sábado, 25 de outubro de 2014

V Centenário Teresiano

CAPÍTULO 4  
SANTIDADE E APOSTOLADO 
A MÍSTICA DO SERVIÇO ECLESIAL
Frei Jesus Castellano Cervera, OCD
  
Uma das lições fundamentais de Santa Teresa é o sentido da experiência mística na Igreja, a finalidade da oração, o seu valor para o apostolado e o sentido santificante da ação apostólica. A Santa não só propõe uma mística da oração, mas também e especialmente uma mística do apostolado, ou melhor procura que o sentido final da vida cristã convirja na oração e no apostolado.

Essa tese acha-se presente em todos os seus escritos, a começar pelo livro da Vida e pelo Caminho de perfeição. Mas que a santa conseguiu expressar de modo denso e concreto no final do Castelo Interior, quando ela mesma vive imersa em Deus e vive dedicada ao serviço da Igreja. Pode dizer-se que em breves traços no último capítulo das sétimas moradas do Castelo Interior, Teresa nos ofereceu a síntese da sua doutrina (7M 4,4 e ss).

Trata-se de uma lição atual que não só recorda a necessária unidade de vida em toda a espiritualidade cristã, sem dicotomias, mas que atraiu a atenção de alguns autores protestantes que admiraram, contrariamente a quanto pensam alguns críticos protestantes sobre a mística, o sentido da ação, a caridade que transforma a pessoa e a lança rumo às obras do serviço do Senhor.

Nestas páginas recolhemos o sentido profundo da mística cristã, mística da oração e da ação apostólica. 

1. Síntese de doutrina e de vida
Para colher em síntese a mensagem doutrinal final de Santa Teresa, o que se poderia definir o seu testamento espiritual para a Igreja, não devemos realmente fazer muitos esforços. Basta ler as páginas finais de sua obra prima o Castelo Interior, para colher em síntese todo o pensamento da Santa, quase uma verificação harmônica e hierárquica de todos os grandes temas de sua doutrina: o valor da oração, o sentido da ação, a presença de Cristo na vida até a identificação com Ele, o serviço à Igreja, a santidade vivida. É uma página que exprime a densidade da vida da autora, num momento de plenitude espiritual e a clarividência doutrinal da mestra que lacra assim a sua obra prima doutrinal com uma mensagem de plena atualidade.

Para compreender o conteúdo doutrinal destas páginas que gostaríamos de explicar, através da leitura fiel e atualizada, é conveniente fazer duas anotações que se unem pois à vida vivida e à proposta doutrinal. 

A. Plenitude de vida numa página autobiográfica e doutrinal
Quando Santa Teresa escreve as últimas páginas do Castelo Interior, no fim de novembro de 1577, encontra-se na verdadeira plenitude espiritual de experiência divina, numa maturidade adquirida como escritora, e numa transbordante dedicação a serviço da Igreja como fundadora.  Desde novembro de 1572 quando recebeu a graça do matrimônio espiritual, vive uma plenitude de comunhão com Cristo e de experiência da Trindade e aumentou nela a compreensão das coisas espirituais. Como escritora demonstra na redação do Castelo Interior, sob a referência autobiográfica, clareza de ideias, do discurso, poderosa nervura teológica. Enquanto fundadora, a sua obra já se encontra espalhada pela Espanha com os mosteiros fundados até o momento e com a expansão dos Carmelitas teresianos; mas o seu serviço na Igreja é dolorosamente obstaculizado; estamos no momento da prova: calúnias, perseguições, ameaças à nascente reforma dos frades; uma semana depois da conclusão do livro São João da Cruz será encarcerado.

À luz desta plenitude de vida, contrastada por mil dificuldades, adquirem valor as preciosas páginas finais do Castelo Interior que são quase autobiográficas, enquanto revelam sentimentos e as suas disposições de esquecimento de si e de total dedicação ao serviço da Igreja: numa existência profundamente marcada pela cruz das perseguições, muito mais sentida enquanto frequentemente vêm dos próprios homens da Igreja.

E são também páginas proféticas, ao iluminarem os cinco anos de vida que faltam para a sua morte em Alba de Tormes em 4 de outubro de 1582. A Santa vai viver na plenitude oração anunciada por estas páginas. O início das perseguições sofridas pela santa e por seus filhos e filhas atingirá ainda momentos dramáticos nos anos seguintes até a separação das duas famílias dos Carmelitas acontecida com o Breve de Gregório XIII “Pia consideratione” de 1580. A Santa retomará sua atividade de fundadora em Malagón, onde se tornará arquiteta do novo mosteiro, e ainda retomará, entre doenças, as viagens pelas estradas da Espanha para as últimas fundações de Villa Nueva de la Jara, Soria, Palência e Burgos. Nesta nobre cidade sofrerá as indecisões do Arcebispo que não se decide conceder as licenças para a fundação. Entrementes a Santa e suas filhas, hospedadas no hospital da cidade dedicar-se-ão a cuidar amorosamente os doentes. Também neste detalhe descobrimos uma manifestação da plenitude do amor pro Deus e pelo próximo. Como garantia da continuidade de inspiração entre os últimos capítulos do Castelo Interior e o estado de ânimo da madre Teresa nos últimos meses de sua existência, temos o testemunho da sua última Relação espiritual, escrita em Palência em 1581, onde se manifesta a sua plenitude de experiência trinitária e cristológica e juntamente o seu desejo sem limites de servir a Deus na sua Igreja (Relação 6).

Assim Teresa vive quanto tinha escrito e cumpre com a sua vida o testamento deixado nas páginas doutrinais que fecham em beleza o Castelo Interior. Páginas pressagas também dos últimos instantes de sua vida terrena: a última doença manifesta-se quando a santa se acha a caminho, esquecida de si, obrigada pelas circunstâncias a vigiar sobre diversas questões que empenham a sua requintada caridade e senso de serviço, enquanto pensa ainda na fundação do mosteiro das Carmelitas de Madri. Morre portanto em quanto se intensifica o desejo do serviço eclesial. Morre com o desejo de caminhar ainda como filha da Igreja, marcada por aquela bem-aventurança que ela mesma tinha aplicado, muitos anos antes, aos servidores fiéis da Igreja: “Felizes as existências que terminarão neste serviço da Igreja” (V 40,15).

