1ª
Leitura (Sab Job 19, 1.23-27a ): Job tomou a palavra e disse: «Quem dera
que as minhas palavras fossem escritas num livro, ou gravadas em bronze com
estilete de ferro, ou esculpidas em pedra para sempre! Eu sei que o meu
Redentor está vivo e no último dia Se levantará sobre a terra. Revestido da
minha pele, estarei de pé; na minha carne verei a Deus. Eu próprio O verei,
meus olhos O hão de contemplar».
Salmo
Responsorial: 26
R. Espero contemplar a bondade do Senhor na terra dos vivos.
O Senhor é minha luz e salvação:
a quem hei de temer? O Senhor é o protetor da minha vida: de quem hei de ter
medo?
Uma coisa peço ao Senhor, por ela
anseio: habitar na casa do Senhor todos os dias da minha vida, para gozar da
suavidade do Senhor e visitar o seu santuário.
Ouvi, Senhor, a voz da minha
súplica, tende compaixão de mim e atendei-me. A vossa face, Senhor, eu procuro:
não escondais de mim o vosso rosto.
Espero vir a contemplar a bondade
do Senhor na terra dos vivos. Confia no Senhor, sê forte. Tem coragem e confia
no Senhor.
2ª
Leitura (Rom 2 Cor 4, 14 – 5, 1 ): Como sabemos, irmãos, Aquele que
ressuscitou o Senhor Jesus também nos há-de ressuscitar com Jesus e nos levará
convosco para junto d’Ele. Tudo isto é por vossa causa, para que uma graça mais
abundante multiplique as ações de graças de um maior número de cristãos para
glória de Deus. Por isso, não desanimamos. Ainda que em nós o homem exterior se
vá arruinando, o homem interior vai-se renovando de dia para dia. Porque a
ligeira aflição dum momento prepara-nos, para além de toda e qualquer medida,
um peso eterno de glória. Não olhamos para as coisas visíveis, olhamos para as
invisíveis: as coisas visíveis são passageiras, ao passo que as invisíveis são
eternas. Bem sabemos que, se esta tenda, que é a nossa morada terrestre, for
desfeita, recebemos nos Céus uma habitação eterna, que é obra de Deus e não é
feita pela mão dos homens.
Evangelho
(Lc 23,33.39-43): Quando chegaram ao lugar chamado Calvário, ali
crucificaram Jesus e os malfeitores: um à sua direita e outro à sua esquerda.
Um dos malfeitores crucificados o insultava, dizendo: Tu não és o Cristo?
Salva-te a ti mesmo e a nós! Mas o outro o repreendeu: Nem sequer temes a Deus,
tu que sofres a mesma pena? Para nós, é justo sofrermos, pois estamos recebendo
o que merecemos; mas ele não fez nada de mal. E acrescentou: Jesus, lembra-te
de mim, quando começares a reinar. Ele lhe respondeu: Em verdade te digo: hoje
estarás comigo no Paraíso
Hoje, o Evangelho recorda o fato
fundamental do Cristianismo: a morte e ressurreição de Jesus. Façamos nossa,
agora, a oração do Bom Ladrão: Jesus, lembra-te de mim (Lc 23, 42). A Igreja
não reza pelos santos como ora pelos defuntos, que dormem no Senhor, mas
encomenda-se às orações daqueles e reza por estes, diz Sto. Agostinho num
Sermão. Pelo menos uma vez por ano nós, os cristãos, questionamo-nos sobre o
sentido da nossa vida e sobre o sentido da nossa morte e ressurreição. É no dia
da comemoração dos fiéis defuntos, da qual Sto. Agostinho nos apontou a
diferença em relação à festa de Todos os Santos.
Os sofrimentos da Humanidade são
os sofrimentos da Igreja e têm em comum, sem dúvida, o fato de todo o
sofrimento ser de algum modo privação de vida. Por isso a morte de um ser
querido nos causa uma dor tão indescritível que nem a fé sozinha consegue aliviá-la.
Assim, os homens sempre quiseram honrar os defuntos. Na verdade, a memória é
uma forma de fazer com que os ausentes estejam presentes, de perpetuar a sua
vida. Mas os mecanismos psicológicos e sociais, com o tempo, amortecem as
recordações. E se, humanamente, esse fato pode levar à angústia, os cristãos,
graças à ressurreição, têm paz. A vantagem de nela crermos é que nos permite
confiar em que, apesar do esquecimento, voltaremos a encontrar-nos na outra
vida.
