sábado, 6 de janeiro de 2024

O Batismo do Senhor

S. Pedro Tomás, 
Patriarca de Constantinopla, Bispo de nossa Ordem.
 
1ª Leitura (Is 42,1-4.6-7):
Diz o Senhor: «Eis o meu servo, a quem Eu protejo, o meu eleito, enlevo da minha alma. Sobre ele fiz repousar o meu espírito, para que leve a justiça às nações. Não gritará, nem levantará a voz, nem se fará ouvir nas praças; não quebrará a cana fendida, nem apagará a torcida que ainda fumega: proclamará fielmente a justiça. Não desfalecerá nem desistirá, enquanto não estabelecer a justiça na terra, a doutrina que as ilhas longínquas esperam. Fui Eu, o Senhor, que te chamei segundo a justiça; tomei-te pela mão, formei-te e fiz de ti a aliança do povo e a luz das nações, para abrires os olhos aos cegos, tirares do cárcere os prisioneiros e da prisão os que habitam nas trevas».
 
Salmo Responsorial: 28
R. O Senhor abençoará o seu povo na paz.
 
Tributai ao Senhor, filhos de Deus, tributai ao Senhor glória e poder. Tributai ao Senhor a glória do seu nome, adorai o Senhor com ornamentos sagrados.
 
A voz do Senhor ressoa sobre as nuvens, o Senhor está sobre a vastidão das águas. A voz do Senhor é poderosa, a voz do Senhor é majestosa.
 
A majestade de Deus faz ecoar o seu trovão e no seu templo todos clamam: Glória! Sobre as águas do dilúvio senta-Se o Senhor, o Senhor senta-Se como Rei eterno.
 
2ª Leitura ( At 10,34-38): Naqueles dias, Pedro tomou a palavra e disse: «Na verdade, eu reconheço que Deus não faz acepção de pessoas, mas, em qualquer nação, aquele que O teme e pratica a justiça é-Lhe agradável. Ele enviou a sua palavra aos filhos de Israel, anunciando a paz por Jesus Cristo, que é o Senhor de todos. Vós sabeis o que aconteceu em toda a Judeia, a começar pela Galileia, depois do baptismo que João pregou: Deus ungiu com a força do Espírito Santo a Jesus de Nazaré, que passou fazendo o bem e curando todos os que eram oprimidos pelo demónio, porque Deus estava com Ele».
 
Aleluia. Abriram-se os céus e ouviu-se a voz do Pai: «Este é o meu Filho muito amado: escutai-O». Aleluia.
 
Evangelho (Mc 1,7-11): Ele proclamava: «Depois de mim vem aquele que é mais forte do que eu. Eu nem sou digno de, abaixando-me, desatar a correia de suas sandálias. Eu vos batizei com água. Ele vos batizará com o Espírito Santo». Naqueles dias, Jesus veio de Nazaré da Galileia e foi batizado por João, no rio Jordão. Logo que saiu da água, viu o céu rasgar-se e o Espírito, como pomba, descer sobre ele. E do céu veio uma voz: «Tu és o meu Filho amado; em ti está meu pleno agrado».
 
«Tu és o meu Filho amado; em ti está meu pleno agrado»
 
Mons. Salvador CRISTAU i Coll Bispo de Terrassa (Barcelona, Espanha)
 
Hoje, solenidade do Batismo do Senhor, termina o ciclo de das festas de Natal. Diz o Evangelho que João tinha se apresentado no deserto e «predicava um batismo de conversão para o perdão dos pecados» (Mc 1,4). As pessoas iam escutá-lo, confessavam seus pecados e se batizavam por ele no rio Jordão. E entre aquelas pessoas se apresentou também Jesus para ser batizado.
 
Nas festas de Natal vimos como Jesus se manifestava aos pastores e aos magos que, chegando desde Oriente, o adoraram e lhe ofereceram seus dons. De fato, a vida de Jesus ao mundo é para manifestar o amor de Deus que nos salva.
 
E lá, no Jordão, aconteceu uma nova manifestação da divindade de Jesus: o céu se abriu e ele Espírito Santo, em forma de uma pomba descendia em sua direção e se ouviu a voz do Pai: «Tu és o meu Filho amado; em ti me comprazo.» (Mc 1,11). É o Pai do céu neste caso e o Espírito Santo quem o manifesta. É Deus mesmo que nos revela quem é Jesus, seu Filho amado.
 
