sábado, 28 de agosto de 2021

Domingo XXII do Tempo Comum

Leitura (Dt 4,1-2.6-8):  Moisés falou ao povo: “E agora, ó Israel, ouve as leis e os preceitos que hoje vou ensinar-vos. Ponde-os em prática para que vivais e entreis na posse da terra que o Senhor, Deus de vossos pais, vos dá. Não ajuntareis nada a tudo o que vos prescrevo, nem tirareis nada daí, mas guardareis os mandamentos do Senhor, vosso Deus, exatamente como vos prescrevi. Observai-as, praticai-as, porque isto vos tornará sábios e inteligentes aos olhos dos povos, que, ouvindo todas essas prescrições, dirão: ‘eis uma grande nação, um povo sábio e inteligente’. Haverá, com efeito, nação tão grande, cujos deuses estejam tão próximos de si como está de nós o Senhor, nosso Deus, cada vez que o invocamos? Qual é a grande nação que tem mandamentos e preceitos tão justos como esta lei que vos apresento hoje?”

Salmo Responsorial 14/15

R. Senhor, quem morará em vossa casa e no vosso monte santo habitará?

Aquele que caminha sem pecado e pratica a justiça fielmente; * que pensa a verdade no seu íntimo e não solta em calúnias sua língua.

Que em nada prejudica o seu irmão nem cobre de insultos seu vizinho; * que não dá valor algum ao homem ímpio, mas honra os que respeitam o Senhor.

Não empresta o seu dinheiro com usura, nem se deixa subornar contra o inocente. * Jamais vacilará quem vive assim!

II Leitura (Tg 1,17-18.21-22.27): Toda dádiva boa e todo dom perfeito vêm de cima: descem do Pai das luzes, no qual não há mudança, nem mesmo aparência de instabilidade. Por sua vontade é que nos gerou pela palavra da verdade, a fim de que sejamos como que as primícias das suas criaturas. Rejeitai, pois, toda impureza e todo vestígio de malícia e recebei com mansidão a palavra em vós semeada, que pode salvar as vossas almas. Sede cumpridores da palavra e não apenas ouvintes; isto equivaleria a vos enganardes a vós mesmos. A religião pura e sem mácula aos olhos de Deus e nosso Pai é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas aflições, e conservar-se puro da corrupção deste mundo.

Aleluia. Deus, nosso Pai, nesse seu imenso amor, foi quem gerou-nos com a palavra da verdade, nós, as primícias do seu gesto criador! Aleluia.

Evangelho (Mc 7,1-8.14-15.21-23): Os fariseus e alguns escribas vindos de Jerusalém ajuntaram-se em torno de Jesus. Eles perceberam que alguns dos seus discípulos comiam com as mãos impuras, isto é, sem lavá-las. Ora, os fariseus e os judeus em geral, apegados à tradição dos antigos, não comem sem terem lavado as mãos até o cotovelo. Bem assim, chegando da praça, eles não comem nada sem a lavação ritual. E seguem ainda outros costumes que receberam por tradição: a maneira certa de lavar copos, jarras, vasilhas de metal, camas. Os fariseus e os escribas perguntaram a Jesus: «Por que os teus discípulos não seguem a tradição dos antigos, mas tomam a refeição com as mãos impuras?». Ele disse: «O profeta Isaías bem profetizou a vosso respeito, hipócritas, como está escrito: 'Este povo me honra com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. É inútil o culto que me prestam, as doutrinas que ensinam não passam de preceitos humanos'. Vós abandonais o mandamento de Deus e vos apegais à tradição humana». Chamando outra vez a multidão, dizia: «Escutai-me, vós todos, e compreendei! Nada que, de fora, entra na pessoa pode torná-la impura. O que sai da pessoa é que a torna impura. Pois é de dentro, do coração humano, que saem as más intenções: imoralidade sexual, roubos, homicídios, adultérios, ambições desmedidas, perversidades, fraude, devassidão, inveja, calúnia, orgulho e insensatez. Todas essas coisas saem de dentro, e são elas que tornam alguém impuro».

«Vós abandonais o mandamento de Deus e vos apegais à tradição humana»

Rev. D. Josep Lluís SOCÍAS i Bruguera (Badalona, Barcelona, Espanha)

Hoje, a palavra do Senhor ajuda-nos a perceber que acima dos costumes humanos estão os Mandamentos de Deus. De facto, com o passar do tempo, é fácil nós distorcermos os conselhos evangélicos e, dando-nos ou não conta, substituir os Mandamentos ou então afogá-los com uma exagerada meticulosidade: «chegando da praça, eles não comem nada sem a lavação ritual. E seguem ainda outros costumes que receberam por tradição: a maneira certa de lavar copos, jarras, vasilhas de metal?» (Mc 7,4). É por isso que a gente simples, com um sentimento popular comum, não fez caso dos doutores da lei nem dos fariseus, que sobrepunham especulações humanas à Palavra de Deus. Jesus aplica a denúncia profética de Isaías contra os religiosamente hipócritas («O profeta Isaías bem profetizou a vosso respeito, hipócritas, como está escrito: «Este povo me honra com os lábios, mas o seu coração está longe de mim»: (Mc 7,6)).

