quarta-feira, 22 de junho de 2022

Domingo XIV do Tempo Comum

 São Tomé, Apóstolo

1ª Leitura (Is 66,10-14c): Alegrai-vos com Jerusalém, exultai com ela, todos vós que a amais. Com ela enchei-vos de júbilo, todos vós que participastes no seu luto. Assim podereis beber e saciar-vos com o leite das suas consolações, podereis deliciar-vos no seio da sua magnificência. Porque assim fala o Senhor: «Farei correr para Jerusalém a paz como um rio e a riqueza das nações como torrente transbordante. Os seus meninos de peito serão levados ao colo e acariciados sobre os joelhos. Como a mãe que anima o seu filho, também Eu vos confortarei: em Jerusalém sereis consolados. Quando o virdes, alegrar-se-á o vosso coração e, como a verdura, retomarão vigor os vossos membros. A mão do Senhor manifestar-se-á aos seus servos.

Salmo Responsorial: 65
R. A terra inteira aclame o Senhor.

Aclamai a Deus, terra inteira, cantai a glória do seu nome, celebrai os seus louvores, dizei a Deus: «Maravilhosas são as vossas obras».

A terra inteira Vos adore e celebre, entoe hinos ao vosso nome. Vinde contemplar as obras de Deus, admirável na sua ação pelos homens.

Mudou o mar em terra firme, atravessaram o rio a pé enxuto. Alegremo-nos n’Ele: domina eternamente com o seu poder.

Todos os que temeis a Deus, vinde e ouvi, vou narrar-vos quanto Ele fez por mim. Bendito seja Deus que não rejeitou a minha prece, nem me retirou a sua misericórdia.

2ª Leitura (Gal 6,14-18): Irmãos: Longe de mim gloriar-me, a não ser na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo. Pois nem a circuncisão nem a incircuncisão valem alguma coisa: o que tem valor é a nova criatura. Paz e misericórdia para quantos seguirem esta norma, bem como para o Israel de Deus. Doravante ninguém me importune, porque eu trago no meu corpo os estigmas de Jesus. Irmãos, a graça de Nosso Senhor Jesus Cristo esteja com o vosso espírito. Amém.

Aleluia. Reine em vossos corações a paz de Cristo, habite em vós a sua palavra. Aleluia.

Evangelho (Lc 10,1-12.17-20): O Senhor escolheu outros setenta e dois e enviou-os, dois a dois, à sua frente, a toda cidade e lugar para onde ele mesmo devia ir. E dizia-lhes: «A colheita é grande, mas os trabalhadores são poucos. Pedi, pois, ao Senhor da colheita que mande trabalhadores para sua colheita. Eis que vos envio como cordeiros para o meio de lobos. Não leveis bolsa, nem sacola, nem sandálias, e não vos demoreis para saudar ninguém pelo caminho! Em qualquer casa em que entrardes, dizei primeiro: ‘A paz esteja nesta casa!’ Se ali morar um amigo da paz, a vossa paz repousará sobre ele; senão, ela retornará a vós. Permanecei naquela mesma casa; comei e bebei do que tiverem, porque o trabalhador tem direito a seu salário. Não passeis de casa em casa. Quando entrardes numa cidade e fordes bem recebidos, comei do que vos servirem, curai os doentes que nela houver e dizei: ‘O Reino de Deus está próximo de vós’. Mas quando entrardes numa cidade e não fordes bem recebidos, saindo pelas ruas, dizei: ‘Até a poeira de vossa cidade que se grudou aos nossos pés, sacudimos contra vós. No entanto, sabei que o Reino de Deus está próximo!’ Eu vos digo: naquele dia, Sodoma receberá sentença menos dura do que aquela cidade. Os setenta e dois voltaram alegres, dizendo: «Senhor, até os demônios nos obedecem por causa do teu nome». Jesus respondeu: «Eu vi Satanás cair do céu, como um relâmpago. Eu vos dei o poder de pisar em cobras e escorpiões, e sobre toda a força do inimigo. Nada vos poderá fazer mal. Contudo, não vos alegreis porque os espíritos se submetem a vós. Antes, ficai alegres porque vossos nomes estão escritos nos céus».

«Ide!»