Mas não era uma revelação só para João e os judeus. Era também para nós. O mesmo Jesus, o Filho amado do Pai, manifestado aos judeus no Jordão, se manifesta continuamente a nós a cada dia. Na Igreja, na oração, nos irmãos, no Batismo que recebemos e que nos fez filhos do mesmo Pai.
 
Preguntamos, pois: —Reconheço sua presença, seu amor em minha vida? —Vivo uma verdadeira relação de amor filial com Deus? Disse o Papa Francisco: «O que Deus quer do homem é uma relação “pai-filho”, acaricie e diga: ‘Eu estou contigo’».
 
Também a nós o Pai do céu, no meio de nossas lutas e dificuldades, nos diz: «Tu és o meu Filho amado; em ti está meu pleno agrado».
 
Pensamentos para o Evangelho de hoje
«O Batismo libertou-nos de todos os males, que são os pecados, mas com a graça de Deus devemos fazer tudo o que é bom» (S. Cesáreo de Arles)
 
«Vocês, pais, trazeis a criança, rapaz ou rapariga para ser batizada. Esta é a cadeia da fé: é vosso dever transmitir a fé a estas crianças. É a mais bela herança que lhes deixarareis. Levai, hoje para casa, este pensamento» (Francisco)
 
«Embora próprio de cada um, o pecado original não tem, em qualquer descendente de Adão, carácter de falta pessoal. É a privação da santidade e justiça originais, mas a natureza humana não se encontra totalmente corrompida (...). O Batismo, ao conferir a vida da graça de Cristo, apaga o pecado original e reorienta o homem para Deus, mas as consequências para a natureza, enfraquecida e inclinada para o mal, persistem no homem e convidam-no ao combate espiritual» (Catecismo da Igreja Católica, nº 405)
 
«Tu és o meu Filho amado, em Ti me comprazo».
 
Fr. Pedro Bravo, ocarm

*
Com o episódio do batismo de Jesus, S. Marcos introduz o início do seu ministério público, apresentando-o a partir: a) do querigma de João Batista (vv. 7-8); b) e da voz do Pai (vv. 9-11).
 
*v. 7 (vv. 7-8: Mt 3,11; Lc 3,16; Jo 1,26s; At 13,25). João “pregava” (gr. kerysso, v. 4: “apregoar”) o querigma no qual anunciava a vinda/chegada iminente de Cristo, o Messias (he. “ungido”) que descreve com traços simultaneamente divinos e humanos, a partir do AT.
 
* 1) “Após mim” (gr. opísso mou: v. 17; 8,33s; 9,23). Cristo “vem após” João, não só porque a sua missão é preparada pela de João, mas também porque vem na sequência dela, retomando-a (v. 14), embora a ultrapasse (v. 8);
 
* 2) “Vem” é uma nota que evoca: a) Deus que “vem” (Ml 3,1; Sl 96,13) com “força” (Is 40,10) apascentar o seu povo; b) o Messias (11,9), rei pobre e humilde, justo e salvador (Zc 9,9).
 
* 3) “O que é mais forte”, atributo de Deus (Is 40,10; Dn 9,4; cf. Js 4,24; Is 27,1; Jr 32,18; 50,34) e do Messias (Is 9,5). Jesus é tão forte que vencerá Satanás (3,27), o pecado e a morte, transformando o coração do homem.
 
* 4) “A quem não sou digno de, inclinando-me, lhe desatar a correia das sandálias” (cf. Ex 3,5), um gesto tão humilhante que não podia ser imposto a um escravo judeu, nem era permitido a um discípulo fazer ao seu mestre (Ket 96ª; Kid 22b Bar; Mek Ex 21,2, 82b). João Batista manifesta aqui a fundura da sua humildade, não se achando digno de ser discípulo do Messias, nem sequer de gozar da sua companhia, mesmo como o mais humilde dos escravos (os escravos canaanitas, assim chamados por não pertencerem ao Povo de Deus).
 
