sábado, 9 de novembro de 2013

XXXII Domingo do Tempo Comum

«Não é um Deus de mortos, mas de vivos»

Depois dos fariseus e dos escribas, aparecem novos adversários a Jesus: os saduceus. Estes negavam a ressurreição, considerando-a pura quimera humana e adotaram contra Jesus uma nova estratégia de confronto. Querendo limitar a atuação de Jesus e o seu crescente protagonismo - que poderia resultar num confronto político com as autoridades romanas – procuram uma forma de descredibilizar Jesus, narrando uma história possível, cuja resposta fundamenta o sentido profundo da nossa fé: Deus não é um Deus de mortos, mas de vivos!
Pe Tarcízio Morais, sdb

Evangelho segundo S. Lucas - Naquele tempo, aproximaram-se de Jesus alguns Saduceus – que negam a ressurreição – e fizeram-lhe a seguinte pergunta: «Mestre, Moisés deixou-nos escrito: “Se morrer a alguém um irmão, que deixe mulher, mas sem filhos, esse homem deve casar com a viúva, para dar descendência a seu irmão”. Ora havia sete irmãos. O primeiro casou-se e morreu sem filhos. O segundo e depois o terceiro desposaram a viúva; e o mesmo sucedeu aos sete, que morreram e não deixaram filhos. Por fim, morreu também a mulher. De qual destes será ela esposa na ressurreição, uma vez que os sete a tiveram por mulher?». Disse-lhes Jesus: «Os filhos deste mundo casam-se e dão-se em casamento. Mas aqueles que forem dignos de tomar parte na vida futura e na ressurreição dos mortos, nem se casam nem se dão em casamento. Na verdade, já não podem morrer, pois são como os Anjos e, porque nasceram da ressurreição, são filhos de Deus. E que os mortos ressuscitam, até Moisés o deu a entender no episódio da sarça-ardente, quando chama ao Senhor ‘o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacob’. Não é um Deus de mortos, mas de vivos, porque para Ele todos estão vivos».

Naquele tempo, aproximaram-se de Jesus alguns Saduceus – que negam a ressurreição – e fizeram-lhe a seguinte pergunta…
Os saduceus eram os líderes mais conservadores no judaísmo da época de Jesus. Para eles não existia outra vida: a única vida existente era a presente e nela eles eram os privilegiados; por isso, não havia por que esperar outra, na “ressurreição”. Astutamente, apresentam um caso para justificar a sua falta de fé na ressurreição e, sobretudo, para pôr à prova o Mestre.
Ontem, como hoje, são muitos os que questionam este mistério: que viveremos no além da vida? Em que consiste a proclamada “ressurreição dos mortos”? Jesus responde no seu Evangelho dizendo-nos que Deus não pode abandonar o homem ao poder da morte. O seu amor maior não limita o nosso existir a esta realidade, mas oferece-nos a possibilidade de um amor que o contempla, na Páscoa de cada homem, à vida que não tem fim. Que devemos esperar então? Esse amor que nos torna únicos e incondicionalmente amados. Agora e no tempo sem fim. Porque tudo converge para o amor de Deus. Vida nova. Vida sem fim. Vida eternamente transformada no amor eterno de Deus por cada um de nós.

«Mestre, Moisés deixou-nos escrito: “Se morrer a alguém um irmão, que deixe mulher, mas sem filhos, esse homem deve casar com a viúva, para dar descendência a seu irmão”. Ora havia sete irmãos. O primeiro casou-se e morreu sem filhos. O segundo e depois o terceiro desposaram a viúva; e o mesmo sucedeu aos sete, que morreram e não deixaram filhos. Por fim, morreu também a mulher. De qual destes será ela esposa na ressurreição, uma vez que os sete a tiveram por mulher?».
O caso seria possível no contexto judaico. Na lei de Moisés, para dar continuidade à descendência, para que a “vida” não tivesse um “fim”, com descendência (também para que os próprios bens permanecessem na família, perpetuando um nome, um patrimônio, uma família) era dever desposar a viúva do irmão sem descendência. Mas o exemplo tem um ponto débil: retém que esta vida e aquela depois da morte são a mesma coisa; como se funcionassem do mesmo modo, segundo os mesmos parâmetros, propondo a mesma vida depois da “passagem”. Mas uma nova “páscoa” se abre: a que Jesus oferece como fundamento da nossa fé – a sua própria ressurreição.
Na verdade, a fé na ressurreição não é fruto da minha necessidade de existir depois da morte, mas diz respeito à necessidade de Deus em dar continuamente vida. Os que ressuscitam, não terão esposa, nem marido - diz Jesus. Serão protagonistas de um amor distinto: porque amar é a plenitude de Deus. E nesse amor existimos, vivemos e nos movemos. Para a plenitude desse amor, que é Deus, por essência e para sempre. Com a morte a vida não termina: transforma-se no amor de Deus, vínculo eterno de frescura, primavera, Páscoa eterna de amor e vida nova. Para todos os crentes. Para todos os que amarem na forma do amor de Deus.