Uma segunda vantagem de crermos
consiste em que, ao recordar os defuntos, rezamos por eles. Fazemo-lo no nosso
interior, na intimidade com Deus, e cada vez que rezamos juntos, na Eucaristia:
não estamos sós perante o mistério da morte e da vida, antes o compartilhamos
como membros do Corpo de Cristo. Mais ainda: ao ver a cruz, suspensa entre o
céu e a terra, sabemos que se estabelece uma comunhão entre nós e os nossos
defuntos. Por isso S. Francisco proclamou agradecido: Louvado sejas, Senhor,
pela nossa irmã, a morte corporal.
Pensamentos para o Evangelho
de hoje
«Por que duvidar que os nossos sacrifícios pelos defuntos lhes levem algum consolo? Não hesitemos, pois, em socorrer os que já partiram e em oferecer as nossas orações por eles» (São João Crisóstomo)
«Finalmente seremos revestidos
pela alegria, paz e amor de Deus de uma forma completa, sem qualquer limite, e
estaremos cara a cara com Ele! É belo pensar nisto! Pensar no céu é belo. Dá
força à alma» (Francisco)
«A comunhão com os defuntos.
Reconhecendo claramente esta comunicação de todo o Corpo místico de Cristo, a
Igreja dos que ainda peregrinam venerou, com muita piedade, desde os primeiros
tempos do cristianismo, a memória dos defuntos; e, porque é um pensamento santo
e salutar rezar pelos mortos, para que sejam livres de seus pecados, por eles
ofereceu também sufrágios. A nossa oração por eles pode não só ajudá-los, mas
também tornar mais eficaz a sua intercessão em nosso favor» (Catecismo da
Igreja Católica, nº 958)
A morte deve ser para o cristão a pedra de toque de sua vida.
* Lendo o livro “Há um outro
mundo” do judeu-católico convertido André Frossard encontramos uma perfeita
profissão de fé na vida eterna e na transitoriedade da vida humana com luzes na
eternidade da vida em Deus: “Os cemitérios não passam de vestíbulos da ressurreição.
A morte é um abrir e fechar os olhos, o intervalo praticamente inexistente que
separa a sombra da luz nas bem-aventuranças do Evangelho: Bem-aventurados os
que choram, porque serão consolados; apenas terminado o prelúdio que se passa
nesta terra, realiza-se a promessa”.
* Celebramos hoje a festa da
esperança cristã: a esperança na vida eterna, na vida em Deus. A morte não
é a última palavra, mas é a primeira palavra na constância do Criador, no
teatro em que monta com a presença querida da Trindade Santíssima, do Pai, do
Filho e do Espírito Santo. A vitória sobre a morte é o critério da esperança de
todos os cristãos. Se Cristo morreu na Cruz por nossa salvação Ele pavimentou
nosso acesso ao Reino dos Céus. Basta que cada um de nós faça a sua parte,
colaborando no mistério da vida eterna que se inicia aqui e agora neste vale de
lágrimas. Muitos incréus pensam que a morte é o fim. Pelo contrário, para o
cristão a morte é o início da vida eterna: “a vida não é tirada, mas a vida é
transformada”, conforme nos ensina o prefácio da liturgia de hoje: “Nele
(Jesus) brilhou para nós a esperança da feliz ressurreição. E, aos que a
certeza da morte entristece, a promessa da imortalidade consola!”.(Cf. Prefácio
75 do Missal Romano).
* Ser justo é estar na palma
da mão de Deus. E o homem que foi justo em vida está preparando a sua
entrada na vida em Deus. Conforme gosta sempre de lembrar o Cardeal Dom Serafim
Fernandes de Araújo: “quem pratica a justiça está na palma da mão de Deus”.
Quem, em vida, mesmo no último minuto, teve um gesto de arrependimento e
começou a conduzir a sua vida pela justiça é digno de entrar no reino dos
Justos, no reino dos Céus.
* Estar unido em Cristo é
configurar a sua paixão, morte e ressurreição. Caminhar com Cristo pelo
teatro da paixão, da morte e da ressurreição é preparar-se para ir para o céu,
para estar junto daquele que irrompeu a morte anunciando a vida, não a vida
transitória, mas a vida eterna.
* Não podemos viver com a
perspectiva de sermos assumidos pelo Espírito de Deus, para ressuscitar com um
corpo não carnal, mas espiritual (Cf. 1 Cor 15,44ss), se não nos acostumarmos
ao Espírito desde já. O corpo espiritual de que Paulo exorta é a presença “ao
modo de Deus”. Este é o nosso destino.
