terça-feira, 4 de abril de 2023

Quinta-feira da Semana Santa (Ceia do Senhor)

1ª Leitura (Ex 12,1-8.11-14):
Naqueles dias, o Senhor disse a Moisés e a Aarão na terra do Egipto: «Este mês será para vós o princípio dos meses; fareis dele o primeiro mês do ano. Falai a toda a comunidade de Israel e dizei-lhe: No dia dez deste mês, procure cada qual um cordeiro por família, uma rês por cada casa. Se a família for pequena demais para comer um cordeiro, junte-se ao vizinho mais próximo, segundo o número de pessoas, tendo em conta o que cada um pode comer. Tomareis um animal sem defeito, macho e de um ano de idade. Podeis escolher um cordeiro ou um cabrito. Deveis conservá-lo até ao dia catorze desse mês. Então, toda a assembleia da comunidade de Israel o imolará ao cair da tarde. Recolherão depois o seu sangue, que será espalhado nos dois umbrais e na padieira da porta das casas em que o comerem. E comerão a carne nessa mesma noite; comê-la-ão assada ao fogo, com pães ázimos e ervas amargas. Quando o comerdes, tereis os rins cingidos, sandálias nos pés e cajado na mão. Comereis a toda a pressa: é a Páscoa do Senhor. Nessa mesma noite, passarei pela terra do Egipto e hei de ferir de morte, na terra do Egipto, todos os primogénitos, desde os homens até aos animais. Assim exercerei a minha justiça contra os deuses do Egipto, Eu, o Senhor. O sangue será para vós um sinal, nas casas em que estiverdes: ao ver o sangue, passarei adiante e não sereis atingidos pelo flagelo exterminador, quando Eu ferir a terra do Egipto. Esse dia será para vós uma data memorável, que haveis de celebrar com uma festa em honra do Senhor. Festejá-lo-eis de geração em geração, como instituição perpétua».

Salmo Responsorial: 115
R. O cálice de bênção é comunhão do Sangue de Cristo.

Como agradecerei ao Senhor tudo quanto Ele me deu? Elevarei o cálice da salvação, invocando o nome do Senhor.

É preciosa aos olhos do Senhor a morte dos seus fiéis. Senhor, sou vosso servo, filho da vossa serva: quebrastes as minhas cadeias.

Oferecer-Vos-ei um sacrifício de louvor, invocando, Senhor, o vosso nome. Cumprirei as minhas promessas ao Senhor, na presença de todo o povo.

2ª Leitura (1Cor 11,23-26): Irmãos: Eu recebi do Senhor o que também vos transmiti: o Senhor Jesus, na noite em que ia ser entregue, tomou o pão e, dando graças, partiu-o e disse: «Isto é o meu Corpo, entregue por vós. Fazei isto em memória de Mim». Do mesmo modo, no fim da ceia, tomou o cálice e disse: «Este cálice é a nova aliança no meu Sangue. Todas as vezes que o beberdes, fazei-o em memória de Mim». Na verdade, todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste cálice, anunciareis a morte do Senhor, até que Ele venha.

Dou-vos um mandamento novo, diz o Senhor: Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei.

Evangelho (Jo 13,1-15): Antes da festa da Páscoa, sabendo Jesus que tinha chegado a sua hora, hora de passar deste mundo para o Pai, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim. Foi durante a ceia. O diabo já tinha seduzido Judas Iscariotes para entregar Jesus. Sabendo que o Pai tinha posto tudo em suas mãos e que de junto de Deus saíra e para Deus voltava, Jesus levantou-se da ceia, tirou o manto, pegou uma toalha e amarrou-a à cintura. Derramou água numa bacia, pôs-se a lavar os pés dos discípulos e enxugava-os com a toalha que trazia à cintura. Chegou assim a Simão Pedro. Este disse: «Senhor, tu vais lavar-me os pés?». Jesus respondeu: «Agora não entendes o que estou fazendo; mais tarde compreenderás». Pedro disse: «Tu não me lavarás os pés nunca!». Mas Jesus respondeu: «Se eu não te lavar, não terás parte comigo». Simão Pedro disse: «Senhor, então lava-me não só os pés, mas também as mãos e a cabeça». Jesus respondeu: «Quem tomou banho não precisa lavar senão os pés, pois está inteiramente limpo. Vós também estais limpos, mas não todos». Ele já sabia quem o iria entregar. Por isso disse: «Não estais todos limpos». Depois de lavar os pés dos discípulos, Jesus vestiu o manto e voltou ao seu lugar. Disse aos discípulos: «Entendeis o que eu vos fiz? Vós me chamais de Mestre e Senhor; e dizeis bem, porque sou. Se eu, o Senhor e Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns aos outros. Dei-vos o exemplo, para que façais assim como eu fiz para vós».

