domingo, 31 de julho de 2016

Segunda-feira da 18ª semana do Tempo Comum

Agosto, mês do
Ssmo Salvador do Mundo
Evangelho (Mt 14,13-21): Naquele tempo, ao ser informado da morte de João, Jesus partiu dali e foi, de barco, para um lugar deserto, a sós. Quando as multidões o souberam, saíram das cidades e o seguiram a pé. Ao sair do barco, Jesus viu uma grande multidão. Encheu-se de compaixão por eles e curou os que estavam doentes. Ao entardecer, os discípulos aproximaram-se dele e disseram: «Este lugar é deserto e a hora já está adiantada. Despede as multidões, para que possam ir aos povoados comprar comida!». Jesus, porém, lhes disse: «Eles não precisam ir embora. Vós mesmos dai-lhes de comer!». Os discípulos responderam: «Só temos aqui cinco pães e dois peixes». Ele disse: «Trazei-os aqui». E mandou que as multidões se sentassem na relva. Então, tomou os cinco pães e os dois peixes, ergueu os olhos para o céu e pronunciou a bênção, partiu os pães e os deu aos discípulos; e os discípulos os distribuíram às multidões. Todos comeram e ficaram saciados, e dos pedaços que sobraram recolheram ainda doze cestos cheios. Os que comeram foram mais ou menos cinco mil homens, sem contar mulheres e crianças.

«Ergueu os olhos para o céu...»

Rev. D. Xavier ROMERO i Galdeano (Cervera, Lleida, Espanha)

Hoje, o Evangelho toca nossos "esquemas mentais"... Por isso, hoje, como nos tempos de Jesus, podem surgir as vozes dos prudentes para sopesar se vale a pena determinado assunto. Os discípulos, ao ver que se fazia tarde e, como não sabiam como atender àquelas pessoas reunidas em torno de Jesus, encontraram uma saída honrosa: «Que possam ir aos povoados comprar comida!» (Mt 14,15). Não podiam esperar que seu Mestre e Senhor contrariasse esse raciocínio, aparentemente tão prudente, dizendo-lhes: «Vós mesmos dai-lhes de comer!» (Mt 14,16).

Um ditado popular diz: «Aquele que deixa Deus fora de suas contas, não sabe contar». E é verdade, os discípulos — e nós também — não sabemos contar, porque nos esquecemos frequentemente, de acrescentar o elemento de maior importância na soma: Deus mesmo entre nós.

Os discípulos fizeram bem as contas; contaram com exatidão o número de pães e peixes, mas ao dividi-los mentalmente entre tanta gente, eles obtinham sempre um zero periódico; por isso optaram pelo realismo prudente: «Só temos aqui cinco pães e dois peixes» (Mt 14,17). Não percebem que eles têm a Jesus — verdadeiro Deus e verdadeiro homem — entre eles!

Parafraseando a São Josemaria, não nos seria mal recordar aqui que: «os empreendimentos de apostolado, está certo — é um dever — que consideres os teus meios terrenos (2 + 2 = 4). Mas não esqueças nunca! Que tens de contar, felizmente, com outra parcela: Deus + 2 + 2...». O otimismo cristão não é baseado na ausência de dificuldades, de resistências e de erros pessoais, mas em Deus que nos diz: «Eis que estou convosco todos os dias, até o fim dos tempos» (Mt 28,20).

Seria bom se você e eu, quando confrontados com as dificuldades, antes de darmos uma sentença de morte à ousadia e ao otimismo do espírito cristão, contássemos com Deus. Tomara que possamos dizer como São Francisco, naquela oração genial: «Onde houver ódio que eu leve o amor», isto é, onde as contas não baterem, que contemos com Deus.

Reflexão

Sto Afonso Maria de Ligório
Bispo e Doutor
• O capítulo 14 de Mateus, que inclui a história da multiplicação dos pães, propõe um itinerário que leva o leitor à descoberta progressiva da fé em Jesus: via desde a falta de fé dos conterrâneos de Jesus ao reconhecimento do Filho de Deus passando pelo dom do pão. Os concidadãos de Jesus estão surpreendidos com a sua sabedoria, mas não compreendem que ela age através de suas obras. Tendo até mesmo um conhecimento direto da família de Jesus, de sua mãe, irmãos e irmãs, não conseguem aceitar a Jesus, a não ser apenas sua condição humana: é o filho do carpinteiro. Incompreendido em sua terra natal, a partir de agora Jesus viverá entre o povo ao qual dedicará toda a sua atenção e solidariedade, curando e alimentando as multidões.

Dinâmica da narrativa. Mateus narra acuradamente o episódio da multiplicação dos pães. O episódio está narrado entre duas expressões de transição nas quais se diz que Jesus se retira "aparte" das multidões, os discípulos da barca (vv.13-14; vv.22-23). O versículo 13 não só serve como uma transição, mas também fornece o motivo pelo qual Jesus está em um lugar deserto. Esta estratégia serve para especificar o ambiente em que ocorre o milagre. O evangelista enfoca a história na multidão e na atitude de Jesus a respeito da mesma.

Jesus se comove em seu interior. No momento em que chega, Jesus encontra uma multidão que o espera; ao ver as multidões se comove e cura os seus doentes. É uma multidão "cansada e abatida como ovelhas sem pastor" (9,36; 20,34) O verbo que expressa a compaixão de Jesus é verdadeiramente expressivo: a Jesus "se lhe despedaça o coração", corresponde ao verbo hebraico que expressa amor visceral da mãe. É o mesmo sentimento que eu tinha Jesus diante do túmulo de Lázaro (Jo 11,38). Compaixão é o aspecto subjetivo da experiência de Jesus, que se faz efetiva com o dom do pão.

O dom do pão. O relato da multiplicação dos pães se abre com uma expressão: "Caía a tarde" (v.15), que também introduz o relato da Última Ceia (Mt 26,20) e do sepultamento de Jesus (Mt 27,57). À tarde, então, Jesus convida os apóstolos para alimentar a multidão, em meio ao deserto longe de vilas e cidades. Jesus e os discípulos estão diante de um problema humano muito forte: alimentar a grande multidão que segue Jesus. Mas eles não conseguem suprir as necessidades materiais da multidão, sem o poder de Jesus. A resposta imediata dos discípulos é mandá-los para casa. Diante dos limites humanos, Jesus intervém e realiza o milagre saciando a todos os que o seguem. Dar de comer é aqui a resposta de Jesus, de seu coração que se faz em pedaços diante de uma necessidade humana muito específica. O dom do pão não é apenas suficiente para satisfazer a multidão, mas é tão abundante que se deve recolher as sobras. No v. 19b parece que Mateus deu um significado eucarístico ao episódio da multiplicação dos pães: "elevando os olhos ao céu, abençoou-os. Partindo em seguida os pães, deu-os aos seus discípulos," o papel dos discípulos também fica muito evidente na função de mediação entre Jesus e a multidão: "os discípulos distribuíram ao povo" (v. 19c). Os gestos que acompanham o milagre são idênticos aos que Jesus adotará mais tarde na "noite em que foi entregue": levanta os olhos, abençoa o pão e o parte. Disto se deduz o valor simbólico do milagre: pode se considerar uma antecipação da Eucaristia. Além disso, alimentar a multidão por parte de Jesus é um "sinal" de que ele é o Messias e de que prepara um banquete de festa para toda a humanidade. De Jesus, que distribuiu os pães, os discípulos aprendem o valor da partilha. É um gesto simbólico que contém um fato real que vai além do episódio mesmo e se projeta para o futuro: o dom da nossa Eucaristia diária, em que revivemos aquele gesto do pão partido, é necessário que seja reiterado ao longo da jornada.