+ Dr. Josef ARQUER (Berlin, Alemanha)

Hoje, prestamos atenção a alguns que, entre a multidão, procuraram aproximar-se de Jesus Cristo, que está a falar enquanto contempla os campos repletos de espigas: «E dizia-lhes: “A colheita é grande, mas os trabalhadores são poucos. Pedi, pois, ao Senhor da colheita que mande trabalhadores para sua colheita.”» (Lc 10,2). De repente, fixa o olhar neles e vai mostrando a alguns, um a um: tu, e tu, e tu. Até setenta e dois...

Admirados, ouvem dizer que vão, dois a dois, a todos os povoados e a lugares aonde Ele irá. Talvez algum tenha respondido: - Mas, Senhor, se eu só vim para te ouvir, porque é tão belo o que dizes!

O Senhor põe-nos em guarda contra os perigos que irão encontrar. «Ide, eis que vos mando como cordeiros para o meio de lobos”. «Não leveis bolsa, nem sacola, nem sandálias, e não vos demoreis para saudar ninguém pelo caminho!» (Lc 10,3-4). Interpretando a linguagem expressiva de Jesus: - Deixai de lado os meios humanos. Eu vos envio e isto basta. Mesmo que se sintam distantes, continuam perto, Eu acompanho-vos.

Ao contrário dos Doze, chamados pelo Senhor para que permaneçam junto a Ele, os setenta e dois logo regressarão às suas famílias e ao seu trabalho. E aí viverão o que tinham descoberto junto a Jesus: dar testemunho, cada um no seu lugar, simplesmente ajudando quem os rodeia a aproximar-se de Jesus Cristo.

«Eu vos envio»

Rev. D. Iñaki BALLBÉ i Turu (Terrassa, Barcelona, Espanha)

Hoje, a Igreja contempla como, além dos Doze, havia muitos discípulos que tinham sido chamados pelo Senhor Jesus e que o seguiam. Dentre todos esses discípulos, Jesus Cristo escolhe setenta e dois para uma missão concreta. Exige-lhes —da mesma forma que aos Apóstolos— total desprendimento e abandono completo na Providência divina.

O Concilio Vaticano II no Decreto Apostolicam actuositatem, recorda-nos que desde o Batismo cada cristão é chamado por Cristo para cumprir uma missão. A Igreja, em nome do Senhor, «Por isso, o sagrado Concílio pede instantemente no Senhor a todos os leigos que respondam com decisão de vontade, ânimo generoso e disponibilidade de coração à voz de Cristo, que nesta hora os convida com maior insistência, e ao impulso do Espírito Santo. Os mais novos tomem como dirigido a si de modo particular este chamamento, e recebam-no com alegria e magnanimidade. Com efeito, é o próprio Senhor que, por meio deste sagrado Concílio, mais uma vez convida todos os leigos a que se unam a Ele cada vez mais intimamente, e sentindo como próprio o que é d'Ele (cfr. Fil. 2,5), se associe à Sua missão salvadora. É Ele quem de novo os envia a todas as cidades e lugares onde há de chegar (cfr. Lc. 10,1); para que, nas diversas formas e modalidades do apostolado único da Igreja, se tornem verdadeiros cooperadores de Cristo, trabalhando sempre na obra do Senhor com plena consciência de que o seu trabalho não é vão no Senhor (cfr. 1 Cor. 15,28)» (n.33).

Cristo quer infundir em seus discípulos a audácia apostólica; por isso diz: «Eu vos envio». E São João Crisóstomo comenta: «isto basta para dar-lhes ânimo, isto basta para que tenhais confiança e não temais aqueles que vos agridem». A audácia dos Apóstolos e dos discípulos vinha dessa segura confiança por terem sido enviados pelo próprio Deus. Atuavam, como explicou com firmeza Pedro no Sinédrio, em nome de Jesus Cristo Nazareno, «pois não existe debaixo do céu outro nome dado à humanidade pelo qual devamos ser salvos» (At 4,12).

Exultai, antes, porque os vossos nomes estão escritos nos céus.