Nos últimos anos, São João Paulo II, ao pedir perdão em nome da Igreja por todas as coisas negativas que os seus filhos tinham feito ao longo da história, manifestou-o no sentido de que «nos tínhamos separado do Evangelho».

«Nada que, de fora, entra na pessoa pode torná-la impura. O que sai da pessoa é que a torna impura» (Mc 7,15), diz-nos Jesus. Só o que sai do coração do homem, desde a interioridade consciente da pessoa humana, nos pode fazer mal. Esta malícia é que causa dano a toda a Humanidade e a cada um. A religiosidade não consiste precisamente em lavar as mãos (recordemos Pilatos que entrega Jesus Cristo à morte!), mas em manter puro o coração.

Dito de uma maneira positiva, é o que nos diz santa Teresa do Menino Jesus nos seus Manuscritos biográficos: «Quando contemplava o corpo místico de Cristo (?) compreendi que a Igreja tem um coração (?) entusiasmado de amor». De um coração que ama surgem as obras bem feitas que ajudam em concreto a quem precisa («Porque tive fome, e me destes de comer?» (Mt 25,35).

“Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim. De nada adianta o culto que me prestam, pois as doutrinas que ensinam são preceitos humanos” (Mc 7,6).

Caros irmãos, a liturgia da Palavra deste domingo nos propõe uma reflexão sobre a Lei, cujo objetivo é indicar ao homem um caminho seguro para a felicidade e para a vida em plenitude.  A Palavra de Deus é um caminho sempre atual e nos conduz a um encontro com a verdade. Como, de fato, a escuta atenta e o compromisso firme com a Palavra de Deus devem ser para nós uma experiência a nos projetar para o amor e para o bem e, devem nos impulsionar para a ação, para a mudança de vida, para o abandono da vida antiga, a fim de abraçar uma vida nova, segundo as prescrições do Senhor.

Para entendermos melhor o Evangelho deste domingo devemos recordar inicialmente que os povos antigos em geral e os judeus em particular, sentiam um grande desconforto quando tinham de lidar com certas realidades desconhecidas e misteriosas, que não podiam controlar nem dominar. Criaram, então, um conjunto de regras e normas, com a finalidade de se protegerem diante de cadáveres, sangue e lepra, por exemplo. No contexto judaico, quem infringia essas regras se colocava numa situação de marginalidade e indignidade, que o impedia de se aproximar do Templo, do culto e de se integrar à comunidade do Povo de Deus. Dizia-se então que a pessoa ficava “impura”. Para readquirir o estado de “pureza” e poder reintegrar a comunidade do Povo santo, o crente necessitava realizar um rito de “purificação”, cuidadosamente estipulado pela Lei.

Na época de Jesus, as regras da “pureza” tinham sido ampliadas pelos doutores da Lei e existia uma lista imensa de atividades que tornavam o homem “impuro” e o afastavam da comunidade do Povo santo de Deus. Daí a obsessão com os rituais de “purificação”, que deviam ser cumpridos a cada passo da vida diária.  Sobressaem assim os questionamentos sobre como se libertar da impureza que separa o homem de Deus. Por esta razão, nas diversas religiões, foram introduzidos ritos purificadores, como caminhos de purificação interior e exterior.

No Evangelho, observa-se que, por esta razão, na perspectiva dos doutores da Lei, a purificação das mãos antes das refeições não era uma questão de higiene, mas uma questão religiosa.  Os fariseus vindos de Jerusalém observavam como os discípulos de Jesus comiam sem realizar o gesto ritual de purificação das mãos e ficavam escandalizados.  Tudo indica que o fato serviu aos fariseus para sondar e para averiguar a ortodoxia de Jesus e o seu respeito pela tradição dos antigos.

Contudo, para Jesus, a obsessão dos fariseus para com os ritos externos de purificação é sintoma de uma grave deficiência quanto à forma de ver e de viver a religião; por isso, ele responde aos fariseus com certa dureza. E tendo como base a própria Palavra de Deus, denuncia essa vivência religiosa sintetizada apenas na repetição de práticas externas e formalistas. Por isso, ele diz: “Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim” (v. 6).