Para um confronto pessoal
1. Você se esforça para fazer gestos de solidariedade com aqueles que estão perto de você partilhando o caminho da vida? Diante dos problemas concretos de seus amigos ou parentes, você sabe oferecer sua ajuda e tua disponibilidade de colaborar para encontrar maneiras de resolver?
2. Jesus, antes de partir o pão, levanta os olhos para o céu, você sabe agradecer ao Senhor pelo dom pão diário? Você sabe compartilhar seus bens com os outros, especialmente com os pobres?

sábado, 30 de julho de 2016

XVIII Domingo do Tempo Comum

Textos: Ecle 1,2; 2, 21-23; Col 3, 1-5.9-11; Lc 12, 13-21

Evangelho (Lc 12,13-21): Alguém do meio da multidão disse a Jesus: «Mestre, dize ao meu irmão que reparta a herança comigo». Ele respondeu: “Homem, quem me encarregou de ser juiz ou árbitro entre vós?». E disse-lhes: «Atenção! Guardai-vos de todo tipo de ganância, pois mesmo que se tenham muitas coisas, a vida não consiste na abundância de bens». E contou-lhes uma parábola: «A terra de um homem rico deu uma grande colheita. Ele pensava consigo mesmo: ‘Que vou fazer? Não tenho onde guardar minha colheita’. Então resolveu: ‘Já sei o que fazer! Vou derrubar meus celeiros e construir maiores; neles vou guardar todo o meu trigo, junto com os meus bens. Então poderei dizer a mim mesmo: Meu caro, tens uma boa reserva para muitos anos. Descansa, come, bebe, goza a vida!’ Mas Deus lhe diz: «Tolo! Ainda nesta noite, tua vida te será retirada. E para quem ficará o que acumulaste? Assim acontece com quem ajunta tesouros para si mesmo, mas não se torna rico diante de Deus».

«A vida não consiste na abundância de bens»

Rev. D. Jordi PASCUAL i Bancells (Salt, Girona, Espanha)

Hoje, Jesus situa-nos face a face com aquilo que é fundamental para a nossa vida cristã, nossa vida de relação com Deus: fazer-se rico diante Dele. Ou seja, encher nossas mãos e nosso coração com os bens sobrenaturais, espirituais, de graça e não de coisas materiais.

Por isso, à luz do Evangelho de hoje, podemos nos perguntar: De que enchemos nosso coração? O homem da parábola sabia bem: «Descansa, come, bebe, goza a vida» (Lc 12,19. Mas isso não é o que Deus espera de um bom filho seu. O Senhor não colocou nossa felicidade nas heranças, boas comidas, carros último modelo, férias em lugares exóticos, casas de campo, o sofá, a cerveja ou o dinheiro. Todas essas coisas podem ser boas, mas em si mesmas não podem saciar o desejo de plenitude da nossa alma e, portanto, devemos usá-las bem, como meios que são.

É a experiência de São Inácio de Loyola, cuja celebração temos próxima. Assim, o reconhecia em sua autobiografia: «Quando se voltava para as coisas mundanas, sentia grandíssimo prazer; mas, ao deixá-las por cansaço, via-se descontente e árido. Ao contrário, quando pensava na vida rigorosa que notava nos santos, não só no momento em que as resolvia no pensamento, se enchia de gozo, mas quando o abandonava, encontrava-se alegre». Também pode ser a experiência de cada um de nós.

E acontece que as coisas materiais, terreais, caducam e passam; por contraste, as coisas espirituais são eternas, imortais, duram para sempre e, são as únicas que podem encher nosso coração e dar sentido pleno à nossa vida humana e cristã.

Jesus o diz bem claro: «Tolo!» (Lc 12,20), assim qualifica quem tem apenas objetivos materiais, terreais, egoístas. Que em qualquer momento da nossa existência podamo-nos apresentar diante Deus com as mãos e o coração cheios de esforço por ter buscado ao Senhor e, aquilo que a Ele gosta, que é o único que nos levará ao céu.

“Guardai-vos de toda cobiça”. Diante dos bens materiais, nem desprezo, nem apego, mas o “tanto quanto” de santo Inácio de Loiola.

Pe. Antonio Rivero, L.C.

Sto Inácio de Loyola, Presbítero
“A avareza rompe o saco”. Esta frase proverbial parte da imagem de um ladrão que ia pondo num saco quanto roubava e quando, para que coubesse mais, apertou o que tinha dentro do saco, rompeu-se. A cobiça rompe o saco é uma forma mais antiga do que a avareza rompe o saco, como mostra a sua presença em obras como La Lozana Andaluza 252, El Guzmán de Alfarache, essa novela picaresca de Mateo Alemán, El Quijote I 20, II 13 y 26. Uma forma sinônima aparece no El Criticón de Baltasar Gracián: por não perder um bocado, perdem-se centos. O coração do cobiçoso não repousa nem sequer de noite (Evangelho). Busquemos as coisas do alto (2ª leitura), poia as daqui debaixo não saciam e são perecedouras (1ª leitura).

Em primeiro lugar, diante dos bens materiais não cabe o desprezo. Jesus não está nos convidando a desprezar os bens da terra (evangelho). São bons e lícitos, e se conseguidos honestamente nos ajudam a levar uma vida digna e sem apuros, em ordem a ter uma casa confortável e um trabalho remunerado, alimentar e sustentar a família, oferecer uma boa educação aos filhos e ajudar os necessitados. A riqueza em si não é boa nem má: o que pode ser mau é o uso que fazemos dela e a atitude interior diante dela. Se Jesus chamou tonto ou insensato o rico do evangelho, não é porque fosse rico, ou porque tivesse trabalhado pelo seu bem-estar e o da sua família, mas porque tinha programado a sua vida prescindindo de Deus e esquecendo também a ajuda aos outros. A cobiça leva os homens a expressar um profundo amor pelas posses, o que os constitui em idólatras.

Em segundo lugar, diante dos bens materiais seria muito mal para nós nos apegar ou idolatrá-los. Basta abrir a Sagrada Escritura: Judas foi cobiçoso e entregou o seu Mestre; Davi cobiçou Betsabè e cometeu assassinato; Jacó cobiçou os direitos do seu irmão e o incitou a desprezá-los; os filhos de Jacó cobiçaram o amor do pai e por inveja quiseram matar o seu irmão José; Ananias e Safira mentiram e morreram. A cobiça é um pecado tão antigo como sutil. No mundo em que vivemos, materialista por excelência, não é nada esquisito que nos vejamos tentados pela cobiça. A Palavra de Deus nos fala da origem da cobiça, dos seus efeitos e de como enfrentá-la. Este refrão que ligado à fabula de Esopo que fala do cachorro e o reflexo no rio. Um cachorro que ia com um pedaço de carne no seu focinho e ao passar por uma ponte viu a sua imagem refletida na água… pensou que era outro cachorro que tinha um pedaço maior e quis tomar dele… O resultado: ficou sem nada. Qohelet (1ª leitura) nos convida a relativizar os diversos afãs que costumamos ter com o seu tom pessimista: “vaidade, tudo é vaidade”, que também podemos traduzir assim: “vazio, tudo é vazio”. A riqueza não nos dá tudo na vida, nem é o principal: a morte relativiza tudo. É sábio reconhecer os limites do que é humano e ver as coisas no justo valor que têm, transitório e relativo. Tanta preocupação e tanta angustia, inclusive do trabalho, não pode nos levar a nada sólido. A nossa vida é como a erva que esta fresca de manhã e de tarde já está seca (Salmo). Jesus no evangelho nos convida ao desapego do dinheiro porque não é um valor absoluto nem humanamente nem cristãmente. Por cima do dinheiro está a amizade, a vida de família, a cultura, a arte, a comunicação interpessoal, o são disfrute da vida, a ajuda solidaria para com os outros. Tem que ter tempo para sorrir, jogar, “perder tempo” com os familiares e amigos.    

