sexta-feira, 26 de abril de 2013

V Domingo da Páscoa


Queridos irmãos carmelitas.  Devido à reunião dos formadores no Convento de Santo Alberto de Goiana durante este fim de semana, preferimos adiantar os textos para as Lectio Divina do Sábado da IV Semana e o V Domingo da Páscoa, bem como o texto de formação carmelita deste sábado, dia 27 de abril.

«Que vos ameis uns aos outros»
Pe. Luciano Miguel, sdb

Nos últimos dias da sua despedida, Jesus não deixa de recomendar aos seus o seu mandamento novo: “que vos ameis uns aos outros como eu vos amei”. O mandamento do amor é o distintivo de todos os cristãos. Supõe esta ligação essencial a Cristo e ao seu Evangelho. Supõe esta adesão única à mensagem de Jesus e ao seu projeto de um novo “Reino”. Supõe a libertação de tudo aquilo que não nos identifica com o que nos é mais distintivo: uma forma de amar que é capaz, até, de perdoar aos inimigos. E esta forma de amar foi-nos ensinada por palavras, e, mais que tudo, testemunhada pela forma de atuar do Senhor que nos pede hoje que, como comunidade, nos amemos outros, e como cristãos, não deixemos nunca de amar como ele nos amou.

EVANGELHO – Jo 13,31-33a.34-35 - Quando Judas saiu do cenáculo, disse Jesus aos seus discípulos: «Agora foi glorificado o Filho do homem e Deus glorificado n’Ele. Se Deus foi glorificado n’Ele, Deus também O glorificará em Si mesmo e glorificá-lo-á sem demora. Meus filhos, é por pouco tempo que ainda estou convosco. Dou-vos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros. Como Eu vos amei, amai-vos também uns aos outros. Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros».

“Quando Judas saiu do cenáculo, disse Jesus aos seus discípulos: «Agora foi glorificado o Filho do homem e Deus glorificado n’Ele.”

Convém ter bem presente o contexto histórico deste pequenino texto: o da Última Ceia. Jesus acabava de lavar os pés aos discípulos. Depois se senta de novo à mesa e anuncia que ia ser atraiçoado por um dos seus. Num diálogo, quase a sós com o discípulo “amado”, Jesus diz que será Judas Iscariotes que O entregará. Ambiente de grande tensão e dramatismo.
Diante da realidade da situação, somos levados a fixar-nos antes do mais na frase “Quando Judas saiu do Cenáculo”. Parece haver uma tentativa de separação, de limpeza. A intimidade só se comunica aos amigos chegados. Só então Jesus, na maior intimidade confessa, agora apenas aos restantes onze discípulos, que o processo da Sua morte já esta em andamento. Por um lado a traição de quem fora escolhido; por outro a aceitação dessa morte por parte de Jesus, como vontade do Pai, e que será a Sua glorificação. Predileção e traição. Morte e glorificação. Que aproximações tão raras! O que leva a interrogar-nos: o que move Judas a atraiçoar o seu Mestre? O que leva Jesus a deixar-se atraiçoar por um dos seus escolhidos? Mistério de um amor infinito!
A nossa atenção detém-se, antes de tudo, sobre a primeira palavra utilizada por Jesus neste “discurso de despedida” que lemos neste Domingo de Páscoa: “Agora”. “Agora o Filho do Homem foi glorificado”. De que “hora” se trata? É o momento da cruz que coincide com a glorificação. Este termo no Evangelho de João coincide com a manifestação ou revelação. Por conseguinte, a cruz de Jesus é a “hora” da máxima manifestação da verdade. Deve ser afastado do significado de ser glorificado tudo o que possa levar a pensar em algo relativo à “honra”, ao “triunfalismo”, etc.

Se Deus foi glorificado n’Ele, Deus também O glorificará em Si mesmo e glorificá-lo-á sem demora.