É nesta chave autobiográfica e profética que devemos acolher o testamento doutrinal teresiano. 

B. Densidade de sabedoria numa página doutrinal
A última página do Castelo Interior constitui também uma síntese doutrinal da qual emerge a sabedoria evangélica acumulada no coração de Teresa. Quem lê o último capítulo do livro tem a síntese de todo o ensinamento teresiano sobre a oração, o Cristo, a Igreja, sobre as virtudes fundamentais do cristão. Ademais ele revela o segredo da doutrina sobre a oração- vida que é característica do ensinamento teresiano, enquanto une sempre o fervor da oração à verificação das obras, o amor de Deus ao amor do próximo, o amor por Cristo à identificação com sua pessoa, até viver nele e como Ele, também no mistério da cruz. Tudo a serviço da Igreja.

Esse trecho assume também o tom de uma chave de leitura de todo o livro e particularmente constitui o segredo exegético da parte mais delicada e característico do próprio livro: a experiência mística. Se durante o percurso do castelo Interior teve o cuidado de propor efeitos de vida nova, agora, tendo já chegado ao centro do castelo, realiza uma verificação global. Se durante a explicação dos outros estados da vida cristã pedia a verdade das obras, agora pedirá a unidade de vida, a qualidade das obras realizadas no serviço do Senhor.

As palavras de Teresa têm o sabor de uma verificação, ou melhor de um desafio: “Será bom dizer-vos, irmãs, o motivo pelo qual o Senhor concede tantas graças neste mundo. Embora já o tenhais entendido pelos efeitos delas, quero repeti-lo aqui, para que nenhuma de vós pense que é só para deleitar essas almas” (7M 4,4). Está prestes a comunicar um segredo, e no anúncio intervém uma estranha relativização das graças de Deus que parece não sejam fim a si mesmas. Nessa interrogação deixada em suspenso adivinha-se a importância da resposta que será dada. Uma resposta articulada, expressa com segurança doutrinal, até nos últimos pormenores. Uma resposta que, dos píncaros das sétimas moradas e da meta alcançada da comunhão trinitária, assume toda a seriedade de um testamento espiritual.

Mas quanto diz agora na síntese vital do fim, será válido e ela no-lo recordará para cada uma das etapas do caminho.

Somos assim convidados a realizar uma leitura minuciosa de um texto rico, denso, definitivo; autêntica mensagem espiritual de Teresa sobre o sentido da vida cristã, sobre o destino final da mística, sobre a santidade vivida em comunhão com Deus e o esplendor das obras.

Este texto foi colocado recentemente em realce por dois valiosos trabalhos. O primeiro, de M. Herráiz, é uma iluminada síntese da oração teresiana que alcança uma preciosa “unidade de vida”; talvez as páginas mais bonitas e profundas que tenham sido escritas sobre este argumento. O segundo trabalho é a maravilhosa apologia dos efeitos santificantes e apostólicos da vida mística, realizada com textos teresianos que iremos comentar, da respeitável síntese sobre a mística no notíssimo Dictionaire de Spiritualité; citando a síntese final da Santa fala de uma “Christomorphie de l’amour mystique” (cfr. Mystique , em Dicitionaire de Spiritualité , vol 10, Paris, Beauchesne, 1980, col 1982 e ss.): a mística, segundo santa Teresa, conduz a uma total conformação com Cristo.

Na realidade nos encontramos não só na “cristomorfia” do amor místico, mas também na eclesialização da experiência mística; e, ao limite, numa visão do valor das obras apostólicas que brota da plenitude da experiência trinitária que vê o místico, como Cristo, realizar um êxodo de Deus rumo aos irmãos: já envolvido no movimento trinitário do amor, à imagem de Cristo que permanece e “sai” da comunhão trinitária para realizar a obra da salvação. A esta altura, como se verá, as obras do cristão adquirem valor sacramental de manifestações do amor por Deus, de autênticos sinais do amor de Deus pelos homens, naqueles que tendo ficado unidos a Deus derramam-no nas obras de amor a serviço dos irmãos.

Dessa densidade teológica e espiritual acham-se impregnadas as páginas que vamos comentar como síntese do ensinamento teresiano. 

2. A graça suprema: ser semelhantes a Cristo
Uma respeitável afirmação sobre a santidade cristã é a primeira resposta que Teresa propõe: “Deus não nos pode fazer maior favor do que conceder-nos uma vida conforme a do seu diletíssimo Filho” (Ib.). A santidade é a conformação a Cristo no ser e no agir. Ele é o modelo supremo, e quanto Deus fez no seu diletíssimo Filho” é a medida de quanto Deus fará com aqueles que ama. Nessas palavras temos a relativização das graças místicas: as graças são para a graça; a graça é a conformação com Cristo, a cuja imagem devemos nos conformar (cfr. Rom 8,29). É esta santidade cristã à qual são ordenadas todas as graças místicas.

Em seguida explica:” Tenho por certo que o escopo destas graças seja fortificar a nossa fraqueza para que o possamos imitar no muito sofrer” (Ib.) Uma vida em Cristo, marcada pelo sofrer com Ele e como Ele, é o cume da santidade cristã; as graças místicas contribuem para sanar e fortificar os discípulos de Cristo na sua nativa fraqueza. Nenhum senso morboso neste sofrer da terminologia teresiana porque tem como medida o de Cristo. Mas, para evitar equívocos, temos de recordar um traço autobiográfico. No livro da Vida tinha escrito: “Com frequência lhe digo com todo o fervor da minha alma: Senhor, só vos peço uma coisa: ou morrer ou sofrer” (V 40,20).

Um belo comentário ao texto teresiano encontramos na aguda observação de Clara Lubich: “Santa Teresa não disse “sofrer ou morrer”, mas “morrer ou sofrer” porque é uma santa católica, que dá ao sofrimento o seu lugar enquanto concentra todo o coração no único bem: Deus. Ela queria morrer para alcançar Deus. Mas se a vida lhe tivesse concedido ainda tempo, preferia “padecer” porque o sofrer é o melhor modo para demonstrar a Deus o próprio amor aqui na terra” (Cfr. L’attrattiva del tempo moderno. Scritti spirituali , I, Roma, Città Nuova, 1978, pag. 241).