Pe. Américo

Uma grande messe e poucos operários. É um dado característico do Evangelho de S. Lucas o facto de não terem sido enviados em missão apenas os Doze, mas também outros setenta e dois (segundo alguns códigos, são apenas setenta). Segundo a opinião generalizada dos estudiosos (cf. Gn cap. 10), este número referir-se-á ao número das nações pagãs (não judias) conhecidas de então e que simbolizariam a totalidade do género humano. Como primeira conclusão, isso indica não só que Lucas manifesta, também aqui, a sua «vocação» universalista (a salvação é para todos), mas também que a missão/evangelização não é uma tarefa só dos Doze (apóstolos). O que, por seu lado, justifica que haja necessidade de novos operários para a messe do Senhor, sendo que estes não são exclusivamente os «sacerdotes» ou sucessores desse grupo dos Doze. Por outras palavras, a evangelização é uma tarefa que a todos diz respeito (todos participam do único sacerdócio de Cristo). Mas, para poderem exercer bem a sua função, os enviados têm que ter algumas características essenciais: ser pacíficos e portadores de paz e não de condenação; saber contentar-se com o mínimo e, por isso, não fazer exigências pelo serviço prestado; e também interessar-se pelos necessitados, bem como anunciar, mais do que tudo, o Reino de Deus, sabendo, porém, que o Reino não se constrói num dia e que o anunciador não é o dono do Reino.

Mensageiros da salvação. Nas reflexões relativas ao domingo anterior, descobrimos que Jesus é alguém que não tem onde reclinar a cabeça. Segui-lo é, pois, exigente e terrivelmente duro. Donde se segue que a sua radicalidade nos desinstala de todas as seguranças humanas e insere-nos num contexto de vida que conduz ao Calvário. A ideia que os apóstolos tinham de Messias, mesmo depois de bastante tempo com Jesus, é ainda demasiado «politizada» e de cariz mais social que religiosa. Mas a verdade é que Ele é um Messias que, não obstante venha a ressuscitar ao terceiro dia, tem que passar pela ignomínia, pelo ódio dos chefes do povo e pelos príncipes dos sacerdotes e tem que se morto (em Jerusalém).

Ora bem, depois de ser posta em realce essa dureza, facilmente chegamos à conclusão de que a finalidade e missão principal desse caminho, mais que libertar da escravidão dos romanos, é libertar da escravidão do mal, que é isso o que quer dizer levar a salvação aos homens. Nesse sentido, como diz o texto evangélico, essa missão não é exclusiva do grupo dos doze apóstolos, mas estende-se também aos outros discípulos de Jesus, representados, segundo o texto em exame, pelo grupo dos setenta e dois (alguns arredondam o número para setenta). Estes são os representantes, digamos assim, de todos os operários que o Senhor ressuscitado envia no tempo da Igreja. Através deles, a missão de Jesus chega a todas as fronteiras da história, até à plenitude da ceifa escatológica.

Nesta perspectiva, é evidente (como já ficou referido no comentário anterior) que ser discípulo de Jesus Cristo não é uma espécie de prenda e não é fonte de seguranças e privilégios. Jesus chama não para oferecer qualquer coisa, digamos assim, mas sim para enviar. Nesse aspecto, ser seu discípulo não é um privilégio, mas antes uma missão. Por outras palavras, ser apóstolo ou discípulo de Jesus não é uma dignidade ou honra, mas sim um serviço em prol do crescimento do Reino. Ou seja, Jesus manda os seus discípulos não para serem considerados grandes homens ou para exercerem o «poder» junto dos outros, mas pura e simplesmente para «anunciar» que o Reino de Deus está próximo. E, para exercer essa tarefa, por vezes, é preciso passar pela paixão e pelo martírio.

Missão: anunciar a esperança. Anunciar o Reino de Deus não passa, em primeiro lugar, por propor realidades de tipo terreno ou político-social. Mas, em todo o caso, isso não quer dizer que não tenha que se  anunciar a esperança, que faz parte da experiência humana também da pessoa. Todavia, não obstante essa componente «humana», a verdade é que o homem, no seu íntimo, aspira à paz, à solidariedade, à justiça, à igualdade. E, no entanto, por outro lado, constata-se que o que se vê é que o homem faz a guerra, luta pelos seus próprios interesses, comete atos de injustiça e produz estruturas opressivas. Mas, repito, apesar de tudo isso, no fundo, o homem continua a acalentar esses ideais, com a esperança de que um dia cheguem a realizar-se como deve ser.

Em linguagem cristã, diz-se que o homem, na profundidade do seu ser, anda numa procura constante de Deus, embora, por vezes, O ignore e, por vezes, O combata também. O homem quer a vida a todos os níveis, em plenitude, embora se veja a braços com a doença, o sofrimento e a morte. Então, o discípulo de Jesus é aquele que, sem garantias humanas de qualquer espécie, anuncia que as contradições mais amargas da existência serão um dia resolvidas e que as aspirações mais profundas do homem serão realizadas «pela intervenção gratuita de Deus», mesmo que não saiba dizer como.