* A morte deve ser para o
cristão a pedra de toque de sua vida. Dá seriedade à sua vida. Valoriza, na
vida, o que ultrapassa os limites da matéria, que é só para esta vida. No
Evangelho da primeira Missa de finados, Jo 11,17-27, o episódio da morte de
Lázaro é muito significativo para a nossa caminhada de fé, de fé na vida
eterna. Marta disse categoricamente: “Sim, Senhor, eu creio firmemente que tu
és o Messias, o filho de Deus, que devia vir ao mundo”(Cf. Jo 11,27). Trocando
em miúdos a declaração de Marta nada mais é do que afirmar categoricamente que
Jesus é a vida eterna, Ele é o caminho para a nossa salvação, Ele é a vida que
não se acaba jamais. Quem vê Jesus vê a Deus. Quem aceita a fé de Jesus, não
precisa esperar a vida do além para ver Deus, já vê Deus aqui e agora na sua
vida comunitária, no seu irmão excluído, nas pequenas e belas coisas do
cotidiano. Deus está presente em tudo e em todos, porque “Deus é bom, é
misericordioso, é a paz!”.
* Na primeira leitura(cf. Jó
19,1.23-27a) os amigos de Jó tentam consolá-lo, recorrendo a uma sabedoria
superficial, expressa em frases feitas e lugares comuns. É o que tantas
vezes acontece quando pretendemos confortar alguém que sofre. As palavras de Jó
são muito diferentes. No meio do sofrimento, vendo-se às portas da morte e
trespassado pela solidão, compreende que Deus é o seu redentor, aquele parente
próximo que, segundo os costumes hebreus, deve comprometer-se a resgatar, à sua
própria custa, ou a vingar, o seu familiar em caso de escravidão, de pobreza,
de assassínio. Jó sente Deus como o seu último e definitivo defensor, como
alguém que está vivo e se compromete em favor do homem que morre, porque entre
Deus e o homem há uma espécie de parentesco, um vínculo indissolúvel. Jó
afirma-o com vigor: os seus olhos contemplarão a Deus com a familiaridade de
quem não é estranho à sua vida.
* São Paulo encoraja-nos a
vivermos positivamente o mistério da morte, confrontando-nos com ela todos os
dias, aceitando-a como lei de natureza e de graça, para sermos progressivamente
despojados do que deve perecer até nos vermos milagrosamente transformados no
que devemos ser. Deste modo, a “morte quotidiana” revela-se um nascimento: o
lento declínio e o pôr-do-sol tornam-se aurora luminosa. Todos os sofrimentos,
canseiras e tribulações da vida fazem parte desta “morte quotidiana” que nos
levará à vida imortal. Havemos de viver fixando os olhos na bem-aventurada
esperança, confiando na fidelidade do Senhor, que nos prometeu a eternidade.
Vivendo assim, quando chegar ao termo desta vida, não veremos descer as trevas
da noite, mas veremos erguer-se a aurora da eternidade, onde teremos a alegria
de nos sentir uma só coisa com o Senhor. Depois de muitas tribulações, seremos
completamente seus, e essa pertença será plena bem-aventurança na visão do seu
rosto. Para o cristão, o sofrimento é um tempo de “disponibilidade pura”, de
“pura oblação” e, ao mesmo tempo, uma forma eminente de apostolado, em união a
Cristo vítima, na comunhão dos santos, para salvação do mundo. Vivendo assim,
prepara-se, assim, para o supremo ato de oblação, para o último apostolado, o
da morte: configurados “a Cristo na morte” (Fil 3, 10) (Cf. Cst n. 69).Se a
morte de Cristo na Cruz é o ato de apostolado mais eficaz, que remiu o mundo, o
mesmo se pode dizer da morte do cristão em união com a morte de Cristo. Não se
quer com isto dizer que, sob o ponto de vista humano, a morte do cristão deva
ser uma “morte bonita”, tal como não foi bonita, com certeza, a morte de Cristo
aos olhos dos homens. Foi, pelo contrário, uma “liturgia esquálida”, de
abandono e de desolação. O importante é que seja uma morte “para Cristo e em
Cristo” (S. Inácio de Antioquia, SC 10, 132). Imolados com Ele, com Ele
ressuscitaremos.
* No dia de finados nós vamos
aos cemitérios visitar os túmulos de nossos entes queridos, daqueles que nos
precederam no chamado de Deus. No cemitério repousam pessoas que tiveram um
determinante significado na nossa existência. Muitos de nós têm nos cemitérios,
talvez, parentes muito próximos, possivelmente os próprios pais de quem
recebestes a vida. Por isso voltam neste momento à memória de cada um,
emergindo do passado, como com o desejo de reencetar um diálogo que a morte
interrompeu bruscamente. Deste modo, no cemitério — como ocorre hoje, dia dos
Defuntos, nos outros cemitérios cristãos de qualquer parte do mundo — forma-se
uma admirável assembleia, na qual os vivos se encontram com os seus defuntos, e
com eles consolidam os vínculos de uma comunhão que a morte não pôde romper.