A explicação dessas enigmáticas palavras encontra-se pouco mais adiante a Santa, dirigindo-se ao seu confessor, afirma: “Essa é a vida que levo atualmente. E você, senhor e meu pai, suplique Deus ou para que me chama a si (“morrer”), ou me conceda modo de servi-lo (“padecer”)”. (V 40,23). Padecer que é finalizado ao serviço eclesial. Encontramo-nos diante de um dilema semelhante ao de Paulo: o estar com Cristo pela morte, o servir os irmãos permanecendo em vida (cfr. Fil 1,21-26): uma mística do martírio ou da morte que se coloca em alternativa com a mística do serviço eclesial.

As graças místicas serão destinadas a conformar interiormente o homem a Cristo, sanando e fortificando ao mesmo tempo a natureza fraca; o homem será curado das profundas feridas do pecado; a graça resgatará energias adormecidas, libertará forças paralisadas, para ser com um amor novíssimo “semelhantes a Cristo” no dom do serviço e do sofrimento, até tornar-se dom de si para os outros.

A primeira ilustração dessa tese vem do exemplo dos santos: “os que se aproximaram mais de nosso Senhor Jesus Cristo, sofreram também mais. Considerai os sofrimentos da sua santíssima Mãe e dos seus Apóstolos...” (7M 4,5). Na tipologia da santidade cristã são os que tornaram-se semelhantes a Cristo no padecer. Primeira entre todos, Santa por excelência, é Maria, a Mãe de Cristo, na sua conformação ao Filho aos pés da cruz. E com Maria, em fila ordenada, os Apóstolos do Senhor. Aqui são recordados os amigos de Teresa, os pecadores que se tornaram discípulos, os homens que percorreram todas as sete moradas do castelo interior e agora apresentam o rosto do santo cristão.

Paulo é recordado como um místico no qual a contemplação tornou-se serviço aos irmãos, na pregação e no trabalho, de dia e de noite; nele resplandece a mística do serviço.

Pedro, de quem Teresa recorda a legenda romana do “Quo vadis, Domine?”, que se lia no ofício carmelita da festa de 29 de junho, é o modelo de uma mística do martírio. Da visão de Cristo recebe a coragem para testemunhar a fé até a morte de cruz. 

3. O valor das obras, a força da oração
A segunda ilustração da tese central vem da perspicaz analise da natureza do amor. O verdadeiro amor produz o êxtase, isto é o estar fora de si, polarizado na pessoa que se ama; esquece-se da própria vida, da própria honra, do próprio repouso: “Como deve transcurar o próprio repouso a alma que vive tão unida ao Senhor! Como não se deve preocupar com a honra! Como deve estar distante do desejar ser estimada em algo!” O “esquecimento de si é com frequência citado por Teresa neste contexto como um sentimento característico de quem aderiu a Deus com todo o coração. Os Santos, de fato, são os “esquecidos de si” (7M 4,11). Ela mesma o experimentou. No capítulo 3 das sétimas moradas onde a santa enumera alguns efeitos típicos da união transformante que tornam os místicos semelhantes a Cristo Crucificado recorda um dos efeitos produzidos pela comunhão com Cristo: “Um grande esquecimento de si, tão profundo que não se reconhece mais... Não quer ser nada em coisa alguma... Sente-se mergulhada em tão estranho esquecimento que parece não mais existir” (7M 3,2.15; cfr. Rel 6,1).

Mas em proporção com esse esquecimento desenvolve-se um amor criativo que vem da polarização em Deus, uma santa inquietude por traduzir em obras o amor que se tem por Deus: “Se ela se entretém frequentemente com Ele, como seria necessário, acaba por esquecer a si mesma para esgotar toda a sua preocupação em procurar contentá-Lo mais e no conhecer em quais coisas e por quais caminhos possa mostrar-Lhe o amor que tem por Ele” (7M 4,6). A oração torna-se assim o momento fundamental que prepara e amadurece a criatividade apostólica, o lugar onde perscruta a vontade de Deus e se refina a sensibilidade para compreender os caminhos de um serviço do Senhor em que demonstrar, direi quase “sacramentar”, as ânsias e os desejos da oração. É aqui que a oração se torna estímulo para a eficácia da vida. E é nesta perspectiva de madura unidade vital que Teresa lança os grito e desafio apostólico: “Este é o objetivo da oração... A isto tende o matrimônio espiritual: a produzir obras e mais obras, tornando-se essas, como disse, o verdadeiro sinal para conhecer se se trata de favores ou de graças divinas” (ibi). Trata-se portanto de tornar eficaz e significativo o amor da oração com obras no serviço de Deus, entrar na mesma dinâmica com a qual Deus, mesmo sendo plenamente bem-aventurado, empreendeu a obra da salvação. Por isso, mesmo que a oração seja momento culminante, pode falar-se de uma sua funcionalidade e portanto de uma subordinação sua a este expressar-se como amor de Deus pelos outros, na dinâmica das obras.

É a fecundidade das obras que deve ser posta à base de uma verdadeira pedagogia da oração: “Para que me serviria estar profundamente recolhida em solidão, ocupada em atos virtuosos diante de Deus, propondo e prometendo realizar maravilhas em seu serviço, se depois, saindo de lá fizesse, ao apresentar-se a ocasião, tudo o contrário de quanto tinha prometido?” (ibi). Propor uma saída para a oração, atar a continuidade do rezar e do agir é o ensinamento pedagógico de Teresa no qual se entrevê também, com a caricatura do exemplo aduzido, uma preocupação fundamental.  Não podia existir afirmação mais clara sobre a coerência que requer a amizade com Deus, mesmo que fosse somente do ponto de vista de uma lealdade consigo mesmos, para não cair num idealismo que deixa a oração em boas palavras e pensamentos, completamente separada da vida.

