sábado, 15 de abril de 2017

NOSSA SENHORA DA SOLEDADE, OU DA RESSURREIÇÃO?

José Antonio Dominguez

No Sábado Santo, enquanto o corpo de Nosso Senhor repousava no sepulcro, operavam-se na alma de Maria maravilhas de confiança e de fé. No Coração de Maria, a Igreja vivia em todo o seu esplendor.
Para nós, católicos do terceiro milênio, é tão natural crer na Ressurreição de Jesus que a dúvida nem nos passa pela mente.
Mas no primeiro dia de existência da Igreja Católica não foi assim... Os próprios Apóstolos e discípulos foram os primeiros a duvidar. Para ser mais exato, não acreditaram na Ressurreição nem mesmo quando as Santas Mulheres chegaram do sepulcro com a notícia de que Jesus tinha ressuscitado: "Também as outras mulheres que estavam com elas diziam isto aos Apóstolos, mas as suas palavras pareceram-lhes um desvario e eles não acreditaram nelas" (Lc 24, 10-11).
Então, nos primeiros dias de existência da Igreja, os mais próximos seguidores de Cristo não acreditavam numa das principais verdades de nossa Fé? Nenhum Apóstolo acreditava? Nem mesmo São Pedro?

Sucinto relato dos Evangelhos
Muitas vezes, ao ler os Evangelhos, gostaríamos de ter narrações mais ricas em detalhes sobre tantos pontos que ficaram envoltos nas sombras da História. Um deles, por exemplo, é o ocorrido no período entre o sepultamento de Jesus e a Ressurreição. Os discípulos tentaram algum tipo de ação, traçaram planos ou pelo menos se reuniram em algum local para comentar entre si os trágicos acontecimentos? Sobretudo, interessaria saber o que lhes terá dito Nossa Senhora. Nada! São Lucas limita-se a dizer: "Ao regressar, prepararam aromas e perfumes. E, no sábado, observaram o descanso, conforme o preceito" (Lc 23, 56). O evangelista não poderia ser mais lacônico...
As urdiduras dos fariseus e dos príncipes dos sacerdotes interessaram mais o Autor Sagrado. Talvez por conter esse fato uma lição que continua atual, e o será até o fim do mundo. Os inimigos de Jesus não descansam! Não se contentam em vê-Lo morto. Querem apagar até sua memória. Foi assim logo após a morte de Jesus. E assim será sempre, no confronto entre a luz e as trevas.
Tinham eles presenciado numerosos milagres, o mais espetacular dos quais fora a ressurreição de Lázaro, poucos dias antes; e estava bem presente na sua mente a profecia de que ao terceiro dia ressuscitaria dos mortos. Por isso, no sábado "os príncipes dos sacerdotes e os fariseus foram ter com Pilatos e disseram-lhe: Senhor, lembramo-nos de que aquele impostor disse, ainda em vida: ‘Ressuscitarei depois de três dias.’ (...) E seria a última impostura pior do que a primeira" (Mt 27, 62-64).
Embora não tivessem fé na Ressurreição, tinham certo pressentimento ou receio de que algo de extraordinário talvez acontecesse... Quem fizera tantos milagres em vida, não teria também poder para os realizar após a morte? A dureza de coração dos fariseus, face à Ressurreição de Jesus, nos mostra como devemos ser gratos a Deus pelo dom da Fé. Pois quem não abre a alma para a luz da Fé, por mais que a evidência lhe fure os olhos, e a lógica imponha suas razões... continuará a não crer!

Os apóstolos duvidaram
Mas às vezes — por um paradoxo admirável — os incrédulos discernem certas realidades mais facilmente que os católicos. Estes, por estarem acostumados a lidar com o sobrenatural, são tendentes a tomar como normais alguns acontecimentos sublimes.
Talvez esse fenômeno psicológico tenha levado os Apóstolos, após tão longo convívio com a grandeza de Jesus, a tomarem por natural o que era divino... Talvez, assim, não tenham dado o devido valor aos milagres que presenciaram, e acabaram por não compreender a principal profecia de Nosso Senhor: sua Ressurreição.
E ao vê-Lo morto caíram na incredulidade, como se deduz das palavras dos discípulos de Emaús: "Nós esperávamos que fosse Ele Quem libertasse Israel, mas, com tudo isto, já lá vai o terceiro dia desde que se deram estas coisas..." (Lc 24, 21).
Em Maria reluziu a plenitude da Fé
Ninguém, então, conservou a fé plena na Ressurreição, depois da morte de Jesus, na Sexta-Feira Santa?
Sobre este ponto, os Evangelhos não entram em detalhes. Mas, não podemos fazer algumas conjecturas?
Sepultado Nosso Senhor, São João levou Maria, Mãe de Jesus, com ele: "E, desde aquela hora, o discípulo recebeu-a em sua casa" (Jo 19, 27).
É de se supor que naquela primeira noite e ao longo do dia de sábado alguns dos discípulos e as Santas Mulheres tenham procurado Nossa Senhora, quiçá com o intuito de A consolar. Muito provavelmente reuniram-se no Cenáculo, onde tinham celebrado a Páscoa da Antiga Lei, e onde Jesus havia instituído o sacrifício do Novo Testamento, a Eucaristia.
Enquanto conversavam com Maria, os discípulos devem ter procurado no semblante majestoso d’Ela o alento e a resposta para a grande perplexidade pela qual passavam. Teria, então, acabado tudo? O que iria acontecer com eles? Talvez os príncipes dos sacerdotes quisessem prendê-los também. E pode-se supor ter sido a segurança pessoal a grande preocupação de muitos dos discípulos, pois o próprio São João afirma que as portas da casa onde eles se encontravam, no domingo da Ressurreição, estavam fechadas, "por medo dos judeus" (Jo 20, 19).
Mas o olhar sereno e maternal de Maria os tranquilizava. E à medida que Ela lhes recordava as profecias sobre o Messias, como Ele seria perseguido e morto, uma sensação de paz ia invadindo suas almas. Os mistérios de Deus são insondáveis, mas não havia motivo para perturbar-se, pois tudo acontecera como estava previsto. Nesses momentos, Maria deve ter-lhes lembrado a promessa do Arcanjo na Anunciação: "O Senhor Deus dar-Lhe-á o trono de Seu pai David, (...) e o seu reinado não terá fim" (Lc 1, 32). E explicado que, em consequência, eles deveriam esperar uma intervenção miraculosa de Deus. Muito provavelmente Nossa Senhora deve também ter alcançado para eles a graça de uma grande confiança na Providência. O simples fato de estarem ali reunidos, em torno de Maria, era já um primeiro passo para restaurarem a fé perdida.