Finalmente, diante dos bens materiais a dica de santo Inácio de Loiola: “tanto quanto”. A regra do “tanto quanto” é importante para todos os mortais. Não se trata de uma doutrina filosófica, nem de um planejamento econômico, nem de um projeto político, mas poderia servir para tudo. O grande santo Inácio de Loiola, nos seus Exercícios Espirituais, apresenta isto com as seguintes palavras: “O homem é criado para louvar, fazer reverência e servir a Deus nosso Senhor e, mediante isto, salvar a sua alma; e as outras coisas sobre a face da terra são criadas para o homem e para ajudá-lo na prossecução do fim para o qual foi criado. De onde se segue, que o homem tanto há de usar delas, quanto o ajudem para o seu fim, e tanto deve privar-se delas, quanto o impeçam para isto. Com isto é preciso fazer-nos indiferentes a todas as coisas criadas, em tudo que é concedido à liberdade do nosso livre arbítrio, e não está proibido; de tal forma, que não queiramos, da nossa parte mais saúde do que doença, riqueza do que pobreza, honra do que desonra, vida longa que curta, e, por conseguinte no resto; somente desejando e elegendo o que mais nos conduz para o fim que somos criados” (Exercícios, n° 23). Esta regra, de alguma forma é usada por todas as pessoas, mas não no sentido no que exige Santo Inácio, porque todos buscam as criaturas, tanto quanto possam enriquecer, deleitar, distrair, divertir. É uma ótica totalmente diversa, já que a maioria emprega a filosofia do tanto quanto, só em conquistas terrenas, humanas, materiais, esquecendo de aplicar esta fórmula nas nossas relações com Deus, no negócio mais importante: a salvação da alma. Só quanto temos Cristo como Senhor das nossas vidas, podemos estar seguros de que morreremos mais e mais ao pecado e viveremos mais e mais para Ele, interessando-nos pela salvação da alma. 

Para refletir: Onde coloco a minha felicidade: nas coisas materiais e perecedouras ou nas coisas eternas e incorruptíveis? Poderia afirmar de verdade que uso e desejo tudo <tanto quanto>é de proveito para a minha salvação eterna? Peco de cobiça, aceitando subornos, aproveitando-me do débil para o meu benefício, defendendo o injusto, ardendo de inveja, vivendo sempre descontente com o que tenho?

Para rezar: Deus Todo-poderoso que impulsionastes santo Antônio Abade a abandonar as coisas deste mundo para seguir em pobreza e solidão o Evangelho do vosso Filho, pedimos-vos que, a exemplo dele saibamos nos desprender interiormente e exteriormente de tudo o que nos impede de vos amar e de vos servir com todo o coração, com toda a alma e com todas as forças. Por Jesus Cristo, vosso Filho, nosso Senhor. Amém.

Qualquer sugestão ou dúvida podem se comunicar com o padre Antonio neste e-mail:  arivero@legionaries.org

sexta-feira, 29 de julho de 2016

Sábado XVII do Tempo Comum

Evangelho (Mt 14,1-12): Naquele tempo, a fama de Jesus chegou aos ouvidos do rei Herodes. Ele disse aos seus cortesãos: «É João Batista! Ele ressuscitou dos mortos; por isso, as forças milagrosas atuam nele». De fato, Herodes tinha mandado prender João, acorrentá-lo e colocá-lo na prisão, por causa de Herodíades, a mulher de seu irmão Filipe. Pois João vivia dizendo a Herodes: «Não te é permitido viver com ela». Herodes queria matá-lo, mas ficava com medo do povo, que o tinha em conta de profeta. Por ocasião do aniversário de Herodes, a filha de Herodíades dançou diante de todos, e agradou tanto a Herodes que ele prometeu, com juramento, dar a ela tudo o que pedisse. Instigada pela mãe, ela pediu: «Dá-me aqui, num prato, a cabeça de João Batista». O rei ficou triste, mas, por causa do juramento e dos convidados, ordenou que atendessem ao pedido dela. E mandou cortar a cabeça de João, na prisão. A cabeça foi trazida num prato, entregue à moça, e esta a levou para a sua mãe. Os discípulos de João foram buscar o corpo e o enterraram. Depois vieram contar tudo a Jesus.

«A fama de Jesus chegou aos ouvidos do rei Herodes»

Rev. D. Joan Pere PULIDO i Gutiérrez (Sant Feliu de Llobregat, Espanha)

Hoje, a liturgia convida-nos a contemplar uma injustiça: A morte de João Batista; e, também, descobrir na Palavra de Deus a necessidade de um testemunho claro e concreto de nossa fé para encher o mundo de esperança.

Convido-os a focalizar nossa reflexão na personagem do tetrarca Herodes. Realmente, para nós, não é um verdadeiro testemunho, mas nos ajudará a destacar alguns aspectos importantes para a nossa declaração de fé em meio do mundo. «Naquele tempo, a fama de Jesus chegou aos ouvidos do rei Herodes» (Mt 14,1). Esta afirmação distingue uma atitude aparentemente correta, mas pouco sincera. É a realidade que hoje podemos achar em muitas pessoas e, talvez também em nós mesmos. Muitas pessoas têm ouvido falar de Jesus, mas, quem é Ele realmente? Que implicância pessoal nos une a Ele?

Em primeiro lugar, é necessário dar uma resposta correta; a do tetrarca Herodes não passa de ser uma vaga informação: «É João Batista! Ele ressuscitou dos mortos» (Mt 14,2). Com certeza sentimos falta da afirmação de Pedro diante da pergunta de Jesus: «E vós, quem dizeis que eu sou? Simão Pedro respondeu: ‘Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo’» (Mt 16,15-16). E esta afirmação não dá lugar para o medo ou para a indiferença, e sim abre a porta a um testemunho fundamentado no Evangelho da esperança. Assim o definia São João Paulo II na sua Exortação apostólica A Igreja na Europa: «Junto à Igreja toda, convido aos meus irmãos e irmãs na fé a se abrirem constante e confiadamente a Cristo e, a se deixar renovar por Ele, anunciando com o vigor da paz e o amor a todas as pessoas de boa vontade que, quem encontra ao Senhor conhece a Verdade, descobre a Vida e, reconhece o Caminho que conduz a ela».

Que, hoje sábado, a Virgem Maria, a Mãe da esperança, nos ajude de verdade a encontrar Jesus e, a dar um bom testemunho Dele aos nossos irmãos.

Reflexões de Frei Carlos Mesters, O.Carm.

S. Pedro Crisólogo, Bispo e Doutor
* O evangelho de hoje descreve como João Batista foi vítima da corrupção e da prepotência do governo de Herodes. Foi morto sem processo, durante um banquete do rei com os grandes do reino. O texto traz muitas informações sobre o tempo em que Jesus vivia e sobre a maneira como era exercido o poder pelos poderosos da época.

* Mateus 14,1-2. Quem é Jesus para Herodes
  O texto começa informando a opinião de Herodes a respeito de Jesus: "Ele é João Batista, que ressuscitou dos mortos. É por isso que os poderes agem nesse homem". Herodes procurava compreender Jesus a partir dos medos que o assaltavam após o assassinato de João. Herodes era um grande supersticioso que escondia o medo atrás da ostentação da sua riqueza e do seu poder.