Comunhão real, não ilusória. Garantida por Cristo, que quis viver na sua carne
a experiência da nossa morte, para triunfar sobre ela, inclusivamente com
proveito para nós, com o prodigioso acontecimento da ressurreição. “Por que
buscais entre os mortos Aquele que vive? Não está aqui, ressuscitou” (Lc 24,
5-6). O anúncio dos Anjos, proclamado naquela manhã de Páscoa, junto do
sepulcro vazio, chegou através dos séculos até nós. Esse anúncio propõe-nos,
também nesta assembleia litúrgica, o motivo essencial da nossa esperança. De
fato, “se morrermos em Cristo — recorda-nos São Paulo ao aludir ao que foi
realizado no batismo — com Ele também havemos de viver” (Rom 6, 8).
Corroborados nesta certeza, elevamos ao céu — embora entre os sepulcros de um
cemitério — o canto do Aleluia, que é o canto da vitória. Os nossos defuntos
“vivem com Cristo”, depois de terem sido sepultados com Ele na morte” (cf. Rom
6, 4). Para eles o tempo da prova terminou, cedendo o lugar ao tempo da recompensa.
Por isso — apesar da sombra de tristeza provocada pela nostalgia da sua
presença visível — alegramo-nos ao saber que chegaram já à serenidade da
“pátria”.
* Festa de finados é festa de
todos os que morreram em Deus, daqueles que foram testemunhas da fé cristã.
Eles nos precederam na fé. Aparecem como luzes a indicar o caminho, como
exemplos de fé, de amor e de fidelidade. Brota, então, o desejo de imitá-los,
de segui-los no mesmo caminho. A comunidade eclesial, portanto, intercede a
Deus para que manifeste a sua bondade e misericórdia para com os que já
terminaram a sua carreira nesta terra. A Santa Igreja vive, então, a realidade
do Corpo místico de Cristo, manifestado na Igreja peregrina, na Igreja
padecente e na Igreja Triunfante. A Igreja Santa reza pelos falecidos, pedindo
que Deus lhes conceda o repouso eterno, a participação do convívio eterno com
Ele.
* Não peçamos a vida terrena.
Peçamos a Deus o dom de aceitar e viver a realidade da morte como a vida em
Deus, para que superando a mortalidade desta vida e contemplando eternamente a
Cristo Redentor de todos possamos cantar: “Não sou eu que vivo, é Cristo que
vive em mim!” Amém!
REZEMOS PELOS FALECIDOS
Deus de amor, de bondade e de compaixão, / marcados pela saudade daqueles que se foram, / voltamos para vós nosso coração, repleto de tristeza, mas também de esperança. / Sabemos que a morte não tem a última palavra sobre nós. / Vosso Filho Jesus, ressurgindo dos mortos, deu a vida a todo ser humano. / Nós cremos na vida e não na morte. / Por isso, Pai Santo, queremos agradecer por tudo de bom que nos destes neles. / Que sua memória permaneça entre nós como uma bênção. / Perdoai-lhes os pecados, / acolhei-os junto a vós / e consolai nosso coração com a esperança da vida que não se acaba. / Amém.
R. Espero contemplar a bondade do Senhor na terra dos vivos.
Aleluia. Bendito sejais, ó
Pai, Senhor do céu e da terra, porque revelastes aos pequeninos os mistérios do
reino. Aleluia.
«Construís os túmulos dos
profetas! No entanto, foram vossos pais que os mataram»
Fr. Agustí BOADAS Llavat OFM (Barcelona,
Espanha)
«Por que duvidar que os nossos sacrifícios pelos defuntos lhes levem algum consolo? Não hesitemos, pois, em socorrer os que já partiram e em oferecer as nossas orações por eles» (São João Crisóstomo)
Deus de amor, de bondade e de compaixão, / marcados pela saudade daqueles que se foram, / voltamos para vós nosso coração, repleto de tristeza, mas também de esperança. / Sabemos que a morte não tem a última palavra sobre nós. / Vosso Filho Jesus, ressurgindo dos mortos, deu a vida a todo ser humano. / Nós cremos na vida e não na morte. / Por isso, Pai Santo, queremos agradecer por tudo de bom que nos destes neles. / Que sua memória permaneça entre nós como uma bênção. / Perdoai-lhes os pecados, / acolhei-os junto a vós / e consolai nosso coração com a esperança da vida que não se acaba. / Amém.
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