«Se eu, o Senhor e Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns aos outros»

Mons. José Ángel SAIZ Meneses, Arcebispo de Sevilha (Sevilla, Espanha)

Hoje lembramos aquela primeira Quinta-feira Santa da história, na qual Jesus Cristo se reúne com os seus discípulos para celebrar a Páscoa. Então inaugurou a nova Páscoa da nova Aliança, na que se oferece em sacrifício pela salvação de todos.

Na Santa Ceia, ao mesmo tempo que a Eucaristia, Cristo institui o sacerdócio ministerial. Mediante este, poderá se perpetuar o sacramento da Eucaristia. O prefácio da Missa Crismal revela-nos o sentido: «Ele escolhe alguns para fazê-los participes de seu ministério santo; para que renovem o sacrifício da redenção, alimentem a teu povo com a tua Palavra e o reconfortem com os teus sacramentos».

E aquela mesma Quinta-feira, Jesus nos dá o mandamento do amor: «Amai-vos uns aos outros. Como eu vos amei» (Jo 13,34). Antes, o amor fundamentava-se na recompensa esperada em troca, ou no cumprimento de uma norma imposta. Agora, o amor cristão fundamenta-se em Cristo. Ele nos ama até dar a vida: essa tem que ser a medida do amor do discípulo, e esse tem que ser o sinal, a característica do reconhecimento cristão.

Mas, o homem não tem a capacidade para amar assim. Não é simplesmente o fruto de um esforço, senão dom de Deus. Afortunadamente, Ele é amor e —ao mesmo tempo— fonte de amor que se nos dá no Pão Eucarístico.

Finalmente, hoje contemplamos o lavatório dos pés. Na atitude de servo, Jesus lava os pés dos Apóstolos, e lhes recomenda que o façam uns aos outros (cf. Jo 13,14).

Há algo mais que uma lição de humildade neste gesto do Mestre. É como uma antecipação, como um símbolo da Paixão, da humilhação total que sofrerá para salvar todos os homens.

O teólogo Romano Guardini diz que «a atitude do pequeno que se inclina ante o grande, ainda não é humildade. É, simplesmente, verdade. O grande que se humilha ante o pequeno, é o verdadeiro humilde». Por isto Jesus Cristo é autenticamente humilde. Ante este Cristo humilde, nossos moldes se quebram. Jesus Cristo inverte os valores humanos e convida-nos a segui-lo para construir um mundo novo e diferente desde o serviço.

Pensamentos para o Evangelho de hoje
«A utilidade do rebaixamento humano é tão grande que até o recomendou com seu exemplo a sublimidade divina, porque o homem orgulhoso pereceria para sempre, se o humilde Deus não o tivesse encontrado» (Santo Agostinho)

«Viver implica sujar os pés pelos caminhos poeirentos da vida, da história. Todos nós precisamos ser purificados, ser lavados» (Francisco)

«Tendo amado os seus, o Senhor amou-os até ao fim. Sabendo que era chegada a hora de partir deste mundo para regressar ao Pai, no decorrer duma refeição, lavou-lhes os pés e deu-lhes o mandamento do amor. Para lhes deixar uma garantia deste amor, para jamais se afastar dos seus e para os tornar participantes da sua Páscoa, instituiu a Eucaristia como memorial da sua morte e da sua ressurreição, e ordenou aos seus Apóstolos que a celebrassem até ao seu regresso, constituindo-os, então, sacerdotes do Novo Testamento» (Catecismo da Igreja Católica, nº 1.337)

Acolher e participar do seu dom

Tania Pulier, Família Missionária Verbum Dei

Esta passagem tem como centro o convite a deixar-nos lavar por Jesus, receber o seu dom, sua oferta de amor. Só então podemos segui-lo fazendo o mesmo que Ele. Peçamos no início da oração a graça de acolher o dom gratuito.

O primeiro versículo começa situando a narrativa no tempo – “Antes da festa da Páscoa”, anunciando solenemente a chegada da “hora” de Jesus, que havia sido preparada por seus sinais. Qual é esta hora? “A hora de passar deste mundo para o Pai”. O elemento desta passagem é o amor: “tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o extremo”. É um amor que não se improvisa, mas que, tendo sido realizado durante toda a sua vida, é levado agora até o fim, até o extremo. Este fim/extremo denota tanto o final da vida como a plenitude, a consumação. Aponta, assim, o horizonte, a realização da missão de Jesus – tornar “visível” o Pai manifestando o seu amor. Este início já nos coloca aqui na dimensão da morte de Jesus como sua elevação, glorificação dele e do Pai, vinculando-nos nela pelo amor.