Todavia, para equilibrar as afirmações e para precaver-se de maus entendidos que poderiam desvalorizar a oração, a Santa apressa-se em fazer uma óbvia apologia da oração e de quanto nela é esforço de leal confronto com Deus mesmo que frequentemente as sobras não pareçam seguir a mesma lógica dos sentimentos: “Não se deve crer todavia, que não se tire algum proveito (da oração), porque o tempo que se transcorre com Deus é sempre de grande utilidade” (7M 4,7).Santa Teres está convencida de que a oração, quando exprime verdadeiro desejo de estar com Deus, tem sempre efeito salutar sobre a vida, apesar das incoerências em que pode cair; o próprio Deus pode levar a sério nossas palavras e colocar-nos na condição de ter de agir para ela a fim de nos fortificar nas mesmas ações que antes nos intimidavam . O ideal porém é traduzir em obrar os propósitos, conforme esta elementar pedagogia: “Quis dizer que aproveita pouco em comparação com o muito que se receberia, se as obras se conformassem aos propósitos e às palavras. Por isso quem não pode fazer tudo de uma vez, faça-o pouco a pouco. Se quer que a oração lhe seja proveitosa, esforce-se por vencer a sua vontade...” (Ibi). 

4. Jesus Crucificado, plenitude do amor no serviço
Com essas modulações chega-se a um dos textos mais altos da doutrina teresiana. É o “verbum crucis”, a palavra da cruz de Teresa, semelhante também nisso à pregação de Paulo (cfr. 1Cor 1,17-25; 2,2); a síntese da sabedoria da cruz como chave de abóbada de toda a vida cristã.

O apelo constante a fixar o olhar em Cristo foi muitas vezes repetido por Teresa: “Os olhos no vosso Esposo” (CP 2,1); “Fixemos os olhos em Cristo” (1M 2,1); texto que recorda a exortação da Carta aos Hebreus sobre a “corrida que está diante de nós, mantendo o olhar fixo em Jesus, autor e aperfeiçoador da fé” (Hbr 12,2).

O olhar dirigido a Cristo adquire agora o tom de um desafio: “Fixai vossos olhares no Crucificado e tudo tornar-se-vos-á fácil. Se o Senhor nos demonstrou o seu amor com obras tão grandes e com tão horríveis tormentos, porque querê-Lo contentar somente com palavras?” (7M 4,8). O olhar fixa-se sobre o modelo: Cristo, o Esposo, sobre o qual é preciso que a Igreja fixe com amor os seus olhos, como resposta definitiva do amor de Deus e ao amor de Deus, uma resposta que adquire densidade de amor pelas sobras. 

E, continuando em tom de parêntese provocatória, um dos textos mais bonitos e resolutivos de Teresa: “Sabei o que significa ser verdadeiramente espirituais?” Chegamos a uma revelação, à consignação de um segredo de sabedoria, à definição da mística e da espiritualidade cristã, que encontra em Cristo Crucificado todo o peso e a luz da revelação que acontece na Cruz. E eis a resposta: “Ser escravos de Deus, até ser marcados com o seu ferro, o da cruz, Ele os possa vender como escravos de todo o mundo, como foi para Ele. E não teríamos nenhum agravo, mas uma graça não pequena, visto que nos lhe sacrificamos a nossa vontade” (Ibi).

A santidade cristã, a espiritualidade “verdadeira” têm por seu vértice e modelo o Cristo, o Servo de Deus e o Servidor dos homens (portanto o Servo de Jahvé que dá a sua vida pela salvação de muitos). Neste dom de si à vontade de Deus e ao amor do próximo até tornar-se escravo entrelaçam-se no Cristo a mística do martírio e a mística do serviço. O verdadeiro espiritual, o místico cristão encontra aqui o vértice da santidade. Ser espirituais consiste portanto no entrar em comunhão plena com o Cristo crucificado, na identificação suprema da cruz na qual se vive em total dom da própria liberdade e no serviço total e gratuito por amor, tornando-se “escravos”, como Cristo. O selo da Cruz, marcada pelo fogo ardente do Espírito, o sinal de pertença e de comunhão com Cristo.

O santo cristão será pois um Crucificado vivente, um servo, por amor, de Deus e dos irmãos. Nesta página encontramos o sabor autobiográfico de uma experiência que já alcançou a maturidade cristã: Teresa sente-se serva por amor, identificada com o Esposo, que lhe ofereceu a possibilidade de viver em contínuo desinteressado serviço de amor para com todos.

Da altura resolutiva desta resposta brota a pedagogia mais minuciosa. A santidade não se constrói como um castelo nos ares; precisa de pedras fundamentais, que para o cristão são sempre a humildade e o amor; duas atitudes levadas até o serviço mais generoso, como “escravos” por amor, na concretude da vida da comunidade cristã ou da comunidade religiosa: “Se quereis que o vosso edifício se erga sobre um bom fundamento, procurai ser as últimas e as escravas de todas, procurando em que modo e por quais caminhos seja possível melhor contentar e servir as demais.

Assim fareis mais o vosso que o interesse dos outros, porque colocareis pedras tão firmes que impedirão ao castelo de desabar” (Ibi). Devem ser destacadas neste conselho teresiano duas subtis observações: o amor é serviço criativo em prol do irmão; mas o primeiro beneficiário da graça da caridade é quem ama e serve; o coração do cristão purifica-se e fortifica-se amando os outros; por isso a santidade cristã é amor vivido. 

5. Unidade de vida
Com forte apelo ao realismo Teresa faz apologia da unidade de vida com um apelo ideal à tipologia clássica da unidade indissolúvel entre ação e contemplação, representadas por Maria e Betânia e por Marta.

