convicção. As palavras de Jesus “não passarão”. Não perderão a sua força salvadora. Continuarão a alimentar a esperança dos seus seguidores e a ser o alento dos pobres. Não caminhamos para o nada, para o vazio. Espera-nos o abraço de Deus.
 
* O cenário do Evangelho deste Domingo XXXIII do Tempo Comum (Marcos 13,24-32) não é de terror, mas de amor! Novos céus e nova terra, saídos das mãos de Deus-Pai, com o Filho-que-Vem, e que está próximo, à porta. É como o noivo do Cântico dos Cânticos 5,2, que bate à porta, descrito pela noiva que dorme, mas escuta com um coração sempre vigilante! Única atitude da Igreja Una e Santa, que Domingo após Domingo, se reúne com emoção e alegria à volta do seu Senhor-que-Vem. Tudo tão suave e tão cheio de maravilha: o nosso Deus revelando ou simplesmente com todo o carinho desvelando, isto é, retirando o véu que encobre a verdadeira realidade, perante os nossos olhos atónitos!
 
* Uma parte da Igreja antiga lia este «discurso escatológico» e outros textos similares do Novo Testamento no sentido da chegada iminente do «fim do mundo» (leitura ainda hoje desgraçadamente doentia nas seitas, com ano, dia e hora marcados!). Sim, é do «fim do mundo» que se trata, mas num sentido novo e inaudito: é a Palavra de Deus que não passa, e que é Amor e é Primeira e Última, sempre nova, portanto, que vem «pôr fim ao nosso mundo» de posse e egoísmo, autossatisfação e auto expansão ilimitada. É o Último, que é o Amor gratuito e desinteressado, que põe fim ao penúltimo, que é a nossa vã maneira de viver. Neste sentido novo, é de desejar que o nosso mundo velho e caduco entre em agonia e acabe já, para que comece verdadeiramente em nós e já um mundo novo e belo, cuja matriz é o Amor gratuito e incondicional. Neste sentido intenso e belo, vale a oração «Senhor, vem!, porque, com sabedoria serena, sabemos que «o Senhor vem!».