* Mateus 14,3-5: A causa escondida do assassinato de João.
   Galileia, terra de Jesus, era governada por Herodes Antipas, filho do rei Herodes, o Grande, desde 4 antes de Cristo até 39 depois de Cristo. Ao todo, 43 anos! Durante todo o tempo que Jesus viveu, não houve mudança de governo na Galileia! Herodes era dono absoluto de tudo, não prestava conta a ninguém, fazia o que bem entendia. Prepotência, falta de ética, poder absoluto, sem controle por parte do povo! Mas quem mandava mesmo na Palestina, desde 63 antes de Cristo, era o Império Romano. Herodes, lá na Galileia, para não ser deposto, procurava agradar a Roma em tudo. Insistia, sobretudo, numa administração eficiente que desse lucro ao Império. A preocupação dele era a sua própria promoção e segurança. Por isso, reprimia qualquer tipo de subversão. Mateus informa que o motivo do assassinato de João foi a denúncia que o Batista fez a Herodes por ele ter casado com Herodíades, mulher do seu irmão Filipe. Flávio José, escritor judeu daquela época, informa que o motivo real da prisão de João Batista era o medo que Herodes tinha de um levante popular. Herodes gostava de ser chamado de benfeitor do povo, mas na realidade era um tirano (Lc 22,25). A denúncia de João contra Herodes foi a gota que fez transbordar o copo: "Não te é permitido casar com ela”.  E João foi preso.

* Mateus 14,6-12: A trama do assassinato.
Aniversário e banquete de festa, com danças e orgias! Marcos informa que a festa contava com a presença “dos grandes da corte, dos oficiais e das pessoas importantes da Galileia” (Mc 6,21). É nesse ambiente que se trama o assassinato de João Batista. João, o profeta, era uma denúncia viva desse sistema corrupto. Por isso foi eliminado sob pretexto de um problema de vingança pessoal. Tudo isto revela a fraqueza moral de Herodes. Tanto poder acumulado na mão de um homem sem controle de si! No entusiasmo da festa e do vinho, Herodes fez um juramento leviano a Salomé, a jovem dançarina, filha de Herodíades. Supersticioso como era, pensava que devia manter esse juramento, atendeu ao capricho da menina e mandou o soldado trazer a cabeça de João num prato e dar à dançarina, que o entregou à sua mãe. Para Herodes, a vida dos súditos não valia nada. Dispunha deles como dispunha da posição das cadeiras na sala.

As três marcas do governo de Herodes: a nova Capital, o latifúndio e a classe dos funcionários:
1. A Nova Capital.  Tiberíades foi inaugurada quando Jesus tinha seus 20 anos. Era chamada assim para agradar a Tibério, o imperador de Roma. Lá moravam os donos das terras, os soldados, a polícia, os juízes muitas vezes insensíveis (Lc 18,1-4). Para lá eram levados os impostos e o produto do povo. Era lá que Herodes fazia suas orgias de morte (Mc 6,21-29). Tiberíades era a cidade dos palácios do Rei, onde vivia o pessoal de roupa fina (cf Mt 11,8). Não consta nos evangelhos que Jesus tenha entrado nessa cidade.
2. O Latifúndio.  Os estudiosos informam que, durante o longo governo de Herodes, cresceu o latifúndio em prejuízo das propriedades comunitárias. O Livro de Henoque denuncia os donos das terras e expressa a esperança dos pequenos: “Então, os poderosos e os grandes já não serão mais os donos da terra!” (Hen 38,4). O ideal dos tempos antigos era este: “Cada um debaixo da sua vinha e da sua figueira, sem que haja quem lhes cause medo” (1 Mac 14,12; Mq 4,4; Zac 3,10). Mas a política do governo de Herodes tornava impossível a realização deste ideal.
3. A Classe dos funcionários. Herodes criou toda uma classe de funcionários fieis ao projeto do rei: escribas, comerciantes, donos de terras, fiscais do mercado, coletores de impostos, militares, policiais, juízes, promotores, chefes locais. Em cada aldeia ou cidade havia um grupo de pessoas que apoiavam o governo. Nos evangelhos, alguns fariseus aparecem junto com os herodianos (Mc 3,6; 8,15; 12,13), o que reflete a aliança entre o poder religioso e poder civil. A vida do povo nas aldeias era muito controlada, tanto pelo governo como pela religião. Era necessária muita coragem para começar algo novo, como fizeram João e Jesus! Era o mesmo que atrair sobre si a raiva dos privilegiados, tanto do poder religioso como do poder civil.

Para um confronto pessoal
1. Conhece casos de pessoas que morreram vítimas da corrupção e da dominação dos poderosos? E aqui entre nós, na nossa comunidade e na igreja, há vítimas de desmando e de autoritarismo?
2. Herodes, o poderoso, que pensava ser o dono da vida e da morte do povo, era um covarde diante dos grandes e um bajulador corrupto diante da moça. Covardia e corrupção marcavam o exercício do poder de Herodes. Compare com o exercício do poder religioso e civil hoje nos vários níveis da sociedade e da Igreja.

quinta-feira, 28 de julho de 2016

29 de julho: Santa Marta

Stos Marta, Maria e Lázaro
Amigos e hospedeiros do Senhor.
Evangelho (Lc 10,38-42): Naquele tempo, Jesus entrou num povoado, e uma mulher, de nome Marta, o recebeu em sua casa. Ela tinha uma irmã, Maria, a qual se sentou aos pés do Senhor e escutava a sua palavra. Marta, porém, estava ocupada com os muitos afazeres da casa. Ela aproximou-se e disse: «Senhor, não te importas que minha irmã me deixe sozinha com todo o serviço? Manda, pois que ela venha me ajudar!». O Senhor, porém, lhe respondeu: «Marta, Marta! Tu te preocupas e andas agitada com muitas coisas. No entanto, uma só é necessária. Maria escolheu a melhor parte e esta não lhe será tirada».

«Tu te preocupas e andas agitada com muitas coisas. No entanto, uma só é necessária»

Rev. D. Antoni CAROL i Hostench (Sant Cugat del Vallès, Barcelona, Espanha)

Hoje, também nós que estamos ocupados com muitas coisas devemos ouvir o que o Senhor nos recorda: «No entanto, uma só é necessária» (Lc 10,42): o amor, a santidade. Este é o objetivo, o horizonte que não podemos perder nunca de vista no meio de nossas ocupações cotidianas.

Porque ocupados estaremos sempre se obedecermos à indicação do Criador: «Sede fecundos e multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a!» (Gn 1,28). A Terra! O mundo: é aqui o nosso lugar de encontro com o Senhor. «Eu não rogo que os tires do mundo, mas que os guardes do maligno» (Jo 17,15). Sim, o mundo é o altar para nós e para nossa entrega a Deus e aos outros.

Somos do mundo, mas não podemos ser mundanos. Muito pelo contrário, somos chamados a ser como a bela expressão de João Paulo II sacerdotes da criação, sacerdotes do nosso mundo, de um mundo que amamos apaixonadamente.

Eis aqui a questão: o mundo e a santidade, o trabalho diário e a única coisa necessária. Não são duas realidades opostas: temos que procurar a confluência de ambas. E essa confluência se produz em primeiro lugar e sobre tudo em nosso coração, que é onde se pode unir o céu e a terra. Porque no coração humano é onde pode nascer o diálogo entre o Criador e a criatura.

É necessário, portanto, a oração. «O nosso tempo é um tempo em constante movimento, que frequentemente desemboca no ativismo, com o risco fácil de acabar fazendo por fazer. Temos que resistir a essa tentação, procurando ser antes de fazer. Recordamos a este respeito a reprovação de Jesus a Marta: «Tu te preocupas e andas agitada com muitas coisas. No entanto, uma só é necessária (Lc 10,41-42)» (João Paulo II).