Em seguida, Jesus aproveita a ocasião para catequizar os seus discípulos, dizendo: “O que torna impuro o homem não é o que entra nele vindo de fora, mas o que sai do seu interior” (v. 15). Este princípio geral, à primeira vista, passível de várias interpretações, será explicado mais à frente: “Pois é de dentro do coração humano que saem as más intenções, imoralidades, roubos, assassínios, adultérios, ambições desmedidas, maldades, fraudes, devassidão, inveja, calúnia, orgulho, falta de juízo. Todas estas coisas más saem de dentro, e são elas que tornam impuro o homem” (v. 22-23). Jesus se refere, naturalmente, a dois “circuitos” diversos: o do estômago, onde entram os alimentos que se ingerem; e o do coração, de onde saem os pensamentos, os sentimentos e as ações.

Na antropologia judaica, o “coração” é o “interior do homem” em sentido amplo; ele é a sede dos sentimentos, dos desejos, dos pensamentos, dos projetos e das decisões do homem. É nesse “centro vital” de onde tudo parte que é preciso atuar.   É no interior do homem que se definem as suas opções, os seus valores e as suas ações.  Cabe a ele buscar na Palavra de Deus o caminho que o leva à purificação interna. Por isso mesmo o Salmo 118 nos diz: “A palavra de Deus é uma lâmpada para os meus pés, e luz para o meu caminho”.

Jesus não muda a Lei, ele não muda os mandamentos.  A observância dos mandamentos continua sendo a condição para entrar na terra prometida: “Se queres entrar na vida eterna, observa os mandamentos” (Mt 19,17).  Fazer a vontade do Pai, colocar em prática os seus mandamentos, é um dos temas constantes do Evangelho.  Mas a novidade está que Jesus desloca todo o sentido da lei do exterior para o interior, da boca para o coração, de “fora” do homem para “dentro” do homem. E Jesus, no sermão das bem-aventuranças, dirá: “Os puros de coração verão a Deus” (Mt 5,8), ou seja, os que têm um interior puro.

A Lei, como palavra de amor, é uma renovação a partir de dentro, mediante a amizade com Deus. Algo semelhante se manifesta quando Jesus, no sermão sobre a videira, diz aos discípulos: “Vós já estais puros, devido à palavra que vos tenho dirigido” (Jo 15,3). Na medida em que nos deixamos tocar por Ele e pela sua palavra, também somos purificados.

Que o Senhor venha em nosso auxílio e converta o nosso interior, o nosso coração, assim como aconteceu com muitos santos, para que a nossa vida pessoal, familiar e profissional, seja pautada pelo Evangelho.  Que possamos tender sempre para a plenitude da Verdade e do Amor, que é Cristo, o único que pode saciar os profundos desejos do coração humano; e que possamos difundir no mundo a sua luz, a sua pureza e a sua bondade.  Assim seja.

Reflexão

A palavra de Deus deste XXII Domingo chama atenção para o modo como o cristão deve viver sua prática religiosa: com sinceridade diante de Deus, humildade e amor para com os outros e não de forma legalista, fria e autossuficiente. Com efeito, Jesus critica duramente os escribas e fariseus, que vieram de Jerusalém para observá-lo e questioná-lo. Qual é o problema deles? Certamente eram homens piedosos e queriam seguir a Lei de Deus. O problema era o espírito com o qual faziam: extremamente legalista. Vejamos:

1) A lei de Deus (para os judeus, expressa na Torah) é santa: “Agora, Israel, ouve as leis e os decretos que eu vos ensino a cumprir… Nada acrescentareis, nada tirareis à palavra que vos digo, mas guardai os mandamentos do Senhor vosso Deus…” (1a. leitura). Ora, o zelo dos fariseus e dos escribas eram tais e com uma mentalidade de tanto apego à letra pela letra, que se tornaram extremamente legalistas. Eles diziam: “Façamos uma cerca em torno da Lei”, ou seja, criaram pouco a pouco um número enorme de preceitos para evitar qualquer desobediência, ao menos remota, à lei. Preceitos humanos que foram obscurecendo a pureza da lei de Deus e sua característica de ser sinal de amor. Por exemplo: (a) A Lei dizia que o castigo não poderia ultrapassar as quarenta varadas. Os fariseus permitam somente trinta e nove, para evitar qualquer perigo de ultrapassar a conta da lei. (b) A lei proibia o trabalho no sábado. Os escribas e fariseus insistiam que até carregar o instrumento de trabalho no sábado era já um pecado: o alfaiate não poderia carregar sua agulha no sábado. (c) A lei prescrevia abluções (banhos rituais para o culto) só para os sacerdotes. Os fariseus queriam impô-las a todo o povo. A intenção era boa…. mas o resultado, não: tornava a religião algo pesado, legalista e apegado a tantos detalhes que fazia esquecer o essencial: o amor a Deus e ao irmão! Os preceitos humanos obscureciam a intenção divina!