Antes de tudo propõe uma a firmação sobre a unidade entre oração e vida, veiada por pitada de perspicaz ironia, sempre atual ao referir-se a um cristianismo piedoso que correr o risco de fechar-se na piedade e na oração sem proporcionar saída para o amor ativo: “Por isso repito, é necessário que procureis não fazer consistir o vosso fundamento somente no rezar e contemplar, porque se não procurais adquirir as virtudes e não vos exercitais nelas, permanecereis sempre anãs.  E praza a Deus que vos limiteis somente a não crescer, porque nestas estradas, como bem sabeis, quem não cresce diminui” (7M 4,9). A vida espiritual consiste no crescimento harmônico da oração e das virtudes; o homem espiritual cresce e amadurece na oração que o une a Deus e nas obras com que ama os irmãos, encontrando assim uma harmoniosa unidade de vida. A oração precisa do espaço vital da existência para exteriorizar todas as suas possibilidades. Ao longo de todo o Castelo Interior a nossa autora indicou esta coerência de amadurecimento cristão. Mas quando se quebra a unidade de vida estamos diante do perigo de deformação espiritual e também humana; deformação que plasticamente é ilustrada no texto anterior ao referir-se ao “nanismo”; há perigo de produzir garranchos, de deformar a natureza da vida cristã quando se opõe oração e vida. Ao invés uma oração que procura a coerência das atitudes cristãs tem como frutos cristãos autênticos, equilibrados. O amor verdadeiro possui um dinamismo natural de crescimento, de criatividade: “Considero impossível que o amor, quando existe, se contente de permanecer sempre no mesmo estado” (Ibi).

Com uma retomada que nos conduz novamente ao tema do serviço, encontramos a seguinte afirmação: “Eis, portanto, quanto gostaria que procurássemos. Desejemos e pratiquemos a oração não já para gozar mas para ter a força para servir” (Ibi). A estrada real da santidade pela qual se enveredaram os Santos seguindo as pegadas do Senhor.

Retornam à mente como tipologia da unidade de vida as clássicas figuras de Marta e Maria, unidas já na harmonia da ação e da contemplação. Como de costume, e contra uma exegese muito unilateralmente favorável à Maria, Teresa defende a atitude ativa de Marta, quase descuidada da repreensão de Jesus e da douta exegese dos teólogos. Teresa ficou sempre impressionada pela figura nobre e amorosa do serviço de Marta de Betânia. Ela recorre com frequência à necessária unidade entre Marta e Maria (V 17,4; 22,9; Relação 5,5). Melhor, Teresa pensa na dor de Marta pelo seu sentimento de pesar pela repreensão que Jesus lhe dirigiu (Exclamação 5,2).

Alhures tinha escrito, sempre em favor de Marta: “De Santa Marta não se diz que fosse contemplativa. Todavia não deixa de ser uma grande Santa... Pensem que entre elas deve haver também alguém que prepare a refeição para o Mestre e ela se si considere afortunada por servir como Marta”. E prossegue num bonito pensamento que é ao mesmo tempo apologia da vida comunitária e do valor único do amor quer na contemplação quer na ação: “Se pois a contemplação, a oração mental e vocal, o cuidado das enfermas, os diversos ofícios da casa e até as tarefas mais humildes concorrem para servir o Hóspede divino que vem morar, comer, recrear-se conosco, que nos importa servi-Lo mais de um modo do que de outro?” (C 17,6).

Teresa insta agora na visão realista da necessária união entre contemplação e serviço: “Crede-me; para hospedar o Senhor, tê-lo sempre conosco, tratá-Lo bem e oferecer-Lhe de comer como se deve, é preciso que Marta e Maria andem de acordo. De que modo Maria estando sentada aos pés de Jesus, podia dar-lhe de comer se sua irmã não a ajudava?” (7M 4,10). Seguindo todo o raciocínio sobre o serviço, uma sutil repreensão, no caso, é agora dirigida à Maria de Betânia.

Unidade de vida: oração e ação, contemplação e serviço, escutar o Senhor e acolhê-Lo. Mas o melhor serviço que podemos prestar ao Senhor é o que introduz muitos no círculo da amizade de Cristo. A passagem doutrinal para a identificação do apostolado com o serviço realizado por Marta, neste texto em que se encontra uma reminiscência joanina que faz alusão ao alimento de Cristo, que é fazer a vontade do Pai e cumprir a sua obra (cfr. Jo 4,34): “O seu alimento consiste no procurar com todas as nossas forças e modos ganhar muitas almas para Deus a fim de que sejam salvas e O louvem para sempre” (37). Um esplêndido louvor da vida apostólica e uma eficaz proposta da espiritualidade da ação. 

6. A grande obra de Deus na fragilidade dos santos
A ideia da Santa que está na base dessa apologia da ação apostólica é a consciência de que quanto mais profunda e substancial é a união com Deus, tanto mais forte é o seu influxo interior que cura, fortifica, e qualifica o contemplativo para as grandes obras. Com o Forte nos tornamos fortes, com o Santo nos tornamos santos, afirma-se com um texto de Davi (Sl 17,26; 7M 4,10).

Temos como que uma inversão da personalidade. Se nas primeiras moradas os sentidos e a psicologia eram aliados do mal, agora são aliados do bem; as forças interiores, que a presença de Deus no centro do ser irradia, alcançam as potencias e os sentidos que são deste modo habilitados a um serviço novo e qualificado, surpreendente com são frequentemente os santos, os que dão testemunho de Deus com obras maravilhosas, que resplandecem como obras do Senhor na sua fragilidade humana. Também aqui as expressões são fortemente autobiográficas. Espontaneamente remetem-nos a páginas com esta das Fundações: “Neste livro das fundações, não descrevo os grandes padecimentos passados pelos caminhos, com frio, com sol, com neve, pois às vezes nevava o dia inteiro, momentos em que nos perdíamos, outros com grandes achaques e febres, porque, glória a Deus, costumo ter pouca saúde, embora visse com clareza que Nosso Senhor me dava forças. Porque me acontecia algumas vezes em que tratava das fundações achar-me com tantos males e dores que chegava a angustiar-me muito, pois me parecia não poder ficar, mesmo na cela, senão deitada. Eu me voltava para Nosso Senhor queixando-me a Sua Majestade, e perguntando-lhe como queria que eu fizesse o que não podia; depois disso, mesmo havendo sofrimentos, Deus, me dava forças e, com o fervor que me infundia, e o cuidado, eu parecia esquecer de mim mesma. Pelo que me lembro, nunca deixei de fundar por temer sofrimentos, embora pelos caminhos, especialmente nos longos, sentisse muita contrariedade; mas ao começar a andar parecia ter pouca distância a percorrer, vendo a serviço de Quem o fazia e considerando que, na casa a ser fundada, se haveria de louvar o Senhor e abrigar o Santíssimo Sacramento...” (F 18,4-5; 27,20- 21). É a confissão de uma fragilidade conatural - Teresa esteve sempre doentia - na qual brilha a força do Espírito.