Disse-lhes Jesus: «Os filhos deste mundo casam-se e dão-se em casamento. Mas aqueles que forem dignos de tomar parte na vida futura e na ressurreição dos mortos, nem se casam nem se dão em casamento…
Jesus não responde diretamente à questão levantada pelos saduceus. Mas, como muitas vezes faz, convida-os a olhar mais além do “muro” que colocaram diante de si, abrindo uma janela que os convida a ver uma perspectiva completamente nova. Não são as mesmas as prerrogativas no para além da vida. É outro o grau de existência. Outros os fins e os princípios. Outra a matéria e a realidade. Outra a participação no mistério de Deus. Por isso, na passagem do tempo à eternidade, permanece o bem, o mal cai. O amor permanece.
Ao ser humano (portanto, a cada um de nós…) incomoda o fato de não conhecer o que se passa “no além da vida”. Gostaríamos de dominar daqui o mistério que permanece mais além, e isso, não nos é concedido. Viver por amor a Deus e por todos é o que nos faz entrar no tempo sem fim. Viver desse amor que nos faz irmãos, que nos compromete à partilha do ser, da vida, do tempo e da eternidade. Numa lógica diferente da nossa. Num amor que superabunda em graça e vida de abundância. Nesse tempo, nesse espaço, nessa vida onde só o amor permanece. Só o amor de Deus é vida. Só Deus é vida e eternidade. Jesus não fala de “sobreviver” ou “reviver”: fala de ressurreição – outro grau de existência. Porque a morte não é a última coisa que pode acontecer a um crente, mas a porta que o abre à eternidade do amor de Deus.

Na verdade, já não podem morrer, pois são como os Anjos e, porque nasceram da ressurreição, são filhos de Deus.
A realidade escatológica, da vida para além do que vivemos, oferece-nos uma “vida nova”, de ressuscitados. Nessa nova realidade, viveremos à luz de Deus: tudo converge para Deus, numa nova existência, numa nova realidade. Viveremos como os “anjos”, nascidos da ressurreição de Cristo, filhos, portanto, no Filho. Por isso, a vida humana deve ser assumida em vista desta comunhão com Deus. Desta vida nova. Desta vida em Deus. Como filhos.
Chegou o momento, estimulados sempre pela Palavra de Deus, de pensar a nossa vida dando sentido às nossas escolhas, à nossa quotidianidade. Sonhando com um mundo melhor onde somos protagonistas como filhos, nascidos da ressurreição de Jesus. De coração e olhos novos, porque amamos como o Senhor nos amou e olhamos o mundo com o olhar compassivo de Jesus. Capaz de lhe oferecer testemunhos de esperança e vida nova. Superando os silêncios que nos afastam do Deus vivo. Superando o limite do nosso tempo dando eternidade ao nosso amar. Construindo pontes rumo ao mundo novo de Deus. Como filhos.

E que os mortos ressuscitam, até Moisés o deu a entender no episódio da sarça-ardente, quando chama ao Senhor ‘o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacob’.
O testemunho da ressurreição ganha raízes na tradição judaica. Abraão, Isaac, Jacob, homens que acreditaram num “Deus conosco” (com eles), um Deus que entra em comunhão profunda com a sua história e a do seu povo. Homens que experimentaram na sua vida a possibilidade de superar os limites da morte acreditando e fixando-se na promessa de Deus. Porque eles, como todos aqueles que confiaram em Deus, viveram para Ele, deram a vida por Ele, e por Ele continuam vivos, na ressurreição. Uma lógica distinta e distintiva dos que amam a Deus. E fazem a diferença no seu existir. Ganhando eternidade, ressuscitando para o Deus da Vida.
Jesus quer assegurar o processo da nova Aliança que N’Ele a humanidade viverá. Daqui a pouco, no contexto do Evangelho de Lucas, Jesus dará a sua vida por amor da humanidade para que o homem graças ao seu amor, possa viver para sempre. Para uma nova criação, superando o limite da morte. Por isso dizia Mons. Romero: “Na Igreja, é clássico este movimento que se expressa com estas palavras: «já e ainda não», como um pêndulo de um relógio: «já e ainda não», «já e ainda não». Assim é o cristianismo: já, já devo viver como se vivesse no céu; ainda não, porque não se manifestou o que sou; já, sinto o meu compromisso com este Cristo, encarnando-se no povo a quem sirvo e a quem dou a vida, ainda que não veja o esplendor da glória que levo escondida em mim mesmo. Vivamos já em «reino dos céus»”.

Não é um Deus de mortos, mas de vivos, porque para Ele todos estão vivos.
A resposta final de Jesus, como sempre, é genial e contundente. O Mestre não se deixa embrulhar no arrazoado dos saduceus, não responde com o mesmo tom e método, mas desloca o problema. Para resolver um problema sobre o homem, convida a olhar para Deus. Se Deus é o Deus dos vivos, porque então haveria de nos abandonar na morte? Se Deus é o Deus do Amor, porque então haveria de condenar ao vazio do nada as suas criaturas que ama? Deus, não é um Deus de mortos, mas de vivos, porque para Ele, todos estamos vivos!

Deus vivo. Deus vivente, vivendo em nós. Deus que ama a vida, Aquele que nos ama. Entrar em relação com Ele significa iniciar uma vida que se torna cada vez mais intensa, quanto mais nos abandonarmos nele. Uma vida que se torna eterna quando é totalmente de Deus. Que sentido teria, de fato, experimentar a vida, nascendo e crescendo, amando e partilhando, se tudo, mas exatamente tudo, acabasse com a nossa morte? Que sentido teria a bondade, a alegria, as fadigas e as ânsias, o nosso afã de cada dia, se depois se revelasse só uma breve, muito breve, experiência sobre esta terra? Somos crentes num Deus vivo: não um Deus de mortos, mas de vivos, porque para Ele todos estão (estamos e estaremos) vivos.

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