quinta-feira, 17 de agosto de 2023

XX domingo do Tempo Comum

São Bernardo, Abade
Georg Häfner, Presbítero, Mártir e Terceiro Carmelita
 
1ª Leitura (Is 56,1.6-7):
Eis o que diz o Senhor: «Respeitai o direito, praticai a justiça, porque a minha salvação está perto e a minha justiça não tardará a manifestar-se. Quanto aos estrangeiros que desejam unir-se ao Senhor para O servirem, para amarem o seu nome e serem seus servos, se guardarem o sábado, sem o profanarem, se forem fiéis à minha aliança, hei de conduzi-los ao meu santo monte, hei de enchê-los de alegria na minha casa de oração. Os seus holocaustos e os seus sacrifícios serão aceites no meu altar, porque a minha casa será chamada 'casa de oração para todos os povos'».
 
Salmo Responsorial: 66
R/. Louvado sejais, Senhor, pelos povos de toda a terra.
 
Deus Se compadeça de nós e nos dê a sua bênção, resplandeça sobre nós a luz do seu rosto. Na terra se conhecerão os vossos caminhos e entre os povos a vossa salvação.
 
Alegrem-se e exultem as nações, porque julgais os povos com justiça e governais as nações sobre a terra.
 
Os povos Vos louvem, ó Deus, todos os povos Vos louvem. Deus nos dê a sua bênção e chegue o seu temor aos confins da terra.
 
2ª Leitura (Rom 11,13-15.29-32): Irmãos: É a vós, os gentios, que eu falo: Enquanto eu for Apóstolo dos gentios, procurarei prestigiar o meu ministério a ver se provoco o ciúme dos homens da minha raça e salvo alguns deles. Porque, se da sua rejeição resultou a reconciliação do mundo, o que será a sua reintegração senão uma ressurreição de entre os mortos? Porque os dons e o chamamento de Deus são irrevogáveis. Vós fostes outrora desobedientes a Deus e agora alcançastes misericórdia, devido à desobediência dos judeus. Assim também eles desobedecem agora, de modo que, devido à misericórdia obtida por vós, também eles agora alcancem misericórdia. Efectivamente, Deus encerrou a todos na desobediência, para usar de misericórdia para com todos.
 
Aleluia. Jesus proclamava o evangelho do reino e curava todas as doenças entre o povo. Aleluia.
 
Evangelho (Mt 15,21-28): Partindo dali, Jesus foi para a região de Tiro e Sidônia. Uma mulher cananeia, vinda daquela região, pôs-se a gritar: «Senhor, filho de Davi, tem compaixão de mim: minha filha é cruelmente atormentada por um demônio!». Ele não lhe respondeu palavra alguma. Seus discípulos aproximaram-se e lhe pediram: Manda embora essa mulher, pois ela vem gritando atrás de nós». Ele tomou a palavra: «Eu fui enviado somente às ovelhas perdidas da casa de Israel». Mas a mulher veio prostrar-se diante de Jesus e começou a implorar: «Senhor, socorre-me!». Ele lhe disse: «Não fica bem tirar o pão dos filhos para jogá-lo aos cachorrinhos”. Ela insistiu: «É verdade, Senhor; mas os cachorrinhos também comem as migalhas que caem da mesa de seus donos!». Diante disso, Jesus respondeu: «Mulher, grande é tua fé! Como queres, te seja feito!». E a partir daquela hora, sua filha ficou curada.
 
«Senhor; mas os cachorrinhos também comem as migalhas que caem da mesa de seus donos!»
 
Rev. D. Joan SERRA i Fontanet (Barcelona, Espanha)
 
Hoje contemplamos a cena da cananeia: uma mulher pagã, não israelita, que tinha uma filha muito doente, endemoninhada, e que ouviu falar de Jesus. Saiu ao seu encontro e aos gritos diz-lhe: «Senhor, filho de Davi, tem compaixão de mim: minha filha é cruelmente atormentada por um demônio!» (Mt 15,22). Não lhe pede nada, apenas lhe conta a doença de que padece a sua filha, confiando em que Jesus a curará.
 
Jesus finge-se surdo. Por quê? Provavelmente porque tinha visto a fé daquela mulher e desejava que aumentasse. Ela continua suplicando, de tal forma que até os discípulos pedem a Jesus que a mande embora. A fé desta mulher manifesta-se, sobretudo, na sua humilde insistência, sublinhada pelas palavras do discípulo: «Manda embora essa mulher, pois ela vem gritando atrás de nós» (Mt 15,23).
 
A Mulher continua suplicando; não se cansa. O silêncio de Jesus explica-se pois apenas veio para a casa de Israel. Apesar disso, depois da ressurreição, dirá aos discípulos: «Ide por todo o mundo e proclamai a Boa Nova a toda a criação» (Mc 16,15).
 
Este silêncio de Deus, por vezes, atormenta-nos. Quantas vezes nos queixamos deste silêncio? Mas a cananeia prostra-se, põe-se de joelhos. É a postura de adoração. Ele responde-lhe que não é correto tirar o pão dos filhos e dá-lo aos cães. Mas ela responde: «É verdade, Senhor; mas os cachorrinhos também comem as migalhas que caem da mesa de seus donos!» (Mt 15,26-27).
 
Esta mulher é muito espevitada. Não se zanga, não lhe parece mal, e até lhe dá razão: «Tens razão, Senhor». Mas consegue pô-lo do seu lado. É como se lhe dissesse: —Sou como um cão, mas um cão que está sob a proteção do seu amo.
 