A “glorificação” de que Jesus falava nesse momento, quase certo que os Apóstolos não a entendiam. Continuavam e continuarão até depois da Ressurreição a viver num mundo totalmente diferente do de Jesus: só conheciam o humano e era nesse que apostavam, e Jesus tentava falar-lhes do divino. Tarefa difícil para Jesus.
Nós mesmos, hoje, temos dificuldade em compreender as palavras de Jesus: «Agora foi glorificado o Filho do homem e Deus glorificado n’Ele. Se Deus foi glorificado n’Ele, Deus também O glorificará em Si mesmo e glorificá-l’O-á sem demora.” Como pode vir a glória através da morte numa cruz? Quem sente honra em ter por Deus um “homem crucificado”? Que faz esse Deus numa Cruz? E entretanto essa é a fonte da Glória de Jesus porque na Cruz entregou toda sua vida inocente para dar vida divina aos homens escravizados pelo mal. Já Santo Ireneu dizia: “A glória de Deus é o homem vivo e a vida do homem é a visão de Deus”. Deus Pai glorifica Jesus por este aceitar encarnar para poder morrer numa cruz e desse modo mostrar aos homens o amor imenso com que Deus nos ama. Glória para o Filho e glória para o Pai. E o Pai glorifica o Filho ressuscitando-O ao terceiro dia.
Por um lado Judas entra de noite e Jesus prepara-se para a glória: “Quando saiu, disse Jesus: 'Agora foi glorificado o Filho do Homem e Deus foi glorificado n'Ele. Se Deus foi glorificado n'Ele, Deus também o glorificará em si mesmo e glorificá-lo-á muito em breve'” (vv. 31-32) A traição de Judas amadurece em Jesus a convicção de que a sua morte é “glória”. A hora da morte na cruz está no plano de Deus; é a “hora” na qual sobre o mundo, mediante a glória do “Filho do Homem”, resplandecerá a glória do Pai. Em Jesus, que oferece a sua vida ao Pai na “hora” da cruz, Deus é glorificado revelando o seu ser divino e acolhendo na sua comunhão todos os homens.
A glória de Jesus (o Filho) consiste no seu “amor até ao fim” por todos os homens, quer os que se oferecem a ele quer os que o atraiçoam. É um amor que carrega todas as situações destrutivas e dramáticas que gravitam ao redor da vida e da história dos homens. A traição de Judas é o símbolo não tanto de um indivíduo mas de toda a malvadez da humanidade e da sua infidelidade à vontade de Deus.

Meus filhos, é por pouco tempo que ainda estou convosco.

Jesus pressente que a sua morte está próxima. Judas já saiu ao encontro dos seus inimigos e a prisão está iminente. É o momento da despedida. Jesus, o Homem Deus, assumiu tudo o que é humano e portanto também a dor da separação humana e da separação violenta.
Jesus, mais uma vez, previne os discípulos do que vai acontecer. Certamente com este anúncio quer fazer ressaltar ainda mais a importância do testamento que lhes quer deixar. Já não terá oportunidade de lhes comunicar muito mais. Que fixem bem o “mandamento novo” que lhes vai anunciar. Jesus parte fisicamente, mas a sua separação não será definitiva. Temos nós consciência do que medeia entre esta separação e o Cristo ressuscitado? Até que ponto recordamos e vivemos o que Ele nos assegurou depois: “Não vos deixarei sós…”, “Estarei convosco… até ao fim do mundo”. Cristo morto, mas ressuscitado. Cristo morto, mas vivo. Cristo morto mas pronto a fazer conosco a vontade do Pai: a libertação dos homens! Contamos com Ele no dia a dia da nossa vida de batizados comprometidos?

 “Dou-vos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros. Como Eu vos amei, amai-vos também uns aos outros.”