2) A Lei não fora dada para ser um fardo que tira a liberdade e entristece a vida, mas como sinal do amor de Deus, que orienta e indica o caminho com ternura: “Vós os guardareis… porque neles está a vossa sabedoria e inteligência… Ouve as leis que vos ensino a cumprir para que vivais e entreis na posse da terra prometido pelo Senhor Deus” (1a. leitura). A lei e toda prática religiosa devem ser caminho de vida, e não um fardo insuportável e asfixiante, tornando a religião algo tristonho e pesado, como se fosse obra de um Deus ciumento e invejoso da nossa felicidade! Jesus critica os fariseus e os escribas por isso: tornaram a religião um fardo pesado e triste, ao invés de ser primeiramente um relacionamento com Deus, íntimo, feliz e amoroso!

3) Jesus censura também os escribas e fariseus pela incapacidade de distinguir entre o essencial e o secundário; em discernir o que vem Deus e o que é meramente prática e tradição humanas, talvez boas e louváveis, mas não essenciais. Em matéria de religião, nem tudo tem igual valor, nem tudo tem a mesma importância. A medida de tudo é o amor: o amor é a plenitude da lei (Rm 13,10); só o amor dá sentido a todas as coisas!

Outro motivo de crítica é que uma religião assim, apegada a preceitos exteriores, torna-se desatenta do coração, sem olhar a intenção com que se faz e se vive. Cai-se na hipocrisia (a palavra hipócrita vem de hypokrités = ator teatral): uma religião meramente exterior, sem aquelas atitudes interiores, que são as que importam realmente: “Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim. De nada adianta o culto que me prestam!” (Evangelho). É sério: a atitude exterior (lábios) não combina com o interior (coração)! As práticas externas valem quando são sinal de um compromisso interior de amor e conversão em relação a Deus. É importante observar que Jesus não condena as práticas exteriores, mas a sua supervalorização e a sua atuação sem sinceridade: “Importava praticar estas coisas, mas sem omitir aquelas” (Mt 23,23).

4) Há também o perigo da autossuficiência: a pessoa sente-se segura de si mesma por causa de suas práticas: “Ah, eu vou à missa todo domingo, rezo o terço e dou esmola! Estou em dia com Deus!” O homem nunca está em dia com Deus. Pensar assim, é deixar de perceber que tudo é graça e que jamais mereceremos o amor que Deus nos tem gratuitamente. Sem contar que tal atitude nos leva, muitas vezes, a nos julgar melhores que os outros, desprezando os que julgamos mais fracos ou imperfeitos! Era exatamente o que ocorria com os fariseus: “Este povo que não conhece a lei são uns malditos!” (Jo 7,49); “Tu nasceste todo no pecado e nos ensinas?” (Jo 9,34); “Ó Deus, eu te dou graças porque não sou como o resto dos homens, ladrões, injustos, adúlteros, nem como este publicano!” (Lc 18,11). É interessante comparar estas atitudes com as que São Paulo recomenda aos cristãos em Rm 12,3-13.

5) Jesus convida a ir ao essencial: vigiar as intenções e atitudes do nosso coração, pois “o que torna impuro o homem não é o que entra nele vindo de fora, mas o que sai do seu interior” (evangelho). Com um coração puro, poderemos reconhecer que tudo de bom que temos é dom de Deus (“Todo dom precioso e toda dádiva perfeita vêm do alto; descem do Pai das luzes!” – 2a. leitura) e que, diante dele, somos sempre pobres e pecadores, necessitados de sua misericórdia. Isto nos abre de verdade para o amor aos outros e para a compaixão: somos todos pobres diante de Deus: “A religião pura e sem mancha diante de Deus Pai é esta: assistir os órfãos e as viúvas em suas tribulações e não se deixar contaminar pelo mundo”.

Concluindo:

Como vai nossa prática religiosa, pessoal e comunitariamente? Buscamos um relacionamento amoroso, íntimo e pessoal com o Senhor ou nos contentamos com uma prática meramente exterior? Julgamo-nos melhores que os outros diante de Deus? Às vezes dizemos: “Eu não merecia este mal…” – julgando-nos credores de Deus! Dizemos também: “Há tanta gente pior que eu; por que aconteceu comigo?” – julgando-nos melhores que os outros!

O que é mais importante na nossa vida de fé? E na nossa vida em comunidade? O salmo de meditação da missa de hoje dá ótimas pistas para uma exame de consciência.

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