* v. 8. João indica a seguir o objetivo da missão de Cristo. Os profetas tinham predito uma purificação com a água nos tempos messiânicos (Zc 13,1; Jr 4,14; Ez 36,25). “O batismo de João” (11,30) simboliza-a, mas não a realiza. Trata-se apenas de um batismo “em água”, físico, exterior, irrepetível, e embora predisponha à conversão e signifique a graça, não as dá. Já o batismo de Jesus é “no Espírito Santo”, o dom messiânico de Deus por excelência, que agora será concedido por Cristo: “Ele batizar-vos-á no Espírito Santo” (cf. Nm 11,29; Is 11,2.9; 32,15; 44,3; Ez 11,19; 37,5s.14; Jl 3,1s; Jo 16,7; At 1,4s; 11,16; 1Co 12,13). O batismo no Espírito Santo não simboliza apenas a graça purificadora e regeneradora de Deus, mas confere-a, porque o Espírito Santo é a remissão dos pecados (Ez 36,26ss). Espírito que desce, se infunde no crente e nele irrompe, sempre de novo, jorrando como rios de água viva (Ez 47,5-12) para a vida eterna (Jo 4,14; 7,38). João não deixa dúvidas: o Messias que vem (Jesus), vem com o poder de Deus.
 
* v. 9 (vv. 9-11: Mt 3,13-17; Lc 3,21s; Jo 1,29-34). O querigma de João é confirmado e completado pelo próprio Deus. Jesus vem de Nazaré (v. 24; Mt 2,23; Jo 1,45s; At 10,38), lugar onde fora criado (cf. 6,1; 10,47; 14,16; 16,6), para ser batizado por João no rio Jordão (em Bethabara, Al-Maghtas: cf. Jo 1,28).
 
* v. 10. Batizado do outro lado do Jordão, Jesus atravessa-o e “sobe da água” (Js 4,19; At 8,39), entrando na terra prometida. Dá-se então uma teofania (gr. “manifestação divina”), cuja primeira parte, a visão profética (gr. eíden: Ez 1,1; Is 1,1; Am 1,1; Mq 1,1; Dn 7,1), só é dada (aqui e em Mt 3,16) a Jesus. Nela se manifestam, pela primeira vez, a Santíssima Trindade. Três elementos, tirados do AT, a caracterizam.
 
* 1) A abertura dos céus. Jesus “vê os céus a serem rasgados” (gr. squizô; por Deus, passivo divino: 15,38). A expressão: a) qualifica este acontecimento como uma visão divina (Ez 1,1); b) Evoca o Êxodo, quando as águas do Mar Vermelho “se rasgaram” (Ex 14,21) para o povo de Israel passar e ser salvo da escravidão do Egito. c) E evoca Is 63,19, onde se pede a Deus que “abra os céus” (gr. anoigô), desça e venha ter com o seu povo para refazer com ele a relação que o pecado tinha rompido. Em Jesus inaugura-se o novo êxodo em que o homem é reconduzido à comunhão com Deus na verdadeira pátria prometida, que é o Reino de Deus.
 
* 2) Jesus vê “o Espírito como uma pomba”, ou seja, na forma de uma pomba (Lc 3,22). A pomba evoca: 1) o Espírito de Deus que adejava sobre as águas nos primórdios da criação (Gn 1,2; bHag 15a); 2) a pomba, libertada por Noé, que regressou à arca anunciando o fim do dilúvio (Gn 8,11); 3) o povo de Deus, simbolizado no AT e na literatura rabínica por uma pomba (Ct 6,9; Sl 68,14; Os 7,11; Midr Ct 1,15; 2,14; 4,1; Sanh 95ª; Ber 53b; Shab 49ª; 130ª).
 
* 3) “A descer sobre Ele”. É uma imagem que anuncia o dom do Espírito Santo conferido pelo Messias. Assim como Deus “desceu”, falou com Moisés e tirou do Espírito que estava sobre ele para o pôr sobre os setenta anciãos (Nm 11,17.25.29), e tal como Deus conduziu o Seu povo no Êxodo por meio do Espírito Santo que pôs no meio dele para o levar ao seu descanso (Is 63,11.14), também o Espírito Santo desce agora sobre Jesus para depois ser por Ele infundido nos membros do novo povo de Deus, renascido das águas do batismo, e os conduzir à sua morada, guiados por Ele. Em Jesus inauguram-se os tempos messiânicos e é instituído o batismo cristão: Jesus recebe a plenitude do Espírito Santo para o dar aos membros do seu povo em plenitude.
 