Não há oposição entre o ser e o fazer, mas sim há uma ordem de prioridade, de precedência: «Maria escolheu a melhor parte e esta não lhe será tirada» (Lc 10,42).

COMENTÁRIO

Mais uma vez, o Evangelho de Lucas destaca o fato que Jesus e os seus discípulos “caminhavam”. É caminhando que se faz caminho, e é no caminho que se aprende o que é ser discípulo de Jesus. Todos nós estamos “no caminho”, como Jesus e os outros, só que a nossa caminhada não se mede em quilômetros, mas em anos!

O Evangelho de hoje frisa muito o lado afetivo de Jesus e dos seus discípulos e discípulas. Jesus se dirige à casa de uma família em Betânia, perto de Jerusalém. Era o lugar predileto onde Jesus procurava - e recebia - aconchego humano, carinho, afeto, amizade, acolhimento; onde podia refazer as suas forças nas suas caminhadas evangelizadoras. Do Evangelho do Discípulo Amado aprendemos que: “Jesus amava Marta, a irmã dela e Lázaro” (Jo 11, 5). Este tipo de relacionamento humano é necessário para que formemos verdadeiras comunidades cristãs - e quantas vezes dispensamos esse elemento fundamental!

É gritante a diferença de gênio das duas irmãs! Marta, provavelmente a mais velha, preocupada com os seus afazeres - afinal tinham chegado hóspedes para uma refeição, e tinham que ser bem tratados; Maria, calma, senta-se aos pés do Senhor, para escutar a Palavra. De repente, ressoa o desabafo de Marta: “Senhor, não te importas que minha irmã me deixe sozinha com todo o serviço? Manda que ela venha ajudar-me!” (v. 40). Instintivamente, a nossa simpatia fica com a Marta. Qual é a mãe da família, a dona de casa ou o anfitrião de visita que não sentiria o que Marta sentia? Por isso mesmo, chama a atenção a resposta do Senhor: “Marta, Marta! Você se preocupa e anda agitada com muitas coisas; porém, uma só coisa é necessária. Maria escolheu a melhor parte, e esta não lhe será tirada.” (v. 41s).

Uma coisa é óbvia - Jesus não está defendendo a preguiça, a omissão, a exploração do trabalho dos outros! Num mundo agitado como é o nosso, que não nos deixa tempo para cultivar o relacionamento humano, a amizade, a oração, o nosso próprio ser, esta resposta nos faz lembrar a importância de viver de uma maneira que prioriza as coisas. É óbvio que nós temos que preocuparmo-nos com os afazeres, os trabalhos, - mas na verdade, quantas vezes nós enchemos os nossos dias com ativismo, atividades fúteis, agitação, - e assim não conseguimos escutar nem nós mesmos, nem os irmãos, nem o próprio Deus!
Jesus aqui questiona a agitação e o ativismo - que não se mede pelo número de atividades. O ativismo é uma fuga, uma fuga de um encontro com os anseios mais profundos do nosso ser, dos apelos de Deus, refugiando-nos em um número sem fim de atividades sem objetivos claros, sem organização, sem rumo. A atitude de Maria é a de uma discípula, que aprende viver de maneira nova, ouvindo e ruminando a Palavra de Deus, uma palavra que pode levar à muita atividade, mas nunca ao ativismo.

Jesus de forma alguma quer menosprezar a Marta. Aliás, diversas vezes os evangelhos põem Marta em mais relevo do que Maria. O próprio Lucas diz que foi Marta que recebeu Jesus na sua casa (v. 38). Em João, é Marta que faz a profissão de fé em Jesus, que nos Sinóticos é feita por Pedro: “Sim, Senhor. Eu acredito que tu és o Messias, o Filho de Deus que devia vir a este mundo” (Jo 11, 27). Na realidade, todos nós temos que ser “Marta e Maria”. Temos necessidade de dedicarmo-nos aos nossos afazeres, mas também é preciso achar tempo para ficarmos aos pés do Senhor. O desafio é de conseguir o equilíbrio entre os dois aspectos de vida, entre “lançar as redes” e “consertar as redes” (Mc 1, 16-20), entre “atividade” e “oração”, entre “missão” e “interiorização”. Pois, os dois lados são tão intimamente ligados que o desequilíbrio, do lado que for, trará consequências negativas para a nossa vida de discípulos e discípulas. Também aqui nos traz um alerta – com certa frequência: corremos o risco de sobrecarregar as pessoas leigas tão dedicadas às comunidades! Devemos sempre lembrar que elas também precisam de tempo para cultivar os seus laços familiares, de aprofundar a sua própria experiência de Deus, de descanso. Não é a vontade de Deus que alguém “se queime” de tanto serviço, mesmo na evangelização. Precisamos ser sempre “Marta e Maria”.

Salmo 14/15
Senhor, quem morará em vossa casa?
É aquele que caminha sem pecado
e pratica a justiça fielmente;
que pensa a verdade no seu íntimo
e não solta em calúnias sua língua.
Senhor, quem morará em vossa casa?
Que em nada prejudica o seu irmão
nem cobre de insultos seu vizinho;
que não dá valor algum ao homem ímpio,
mas honra os que respeitam o Senhor.
Senhor, quem morará em vossa casa?
Não empresta o seu dinheiro com usura
nem se deixa subornar contra o inocente.
Jamais vacilará quem vive assim!
Senhor, quem morará em vossa casa?

quarta-feira, 27 de julho de 2016

O Ano Santo da Misericórdia: Sugestões da Regra do Carmo para viver a misericórdia

Frei Carlos Mesters, carmelita, Convento do Carmo de Angra dos Reis/RJ.

"Jesus Cristo é o rosto da misericórdia do Pai. O mistério da fé cristã parece encontrar nestas palavras a sua síntese. Tal misericórdia tornou-se viva, visível e atingiu o seu clímax em Jesus de Nazaré.

O Pai, “rico em misericórdia” (Ef 2, 4), depois de ter revelado o seu nome a Moisés como “Deus misericordioso e clemente, lento na ira, e cheio de bondade e fidelidade” (Ex 34, 6), não cessou de dar a conhecer, de vários modos e em muitos momentos da história, a sua natureza divina.

Na “plenitude do tempo” (Gl 4, 4), quando tudo estava pronto segundo o seu plano de salvação, mandou o seu Filho, nascido da Virgem Maria, para nos revelar, de modo definitivo, o seu amor. Quem O vê, vê o Pai (cf. Jo 14, 9). Com a sua palavra, os seus gestos e toda a sua pessoa, Jesus de Nazaré nos revela a misericórdia de Deus"

Com estas palavras o Papa Francisco começa a carta em que anuncia o Jubileu da Misericórdia. Ele termina a carta informando que o Jubileu terá início no dia 8 de dezembro de 2015 e será encerrado na festa de Cristo Rei, 20 de novembro de 2016. Ele escreve: "Será um Ano Santo extraordinário para viver, na existência de cada dia, a misericórdia que o Pai, desde sempre, estende sobre nós. Neste Jubileu, deixemo-nos surpreender por Deus. Ele nunca Se cansa de escancarar a porta do seu coração, para repetir que nos ama e deseja partilhar conosco a sua vida".

No dia 8 de dezembro, o Papa dará início ao Jubileu abrindo a Porta Santa na basílica de São Pedro. Na carta ele pede que todos procurem abrir a porta do coração para a misericórdia poder entrar e tomar conta de tudo. E ele destaca como a misericórdia de Deus alcança o seu ponto alto, seu clímax, em Jesus que é o rosto da misericórdia do Pai, o misericordiae vultus.