Soledade no Sábado Santo
Quantas vezes, ao longo daquele dia de sábado, terá passado pela mente virginal de Maria a lembrança dos momentos-auge da vida de Jesus?
"Maria vive com os olhos fixos em Cristo — comenta o Papa João Paulo II — e guarda cada palavra sua: ‘Conservava todas estas coisas, ponderando-as no seu coração’ (Lc 2, 19; cf. 2, 51). As recordações de Jesus, estampadas na sua alma, acompanharam-na em cada circunstância, levando-A a percorrer novamente com o pensamento os vários momentos da sua vida junto com o Filho. Foram estas recordações que constituíram, de certo modo, o ‘rosário’ que Ela mesma recitou constantemente nos dias da sua vida terrena."
E, certamente, este primeiro "rosário" de Maria, meditado com os discípulos naquele Sábado Santo, fortaleceu a fé de todos, preparando-os para o grande acontecimento do dia seguinte.
Mas a ideia da Ressurreição de Jesus, apesar de ter sido com clareza profetizada por Ele, estava tão longe das cogitações dos Apóstolos, que parece mais provável Nossa Senhora não lhes ter falado a este respeito, esperando que seu próprio Filho lhes abrisse os olhos.
Muito apropriadamente, a piedade católica representa Maria, neste dia de sábado, sob a invocação de Nossa Senhora da Soledade. Ela está só, sem Jesus, chorando a sua morte. E por isto de sua fisionomia transparece profunda tristeza.

Antegozando o momento da Ressurreição
Mas, se é verdade que a dor pela morte de Jesus transpassava seu coração virginal, não é menos verdade que a certeza inabalável na Ressurreição de seu Filho o fazia palpitar de consolação e de júbilo.
No meio da incredulidade dos Apóstolos e demais discípulos, Maria era a única a ter uma Fé plena. Só ela creu na Ressurreição. E por isso a Igreja vivia em todo o seu esplendor na alma de Maria. Ela era a Arca da Esperança do Novo Testamento, na qual estavam contidos todos os tesouros de graça da Igreja. E embora Nosso Senhor estivesse morto, vivia plenamente no coração de sua Mãe.
À medida que o tempo passava, Nossa Senhora já ia antegozando o momento jubiloso da Ressurreição. A tristeza cedia lugar a uma intensa alegria. Por isso — além de representar Maria de semblante triste e lacrimoso, no Sábado Santo, sob a invocação de Nossa Senhora da Soledade — não seria também legítimo representá-la de fisionomia jubilosa, antevendo já o triunfo próximo de seu Filho? E quase se poderia afirmar, metaforicamente, que, antes de ressuscitar no Sepulcro, Jesus já havia ressuscitado no Coração Imaculado de Maria. Por isso também se poderia dar-Lhe, nesse dia, a invocação de Nossa Senhora da Ressurreição.
Pode-se comparar este período de sábado com o tempo em que Nossa Senhora gerava o Salvador do mundo, e levantar a pergunta se é mais glorioso ter em si o Filho de Deus, ou ser a única alma inteiramente fiel no mundo, contendo em si, de certa forma, a Igreja. Se a primeira situação é mais gloriosa, sem dúvida a segunda é mais meritória, pois ela creu sem ver: "Bem-aventurados os que, sem terem visto, acreditam!" (Jo 21, 29), disse Jesus a Tomé.

Durante a noite, acreditou na Luz
"É durante a noite que é belo acreditar na luz". Esta expressiva afirmação do poeta francês Edmond Rostand aplica-se com exatidão à Fé da Virgem Santíssima no Sábado Santo. Por este motivo, desde tempos muito remotos, a piedade católica tornou o sábado um dia especialmente consagrado a Nossa Senhora, para enaltecer sua Fé inabalável e recordar um dos mais belos e gloriosos momentos de sua vida, em que só ela sustentou toda a Igreja.
Devemos pedir a Maria, em nossas dificuldades e perplexidades, essa Fé demonstrada por ela naquele momento tão trágico, e por isso tão belo. Segundo paternais advertências do próprio Papa João Paulo II, vão baixando sobre o mundo as trevas da descristianização. É nessa noite do neo-paganismo de nossos dias que é glorioso, para cada um de nós, acreditar na Ressurreição, ou seja, no "triunfo do Imaculado Coração de Maria".

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