É este outro aspecto da santidade. São os santos que realizam grandes obras apostólicas apesar de sua fraqueza. Numa tipologia da santidade contemplativa e apostólica, Teresa recorda: “as grandes penitencias praticadas por muitos santos, especialmente a gloriosa Madalena, embora crescida entre delícias: disso o zelo pela glória de Deus que teve o nosso Pai Elias, e o anseio com que São Domingos e São Francisco reuniram almas para louvar o Senhor; eu vos confesso que não devia sofrer pouco, esquecidos como estavam de si mesmos” ((7M 4,11 e V 4,6). São Santos que deixaram traços duradouros na Igreja e arrastaram consigo as almas para Deus. Na última expressão teresiana notamos uma característica dos santos, cara à Santa de Ávila: eles são “os esquecidos de si”, lançados todos para Deus, desejosos somente da sua glória e da salvação das almas. 

7. Dimensões do serviço eclesial na vida contemplativa
As páginas teresianas que ilustramos constituem uma apologia da vida apostólica. Teses semelhantes encontram-se também em outros escritos seus e testemunha quanto Teresa tomasse a peito o serviço direto no apostolado a ela proibido pelas muitas circunstâncias históricas que podem ser resumidas nestas duas: a sua condição de mulher, o seu estado de monja (C 1,2; V 21,2). Faz-se mister todavia dizer que a Santa, apesar dos preconceitos e proibições, desenvolveu um apostolado direto de amplo respiro com a fundação dos seus mosteiros, com a sua palavra eficaz e persuasiva que falava de Deus, com a força humaníssima das suas cartas onde o divino calava no humano, e com a mensagem dos seus escritos que conservaram, além da morte, viva e próxima a experiência espiritual que continuam comunicando aos homens de todos os tempos. Mas se sabe que Teresa voltou-se providencialmente para o serviço eclesial com a originalidade de conferir à vida evangélica e contemplativa dos seus mosteiros uma autêntica dimensão de serviço à Igreja com a vida, com a oração e com o testemunho.

Nos últimos compassos do Castelo Interior, após ter inflamado todos os orantes no serviço apostólico na Igreja, estabelece necessário diálogo com as suas filhas, as carmelitas descalças; são elas que sentem no coração o ardente desejo de servir a Igreja mas devem fazê-lo, por vocação própria, na vida fraterna, silenciosa e escondida de um mosteiro contemplativo e na condição de clausura. A última página do Castelo interior torna-se assim apologia do sentido apostólico da vida contemplativa, do valor da vida monástica. É nessa luz que se deve ler a síntese doutrinal de Teresa.

Mas na mensagem específica sobre a dimensão eclesial e apostólica da vida contemplativa, há princípios que podem guiar uma justa valoração da jerarquia da vida apostólica e das prioridades do serviço eclesial. A mensagem, portanto, se alarga e torna-se universal.

Eis a objeção fundamental à qual Teresa procura oferecer resposta espiritualmente válida: Outra coisa me quereis dizer: é que para ganhar almas para Deus vós não podeis nem tendes meios suficientes; que o faríeis de bom grado, mas que não tendo o dever de ensinar nem pregar como os apóstolos, não sabeis em qual outro método podeis corresponder” (7M 4,14). Temos aqui uma pergunta empenhativa que exige uma resposta sapiencial. A Santa não foge do confronto: responde de modo articulado.

Parece que Teresa nunca tenha aceitado de bom grado as objeções que se faziam então a respeito do empenho das mulheres no serviço apostólico, a partir da citação de São Paulo sobre o silêncio das mulheres nas assembleias. De fato uma curiosa e polêmica frase da Santa a respeito das mulheres e a pregação no-lo recorda: “Como o Apóstolo (Paulo: 1Cor 14,34-35) e a nossa incapacidade nos proíbem de pregar com palavras, façamo-lo pelo menos com as obras” (C 15,6).

Seja como for, Teresa teoriza o valor da vida contemplativa a serviço da Igreja com uma série articulada de razões.

- O valor apostólico da oração. É claro que para Teresa o primeiro, fundamental serviço é o da oração-vida, e isto é de uma vida de oração que se torna empenho de santidade pessoal e comunitária. Com ela se alcança a todos: “Damos por certo que com a vossa oração podeis ajudar muito a ganhar almas para Deus” (Ibi). A convicção, amadurecida pela experiência, impulsionou Teresa a dar preferência para a vida evangélica empenhada na contemplação como primeiro serviço prestado à Igreja. “Ser tais” que possamos obter com uma poderosa intercessão o que o mundo e a Igreja precisam (CP capítulos 1 e 2).

- O realismo e a concretude - Agora porém a Santa apoia-se num subtil argumento que exprime uma convicção madura. O primeiro serviço consiste no realismo de uma vida que não se refugia em sonhos impossíveis; os primeiros destinatários do serviço eclesial são os nossos irmãos que compartilham conosco os mesmos ideais de vida; o primeiro apostolado consiste na própria vida e no exemplo que arrasta, nas sobras concretas de caridade. O raciocínio de Teresa é incisivo: “Às vezes o demônio inspira-nos grandes desejos para deixar de lado ocasiões de servir a Nosso Senhor em coisas viáveis e nos contentar privilegiando aquelas que são impossíveis... não queirais beneficiar todas as pessoas; concentrai-vos nas que estão em vossa companhia, e assim será maior a obra pois a vossa obrigação com elas é muito maior. Julgais pequeno ganho abrasá-las a todas com o fogo da vossa grande humildade, da mortificação, do serviço a todas, de uma intensa caridade para com elas e do amor a Deus? Ou se com as demais virtudes as encherdes de estímulo? Não, será grande esse serviço e muito agradável a Deus. Vendo que realizais as obras que estão ao vosso alcance, Sua Majestade entenderá que faríeis muito mais e vos recompensará como se tivésseis levado muitas almas a Ele” (7M 4,14).