Como Província Carmelitana de Santo Elias queremos atender ao pedido do Papa e empenhar-nos na vivência da misericórdia. O Papa pede três coisas:
1) abrir a porta do coração para a misericórdia;
2) deixar-nos surpreender por Deus
3) perceber o clímax da misericórdia de Deus em Jesus.

Nesta breve reflexão, vamos aprofundar estes três pedidos do Papa Francisco veremos os conselhos que a Regra do Carmo nos oferece para melhor atender aos pedidos do Papa.

1) O primeiro pedido do Papa: Abrir a porta do coração para a Misericórdia

A própria palavra "misericórdia" tem a ver com o coração, pois ela é uma junção de dois vocábulos: miseri e córdia, ou seja: miséria e coração. Uma pessoa misericordiosa é uma pessoa que tem o coração aberto para a miséria dos outros. É a atitude de quem não se fecha em si mesmo, mas se envolve nas necessidades dos irmãos e das irmãs que cruzam o seu caminho. Foi o que Jesus fez e viveu.

Já no Antigo Testamento, os profetas apontavam três portas para perceber a ação da misericórdia de Deus. São portas que existem até hoje na vida de todos nós: (1) Isaías indicou porta do amor das mães; (2) Jeremias indicou a porta da natureza; (3) Um discípulo de Isaías indicou a porta do serviço.  Não são três portas diferentes, mas é uma única porta com três batentes.

(1) A porta do amor das mães.
Porta antiga, sempre nova! Esta porta, as mães a conhecem e vivem. Nós, os filhos e as filhas, a conhecemos e experimentamos. Na época do cativeiro, o profeta Isaías chamou a atenção para esta porta. Ele dizia às pessoas desanimadas: "O povo anda dizendo: 'Javé me abandonou; o Senhor se esqueceu de mim'. Mas pode a mãe se esquecer do seu nenê? Pode ela deixar de ter amor pelo filho de suas entranhas? Ainda que ela se esqueça, eu não me esquecerei de você". (Is 49,14-15). Foi no amor das mães que Isaías descobriu uma expressão da misericórdia de Deus.

Jeremias dizia: "De longe Deus me apareceu e disse: Eu amo você com amor eterno; por isso, conservo o meu amor por você". (Jr 31,3). Jeremias escutou esta frase no momento mais escuro da história do povo. Foi no cativeiro da Babilônia. É como se Deus dissesse ao povo: “Depois de tudo que você fez, você nem mereceria ser amada. Mas meu amor por você não depende daquilo que você fez ou faz por mim ou contra mim. Quando comecei a amar você, eu o fiz com um amor eterno. Por isso, apesar de tudo que você me fez, apesar de todos os seus defeitos e pecados, eu gosto de você. Eu amo você com amor eterno; por isso conservei o meu amor por você. Mesmo você me matando, eu amo você e fico esperando o seu retorno”. Jesus confirmou este amor quando na cruz pediu perdão ao Pai pelos seus assassinos: "Pai, perdoai! Eles não sabem o que estão fazendo!".

(2) A porta da natureza.
Porta antiga, sempre nova! Na época do cativeiro, o povo dizia: "Deus me abandonou; o Senhor se esqueceu de mim". Eles achavam que não eram mais povo de Deus. Tinham sido infiéis à aliança e o rei Nabucodonosor tinha destruído todos os sinais da misericórdia de Deus. Achavam que Deus tinham rompido com eles. Estavam sem esperança. O profeta Jeremias reagiu dizendo que tinha muita esperança. "Jeremias, qual o fundamento da sua esperança?" E ele respondia: "O sol vai nascer amanhã!" “Assim diz Javé, aquele que estabelece o sol para iluminar o dia e ordena à lua e às estrelas para iluminarem a noite, aquele cujo nome é Javé dos exércitos: quando essas leis falharem diante de mim - oráculo de Javé - então o povo de Israel também deixará de ser diante de mim uma nação para sempre!” (Jr 31,35-36; cf. 33,20-21).

Jeremias chamava a atenção do povo para a misericórdia de Deus que se manifesta no nascer do sol. Nabucodonosor pode ser forte, mas ele não consegue impedir o nascimento do sol. O nascer do sol é pura gratuidade, expressão do bem-querer do Criador. Jeremias ajudou o povo a observar a natureza com um novo olhar. Na certeza do nascer do sol, ele via um sinal da misericórdia de Deus. Ele experimentava a misericórdia de Deus nos fenômenos da natureza e nas coisas da vida: no pôr do sol, no sorriso de uma criança, na bondade de um amigo, no sofrimento paciente de uma doente, na gratidão de um mendigo ao qual você tinha dado uma esmola...? Tantos sinais de misericórdia!

Aqui podemos acrescentar os inúmeros salmos que cantam a beleza da natureza: o ar, o vento, as montanhas, as árvores, o sol e a lua, as estrelas, os pássaros, as estações do ano, as tempestades, a vida, etc. etc.

(3) A porta do serviço
Porta nova a ser reaberta cada vez de novo! No período dos reis, o ideal do povo era este: chegar a ser um povo glorioso, escolhido, maior e mais forte que os outros povos. Mas este ideal não deu certo. Pelo contrário! No cativeiro tudo se desintegrou. Descobriram que a missão deles não é eles serem um povo forte e dominador, mas sim serem um povo humilde e servidor. Na crise e na catástrofe do cativeiro, nasceu o ideal do povo servidor. Os capítulos 40 a 66 do livro de Isaías trazem os quatro cânticos do Servo ou servidor de Deus: (1) Deus apresenta o seu servo à humanidade (Is. 42,1-9). (2) O Servo conta como descobriu a sua missão (Is 49, 1-7). (3) O Servo conta como está realizando a sua missão (Is 52,4-10). (4) Os convertidos pelo testemunho do Servo contam como o Servo sofreu, morreu e ressuscitou (Is 52,13-53,12). Estes cânticos do Servo eram a cartilha que sustentava a esperança dos pobres e os orientava no caminho da vida.

* Deus dizia ao povo: "Você é o meu servo; eu o escolhi e jamais o rejeitei. Não tenha medo, pois eu estou com você. Não precisa olhar com desconfiança, pois eu sou o seu Deus. Eu fortaleço você, eu o ajudo e o sustento com minha direita vitoriosa". (Is 41,9-10).
* Quando povo descobriu sua missão como servo, ele dizia: "Eu ainda estava no seio materno, e o Senhor já me chamava; nas entranhas da minha mãe eu estava, e Ele já pronunciava o meu nome. Ele disse: “Você é o meu Servo! Você me traz muita satisfação!”E eu já andava dizendo: “Cansei-me em vão! Gastei minhas forças com vento, com nada!”Na realidade, meu direito, o Senhor o defendia, e o meu salário, Deus o assegurava! Fui levado a sério aos olhos do Senhor, Deus se fez a minha força! (Is 49,1. 3-6).

* Foi a profecia do Servo que orientou Maria. Ela disse ao anjo Gabriel: "Eis aqui a serva do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua palavra!" (Lc 1,38).

* Foi a profecia do Servo que orientou Jesus na escolha e realização da sua missão. Ele dizia: "O Filho do Homem não veio para ser servido. Ele veio para servir e dar a sua vida como resgate para muitos" (Mc 10,45). E quando se apresentou pela primeira vez na sinagoga de Nazaré, ele se apresentou ao povo com as palavras do resumo que Isaías fez da missão do Servo de Javé: "O Espírito do Senhor está sobre mim e ele me ungiu ara anunciar a Boa Nova aos pobres....!" (Lc 4,18s e Is 61,1-2).

Como abrir esta porta do amor, da natureza e do serviço? Como a Regra do Carmo pode ajudar-nos para abrir esta porta da misericórdia em nossas vidas?