Em seguida, o evangelista apresenta o quadro da ceia comunitária, focando dois atores, Judas e Jesus. Esta ceia, onde as pessoas estão juntas reclinadas à mesa, se dá num clima de hospitalidade e relação íntima, no qual se torna mais gritante a presença de um falso conviva, feito instrumento do Diabo, que se contrapõe ao amor revelado. Diante do grande antagonista de Deus, o “diábolos”, semeador de divisão, que age em Judas, está Jesus, com a consciência intensa (típica do Evangelho de João) de que o Pai tinha posto em suas mãos todo o poder de salvação (cf. Jo 3,35). Esta oposição ressalta com mais força a gratuidade do seu amor. Se “entregar Jesus”, aparecendo no início e ao fim do trecho, coloca uma espécie de moldura na cena do lava-pés, o amor ao extremo de Jesus o supera e se manifesta exatamente aí, neste marco, que é o marco da cruz. É traçado aqui o grande itinerário de Jesus, que saiu de junto do Pai (v.3: cf. 1,1.18) e agora percorre o caminho de volta a Ele.

lava pês. O ápice de toda esta passagem está na frase principal: Jesus se levanta da mesa, tira/depõe o manto de mestre, toma uma toalha de servo e a amarra à cintura. Para tomar esse lugar do servo por amor – quem comunica, manifesta, expressa o amor-doação do Pai –, para que esta atitude expresse realmente o que se é, é preciso antes se despojar de si mesmo, do seu próprio lugar. Sinal da vida oferecida livremente e que é retomada (cf. Jo 10,18). A sequência de verbos, de ações expressas nos versículos 4 e 5 surpreende, deixa boquiabertos os que contemplam a cena, pelo movimento de despojamento.

Lavar os pés dos hóspedes que chegavam de viagem era um gesto comum no Antigo Oriente para indicar hospitalidade. Esta tarefa era geralmente confiada a um escravo, pois tinha forte conotação de humilhação. Mais tarde, acabou por exprimir reverência por alguém, podendo ser realizado por um discípulo com relação a seu mestre, uma mãe com o filho rabi, uma mulher com o marido ou os filhos com o pai. Em todos os casos, supõe uma posição de inferioridade. Ao lavar os pés dos discípulos, Jesus, o enviado do Pai, o Mestre e Senhor, toma de forma evidente o lugar do servo. Esta anomalia escandalosa provoca o diálogo que vem em seguida.

Nele, Pedro é ao mesmo tempo personagem autônomo e porta-voz do grupo. Sua oposição acentua a distância entre si e o Senhor. Não pode tolerar que aquele a quem sempre tratou como um Rabi se coloque diante dele como um escravo. A resposta de Jesus sugere que o gesto tem uma razão de ser misteriosa, mistério ao qual se é introduzido na “passagem” pascal. Pedro não reconhece sua incompreensão e reitera com mais vigor a recusa. A expressão “ter parte” significa na Bíblia partilhar o bem ou a herança. Ter parte com Jesus é estar com ele onde ele está, formando com ele uma comunidade de vida. Aqui o gesto já começa a se abrir: é aquilo pelo qual o discípulo chega a essa comunhão.

Pedro então pede apaixonadamente ser lavado, pois não quer deixar de ter parte com o Senhor, mesmo que ainda não o compreenda. Pode ser nosso pedido também. Quando Jesus responde: “aquele que tomou banho (…) está inteiramente puro”, refere-se à escuta da Palavra acolhida na fé. O gesto de Jesus expressa uma atitude de serviço sem reserva, que Pedro só poderá compreender “mais tarde”, mas que é indispensável para que o discípulo, que “já está puro” participe da sua própria vida, comunhão divina realizada pelo Espírito como fruto da hora de Jesus. O auto despojamento de Jesus é a sua própria glorificação, antecipação do acontecimento iminente da cruz, onde manifesta o Pai e faz de nós a comunidade que “tem parte” com ele pela acolhida do dom da sua vida. O lava-pés, antes de ser algo a imitar (vv.12-17) é um ato escatológico único, no qual somos atingidos pelo fim dos tempos, se nos “deixamos lavar”.

O convite maior que Jesus nos faz, então, é receber o dom da sua autodoação, deixando-nos constituir, por sua gratuidade, a comunidade que vive em comunhão com ele pelo amor feito serviço radical.

Podemos lembrar também na nossa oração de hoje, agradecer e pedir pelas pessoas das nossas comunidades que nos desconcertam pelo seu amor posto em ação, pela série de opções e atitudes que tomam, num despojamento da própria imagem, do próprio lugar na comunidade ou sociedade, da briga por ter a razão ou ser reconhecidas. Constantemente tiram o manto – ainda que sua sabedoria de vida o faça próprio delas – e colocam a toalha. Diante de seu serviço, perplexos, chegamos a protestar, nós que pensamos em termos de hierarquia: “A senhora? (O senhor?) Não!” Mas elas, que experimentam uma dignidade que não lhes pode ser tirada, sorriem e continuam, como dizendo: “Recebe, irmã, irmão, o amor entregado que desmancha essas categorias do mundo, que faz passar dele ao Pai, tornando-nos sua família”. Sua oferta ultrapassa em nós as resistências de quem está por demais acostumado a relações de troca, quando não de compra e venda. Feita no Espírito de Jesus, traz presente a doação dele e continua nos revelando o amor de Deus. O que pode gerar em nós senão a acolhida agradecida da gratuidade que nos transforma por dentro, lançando-nos na mesma dinâmica de oferta da vida?

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