- O serviço da santidade pessoal e comunitária. Aprofundando ainda a resposta, Teresa coloca-se outra possível subtil objeção: Direis que isso não é converter, já que aqui todas as almas são boas. E que tendes vós com isso? Quanto melhores forem, tanto mais agradáveis ao Senhor serão os seus louvores e tanto mais sua oração beneficiará as almas que lhes estão próximas”. Excelente resposta teresiana que mira, no serviço da Igreja, mais à qualidade do que à quantidade e ensina que a proporção da eficácia apostólica está em relação com a perfeição e a santidade das pessoas da Igreja. Retorna-se assim à sua convicção fundamental, que pôs como base do serviço eclesial da vida contemplativa: renovar a Igreja com a santidade pessoal e comunitária para tornar mais eficaz a sua oração e o seu apostolado. Essa densidade do ser Igreja mesmo em detrimento de uma rápida difusão superficial é atestada por uma polêmica frase da Santa numa de suas últimas cartas: “Nosso ganho não está em multiplicar os mosteiros nas no fato que sejam santas as pessoas que neles moram” (Carta 30/05/1582). Iniciando pelas pessoas e pelas comunidades, a vida da Igreja se expande, sem sacrificar a uma extensão superficial o empenho individual e comunitário da santidade.

- O primado do amor e a criatividade apostólica que vem de Deus. Na última pincelada a resposta exaustiva: “Em suma, irmãs minhas, concluo dizendo que não edifiquemos torres sem alicerces sólidos, porque o Senhor não olha tanto a grandeza das obras quanto o amor com que são realizados. E, desde que façamos o que pudermos, Sua Majestade nos dará forças para fazê-lo cada dia mais e melhor. Não nos cansemos logo. No pouco que dura esta vida - e talvez seja ainda menos do que pensamos - ofereçamos interior e exteriormente ao Senhor o sacrifício que pudermos. Sua Majestade o unirá ao sacrifício que ofereceu ao Pai na cruz por todos nós. Assim, conferirá a ele o valor merecido pelo nosso amor, embora sejam pequenas as obras” (7M 4,15). Na concentrada densidade teológica deste texto algumas afirmações fundamentais: o realismo e a concretude das obras; o valor absoluto do amor que torna verdadeiramente grandes as grandes obras, como engrandece as pequenas, densas de amor; o dinamismo criativo de um serviço que aumenta na proporção em que se insere no ritmo próprio de Deus que abre novos caminhos e oferece novas possibilidades “cada dia mais”; a perseverança criativa que não se cansa e colhe o átimo da vida que passa a possibilidade de um serviço intenso.; a graça de poder viver no sacerdócio real do sacrifício interior e das obras exteriores, juntamente à fonte de todo o valor apostólico que é o sacrifício de Cristo; o valor absoluto do amor.

Esta página de Santa Teresa evoca espontaneamente a figura de Teresa de Lisieux que pôs em prática no modo mais maravilhoso este testamento teresiano na concretude da vida contemplativa engajada, no realismo de uma caridade refinada, na força avassaladora do amor que deu valor a cada pequena ação e alargo além dos muros do mosteiro sua ação apostólica e missionária. Também está na base das mais bonitas afirmações do Vaticano II sobre o valor da vida contemplativa e da sua “misteriosa fecundidade apostólica” (PC n.7). 

8. Jerarquia de valores na vida apostólica
O ensinamento vale também para a vida apostólica com suas modulações já expostas e com as aplicações concretas a respeito.

Resta claro que para Teresa o primeiro serviço consiste na oração-vida, no ser Igreja e Igreja santa. Na Igreja que é o Corpo de Cristo o primeiro serviço será o de manter intacta a comunhão com Deus sem a qual não existe verdadeira vida eclesial. Ser contemplativos deverá permanece o primeiro empenho dos apóstolos, o primeiro serviço prestado à Igreja, que para manter a sua originalidade deve haurir constantemente a sua seiva vital na comunhão com Cristo. Da oração, como vimos, mana a força vital do serviço segundo os próprios desejos de Deus.

Com a mesma lógica deve afirmar-se que o apostolado verdadeiro é concreto e realista; dirige-se, numa lógica Jerarquia de valores e de possibilidades, aos mais próximos, àqueles que se encontrar realmente na vida, não descuidando de ninguém; um apostolado não feito de sonhos, mas de empenhos que estão ao nosso alcance.

Talvez Teresa afirme com a mesma lógica que também no apostolado não se deve parar na superficial edificação da Igreja a nível numérico e com uma extensão epidérmica, mas se deve mirar em fazer crescer a Igreja em profundidade e em extensão juntamente, numa orientação decidida ao amadurecimento de grupos e de comunidades que por sua vez poderão influir mais positivamente com a força própria do exemplo, na extensão da Igreja.

Finalmente, é na linha do pensamento de Teresa que tudo em valor apostólico se permeado pelo amor; que não existem grandes obras se são privadas do amor; que não há ações pequenas se carregadas de caridade. Nos empreendimentos macroscópicos da Igreja e nas suas ações quase microscópicas e escondidas, o que conta é o amor. Da comunhão com Deus, fonte da caridade, manam as obras grandes do apostolado e as maravilhas de santidade de uma vida escondida; ambas com dimensões apostólicas. Na perseverança criativa, a possibilidade de um apostolado que, tendo entrado no dinamismo do Espírito, pode crescer cada dia mais em profundidade extensão. A própria Santa está convencida de que os Santos fazem grandes obras pela Igreja, a Serviço do Senhor. Afirma, isso, no seu opúsculo Conceitos do Amor de Deus c. 7, que tem por título: “Frutos admiráveis produzidos na Igreja pelas almas favorecidas por esta união e desapegadas de qualquer interesse pessoal”
 
9. O valor santificador do apostolado
Santa Teresa expressou com força a unidade da vida contemplativa e apostólica. Com a mesma força com que afirma que a oração é de caráter apostólico, quando torna-se plenamente expressão de amor, assere também que o trabalho apostólico é santificador e leva ao crescimento na contemplação e na união com Deus. Na base dessa afirmação está a sua experiência de contemplativa e de “andareja” e também o testemunho que recebe dos outros, que vê crescidos e amadurecidos no amor de Deus no meio de um frenético apostolado ou dedicados a obras de caridade (F 5,8). Mas, ao lado da experiência, ela confirma o princípio muitas vezes expresso e que se tornou axioma da sua espiritualidade sobre a indissolúvel relação entre o amor de Deus e do próximo: o amor de Deus vivido na oração impulsiona a manifestá-lo no amor ao próximo com obras de caridade e de apostolado; o amor ao próximo faz crescer misteriosamente o amor a Deus e conduz à união com Ele (5M 3,7-12).