Um primeiro conselho da Regra: a reunião semanal. A Regra diz: "Nos domingos ou em outros dias, caso for necessário, vocês devem tratar da conservação da ordem e do bem-estar das pessoas. Nesta mesma ocasião, sejam também corrigidas com caridade as faltas e culpas que, por ventura, forem encontradas em algum dos irmãos" (Rc 15). A observância constante deste conselho leva o carmelita a sentir-se responsável pelo andamento da sua comunidade e a preocupar-se com o bem estar de cada irmão. Assim, o coração vai abrindo sua porta para sentir o problema dos irmãos. É por esta porta que a misericórdia de Deus vai poder entrar e tomar conta de tudo.

Um segundo conselho da Regra: a vida em comunidade. A Regra pede que, no uso e na distribuição dos bens, estejamos atentos às necessidades de cada irmão e irmã (Rc 12). Ela cita o exemplo de trabalho do apóstolo Paulo que vivia preocupado para não ser peso para os outros. Ele dizia: “Estivemos com vocês trabalhando dia e noite, sem descansa, para não dar despesa a ninguém. Não como se não tivéssemos o direito, mas sim para dar-lhes um exemplo a imitar. De fato quando estávamos com vocês, repetíamos com insistência: ‘Quem não quiser trabalhar, também não coma!’ Ora ouvimos dizer que entre vocês alguns levam uma vida irrequieta, sem fazer nada. A estas pessoas avisamos e ordenamos, em nome do Senhor Jesus Cristo, que trabalhando em silêncio ganhem e comam seu próprio pão". Este caminho é santo e bom. É nele que devem andar! Paulo pede para que ninguém viva à toa, à custa dos outros. Pelo contrário, cada um deve estar compenetrado da sua obrigação de conviver em comunidade, prestando serviço aos irmãos (Rc 20). A Regra pede ainda que todos façam um esforço para viver em fraternidade como pessoas maduras e responsáveis (Rc 22 e 23).

Estes conselhos tão simples e evangélicos da nossa Regra fazem com que o carmelita, aos poucos, vá abrindo a porta do seu coração para as necessidades dos irmãos e para a misericórdia de Deus.

2) O segundo pedido do Papa: Deixar nos surpreender por Deus

O Papa Francisco diz na sua carta: "Neste Jubileu, deixemo-nos surpreender por Deus. Ele nunca Se cansa de escancarar a porta do seu coração, para repetir que nos ama e deseja partilhar conosco a sua vida". Como deixar-nos surpreender por Deus? Uma surpresa é algo que você não esperava e que acontece de repente. E quando a surpresa tem a ver com algo dentro da gente que, de repente, aparece iluminado por Deus, aí a surpresa é maior ainda. Deus, ele mesmo, é a maior surpresa. Eis algumas destas inacreditáveis surpresas de Deus:

* Ao ser assassinado na cruz, Jesus não fica com raiva nem pensa em vingança, mas pede perdão pelos seus assassinos: "Pai, perdoa, ele não sabem o que estão fazendo (Lc 23,24).

* Ao lado de Jesus na cruz, um ladrão recebe esta promessa: "Hoje mesmo você estará comigo no Paraíso" (Lc 23,43). O primeiro que entrou no céu é um ladrão arrependido!

* Pedro quer saber quantas vezes deve perdoar: "Sete vezes?" Sete significa sempre. Jesus responde: "Setenta vezes sete!" (Mt 18,27), isto é: "Setenta vezes sempre!"

*Jesus está sentado à mesa na casa de pecadores e publicanos. Criticado pelos fariseus, responde: "Não vim buscar os justos, mas sim os pecadores!" (Mc 2,17).

* Na parábola, o filho mais novo pede: "Pai, me dá a herança!" (Lc 15,12). Com outras palavras: "Quero que o senhor morra!' O Pai atende e faz festa para este seu filho.

*Ela foi pego em flagrante de adultério. "Quem for sem pecado por jogar pedra!" Jesus disse: "Ninguém te condenou? Eu também não te condeno" (Jo 8,10).

* Judas o traiu. Pedro o negou três vezes. Todos os abandonaram. Ficou totalmente só. Sabendo de tudo isto, Jesus disse: Depois da ressurreição espero por vocês na Galileia" (Mc 14,27-28).

Dá para você imaginar surpresa maior do que estas? O que devo fazer para deixar-me surpreender por Deus? Não temos nenhum meio para obrigar Deus a se manifestar a nós. Isto depende dele, só dele. Aqui também a Regra oferece alguns conselhos.

Um primeiro conselho da Regra: Meditar dia e noite na lei do Senhor
Este conselho diz respeito à carteira de identidade do Carmelo: "Permaneça cada um em sua cela ou na proximidade dela, meditando dia e noite na Lei do Senhor e vigiando em orações, a não ser que esteja ocupado em outros justificados afazeres" (Rc 10). Este meditar constante dispõe o coração para uma atitude de entrega a Deus, para que Deus possa entrar e tomar conta. No Carmelo, oração e meditação não são uma atividade ao lado das outras atividades, mas são a própria vida do Carmelo. Não são um ladrilho ao lado dos outros ladrilhos, mas são a parede que sustenta todos os ladrilhos. Quando as outras atividades cessam, a meditação da Palavra e a oração permanecem.

A cela ou o quarto oferece o espaço físico da solidão para a meditação e a oração. O beato João Soreth diz que a cela material, o quarto, é símbolo da cela interior, para a qual deve ser recolhida a mente dispersa. A solidão material no quarto, sem a cela interior do coração, não vale e não tem sentido. A permanência na cela material ajuda a alimentar em nós a cela interior. Muitas vezes, porém, acontece o seguinte. Carmelitas leigos que vivem no borbulho da vida familiar, sem a cela material, vivem na sua cela interior muito mais do que nós frades que vivemos, cada um, na sua cela material.

São João da Cruz descreve como "recolher-se na cela", ou seja, como recolher a mente da distração e da alienação; como desapegar-se do apego; como incomodar em nós o acomodado; como perder a vida para poder possuí-la. Assim, aos poucos, o acesso à fonte vai ser desobstruído e a água poderá inundar livremente a vida, e a surpresa da misericórdia de Deus acontece.

Um segundo conselho da Regra: Usar as armas espirituais
Num longo capítulo a Regra descreve como devem ser usadas as armas espirituais do cinto, colete, couraça, escudo, capacete e da espada, para que possamos deixar-nos surpreender por Deus:

O cinto de castidade nos rins (Ef 6,14). Os rins sugerem os sentimentos mais profundos. Devemos "proteger os rins" para não virar joguete de tendências e estímulos contraditórios. O cinto de castidade visa o controle equilibrado dos sentimentos e desejos do coração. Ele ajuda a abrir a porta do coração para que a misericórdia de Deus possa entrar e tomar conta de tudo.

O colete dos pensamentos santos para o peito (Prov 2,11). Pensamento santo vem do Livro Santo. O peito indica o centro dos anseios e do pensamento. O colete do pensamento santo sugere a aquisição de uma consciência crítica frente à ideologia dominante. Ajuda a discernir se o meu sentimento sobre Deus e sobre a misericórdia é verdadeiro, ou se é só um desejo egoísta de autopromoção.

A couraça da justiça para o corpo (Mt 22,37; Dt 6,5). A Regra usa a palavra justiça como sinônimo de amor a Deus e ao próximo. Trata-se da justiça do Reino de que fala Jesus: "Buscai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça!" (Mt 6,33) Ou seja, o amor a Deus deve ser total: de todo coração, de toda alma, com todas as forças. Esta entrega total a Deus nos abre para a misericórdia.