Esta contradição entre o homem que aspira para o infinito e cai no abismo mais abjeto, é algo que tem que se dizer algo de impossível, Mas o que ao homem é impossível, a Deus é possível. Ou seja, a salvação que conta será possível. Mas é uma salvação que não será realizada em conformidade com critérios humanos nem de repente. O mal não é vencido imediatamente como que por um golpe de varinha mágica, não é combatido com armas poderosas, como julgavam os judeus e como julgam ainda muitos dos que põem na força das armas e dos exércitos toda a sua confiança.

A vitória passa pela derrota. Então, perante esse sentimento de contrariedade, o mensageiro da salvação é apertado entre as forças do mal. É como «um cordeiro no meio de lobos». A vitória que conta, a vitória definitiva, passa, tantas vezes, por derrotas contingentes. Mas disso esquece-se facilmente o cristão e também o missionário no sentido estrito da palavra. Mas temos que recordá-lo sempre, sob pena de não nos compreendermos a nós próprios.

Assim, no que nos diz respeito, não há missão sem perseguição, sem sofrimento, sem cruz. Sabia-o perfeitamente S. Paulo e tiveram que o aprender à sua própria custa todos os que quiseram um dia dedicar a vida a esta tarefa. Para o cristão, a certeza da ressurreição está no facto de ele estar crucificado na prova e na contestação. Nesse sentido, não se pode queixar, porque ele é realmente objeto de luta, contestação e perseguição. Aliás, ele deve saber que não tem melhor sorte que o Mestre, pois ninguém pode julgar que pode ser mais que o Mestre. Por seu lado, acrescente-se sem margem para dúvidas que os perseguidores, ao fim e ao cabo, correm o risco dum insucesso escatológico, pois a salvação por que nós esperamos não é precisamente o que estão a combater. A salvação, sim, é que será de signo definitivo e escatológico.

Sinais do mundo novo. Os discípulos opõem a lógica de Deus à lógica do mundo velho. Num «mundo de lobos», dominado pela agressividade e pelo ódio, a presença deles representa uma condenação radical da violência bruta. Num mundo em que o homem é identificado com «o dinheiro que possui e com os vestidos que endossa», os cristãos devem ser os que se apresentam vestidos de pobreza, sem carteiras e bagagens, contentes da hospitalidade de que são objeto.
A proximidade do Reino dispensa os cristãos de se preocuparem demasiado e muito menos em exclusivo com os afãs terrenos. Isso não significa que se desinteressem da humanização e do progresso do mundo (também essa tarefa lhes diz respeito). Mas o facto é que, para além disso, devem apontar numa outra direção, para outros valores e para uma outra realidade.

O texto evangélico diz-nos claramente quais são os sinais que os discípulos de Jesus hão de levar ao mundo: a bondade, a pobreza ou desapego dos bens materiais, o ser construtor de paz e harmonia, o interesse pelos necessitados, o anúncio do Reino de Deus, a persistência perante os fracassos, porque sabem (e manifestam-no) que o Reino não se constrói num dia.

Fidelidade a Jesus é essencial. A humanidade está dividida em vários blocos (talvez lhes possamos chamar ideologias) que possuem uma visão própria da história, possuindo meios extraordinariamente eficazes para levar a todos a sua mensagem. A Igreja tem que apresentar a sua mensagem com meios pobres (até porque, curiosamente, se o faz dando a impressão de poderio, não é aceite pelo mundo moderno). A mensagem da Igreja é sobretudo de carácter religioso e tem que lutar contra uma mentalidade que julga o recurso a Deus como uma alienação. Na melhor das hipóteses, o homem moderno aceita a Igreja como um ideal moral de fraternidade universal tendente ao estabelecimento dum mundo mais justo e pacífico e nunca aceita que ela se faça «respeitar» pela força.

Esta situação pode causar dúvidas e embaraço em muitos cristãos, mas estes devem saber também que o cristianismo não é apenas uma «ideologia» (mesmo que seja a da fraternidade universal), mas a confissão de que a salvação do homem não se pode atingir senão por intermédio de Jesus Cristo.

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