* v. 11. A par da visão, “adveio” (gr. egenêthe: Gn 15,1; Mq 1,1) “uma voz dos céus” (9,7p), que se destina a todos. É a voz de Deus, a bat kol (“a filha da voz”: Dt 4,12), que, segundo a tradição rabínica, ressoava sempre em momentos extraordinários, quando se tinha de tomar decisões muito importantes ou declarar algo que só Deus podia sancionar. Aqui, é Deus que intervém para ungir com o Espírito Santo, investir e dar a conhecer o Messias.
 
* De fato, só Deus o podia fazer, porque: a) desde a morte do último rei de Judá, Joaquim, no exílio da Babilónia (d. 561 a.C.: 2Rs 25,30), a realeza de David tinha sido suprimida; b) desde 515 a.C. não havia profetas; c) desde 152 a.C., quando Jónatas Macabeu foi nomeado Sumo-sacerdote pelo rei sírio Alexandre Balas (1Mc 10,20), tinha acabado a sucessão legítima de sumos-sacerdotes que vinha de Sadoc, no tempo do rei David (2Sm 15,24). Ora o Messias seria rei, profeta e sacerdote (Sl 2,7; Dt 18,18; Sl 110,4). Por isso, teria de ser o próprio Deus a suscitar o Messias, a ungi-lo com o Espírito Santo, a investi-lo como Rei e a dá-lo a conhecer aos homens. É o que agora acontece: Deus revela-se como Pai e apresenta Jesus como o Messias, a quem, em três notas, aponta a missão.
 
* 1)
Primeiro, investe Jesus como Messias-Rei com a fórmula profética do Sl 2,7: “Tu és o meu Filho”. “Filho” era a designação dada ao Messias, “filho de David” (10,47s; 12,35s; 2Sm 7,14; 1Cr 17,13; 28,6; Sl 89,27; Sb 2,18). Aqui vem com o artigo. Esta é a Boa-nova: Jesus não só é o Messias em quem se cumprem as profecias do AT, mas é também “o Filho” enviado pelo Pai, ou seja, Deus em pessoa que vem ao encontro do homem para o salvar (3,11; 14,61; cf. 1,1; 15,39).
 
* 2) O Pai designa o Filho “o Amado” (gr. ho agapétos), termo que em grego significa, ao mesmo tempo, “amado” e “único”. Este título evoca: 1) o Rei-Messias-Esposo (Sl 45,1 LXX); o Filho único traspassado (Zc 12,10); 3) Isaac no sacrifício de Abraão (Gn 22,2.12.16). Jesus é o Filho único de Deus em quem se cumpre a promessa por este feita a Abraão de na sua descendência (Gl 3,16: Jesus) abençoar todos os povos. Mas para isso, Jesus, que, ao invés de Isaac, é realmente o Filho único (de Deus), terá de ser imolado no monte Moriá, que é Jerusalém (2Cr 3,1), para “três dias depois ressuscitar” (10,33s; Gn 22,4; 1Co 15,4).
 
* 3) Esta velada alusão à morte de Cristo é reforçada pela conclusão “em Ti me comprazo”, expressão tirada do primeiro cântico do Servo de Iavé: “Eis o meu servo em quem me comprazo; nele pus o meu Espírito para que leve o direito aos gentios” (Is 42,1). “Servo”, em grego, pais, significa também “filho”. Tal é a boa-nova, o Evangelho (1,1) do Pai: eis que chegou o Messias, Jesus, o seu único Filho e imagem verdadeira, em quem Ele se compraz, e a quem confere a plenitude do Espírito Santo para que depois o derrame, conferindo o Espírito Santo em plenitude, formando assim o novo povo de Deus e levando a salvação a toda a humanidade (Is 42,5ss). A missão de Jesus, porém, tal como a do Servo de Iavé, não se desenrolará no triunfalismo, mas no meio da oposição e rejeição dos homens; não será levada a cabo com violência, mas com mansidão e humildade; não se imporá a ninguém, mas será consumada com o dom da própria vida dada em resgate pela salvação dos homens (10,45; Is 53,1-12).
 
MEDITAÇÃO
1. Tenho vivido consciente e coerentemente o meu compromisso batismal, seguindo os passos de Jesus?
2. Estou aberto à ação e às surpresas do Espírito Santo?
3. Vou ao encontro dos mais desfavorecidos e marginalizados, para lhes estender a mão e os ajudar a alcançar a vida plena? Como?

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