O escudo de fé contra as flechas de fogo (Ef 6,6). O capítulo 11 da carta aos Hebreus dá uma ideia do que vem a ser o escudo protetor da fé. Ele descreve como, no passado, a fé foi a grande força que animou e guiou o povo na sua caminhada. Pois, "sem a fé é impossível agradar a Deus".

O capacete da salvação na cabeça (Ef 6,15). A Regra associa a esperança com a salvação. Ter o capacete de salvação na cabeça significa ter na cabeça a esperança de que só Jesus pode trazer a libertação. É permitir que Jesus nos liberte de nós mesmos e nos leve a abrir a porta para a misericórdia.

A espada da Palavra na boca e no coração (Col 3,17). A espada é a única arma ofensiva. As outras são de defesa. A "espada do Espírito" é a Palavra de Deus que deve "habitar" na boca e no coração. Habitar significa sentir-se em casa. Sentir familiaridade, liberdade e fidelidade, frente à Palavra de Deus!

A finalidade do uso de todas estas armas é uma só: fazer com que Deus possa penetrar nossos pensamentos e sentimentos através da fé, da esperança e do amor, "para que tudo seja feito na Palavra de Deus" (Rc 19) e, assim, vivamos e irradiemos a misericórdia de Deus.

Um terceiro conselho da Regra: Fazer tudo na palavra do Senhor
A Regra recomenda por nove vezes a leitura orante da Bíblia: (1) ouvir a Sagrada Escritura durante as refeições (Rc 7); (2) meditar dia e noite a Lei do Senhor (Rc 10); (3) rezar os Salmos ou horas canônicas (Rc 11); (4) participar diariamente da Eucaristia (Rc 14); (5) ter pensamentos santos (Rc 19); (6) a Palavra deve habitar na boca e no coração (Rc 19); (7) agir sempre de acordo com a Palavra de Deus (Rc 19); (8) ler com frequência as cartas de Paulo (Rc 20); (9) ter diante de si o exemplo de Jesus como está nos evangelhos (Rc 22).

A Palavra de Deus é capaz de abrir a porta do coração e de nos fazer sentir a surpresa de Deus. Diz a carta aos hebreus: "A palavra de Deus é viva, eficaz e mais penetrante do que qualquer espada de dois gumes; ela penetra até o ponto onde a alma e o espírito se encontram, e até onde as juntas e medulas se tocam; ela sonda os sentimentos e pensamentos mais íntimos" (Hb 4,12). Assim, pouco a pouco, se começa a ver tudo à luz de Deus. Aos poucos, vai aparecendo a surpresa da misericórdia de Deus.

3) O terceiro pedido do Papa: Perceber a misericórdia de Deus em Jesus

O Papa Francisco diz que a Boa Nova da misericórdia de Deus vem desde as primeiras páginas da Bíblia, mas ela "tornou-se viva, visível e atingiu o seu clímax em Jesus de Nazaré". De fato, os quatro evangelhos deixam transparecer de muitas maneiras como Jesus irradiava esta misericórdia de Deus nas suas palavras e gestos para com as pessoas:
A moça do perfume (Lc 7,36-50),
A viúva de Naim (Lc 7,11-17),
As crianças (Mc 10,13-16),
O cego de Jericó (Mc 10,46-52),
Os doentes (Mt 4,23-25),
O povo faminto (Mc 8,1-9),
Os leprosos (Mc 1,40-45; Lc 17,12-19; 7,22),
O paralítico de trinta e oito anos (Jo 5,1-9),
A mulher adúltera (Jo 8,1-11),
A menina de doze anos (Mc 5,35-43),
A mulher de hemorragia irregular (Mc 5,25-34),
A mulher curvada durante dezoito anos (Lc 13,10-17),
O pai do menino epilético (Lc 9,37-43),
A Samaritana (Jo 4,7-26),
A Cananéia (Mt 15,21-28),
Zaqueu (Lc 19,1-10),
O oficial romano (Mt 8,5-13),
A sogra de Pedro (Mc 1,29-31),
E tantas e tantos outros.

De fato, todos estes episódios que Jesus é, como diz o Papa Francisco, "o clímax da misericórdia do Pai". Ele é o centro de tudo. A mesma centralidade de Jesus transparece na Regra do Carmo. Jesus é o centro de tudo! Eis um levantamento dos pontos onde a Regra fala explicitamente de Jesus.

* O prólogo da Regra define a vida carmelitana como “viver em obséquio de Jesus Cristo e servir a ele de coração puro e boa consciência” (Rc 2). A preocupação de "viver em obséquio de Jesus" percorre a Regra de ponta a ponta. Ela é o pano de fundo, contra o qual deve ser lido e interpretado tudo o que segue nos vários capítulos da Regra.

* "Meditar dia e noite na Lei do Senhor", isto é, meditar nas palavras de Jesus (Rc 10).

* Recomenda a Eucaristia diária, isto é, a vida deve estar centrada em torno da vivência do Mistério Pascal de Jesus, morto e ressuscitado (Rc 14).

* Recomenda o jejum desde o dia da exaltação da Cruz até o dia da Ressurreição. Isto é, sugere uma contínua atenção ao mistério da pessoa de Jesus durante o ano inteiro (Rc 16).

* "Os que querem viver piedosamente em Cristo padecem perseguição" (Rc 18). Ou seja, os que querem viver o ideal apresentado pela Regra terão a cruz de Jesus como parte da sua vida.

* Recomenda que o carmelita siga "o ensinamento e o exemplo do apóstolo Paulo, pois por sua boca Cristo nos falava". No mesmo capítulo, Alberto pede, "em nome de Senhor Jesus Cristo", que os preguiçosos e vagabundos “trabalhem em silêncio e ganhem o seu próprio pão” (Rc 20).

* Recomenda a prática do silêncio, lembrando a palavra de Jesus que diz que "de toda palavra inútil que a gente disser teremos que prestar conta a Deus" (Rc 21).

* Lembra ao superior que ele deve imitar o que Jesus diz no Evangelho: “Quem quiser ser o primeiro deve ser o servo de todos” (Rc 22)

* Lembra aos súditos de ver a Jesus na pessoa do superior (Rc 23)

* Evoca a parábola do Samaritano onde diz que o Senhor na sua volta pagará (Rc 24).

Resumindo e Concluindo
A Vida em obséquio de Jesus tem um ritmo diário, semanal e anual. Diário, porque diariamente os carmelitas devem celebrar a eucaristia, rezar o ofício e meditar a lei do Senhor. Semanal, porque uma vez por semana devem fazer revisão de vida e verificar se estão vivendo realmente em obséquio de Jesus. Anual, porque, cada ano, devem jejuar desde a festa da Santa Cruz até Páscoa, seguindo o ritmo do ano litúrgica que percorre a vida de Jesus, desde o nascimento até a morte e ressurreição.

Este tríplice ritmo de vida cria um ambiente que favorece viver em obséquio de Jesus Cristo e nos ajuda a abrir a porta do coração para a misericórdia, a deixar-nos surpreender por Deus e a perceber o ponto alto da misericórdia de Deus em Jesus Cristo, Nosso Senhor.
O apóstolo Paulo transmite a mesma experiência do amor eterno de Deus quando diz: "Estou convencido de que nem a morte nem a vida, nem os anjos nem os principados, nem o presente nem o futuro, nem os poderes nem as forças das alturas ou das profundidades, nem qualquer outra criatura, nada nos poderá separar do amor de Deus, manifestado em Jesus Cristo, nosso Senhor" (Rom 8,38-39).

Aqui está a fonte permanente da misericórdia, do serviço e da fraternidade, que o evangelho pede de nós e que o Papa Francisco retomou para este Ano da Misericórdia.


Artigos do Frei Petrônio de Miranda