Na apologia da vida ativa que alcança quanto hoje se escreve a propósito da “espiritualidade da ação”, podem ser suficientes dois textos teresianos que expressam muito bem o pensamento desta mestra de oração e de apostolado.

O primeiro é o trecho final da segunda Exclamação: “Ó Jesus meu! Quão grande é o amor que tendes aos filhos dos homens, a ponto de o maior serviço que se pode fazer a Vós seja deixar-Vos por seu amor e lucro, situação em que sois possuídos mais plenamente. Porque, embora não se satisfaça tanto a vontade em gozar, a alma se compraz em contentar a Vós, vendo que os gozos da terra são incertos, ainda que pareçam dados apor Vós, enquanto vivermos nesta mortalidade, se não estiverem acompanhados do amor ao próximo. Quem não o amar, não Vos ama, Senhor meu, pois vimos demonstrado com tanto sangue o amor tão grande que tendes aos filhos de Adão” (E 2,2). Trata-se, como revela o trecho, de servir o próximo até deixar Deus por Deus que vive no próximo, com a consciência de cresce na comunhão com Ele. É este o admirável “êxodo” apostólico da oração rumo ao próximo, semelhante ao de Cristo, da Trindade até a humanidade para fazer dom de si aos irmãos.

O segundo trecho é um conselho ministrado pela santa a um amigo íntimo que vive mergulhado no apostolado e tornar-se-á Arcebispo de Évora, em Portugal, D. Teutônio de Bragança. Escreve para consolá-lo e encorajá-lo na vida apostólica: “Não é de maravilhar que não possa vossa senhoria ter agora o recolhimento que deseja, com semelhantes novidades. Dar-lhe-á o dobro Nosso Senhor - como costuma fazer quando O deixamos para a tender a seu serviço; contudo sempre desejo que procure vossa senhoria tempo para sua alma, porque nisto está todo o nosso bem” (Carta de 16/01/1578). Deste modo, na unidade de vida, tem-se a possibilidade de um crescimento harmônico de oração profunda e de apostolado eficaz. 

Conclusão
Nas páginas finais do Castelo Interior de Teresa pudemos perceber a densidade de uma mensagem, quase um testamento espiritual, que conserva o frescor e a validade de uma página evangélica. Um forte chamado à santidade e à profundidade do empenho de vida contemplativa; um forte estímulo a trabalhar pela Igreja e pela Humanidade numa ação apostólica eficaz e concreta. Um elogio da vida contemplativa que possui uma avassaladora força apostólica universal; uma apologia do apostolado, por uma Santa que é mestra de oração, como forma eficaz para servir a Igreja, mas também como expressão e meio de crescimento espiritual.

Harmonia e mutuo, fecundo relacionamento entre oração e a ação apostólica. Tudo a serviço da igreja para fazer crescer em santidade pessoal e comunitária. Essa é a mensagem de Teresa de Ávila. Essa foi a sua obra num momento difícil da Igreja. Esse o seu serviço eclesial, verdadeira “diakonia” do Evangelho, da oração vivida e da ação apostólica que mana do amor. Na sua vida e nos seus escritos um poderoso convite para que todo o cristão seja um contemplativo engajado, toda a comunidade eclesial, seja ao mesmo tempo comunidade de oração, de amor e de serviço, para oferecer ao mundo o rosto de Cristo “divino e humano junto” numa Igreja contemplativa, fraterna e missionária. 

Bibliografia
M. HERRAIZ , La oración, história de amistad , Madrid, Ede, 1981, pág.s 175-198.
E. RENAULT , L’ideal apostolique des Carmélites selon Thérèse d’Avila , Paris DDB, 1981.
F.R. Wilhélem, Dieu dans l’action. La mystique apostolique selon Térèse d’Avila , Venasque, Edition du Carmel, 1992.
A. MAS , Teresa de Jesús en el matrimonio espiritual. Un análisis teológico desde las séptimas moradas del “Castillo interior” , Ávila, 1993. 
 
CONCLUSÃO 
Já se passaram 39 anos da proclamação de Santa Teresa de Jesus Doutora da Igreja. A abundante bibliografia dos últimos anos sobre a sua doutrina, e especialmente com motivo da proclamação do doutorado da Santa e do IV Centenário de sua morte (1582-1982) evidenciaram o interesse por sua doutrina que ilumina a Igreja, principalmente no campo da oração e da mística.

Procuramos oferecer neste curso uma visão panorâmica da pessoa, dos escritos e da teologia teresiana.

Temos o prazer de concluir com as belas e emblemáticas expressões do cardeal Carlos Maria Martini numa meditação sobre a Santa, por ocasião de uma peregrinação recente que percorreu as pegadas de Santa Teresa e de São João da Cruz em Ávila e Segóvia, acompanhado pelos sacerdotes da diocese de Milão. Numa meditação afirma a respeito das fontes da oração cristã: Referimo-nos a Santa Teresa de Ávila, porque é a santa que viveu em si mesma como ícone, e mais eficazmente teorizou, o tema da oração pessoal, dos seus métodos, dos itinerários da oração, da sua necessidade e suma utilidade, das suas alegrias e das suas provações. Com ela e com São João da Cruz a oração mental foi colocado no centro da atenção da Igreja... São os dois santos carmelitas que a ilustraram nos pormenores da doutrina e com o exemplo da vida, traçaram o seu itinerário, descreveram esse caminho com abundantes pormenores, usaram os símbolos da subida da montanha e do castelo interior com incontáveis salas” 

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