Como é evidente, Jesus dava as últimas recomendações, conselhos e orientações aos seus discípulos. E sintetizou tudo num único mandamento que Ele apelidou de “mandamento novo”: o mandamento do amor. Quem ousaria pedir tal coisa se Ele não nos “tivesse amado apaixonadamente primeiro”?
Sabemos que já no Antigo Testamento Deus educara os judeus na linha do amor: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” e “o estrangeiro que reside convosco… amá-lo-ás como a ti mesmo…” podemos ler no Lv 19, 18.34. Onde está então a novidade do mandamento de Jesus? Precisamente no “amai-vos como Eu vos amei”. Da pedagogia usada durante três anos contra o egoísmo e interesses pessoais dos discípulos, passando pelo lava-pés até à crucifixão, tudo foi amor na vida de Jesus. Se não o que é que faz um Deus pendurado numa cruz? Não é essa cruz a amorosa e infinita gratuidade de um Deus? Dar a vida por outro. Sem nada pedir. Por puro e gratuito amor. Pensando apenas na felicidade do outro. É esse o Deus que nos pede que “nos amemos como Ele nos amou”. Será que no-lo pode propor?
Prestemos atenção ao mandamento novo. No versículo 33 há uma mudança no discurso de despedida de Jesus: não é mais usada a terceira pessoa mas há um “tu” a quem o Mestre dirige a sua palavra. Este “tu” é expresso no plural e através de um termo grego que exprime profunda ternura: “filhinhos” (teknía). Mais concretamente: Jesus ao usar este termo quer comunicar aos seus discípulos, através do tom da sua voz e com a abertura do seu coração, a imensa ternura que tem por eles.
É interessante verificar outra indicação que se encontra no versículo 34: “que vos ameis uns aos outros como eu vos amei. O termo grego kathòs (“como”), não indica uma comparação: “amai-vos uns aos outros como eu vos amei”. O seu significado é consecutivo ou causal: “Porque eu vos amei, assim amai-vos uns aos outros”.
Há exegetas, como o P. Lagrange, que vêem no mandamento de Jesus um sentido escatológico: durante a sua relativa ausência, Jesus, esperando o seu definitivo retorno, quer ser amado e servido na pessoa dos seus irmãos. O mandamento novo é o único mandamento. Se falta, tudo falta. Escreve Magrassi: “Fora as etiquetas e as classificações: todo o irmão é sacramento de Cristo. Interroguemo-nos acerca da nossa vida diária: é possível viver ao lado do irmão desde a manhã até à noite sem o aceitar e amar? A grande tarefa neste caso é o êxtase, visto no sentido etimológico da palavra: sair de mim para me tornar próximo de quem quer que seja que tenha necessidade de mim, começando pelos que estão mais perto de mim e pelas coisas humildes de cada dia” (Vivere la Chiesa, 113).

Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros».

Jesus esclarece qual será a identidade dos seus seguidores: serão conhecidos pelo amor mútuo! Sem fardas, sem emblemas, sem crachás, apenas pela maneira de viver, de se comportar. As ideologias e os ritos tão próprios do judaísmo e paganismo cediam o lugar a um tipo de vida em que o amor mútuo fosse o fundamento de tudo e a identificação da pessoa.
A exigência de Jesus aos seus discípulos continua a ser-nos proposta hoje a nós. Os cristãos somos homens como os outros, vivemos nos mesmos locais, temos as mesmas profissões, os mesmos divertimentos. Cidadãos em tudo iguais aos outros. Porém… possuímos uma “marca d’água” especial que distingue o nosso modo de viver: é amor! Não um amor light, deturpado, egoísta, mas um amor que tem a sua fonte em Deus. Deus é amor e só pode amar. O distintivo dos cristãos é esse amor que nasce de Deus, um amor mútuo, gratuito, onde mergulha todo o nosso agir e viver, transformando-o também em amor. Um amor que se dá, que se entrega, que consegue dar um sentido divino à nossa vida. Exageros? Arroubos? Se é Jesus que no-lo diz, que no-lo manda, que nos deu por primeiro o exemplo, como podemos ainda duvidar? Não será antes um tentar justificar a nossa real falta de amor?

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