A cananeia oferece-nos uma grande lição: dá razão ao Senhor que sempre a tem. —Não queiras ter razão quando te apresentares perante o Senhor. Não te queixes nunca e, se te queixares, termina dizendo: «Senhor, faça-se a tua vontade».
 
Pensamentos para o Evangelho de hoje
«Aprendamos a humildade, ou melhor, agarremo-la. Se ainda não a possuímos, aprendamo-la. Se a possuímos, não a percamos» (Santo Agostinho)
 
«O Senhor não fecha os olhos diante das necessidades dos seus filhos e, se por vezes parece insensível às suas súplicas, é somente para os pôr à prova e para refortalecer a sua fé» (Benedito XVI)
 
«Do mesmo modo que Jesus ora ao Pai e Lhe dá graças antes de receber os seus dons, assim também nos ensina esta audácia filial: `tudo o que pedirdes na oração, acreditai que já o alcançastes´ (Mc 11, 24) (...). Assim como Jesus Se entristece por causa da “falta de fé” dos seus conterrâneos (Mc 6, 6) e da «pouca fé» dos seus discípulos, também Se enche de admiração perante a “grande fé” do centurião romano e da cananeia» (Catecismo da Igreja Católica, nº 2.610)
 
COMENTÁRIO
 
As comunidades de Mateus, semelhantes às nossas de hoje, viviam certas tensões provenientes das diferentes tendências teológicas e pastorais no seu meio. Uma das tensões - que aliás causou muita dificuldade na Igreja primitiva, como Atos e as Cartas Paulinas testemunham - se referia à questão da integração de judeus e pagãos nas comunidades cristãs, em pé da igualdade. É esta tensão interna que está subjacente à história relatada pelo texto de hoje.
 
Os versículos anteriores (15,1-20) versaram sobre a questão do puro e impuro, especialmente em referência aos alimentos. Mas, entre as pessoas também havia classificação de puro e impuro - uma distinção trazida para dentro da comunidade mateana pelos convertidos provenientes da formação farisaica. Os judeus não podiam comer com os pagãos para não se contaminar. Jesus veio abolir tal distinção, tornando acessível a qualquer um o dom de Deus, pela fé na sua pessoa. Que esse princípio foi muito difícil para os judeu-cristãos aceitarem é bem ilustrado pela controvérsia que levou ao Concílio de Jerusalém (At 15) e pela polêmica entre Paulo e Pedro na Igreja de Antioquia - talvez o berço da última redação de Mateus - como relatado em Gl 2,11-14.
 
O local do relato é a região de Tiro e Sidônia - o atual Líbano. Jesus é confrontado por uma mulher desesperada por causa da doença da sua filha (“atormentada por um demônio”, na visão da época). Ela é uma pessoa duplamente marginalizada - por ser mulher sozinha num mundo machista e patriarcal e por ser pagã, considerada irreversivelmente impura pelos judeus. Em um primeiro momento Jesus a ignora e nem responde. Alguns autores, em uma tentativa de suavizar essa atitude do Senhor, dizem que Ele estava testando a fé dela. Parece que o próprio texto dá outra explicação - Jesus, nestas alturas, considera a sua missão como sendo somente aos judeus, para restaurar a Aliança quebrada. O diálogo parece-nos até chocante pelo termo que Jesus usa para descrever as pessoas de origem pagã - “cachorrinhos”. Mas a mulher usa este termo como gancho para reivindicar a sua atenção - e acaba mudando a visão de Jesus. Diante da sua insistência, motivada pela sua fé, Ele lhe dá um louvor que ninguém mais recebe em Mateus - o de ter “grande fé”.
 
Este trecho nos traz uma grande surpresa - Jesus aprofunda o sentido da sua missão através do contato com uma mulher pagã - uma pessoa duplamente rejeitada e desprezada nas tradições da religião e cultura dela. Jesus só deseja ouvir a voz do Pai - e aqui o Pai lhe fala através da cananeia! Que lição para nós! Quantas vezes ficamos surdos diante da voz do Pai porque nos fechamos diante de pessoas consideradas pela sociedade vigente, ou pelo legalismo religioso, como indignas, impuras, ou desprezíveis! O Pai normalmente não nos fala por grandes revelações extraordinárias, mas através dos eventos, das pessoas e dos relacionamentos do nosso dia a dia; mas, a surdez de espírito nos torna indiferentes a esta revelação diária!
 
Surpreende o entusiasmo com que Jesus louva a mulher: “Mulher, que fé tão grande ti tens!”. Em que consistia essa fé? Certamente não em uma adesão aos dogmas do Judaísmo, da religião de Jesus, pois ela era gentia, ou pagã. Muito mais consistia na certeza de que Deus atende os gritos dos excluídos e sofridos desse mundo, que Deus é o Deus da vida e da vida plena para todos/as (Jo 10, 10).
 
Nós temos o privilégio de termos essa verdade revelada em Jesus; mas, embora adiramos aos dogmas e catecismos, cumpre-nos questionarmos se realmente acreditamos na ação libertadora de Deus em favor dos oprimidos. Ou, continuamos criando barreiras de “puros” e “impuros” na sociedade e na Igreja de hoje? Que esse texto nos ajude para que estejamos alertas aos sinais dos tempos, para ouvirmos a voz do Deus vivo nos falando no dia a dia das nossas vidas e que tenhamos a coragem de mudar as nossas estruturas mentais, tantas vezes condicionadas por preconceitos raciais, de gênero ou de religião, seguindo o exemplo revelador de Jesus.

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